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SANTOS, Eduarda Militz. Desaos concorrenciais do diálogo competitivo da nova lei de licitações:
cartelização e outras condutas coordenadas. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10,
n. 2, p. 163-176, 2022.
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i2.1013
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FUCKNER, Mariana. A arbitragem no controle de estruturas como mecanismo de reforço
ao monitoramento do Cade: cabimento e vinculação da autarquia. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 10, n. 2, p. 137-162, 2022.
https://doi.org/10.5286/rdc.v10i2.999
DESAFIOS CONCORRENCIAIS
DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES:
A MODALIDADE DE DIÁLOGO
COMPETITIVO1
Competitive challenges of the new bidding law: the
competitive dialogue procedure
Eduarda Militz Santos2
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Santa Catarina/SC, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Contexto (facultativo): O presente trabalho localiza-se no contexto de transição entre o antigo e o
novo regime geral de licitações e contratos administrativos, promulgada em 1º de abril de 2021, a Lei
nº 14.133/2021.
Objetivo: O trabalho pretende identicar possíveis desaos concorrenciais decorrentes da modalidade
de diálogo competitivo trazida pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos e evidenciar
pontos de atenção para o controle de condutas anticompetitivas.
Método: Método dedutivo.
Conclusões: O Diálogo Competitivo está sujeito a práticas conhecidas de cartéis em licitações,
como a retirada ou cobertura de propostas e as promessas de subcontratação. Para além da
possibilidade de cartelização, o desenho jurídico da modalidade também aponta para o risco de
troca de informações sensíveis entre os licitantes e para o risco de direcionamento da contratação.
Palavras-chave: diálogo competitivo; licitação; concorrência; cartel; administração pública.
STRUCTURED ABSTRACT
Context (optional): This work is located in the context of transition between the old and the new
general regime of public procurement and administrative contracts.
Objective: This work intends to identify possible competitive challenges arising from the modality
of competitive dialogue brought about by the New Law on Administrative Public Procurement and
Contracts and to highlight points of attention for the control of anticompetitive conduct.
Editor responsável: Prof. Dr. Luis Henrique Bertolino Braido, Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6085-1446.
Recebido em: 20/10/2022 Aceito em: 02/12/2022 Publicado em: 14/12/2022
2 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Intercambista na 41ª edição do programa
de intercâmbio do Cade (PinCade). Estagiária no escritório Schieer Advocacia. E-mail: eduardamilitz@gmail.com; Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2596246716429674. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1312-382.
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cartelização e outras condutas coordenadas. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10,
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https://doi.org/10.52896/rdc.v10i2.1013
Method: Deductive method
Conclusions: Competitive Dialogue is subject to well-known practices of bid rigging, such as
the withdrawal or coverage of bids and promises of subcontracting. In addition to the possibility
of cartelization, the legal design of the modality also points to the risk of exchanging sensitive
information between bidders and to the risk of directing the contract.
Keywords: competitive dialogue; bidding; competition; cartel; public administration.
Sumário: 1. Introdução; 2. Diálogo competitivo na nova lei de licitações; 3.
Condutas colusivas em licitações públicas. Características e peculiaridades;
3.1. Características facilitadoras de cartéis em licitações; 4. Condutas colusivas
no âmbito do Diálogo Competitivo; 4.1. Cartelização de licitantes; 4.2. Troca
de informações sensíveis entre competidores; 5. Conclusão; 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 institui como regra a realização de licitações para a
contratação de bens e serviços pela Administração Pública (art. 37, XXI). As licitações são, em suma,
concursos realizados pelo Estado com vistas a selecionar a melhor proposta para suprir determinada
necessidade administrativa, com base no preço e/ou na técnica do ofertante (MELLO, 2015). Em outras
palavras, os particulares competem entre si pela oportunidade de fornecer serviços ou produtos ao
Estado brasileiro.
Nesse sentido, o ano de 2021 representa um importante marco temporal para as contratações
públicas brasileiras, materializado na promulgação de um novo instrumento legislativo para
disciplinar as compras públicas: a Lei 14.133/2021. A Nova Lei de Licitações foi sancionada em
1 de abril de 2021, tornando-se o novo diploma geral sobre licitações e contratos administrativos
(BRASIL, 2021). Conforme justicação constante no Relatório Final apresentado pela Comissão
Especial Temporária de Modernização da Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 8.666/1993) – CTLICON
ao Senado Federal (BRASIL, 2013), a Lei apresenta-se como uma compilação dos diplomas legais
anteriormente existentes sobre o assunto, acrescida de algumas inovações.
Uma destas inovações é a modalidade de licitação intitulada “Diálogo Competitivo”. Com
forte inspiração no Competitive Dialogue existente na União Europeia (Diretiva 2004/18/CE e Diretiva
2014/24/UE) (EUROPA, 2004; 2014), esta nova modalidade permite maior interação entre os licitantes
e a Administração Pública durante o curso do processo licitatório.
