172
ATHAYDE, Amanda; TREVIZO, Carolina Pagotto. Se, quando e como aplicar a lei nº 14.470/2022
nas ações reparatórias por danos concorrenciais? Uma análise sobre a aplicabilidade no tempo
das normas de direito material e processual. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11,
n. 2, p. 172-191, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1029
9
SE, QUANDO E COMO
APLICAR A LEI Nº
14.470/2022 NAS AÇÕES
REPARATÓRIAS POR
DANOS CONCORRENCIAIS?
UMA ANÁLISE SOBRE A
APLICABILIDADE NO TEMPO
DAS NORMAS DE DIREITO
MATERIAL E PROCESSUAL
1
If, when and how to apply the new private
enforcement law no. 14.470/2022 in
competition damage claims in brazil? An
analysis on the applicability over time of
substantive and procedural law rules
Amanda Athayde
2
Universidade de Brasília (UNB), Pinheiro Neto Advogados – Brasília/DF, Brasil
Carolina Pagotto Trevizo
3
Universidade de São Paulo (USP), Araújo e Policastro Advogados – São Paulo/SP, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Contextualização: Apesar de a Lei nº 14.470/2022 endereçar algumas das dificuldades enfrentadas
no âmbito do private enforcement no direito concorrencial brasileiro, trouxe consigo novas dúvidas
sobre aplicabilidade da nova lei no tempo, pois não consagrou em seu texto uma norma de direito
Editor responsável: Prof. Dr. Luis Henrique Bertolino Braido, Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4648392251476133. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6085-1446.
1 Recebido em: 28/03/2023 Aceito em: 09/11/2023 Publicado em: 21/12/2023
2 É Professora Doutora Adjunta de Direito Empresarial na UnB, bem como de Concorrência, Comércio Internacional e
Compliance. Consultora no Pinheiro Neto, nas práticas de Concorrencial, e, a partir de 2023, Comércio Internacional. Doutora
em Direito Comercial pela USP, Bacharel em Direito pela UFMG e em Administração de Empresas com habilitação em Comércio
Exterior pela UMA. Ex-aluna da Université Paris I — Panthéon Sorbonne. Autora de livros, organizadora de livros, autora
de diversos artigos acadêmicos e de capítulos de livros na área de Direito Empresarial, Direito da Concorrência, Comércio
Internacional, Compliance, Acordos de Leniência, Defesa Comercial e Interesse Público, Anticorrupção.
E-mail: amandathayde@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/3657244167587179
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6985-8879
3 É advogada na área Concorrencial no escritório Araújo Policastro Advogados. Pós-graduada em Direito Econômico
e Concorrencial pela Fundação Getúlio Vargas – SP (FGV). Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Possui
diploma de licence em Droit pela Université Jean Moulin Lyon III. Membra do Comitê de Contencioso e Arbitragem do IBRAC.
Autora de capítulo de livro na área de Direito Concorrencial, especificamente sobre private enforcement.
E-mail: caroltrevizo@hotmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/1392160673096184
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8133-8342
173
intertemporal que regulasse essa questão. Em quais hipóteses, em que momento e como aplicar a Lei
nº 14.470/2022 ou a lei antiga nas ações indenizatórias por danos concorrenciais (ARDCs) já extintas,
ainda pendentes, e que ainda não foram iniciadas? A resposta a tais perguntas sobre a aplicabilidade
imediata da Lei nº 14.470/2022 poderá determinar a viabilidade das ARDCs ou tornará o processo
menos oneroso/mais compensatório para as vítimas.
Objetivo: O artigo tem como objetivo analisar como se dará a aplicabilidade das disposições novas
da Lei nº 14.470/2022.
Método: As autoras analisaram a natureza das novas normas trazidas pela Lei nº 14.470/2022,
classificando-as como de direito material e processual. A partir disso, examinaram as hipóteses
de aplicação dessas disposições nas ARDCs já extintas, ainda pendentes, e que ainda não foram
iniciadas.
Resultado: Verificou-se que as ARDCs pendentes são o foco das maiores controvérsias de aplicabilidade
da Lei nº 14.470/2022, em suma, devido à incerteza sobre a existência de situação jurídica pendente,
o que permitiria a aplicação da nova lei, ou de formação de ato jurídico perfeito/direito adquirido
nos processos ainda em curso, obrigando a observância à lei antiga.