Em que pese a modalidade congure um importante avanço nas compras públicas brasileiras,
em especial para contratações complexas e inovadoras, a exibilidade do procedimento levanta
preocupações, especialmente em países com forte histórico de corrupção.
Da perspectiva essencialmente concorrencial, a análise sobre as compras públicas brasileiras
realizada pela OCDE (OCDE, 2021a) apontou que, no ano de 2020, o Brasil investiu cerca de R$ 35,5
bilhões em contratações de bens, serviços e obras. Os altos uxos nanceiros aplicados à contratação
de particulares tornam as compras públicas expostas a riscos de conluio entre fornecedores,
majoração arbitrária de preços e fraudes em licitações. Além disso, por se tratar de crime contra
a Administração Pública, os danos decorrentes de fraudes em licitações são sentidos por toda a
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https://doi.org/10.52896/rdc.v10i2.1013
coletividade e afetam diretamente os cofres públicos.
Nesse sentido, o presente artigo dedica-se a avaliar os desaos trazidos pelo Diálogo
Competitivo sob a ótica concorrencial, com enfoque em condutas colusivas entre licitantes.
Para cumprir com o objetivo proposto, o artigo se subdivide em 4 partes. Feita esta introdução
inicial, o primeiro tópico (item 1) dedica-se a analisar a estrutura jurídica do diálogo competitivo
na legislação brasileira, com foco em suas características e regramentos. Após a compreensão
sobre o procedimento estudado, passa-se à compreensão das características e peculiaridades das
condutas colusivas no âmbito das contratações públicas (item 2). Na sequência, serão analisadas as
características facilitadoras da formação de cartéis em licitações (item 2.1), especialmente com base
na experiência nacional e internacional de autoridades concorrenciais. Após, será feita a identicação
das possibilidades de incentivo à formação de cartéis no âmbito do Diálogo Competitivo (item 3). Ao
nal, o trabalho se encerra com as considerões nais a respeito da análise realizada (Conclusão).
Espera-se que o presente trabalho possa lançar luz às possíveis adversidades enfrentadas na
aplicação desta nova modalidade licitatória, com vistas a possibilitar o preparo dos órgãos licitantes
e o melhor proveito dos diálogos competitivos com os particulares, assim como prevenir os órgãos
de controle dos pontos de atenção eventualmente identicados.
2. DIÁLOGO COMPETITIVO NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES
A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) trouxe a unicação
dos diplomas normativos a respeito das contratações públicas brasileiras, bem como algumas
inovações nas possibilidades de contratação pela Administração. Como mencionado, a modalidade
de Diálogo Competitivo é uma dessas novidades (BRASIL, 2021).
Inédita no Brasil, a modalidade apresenta-se como uma manifestação da democratização do
exercício do poder detido pela Administração Pública, permitindo maior participação dos cidadãos
na condução das atividades administrativas e facilitando a construção de soluções cooperativas
(JUSTEN FILHO, 2021). Conforme denição trazida pela própria Lei 14.133/2021, o diálogo competitivo
é a “modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração
Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o
intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo
os licitantes apresentar proposta nal após o encerramento dos diálogos” (art. 6º, inciso XLII).
O Diálogo Competitivo se justica, entre outros motivos, pela assimetria informacional
existente entre o poder público e o mercado privado. Isso porque o mercado possui, naturalmente,
maiores informações sobre as soluções existentes e possibilidades de resolução de demandas
administrativas, de modo a possibilitar um planejamento preciso da contratação. É por este motivo,
por exemplo, que a pesquisa de mercado é uma etapa obrigatória na fase de planejamento das
licitações públicas.
Outras modalidades, como o Procedimento de Manifestação de Interesse e a Manifestação
de Interesse Privado já previam o diálogo do ente contratante com entes privados3. Contudo, nestas
modalidades, o contato com entes privados se dava na chamada “fase interna” da contratação, antes
3 Sobre as diferenças entre o Procedimento de Manifestação de Interesse, a Manifestação de Interesse Privado e o
diálogo competitivo, ver: Aragão (2021).
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de qualquer seleção de licitante. O mesmo não ocorre no Diálogo Competitivo.
A nova modalidade é destinada às hipóteses em que a Administração Pública, quando
colocada perante um problema a ser resolvido, não sabe qual a solução adequada para solvê-lo.
Para que o diálogo competitivo seja aplicado, o objeto a ser contratado deve envolver (i) inovação
tecnológica ou técnica, (ii) impossibilidade de o órgão ou entidade ter sua necessidade satisfeita sem
a adaptação de soluções disponíveis no mercado e (iii) impossibilidade de as especicações técnicas
serem denidas com precisão suciente pela Administração (art. 32, inciso I da Lei nº 14.133/2021). A
modalidade também pode ser aplicada quando houver necessidade de denir e identicar os meios
e as alternativas que possam satisfazer as necessidades administrativas, especialmente quanto a
solução técnica mais adequada, os requisitos técnicos aptos a concretizar a solução denida e/ou
a estrutura jurídica ou nanceira do contrato (art. 32, inciso I da Lei nº 14.133/2021).
Dito de outro modo, o diálogo competitivo apresenta-se como um misto de fase interna e
externa da licitação (ARAGÃO, 2021), ao integrar as etapas de desenvolvimento e de contratação do
objeto licitado. A modalidade divide-se em três etapas: a fase de pré-qualicação, a fase de diálogo
e a fase de competição (ARAGÃO, 2021). A primeira e a última fase (qualicação e competição) seguem
critérios rígidos estabelecidos pelo artigo 32 da Nova Lei de Licitações e tradicionalmente aplicados
nas modalidades de licitação já consagradas (OLIVEIRA, 2021). A verdadeira novidade encontra-se na
fase de diálogo, ponto de maior destaque para o presente artigo.
A fase de diálogo tem início após encerrada a pré-seleção dos licitantes, realizada na etapa
de qualicação inicial. Aqui se observa uma das importantes características dessa modalidade
licitatória, visto que “a fase negocial do diálogo competitivo se desenvolve durante o curso do
próprio procedimento licitatório” (ARAGÃO, 2021, p. 58).
As negociações realizadas entre Estado e licitantes são sigilosas, embora registradas em
áudio e vídeo para controle posterior (art. 32, §1º, inciso VI). Além disso, a Administração não pode
revelar a outros competidores as soluções propostas ou as informações sigilosas comunicadas por
um licitante sem o seu consentimento (artigo 32, §1º, inciso IV). Outras denições poderão ser feitas
pelo próprio edital licitatório, como a possibilidade de licitar em consórcio (art. 15) e os limites para
subcontratação (art. 122).
Outra diferença signicativa da modalidade é a existência de dois editais para a licitação: um
edital de convocação para a fase de diálogo, e outro edital para a abertura da fase competitiva.
Nesta modalidade, lança-se um Edital inicial contendo as necessidades e exigências denidas
pela Administração Pública, com prazo mínimo de 25 dias úteis para manifestação de interesse na
participação da licitação. Os interessados passarão, então, pela etapa de pré-habilitação, destinada
à avaliação prévia e parcial das condições de participação. Os candidatos pré-habilitados darão
início, enm, à etapa de diálogo e planejamento com a Administração Pública.
A fase de diálogo será mantida até que seja encontrado um projeto capaz de atender ao
objeto licitado. Quando o projeto for denido, a partir das soluções propostas pelos licitantes, a
Administração deverá declarar concluída da fase de diálogo e instruir o processo administrativo com
todas as informações produzidas na etapa, bem como com as gravações dos diálogos realizados.
É importante destacar que a Lei não estabelece prazo limite para a realização da fase de
diálogo. A etapa de diálogo “poderá ser mantida até que a Administração, em decisão fundamentada,
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identique a solução ou as soluções que atendam às suas necessidades(art. 32, §1º, V da Lei
14.133/2022).
Por m, será elaborado novo Edital, com a especicação da solução que atenda às suas
necessidades e os critérios objetivos a serem utilizados para seleção da proposta mais vantajosa.
A partir deste segundo Edital, os licitantes que participaram da etapa de diálogo terão, então, novo
prazo, de no mínimo 60 dias úteis, para elaborar e apresentar suas propostas comerciais com vistas
à celebração do contrato administrativo.
Feitas estas considerações iniciais sobre a modalidade, passa-se agora a abordar os desaos
concorrenciais trazidos pelo diálogo competitivo, notadamente no que tange à coordenação entre os
licitantes.
3. CONDUTAS COLUSIVAS EM LICITAÇÕES PÚBLICAS. CARACTERÍSTICAS
E PECULIARIDADES
Os cartéis são caracterizados como acordos entre competidores com o objetivo de reduzir a
concorrência no mercado, em especial por meio da combinação de preços, clientes e/ou produtos,
mas preservando a autonomia administrativa e nanceira das empresas (FORGIONI, 2015). A vedação
à conduta colusiva no âmbito de contratações públicas encontra previsão especíca no artigo 36, §3º,
inciso I, alínea ‘d’ da Lei nº 12.529/2011 (BRASIL, 2011).
A concorrência em contratações administrativas, por sua vez, possui peculiaridades e
características próprias. Isso porque o próprio sistema de compras públicas opera de modo peculiar
e diferente do livre mercado. É por este motivo que se diz que, nas licitações, a competição acontece
pelo mercado, e não no mercado.