Conclusões: A aplicação das disposições da Lei nº 14.470/2022 devem ser analisadas com cautela
tanto pela doutrina quanto pelos tribunais brasileiros, vez que irão impactar a grande maioria das
ARDCs ainda pendentes no Judiciário Brasileiro.
Palavras-chave: direito intertemporal; aplicabilidade; norma; processual; material; Lei nº 14.470/2022.
STRUCTURED ABSTRACT
Conceptualization: Law No. 14,470/2022 was enacted to address some of the diculties faced in the
context of private enforcement in Brazilian antitrust law. At the same time, however, diculties began
to be arise about the applicability of the new law over time, as it did not enshrine in its text a rule of
intertemporal law that regulates this issue. The diculty is even greater in the numerous competition
damage claims (ARDCs) pending in the Brazilian Judiciary, in which the matters addressed by the new
law are being discussed. Indeed, the proposed analysis is extremely important since the immediate
applicability of the new law could determine the viability of these ARDCs or make the process less
burdensome/more rewarding for the victims.
Objective: The article aims to analyze how the applicability of the new provisions of Law nº 14.470/2022
will take place.
Methodology: The authors analyzed the nature of the new provisions introduced by Law nº 14.470/2022,
classifying them as substantive and procedural law. From this, they examined the hypotheses of
application of these provisions in the ARDCs that are already extinct, still pending, and that have not
yet been initiated.
Results: It was verified that the pending ARDCs are the focus of the biggest controversies regarding the
applicability of Law nº 14.470/2022, in short, due to the uncertainty about the existence of a pending
legal situation, which would allow the application of the new law, or the formation of a perfect legal
act/an acquired right in these ongoing proceedings, obliging the compliance with the ancient law.
Conclusion: The applicability of Law nº 14.470/2022’s new provisions must be analyzed with caution
174
ATHAYDE, Amanda; TREVIZO, Carolina Pagotto. Se, quando e como aplicar a lei nº 14.470/2022
nas ações reparatórias por danos concorrenciais? Uma análise sobre a aplicabilidade no tempo
das normas de direito material e processual. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11,
n. 2, p. 172-191, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1029
both by the doctrine and by the Brazilian courts, because they will impact the vast majority of ARDCs,
which are still pending in the Brazilian Judiciary, in which is being discussed, mainly, the matters
addressed by the new law.
Keywords: intertemporal law; applicability; provision; material; procedural; Law No. 14,470/2022.
Classicação JEL: K2; K13; K15; K41; K42; Y10.
Sumário: 1. Qual a natureza dos dispositivos da Lei nº
14.470/2022: processual ou material? 2. Como se aplicam
as disposições de natureza processual em ARDCs com
a entrada em vigor da Lei nº 14.470/2022? 2.1. Art. 47-A:
Decisão condenatória do Cade é apta a fundamentar a
concessão liminar de tutela de evidência. 2.2. Art. 47, §4º:
Distribuição do ônus da prova do repasse do sobrepreço
ao réu, vedando a sua presunção . 3. Como cam as
disposições de natureza material em ARDCs no caso de os
fatores geradores serem anteriores ou posteriores à Lei
nº 14.470/2022? 3.1. Art. 46-A, §§1º e 2º: Prazo prescricional
para as ações reparatória é de 5 anos e o termo inicial é a
data da publicação nal do Cade. 3.2. Art. 47, §1º: Sistema
de double damages em caso de cartel. 3.3. Art. 47, §3º:
Exclusão da responsabilidade solidária para infratores
signatários de Acordo de Leniência e TCC. 4. Conclusões
preliminares.
INTRODUÇÃO
A tão esperada
4
Lei nº 14.470/2022, que alterou a Lei de Defesa da Concorrência Brasileira
(Lei Federal nº 12.529/11) (“LDC”) para prever novas disposições com o intuito de aprimorar o cenário
da repressão privada de infrações à ordem econômica no Brasil,
5
entrou em vigor em 16/11/2022.