Em razão destas peculiaridades, as formas de estruturação e atuação de cartéis em
contratações públicas também possuem características próprias. Exemplo desta singularidade é
retratada por Santos e Souza
A dinâmica do cartel em licitações tem uma peculiaridade em relação
ao cartel clássico, que é a impossibilidade de total controle dos lances
ofertados por cada licitante no certame. Isso signica que a coordenação
entre os agentes leva à prévia escolha do vencedor, mas não tem poder
sobre a oferta dos lances que os participantes do cartel darão. Em virtude
dessa possibilidade de burla do acordo previamente estabelecido, os
mecanismos de alinhamento entre os participantes do cartel são xados
anteriormente ao certame e são aqueles que apontam incontestavelmente a
existência do cartel. Por isso, o elemento mais importante de um cartel em
licitações nem sempre é o controle dos preços, mas sim, evitar que outras
empresas participem da licitação de forma competitiva e/ou não cartelizada
[...] (SANTOS; SOUZA, 2016, p. 90)
Os efeitos das condutas colusivas no âmbito das contratações públicas também são sofridos
de modo distinto dos ilícitos concorrenciais tradicionais. No caso dos cartéis em licitações, o dano
decorrente do ilícito concorrencial atinge a própria Administração Pública, e não os consumidores
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individualmente, de modo que os prejuízos são absorvidos pela sociedade de maneira coletiva.
Nesse sentido, Braga destaca que:
Nos cartéis em licitações, a facilitão tem por escopo extrair a maior
renda possível da Administrão Pública sem a interferência de concorrente
distribuindo à sociedade a perda de bem-estar decorrente do cartel. Nesse
contexto, os danos sociais oriundos dos cartéis em licitações são maiores
que os dos cartéis clássicos, pois quem paga os lucros exorbitantes dos
cartelistas são os cidadãos contribuintes (BRAGA, 2015, p. 155).
Em termos práticos, segundo a OCDE, os cartéis geram um sobrepreço estimado de 10% a 20%
do preço aplicado em mercados competitivos (OCDE, 2002). Contudo, especicamente no cenário
brasileiro, conforme parecer realizado pelo Departamento de Estudos Econômicos do Cade no âmbito
do processo 08012.009611/2008-51, chegou-se a apurar um sobrepreço de 25% do produto analisado
(portas de segurança giratórias) em licitação pública nacional. Dito isso, e considerando que no ano
de 2020 o Brasil despendeu R$54,85 bilhões de reais em contratações públicas federais (BRASIL, 2020),
ca evidente a magnitude do impacto nanceiro causado por condutas anticompetitivas adotadas
por licitantes. Com estes dados, não é difícil perceber por que conluios em licitações públicas são
considerados a maior ameaça à receita administrativa relacionada a compras públicas (MARSHALL;
MARX, 2012).
Os cartéis, tradicionalmente, dedicam-se a “coordenar as decisões estratégicas no tocante a
variáveis relevantes do ponto de vista concorrencial(POSSAS, 2002, p. 119). Em especial, destacam-
se os elementos de preço, quantidade e qualidade. O mesmo se verica em conluios licitatórios.
Contudo, as estratégias para atuação de conduta coordenada em contratações públicas são próprias
deste tipo de cartelização.
Uma prática comum e marcante dos cartéis em licitação são os chamados “knockouts”, que
consistem em leilões internos e privados, realizados pelos membros do cartel antes da licitação.
Nestas reuniões, os licitantes decidem quem será o ganhador da contratação pública e quanto deverá
ser repassado aos outros integrantes (MCAFFEE; MCMILLAN, 1992, p. 179; 187). Feita esta seleção, resta
aos concertantes garantir que o integrante selecionado sairá, de fato, vitorioso no certame licitatório.
A OCDE, em estudo especializado sobre o tema, elencou 4 principais formas de colusão em
contratações públicas, consideradas as estratégias mais comuns adotadas pelos concertantes (OCDE,
2012). O que todas estas estratégias têm em comum é o objetivo de simular uma competição entre
os licitantes, com vistas a disfarçar a conduta ilícita do cartel. Em verdade, os esforços para disfarçar
a conduta ilícita exigem grande empenho dos participantes, levando à consequente necessidade de
incremento das técnicas de persecução pelas autoridades concorrenciais (ARAUJO; CHEDE, 2012, p.
226).
A chamada “Proposta de Cobertura” é considerada a forma mais comum de coordenação de
conluios entre licitantes (OCDE, 2012; BRASIL, 2019, p. 33). Esta estratégia consiste na apresentação de
propostas falsas por parte dos licitantes cartelizados, com vistas a conferir aparência de competição
entre os concorrentes e, ao mesmo tempo, garantir a vitória do concertante selecionado pelo cartel.
Estas propostas costumam se enquadrar em 3 hipóteses: (i) a proposta é sabidamente mais elevada
do que a proposta do candidato escolhido para vencer o certame; (ii) a proposta contém condições
que são inaceitáveis para o comprador ou (iii) a proposta contém valor inaceitável (sobrepro ou
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valor inexequível) (BRASIL, 2019). A prática era implementada, por exemplo, pelo chamado “Cartel
dos Radares”, punido pelo CADE no âmbito do processo nº 8012.008184/2011-90.
De modo contrário, a “Supressão de Proposta” ou “Retirada de proposta” é o ato de os
integrantes do cartel absterem-se de participar o certame, ou então de retirarem as propostas
apresentadas, de modo a permitir a vitória do integrante escolhido. Sem concorrência, o ator
escolhido ca livre para ganhar a licitação com excessiva margem de lucro. A título exemplicativo,
esta prática foi considerada ilícita pelo Cade no processo 08012.003931/2005-55, em conluio
licitatório para a aquisição de ambulâncias.
Tem-se também a “Rotação de Propostas” ou “Rodízio”, que consiste na alternância de
vencedor entre os integrantes do cartel. Assim, os conspiradores revezam a posição de vencedor do
certame, seja para diferentes lotes de uma mesma licitação, seja para diferentes licitações (BRASIL,
2019, p. 40). Esta estratégia foi implementada pelo Cartel de Vigilância, no Rio Grande do Sul. No caso,
os concertantes realizavam reuniões semanais para acordar os resultados dos lances nos pregões. A
prática foi punica pelo Cade no âmbito do processo administrativo nº 08012.001826/2003-10.
Por m, a estratégia de “divisão de mercadoassemelha-se à supressão de propostas, mas
com base no critério geográco ou de clientela. Neste tipo de cartelização, os integrantes do conluio
combinam a repartição do mercado, de modo que cada concertante deve contratar apenas com a
parte que lhe cabe, deixando as demais para os outros integrantes do cartel. A divisão pode ser
feita, por exemplo, “sobre a carteira de clientes (órgãos públicos diversos), o tipo de produto/serviço
ou o mercado geográco (região/município/estado, etc.)” (BRASIL, 2019, p. 42). Esta foi a conduta
condenada pelo Cade no Processo Administrativo 08700.005615/2016-12, em que os membros do
cartel realizavam a divisão de lotes da licitação pública de acordo com a conveniência geográca.
Algumas características, seja da estrutura de mercado, seja do desenho do procedimento
licitatório, podem favorecer a adoção das estratégias elencadas acima pelos concertantes. A teoria
econômica dedicou especial atenção às estruturas de mercado que podem favorecera formação de
cartéis, enquanto os órgãos de controle dedicam-se a melhorar os desenhos licitatórios. Vejamos
alguns exemplos.
3.1. Características facilitadoras de cartéis em licitações
A teoria econômica de Richard Posner (apud FORGIONI, 2015) indica determinadas
características de mercado que podem favorecer a formação de conluios entre concorrentes. Entre
estas, destacam-se:
i) O número de agentes econômicosquanto menor o número de players, menores os
custos de monitoramento do acordo de conluio e mais fácil a coordenação dos agentes;
ii) A homogeneidade de produto quanto mais uniformes forem os bens ou serviços
comercializados, menor o espaço para inovações e diferenciações dos produtos, o que
também reduz as chances de quebra do cartel;
iii) A baixa elasticidade da demanda em relação ao pro – se a quantidade de produtos
se mantém relativamente estável quando se elevam os preços, os concertantes têm
maior liberdade de impor preços elevados e aumentar o lucro do cartel;
iv) A existência de barreiras à entrada para novas empresas/investidores – a entrada de
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novos competidores é uma das maiores ameaças ao sucesso e à duração de um cartel.
Barreiras à entrada de novos competidores favorecem a cartelização, por reduzirem as
chances de interferência externa na atuação do carte;
v) Os mercados em retração maiores chances de cartelização se o mercado estiver em
crise;
vi) A estrutura do mercado dos adquirentes de produto se houver poucos compradores
para os produtos ou serviços ofertados pelo cartel, os custos de monitoramento serão
reduzidos, favorecendo a detecção de quebras de acordo e aumentando as chances de
duração do conluio.
Tratando especicamente do ecossistema brasileiro, a OCDE realizou, também, uma revisão
das compras públicas federais do Brasil. Neste relatório, foram apontadas as seguintes recomendações,
com vistas a sanar as fragilidades encontradas no sistema de licitações do Brasil: (i) necessidade
de fortalecer e capacitar os agentes de compras públicas; (ii) necessidade de prossionalizar e
robustecer as pesquisas de mercado; (iii) maximizar a participação de concorrentes; (iv) fortalecer
a advocacia da concorrência e incentivar a detecção e punição de condutas ilícitas em contratações
públicas (OCDE, 2021b)
Este relatório foi realizado ainda durante a vigência da Lei 8.666/1993 antigo diploma geral
sobre contratações públicas (BRASIL, 1993). Desta forma, o relatório abrange apenas supercialmente
a Lei nº 14.133/2021, e não chega a fazer considerações sobre a modalidade do diálogo competitivo. É
esta lacuna de análise da Nova Lei de Licitações sob a ótica concorrencial que motivou a elaboração
da presente pesquisa, com especial destaque na modalidade de licitação inédita trazida pelo novo
diploma legal. Tendo em vista o referido objetivo, cumpre passar para a compreensão das fragilidades
concorrenciais do Diálogo Competitivo.