Algumas primeiras reflexões sobre aspectos processuais decorrentes dessa nova lei já começaram a
ser apresentados (MEDRADO et al., 2023), principalmente porque a nova lei não trouxe uma norma de
direito intertemporal que regulasse sua aplicação, em especial nas ações já em curso.
Considerando que as Ações Reparatórias por Danos Concorrenciais (ARDCs), seguindo uma
4 De fato, a lei se tornou um marco para o private enforcement, na medida em que tratou de algumas dificuldades
enfrentadas nas Ações Reparatórias por Danos Concorrenciais (ARDCs) e, pois, criou incentivos para que aqueles lesados por
infrações concorrenciais, especialmente cartel, pleiteiem ressarcimento pelos danos sofridos.
5 Em suma, a nova lei visou estimular o ajuizamento das ARDCs ao: (a) estipular que a decisão final do Conselho Ad-
ministrativo de Defesa Econômica – Cade, autarquia concorrencial brasileira, é capaz de fundamentar a concessão de tutela
de evidência (art. 47-A); (b) determinar que o repasse de sobrepreço pela parte autora (passing-on defense) nos casos das
infrações à ordem econômica previstas nos incisos I e II do §3º do art. 36 da Lei nº 12.529/11 (i.e., nos casos de cartéis) não se
presume, atribuindo ao réu o ônus da sua prova (Art. 47, §4º); (c) estabelecer o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para as
demandas reparatórias, a partir da publicação da decisão final do Cade, pois somente então considera-se ocorrida a ciência
inequívoca do ilícito (art. 46-A e §1º); e (d) propor a criação de um sistema de double damage (art. 47, §1º), isentando os signa-
tários de Leniência ou Termo de Compromisso de Cessação (TCC) (art. 47, §2º).
175
infeliz situação de outros processos, ainda se arrastam durante anos no judiciário brasileiro, cumpre
perguntar: como se dará a aplicabilidade imediata ou a retroatividade da Lei nº 14.470/2022?
Para responder a essa pergunta, serão feitas breves considerações iniciais sobre o conteúdo
e a aplicação de normas de direito material e processual, que serão fundamentais para auxiliar
na posterior classificação das normas contidas na nova Lei nº 14.470/2022 (1). Então, será possível
analisar as diferentes hipóteses de aplicação das disposições de natureza processual em ARDCs com
a entrada em vigor Lei nº 14.470/2022 (2). E, por fim, serão estudadas as hipóteses de aplicação das
disposições de natureza material em ARDCs, considerando ambos os fatores geradores anteriores e
posteriores à Lei nº 14.470/2022 (3).
1. QUAL A NATUREZA DOS DISPOSITIVOS DA LEI Nº 14.470/2022: PROCESSUAL
OU MATERIAL?
A distinção entre normas processuais e materiais não só é clássica na teoria da norma
jurídica, como também importante em razão das particularidades que devem ser observadas quando
da sua interpretação e aplicação.
Tradicionalmente, as normas materiais são caracterizadas como aquelas que atribuem
direitos aos indivíduos, tratando das relações jurídicas entre as partes referentes a bens e utilizados
da vida. As normas processuais, por sua vez, são meramente instrumentais, vez que somente regulam
a forma de tutela jurídica dos direitos através do processo, ou seja, a aplicação do direito material.
67
Diante dessa contextualização teórica, como classificar, portanto, os novos dispositivos
trazidos na Lei nº 14.470/2022?
A nosso ver, é possível se vislumbrar que as normas contidas no art. 47-A e Art. 47, §4º são
predominantemente processuais, pois instrumentalizam as questões da tutela de evidência e do
ônus da prova do repasse do sobrepreço nas ARDCs,
8
ao passo em que as normas contidas no art.
46-A, §§1º e 2º, art. 47, §1º e §3º são normas materiais, vez que disciplinam, respectivamente, (até)
quando a pretensão daqueles lesados por danos concorrenciais poderá ser exercida, a extensão
da indenização/quantum debeatur que a vítima tem direito pelo dano concorrencial sofrido, e a
solidariedade passiva ou não na totalidade do dano causado à vítima do infrator que celebrou
Acordo de Leniência ou Termo de Compromisso de Cessação (TCC).
6 “O direito processual é, assim, do ponto de vista de sua função jurídica, um instrumento a serviço do direito material:
todos os seus institutos básicos (jurisdição, ação, exceção, processo) são concebidos e justificam-se no quadro das instituições
do Estado pela necessidade de garantir a autoridade do ordenamento jurídico. O objeto do direito processual reside precisa-
mente nesses institutos e eles concordarem decisivamente para dar-lhe sua própria individualidade e distingui-lo do direito
material” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2006, 46).
7 As normas de direito material são aquelas que indicam quais os direitos de cada um. Por exemplo, a que diz que
determinadas pessoas têm direito de postular alimentos de outras é material: atribui um interesse primário ao seu titular. As
normas de processo são meramente instrumentais. Pressupõe que o titular de um direito material entenda que ele não foi
respeitado, e recorra ao Judiciário para que o faça valer. O direito material pode ser espontaneamente respeitado, ou pode não
ser. Se a vítima quiser fazê-lo valer com força coercitiva, deve recorrer ao Estado, do que resultará a instauração do processo.
Ele não é um fim em si mesmo, nem o que almeja quem ingressou em juízo, mas um meio, um instrumento, para fazer valer o
direito desrespeitado. As normas de direito processual regulamentam o instrumento de que se vale o Estado-juiz para fazer
valer os direitos não respeitados dos que a ele recorreram” (GONÇALVES, 2011, p. 36).
8 Entendemos que o art. 47, §4º da Lei nº 14.470/2022 trata de norma processual devido à sua clara finalidade de impul-
so processual das ARDCs. O dispositivo esclarece, desde logo, que não se pode presumir o repasse do sobrepreço, atribuindo
o ônus de provar esse tipo de defesa ao réu, vez que tratar-se-ia de fato extintivo do direito à parte autora.
176
ATHAYDE, Amanda; TREVIZO, Carolina Pagotto. Se, quando e como aplicar a lei nº 14.470/2022
nas ações reparatórias por danos concorrenciais? Uma análise sobre a aplicabilidade no tempo
das normas de direito material e processual. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11,
n. 2, p. 172-191, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1029
Tabela 1 – Classificação dos dispositivos da Lei nº 14.470/2022 enquanto norma processual ou material
Dispositivo Redação Classicação
Art. 46-A, §§1º e 2º § 1º Prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão à reparação pelos
danos causados pelas infrações à ordem econômica previstas
no art. 36 desta Lei, iniciando-se sua contagem a partir da
ciência inequívoca do ilícito.
§ 2º Considera-se ocorrida a ciência inequívoca do ilícito
por ocasião da publicação do julgamento final do processo
administrativo pelo Cade.
NORMA MATERIAL
Art. 47 § § 1º Os prejudicados terão direito a ressarcimento em dobro
pelos prejuízos sofridos em razão de infrações à ordem
econômica previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 36
desta Lei, sem prejuízo das sanções aplicadas nas esferas
administrativa e penal.
NORMA MATERIAL
Art. 47 § § 3º Os signatários do acordo de leniência e do termo de
compromisso de cessação de prática são responsáveis apenas
pelo dano que causaram aos prejudicados, não incidindo sobre
eles responsabilidade solidária pelos danos causados pelos
demais autores da infração à ordem econômica.
NORMA MATERIAL
Art. 47 §4º § 4º Não se presume o repasse de sobrepreço nos casos das
infrações à ordem econômica previstas nos incisos I e II do § 3º
do art. 36 desta Lei, cabendo a prova ao réu que o alegar.
NORMA
PROCESSUAL
Art. 47-A Art. 47-A. A decisão do Plenário do Tribunal referida no art.
93 desta Lei é apta a fundamentar a concessão de tutela da
evidência, permitindo ao juiz decidir liminarmente nas ações
previstas no art. 47 desta Lei.
NORMA
PROCESSUAL
Fonte: elaboração própria.
2. COMO SE APLICAM AS DISPOSIÇÕES DE NATUREZA PROCESSUAL EM
ARDCS COM A ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 14.470/2022?