4. CONDUTAS COORDENADAS NO ÂMBITO DO DIÁLOGO COMPETITIVO
4.1. Cartelização de licitantes
Tendo como base as características facilitadoras de conluios em contratações públicas
(tópico 2.1) e as principais formas de atuação dos agentes cartelizados (tópico 2), passa-se agora
à compreensão de como estas características podem encontrar espaço no Diálogo Competitivo da
Nova Lei de Licitações
Como se sabe, a concorrência é desejada para que seja possível atingir a melhor proposta,
de modo a minimizar o preço e maximizar a qualidade. Nesse sentido, maximizar a participação de
licitantes é crucial para o sucesso da licitação.
A Lei 14.133/2021 não estabelece número limite de participantes para o diálogo competitivo,
prevendo que “serão admitidos todos os interessados que preencherem os requisitos objetivos
estabelecidos” (art. 32, §1º, II) (BRASIL, 2021). À primeira vista, tal previsão parece bastante vantajosa
para o estímulo da concorrência. Contudo, análise mais atenta aponta preocupações.
Em que pese a Lei n º 14.133/2021 tenha optado por não limitar o número máximo de
participantes, Aragão (2021) indica a possibilidade de prejuízo à competição em razão da própria
arquitetura jurídica da modalidade licitatória. Em razão de a construção da solução ser feita em
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SANTOS, Eduarda Militz. Desaos concorrenciais do diálogo competitivo da nova lei de licitações:
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conjunto com os licitantes, as chances de que o objeto contratado seja exequível apenas por aquele
que ajudou a desenvolvê-lo são consideráveis. Além disso, a modalidade licitatória “pressupõe que
os particulares realizem estudos complexos sem qualquer garantia de sua contratação, o que pode
limitar a concorrência apenas aos agentes econômicos que tenham especial capacidade de risco e
econômica”, destaca o autor.
Ainda que assim não fosse, um elevado número de licitantes também pode trazer
complicações para a aplicabilidade do diálogo. Oliveira, em análise sobre o tema, aponta que “o
que deve ser notado quanto a essa possiblidade de limitação do número de participantes é que um
número grande de candidatos pode inviabilizar o diálogo, uma vez que se trata de um procedimento
complexo e trabalhoso, sobretudo na segunda etapa” (OLIVEIRA, 2021, p. 15).
Outra preocupação concorrencial trazida pela modalidade encontra-se na etapa de pré-
seleção dos licitantes. Esta fase do diálogo competitivo, também prevista no art. 32, §1º, II da Nova
Lei de Licitações, requer atenção por dois principais motivos.
Primeiramente, porque a identicação prévia dos demais licitantes envolvidos no certame é
um facilitador da formação de cartéis. O reconhecimento seguro dos concorrentes terceiros favorece
o estabelecimento de contato com aqueles que também participarão do certame passo inicial
para a coordenação dos agentes. Esta, inclusive, foi a estratégia por cartel detectado pelo Ministério
Público do Rio Grande do Sul, na chamada “Operação Capivara” (OPERAÇÃO CAPIVARA, 2014). Na
oportunidade, o representante da empresa interessada em ganhar a contratação identicava seus
concorrentes nas visitas técnicas ou na relação de retirada do edital, e oferecia valores para que os
demais interessados frustrassem o caráter competitivo da licitação.
Em segundo lugar, porque a fase de pré-seleção limita a entrada de outros licitantes. Ou
seja, participarão da fase de concorrência aqueles que foram aprovados na primeira etapa da
modalidade. Esta limitação é uma barreira à entrada de novos concorrentes, pelo menos no âmbito
da licitação em andamento, o que restringe signicativamente a concorrência. Assim, a garantia
de que nenhum outro agente além daquele seleto grupo de licitantes inicial que podem ser
identicados em razão da fase de pré-seleção - dará lances para a contratação do objeto. Apesar
de a limitação de licitantes ser característica inerente às contratações públicas, não se pode ignorar
que este pode ser congurado como um dos elementos “facilitadores de estabilidade” de condutas
colusivas (POSSAS, 2002, p. 124-125).
de se destacar, também, a possibilidade de formação de consórcios para a participação do
diálogo competitivo. Ainda que este instrumento apenas seja permitido se previsto expressamente
do instrumento convocatório (Lei 14.133/2021, art. 15), a prática costuma levantar suspeitas das
autoridades concorrenciais. Os consórcios, em regra, servem como mecanismo para aumentar a
competição em certames públicos, “especialmente em casos de grandes contratações, em que uma
empresa isoladamente não teria condições de fornecer o bem ou prestar o serviço licitado” (BRASIL,
2019, p. 45). Contudo, se utilizado de maneira distorcida, o instrumento pode servir como forma
de reduzir a concorrência e promover a formação de acordos entre competidores (JUSTEN FILHO,
2010). Isso porque o consórcio “agrupa” competidores, de modo que o conjunto de licitantes passa a
concorrer como um player único.
A mesma atenção se aplica às subcontratações, também passíveis de autorização em
licitações públicas (Lei 14.133/2021, Art. 122, §2º). Segundo o Cade, a subcontratação pode servir
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como instrumento para distribuição dos lucros decorrentes de condutas anticompetitivas, como,
por exemplo, “no caso de empresas que suprimiram propostas ou apresentaram propostas de
cobertura serem recompensadas com contratos de subcontratação” (BRASIL, 2019, 46). De toda
forma, é necessário esclarecer que se tratam de instrumentos legítimos e previstos na legislação
nacional. Os efeitos anticompetitivos decorrem, tão somente, das condutas ilícitas perpetradas pelos
competidores.
4.2. Troca de informações sensíveis entre competidores
Para além da possibilidade de formação de cartéis, faz-se necessário pontuar outro ilícito
concorrencial relevante para a análise concorrencial do diálogo competitivo: a troca de informações
sensíveis entre competidores. Em que pese exista uma sutil diferença entre as condutas, a distinção
traz importantes consequências.
Enquanto a conduta de cartel congura ilícito por objeto, com vistas à combinação
coordenada de preços, qualidades ou divisões de mercado, o compartilhamento de informações
concorrencialmente sensíveis consiste em infração concorrencial autônoma, sem que haja intenção
de coordenar a atuação dos outros agentes. A distinção é trazida pelo Conselheiro Sérgio Ravagnani
na relatoria do processo administrativo 08700.001486/2017-74. O mesmo entendimento foi
seguido pelo Tribunal Administrativo do Cade, por exemplo, nos processos nº 08012.005324/2012-59
e 08700.001422/2017-73.
Apesar de caracterizar um ilícito administrativo que possui potencial de restringir, falsear ou
prejudicar a livre concorrência (Lei 12.529/2011, art. 36, I), a conduta de troca de informações sensíveis
entre licitantes não atrai a aplicação do prazo prescricional de 12 anos, nem o enquadramento na
esfera penal, como ocorre no caso de conguração de cartel.
A conduta é de particular interesse para o presente estudo em razão da previsão legal trazida
pela própria Lei 14.133/2021, que permite a divulgação de informações condenciais, desde que
autorizada pelos licitantes (Art. 32, §1º, IV). Em outras palavras, o dispositivo confere legalidade ao
compartilhamento de informações privadas entre os concorrentes na fase de diálogo, por meio da
Administração Pública, ainda que condicionado ao consentimento dos licitantes. Esta é uma previsão
jamais aplicada na legislação brasileira, que merece atenção sob a perspectiva concorrencial.
A OCDE, em estudo realizado sobre o tema, aponta a divisão da prática de troca de informações
entre competidores em 3 possíveis cenários:
(i) as a part of a wider price xing or market sharing agreement whereby
the exchange of information functions as a facilitating factor;
(ii) in the context of broader efciency enhancing cooperation agreements
such as joint venture, standardization or R&D agreements; or
(iii) as a stand-alone practice, whereby the exchange of information is the
only cooperation among competitors4 (OCDE, 2010, p. 9).
4 (i) como parte de um acordo mais amplo de xação de preços ou de compartilhamento de mercado em que a troca
de informações funciona como um fator facilitador; (ii) no contexto de acordos de cooperação mais amplos para aumentar
a eciência, como joint venture, padronização ou acordos de P&D; ou, (iii) como uma prática autônoma, em que a troca de
informações é a única cooperação entre concorrentes. (tradução nossa)
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Conforme a distinção dada pelo Cade, a troca de informações sensíveis entre concorrentes
encaixa-se no terceiro cenário, congurando conduta autônoma.
As preocupações concorrenciais, como mencionado, referem-se à possibilidade de as
informações obtidas de concorrentes serem utilizadas com o intuito de prejudicar a ordem econômica.
Esta, inclusive, foi a conclusão exarada pelo Conselheiro Relator João Paulo Resende no processo
administrativo nº 08012.001395/2011-00.