Com relação a sua aplicação, a norma processual se aplica de imediato, desde o início da sua
vigência, aos processos em andamento, mas devem ser respeitados os atos processuais já realizados,
ou situações consolidadas (i.e., ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada), de acordo
com a lei anterior (art. 14, Código de Processo Civil – Lei Federal nº Lei nº 13.105, de 16 de março de
2015 (“CPC/15”)).
Note-se que a simplicidade da aplicação de novas normas processuais (e materiais, como
ver-se-á a seguir) é apenas aparente. Conforme apontam Yarshell e Pessoa (2016, p. 56), “o difícil é
saber em que hipóteses haverá uma situação processual consolidada”.
Alguns conceitos, tais como os de situação jurídica consolidada e direito adquirido, não gozam
de consenso na doutrina (BUENO, 2017, p. 200-202). E, mesmo aqueles que estão mais estabelecidos,
tal qual o de ato jurídico processual perfeito (i.e., aqueles já praticados sob a égide da lei antiga),
são de difícil interpretação no caso concreto, principalmente quando há situação jurídica pendente
177
(NERY JUNIOR; NERY, 2016, p. 241).
Não bastasse, alguns atos processuais não se aperfeiçoam com a simples prática, pois, ao
longo do processo, alguns deles produzem efeito que se prolongam no tempo. Ademais, há atos
posteriores que guardam tanta conexão com atos antigos que não podem ser submetidos a regimes
jurídicos distintos (YARSHELL; PESSOA, 2016, p. 56-57).
Sobre esse ponto, a doutrina do direito processual civil intertemporal criou um norte a ser
seguido quando da verificação da lei aplicável – nova ou velha – em um processo pendente: a regra
do isolamento dos atos processuais.
Nas palavras de Dinamarco (2018, p. 143):
Cada ato é considerado em si mesmo, isoladamente, preservando-se a ecácia dos
que houverem sido praticados antes segundo a lei velha e impondo a aplicação da
nova aos que vierem a ser praticados a partir de sua vigência (DINAMARCO, 2018, p.
143).
Dessa forma, à luz do art. 14, do CPC/15, deve-se tentar resguardar as situações jurídicas
processuais consolidadas, que envolvem os respectivos fatos constitutivos ou extintivos, bem como
efeitos já produzidos, ao passo que, os efeitos pendentes de produção serão de regra regidos pela
lei nova (BUENO, 2017, p. 202).
Como aplicar, portanto, os dispositivos do art. 47 da Lei nº 14.470/2022 que foram classificados
como normas processuais? É o que se passa a apresentar.
2.1. Art. 47-A: Decisão condenatória do Cade é apta a fundamentar a concessão liminar de
tutela de evidência
Por escolha metodológica, passa-se a analisar a aplicação desse dispositivo sob a perspectiva
de ARDCs (i) já extintas, (ii) pendentes, ou (iii) a serem iniciadas.
Com base nas ponderações acima, em (2.1.i.) ARDCs já extintas, a Lei nº 14.470/2022 não
poderá retroagir, vez que foram formadas situações jurídicas já consolidadas, independentemente
se foi concedida ou não a tutela de evidência e qual foi o seu fundamento jurídico. Além disso, a
concessão de tutela de evidência pressupõe a existência de ação ajuizada para que seja possível a
dedução de que o direito do autor é de fato evidente.
9
Note-se que, antes da entrada em vigor da lei nova, a tutela de evidência já podia ser
concedida liminarmente à vítima por dano concorrencial, com base na hipótese genérica do inciso
IV, do art. 311, do CPC/15. Todavia, na grande maioria das ARDCs até hoje ajuizadas, o tipo de tutela
provisória geralmente requerido é o de urgência, em razão da maior facilidade, até então, em
comprovar os fundamentos do art. 300, do CPC/15 (probabilidade do direito e o perigo de dano/risco
ao resultado útil do processo).
Conforme explica Gomes (2022, p. 426-427), a inclusão do art. 47-A na LDC foi muito positiva
9 “[...] a tutela de evidência, por sua própria natureza, pressupõe ação já ajuizada, pois é através da dedução da
pretensão posta em juízo e da análise dos documentos apresentados que é possível avaliar se o direito do autor é, de fato
evidente” (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 379).