De modo diverso, apesar de reconhecer os riscos de prejuízo à ordem econômica, o estudo
realizado pela OCDE em 2010 apontou, também, para a possibilidade de obtenção de efeitos
positivos decorrentes da troca de informações entre concorrentes. Os benefícios seriam em relação à
diminuição da assimetria informacional entre competidores (OCDE, 2010), que pode levar a uma melhor
compreensão da estrutura da demanda, otimização de eciência produtiva e impulsionar a inovação
tecnológica. Stucke, ao avaliar os riscos e vantagem de ampliar a transparência mercadológica, conclui
que o primeiro ponto a ser considerado é o possível benefício que a troca de informações entre
concorrentes pode trazer para os consumidores. Apenas caso não haja evidências sobre o potencial
positivo das informações é que deve ser considerado o risco de interesses anticompetitivos (STUCKE,
2005).
Em que pese o instituto do Diálogo Competitivo seja bastante recente e não tenha, até o
presente momento, demonstrado de forma robusta os efeitos práticos de sua utilização, espera-se
que, com a adequada utilização da modalidade, o diálogo entre licitantes e administração pública
possa levar a importantes inovões e melhorias no âmbito da prestação pública de bens e serviços.
Apenas a experiência poderá demonstrar os proveitos (ou prejuízos) decorrentes da nova modalidade
licitatória para as compras públicas nacionais. Enquanto isso, medidas legislativas ou editalícias que
visem maximizar os benefícios da modalidade e prevenir possíveis irregularidades serão de grande
proveito para o sucesso das futuras licitações.
5. CONCLUSÃO
A principal inovação e, portanto, ponto de atenção, trazida pelo Diálogo Competitivo é, sem
dúvidas, a fase de diálogo entre a Administração Pública e os licitantes para desenvolvimento conjunto
da solução que será posteriormente contratada. A análise do texto normativo da Lei 14.133/2021,
associada à doutrina e à pratica concorrencial relativa a cartéis em licitações apontam para possíveis
fragilidades desta modalidade licitatória.
As características próprias da modalidade, especialmente a necessária complexidade do
objeto licitado, parecem conduzir a um cenário de limitação acidental do número de licitantes
reduzidos para a modalidade, ainda que a Lei não estabeleça limites de participação. Este número
reduzido de licitantes, associado à publicização dos concorrentes, pode levar a práticas comuns de
cartéis em licitações, como propostas de cobertura ou promessas de subcontratação.
Ademais, possibilidade de troca de informações sensíveis entre licitantes é evidente. Neste
ponto, a previsão legal de compartilhamento de informações sigilosas entre competidores, por meio
da administração pública, é novidade que merece signicativa atenção.
Para além da fase de diálogo, a existência de dois editais para esta modalidade licitatória
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(um para a fase de diálogo e outro para a fase de contratação) exigem atenção redobrada com a
redação do instrumento convocatório, a m de garantir a máxima competitividade.
Para superar estes desaos, naturalmente trazidos pelo advento de um novo procedimento,
a capacitação dos órgãos da administração pública parece ser a primeira medida imediata para a
implementação da modalidade. As recomendações realizadas pela OCDE (2021b) para aprimoramento
das compras públicas brasileiras traziam a indicação de necessário fortalecimento e capacitação
dos agentes de compras públicas. Além disso, será necessário garantir o aparelhamento dos órgãos
públicos para o adequado registro da fase de diálogo, com gravações de áudio de vídeo, conforme
determinado pela Lei.
Ainda, espera-se que o governo federal assegure a efetividade desta modalidade por meio
de regulações infralegais que esclareçam e orientem a utilização do Diálogo competitivo, bem como
realize licitações com esta modalidade, a m de desmisticar o procedimento e estimular a utilização
pelos demais entes federativos.
Para as autoridades concorrenciais, o maior desao para o combate de condutas colusivas
parece residir na identicação e comprovação das condutas, uma vez que o diálogo entre licitantes
e o planejamento conjunto com a administração são características inerentes à modalidade.
Características estas que, em outros procedimentos, poderiam ser penalizadas como condutas
anticoncorrenciais, conforme demonstrado pelos casos concretos julgados pelo Cade.
De toda forma, é inegável que o Diálogo Competitivo é uma importante inovação legislativa
que prestigia a tendência de cooperação entre agentes particulares e agentes públicos na construção
de soluções para as demandas estatais. Em que pese a criação recente da modalidade ainda instigue
dúvidas e preocupações, é evidente que a modalidade pode trazer importantes benefícios para as
contratações públicas brasileiras, ao permitir o desenvolvimento de objetos complexos e inovadores.
Os elementos facilitadores de conduta colusiva em contratações públicas são muito
reconhecidos e combatidos pela prática concorrencial, assim como as principais estratégias para
concretizar o cartel em licitações. Com estas práticas e características identicadas e mapeadas,
cabe às entidades licitantes e órgãos de controle que adaptem as precauções típicas de contratações
públicas à realidade do diálogo competitivo.
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