178
ATHAYDE, Amanda; TREVIZO, Carolina Pagotto. Se, quando e como aplicar a lei nº 14.470/2022
nas ações reparatórias por danos concorrenciais? Uma análise sobre a aplicabilidade no tempo
das normas de direito material e processual. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11,
n. 2, p. 172-191, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1029
por 3 (três) motivos: (i) o dispositivo possibilita a concessão de tutela de evidência em caráter liminar;
(ii) a tutela se presta a incentivar as vítimas a buscaram reparação no Judiciário, pois inverte o ônus
decorrente do tempo do processo, que tende a demorar entre 10-15 anos; (iii) ao contrário do que
dispõe o inciso IV do art. 311, do Código Civil de 2022 (Lei nº 10.406/02) (“CC/02”), o art. 47-A condiciona
a concessão da liminar ao fato do réu não conseguir não impõe a condição de que o réu não seja
capaz de opor “prova capaz de gerar dúvida razoável”, tornando, pois, mais difícil a tarefa do réu de
impedir que a tutela de evidência seja concedida.
No que tange à incidência da norma do art. 47-A nas (2.1.ii) ARDCs que estavam pendentes
quando da entrada em vigor da Lei nº 14.470/2022, não se verifica a mesma dificuldade encontrada
na aplicação das outras disposições novas. Isso se observa, na medida em que a concessão de tutela
de evidência não se confunde com o julgamento antecipado de mérito, porque decorre de atividade
de cognição sumária do magistrado. Com efeito, não é apta a fazer coisa julgada material (THEODORO
JÚNIOR, 2016, p. 379).
Não bastasse, a nova norma trata de tutela de evidência, que é uma tutela provisória (art.
294, CPC/15), de maneira que a sua concessão pode vir a ser revogada ou modificada a qualquer
momento (art. 296, CPC/15) (CASELTA, 2022).
Diante do exposto, é possível concluir que a norma nova deve:
(2.1.ii.a) ser aplicada imediatamente às ARDCs pendentes em que a tutela de
evidência ainda está em discussão, i.e., (2.1.ii.a.1) naquelas em que não houve
nenhum juízo sobre o pedido de tutela de evidência ainda, e (2.1.ii.a.2) naquelas
que estão sendo discutidas em sede de agravo de instrumento,
10
tendo em vista a
natureza instável da tutela provisória e a aplicabilidade imediata da lei processual
aos processos pendentes, de acordo com o art. 14, do CPC/15;
(2.1.ii.a) mas também poderia retroagir nas ARDCs em que a tutela provisória de
evidência foi indeferida por decisão interlocutória transitada em julgado, se a
decisão condenatória do Cade for apta a fundamentar a concessão de tutela de
evidência. Isso porque, conforme analisado anteriormente, não apenas inexiste a
formação de coisa julgada material em se tratando de concessão ou rejeição de
tutela de evidência, mas também a tutela é provisória, podendo vir a ser revogada
ou modificada a qualquer tempo.
Por fim, e de compreensão mais simples, é incontroversa a aplicação imediata da Lei nº
14.470/2022 para (2.1.iii.) ARDCs ainda não iniciadas, em que não se cogita a existência de nenhum ato
jurídico perfeito, direito adquirido, e muito menos de coisa julgada. Nesse caso, nos termos do art.
14, do CPC/15, o processo será inteiramente regido pelas normas processuais da lei nova e, portanto,
eventual decisão condenatória proferida pelo Cade será apta a fundamentar a concessão de tutela
de evidência, pois comprova o ilícito concorrencial do qual decorreu o dano.
10 Concedida ou negada a tutela provisória de evidência por decisão interlocutória cabe agravo de instrumento para o
respectivo tribunal (art. 1.015, inciso I, CPC/15).
179
2.2. Art. 47, §4º: Distribuição do ônus da prova do repasse do sobrepreço ao réu, vedando a
sua presunção
Nas ações reparatórias por danos à ordem econômica, o autor tem o ônus de provar a
ocorrência da infração, do dano e o nexo causal; ao passo que ao réu cabe o ônus de provar fatos
que impediriam a configuração de sua conduta como infração ou modificariam seus efeitos, tal como
o passing-on defense. A esse respeito, o novo §4º do art. 47 procurou eliminar uma das fontes de
incerteza da responsabilidade civil concorrencial, ao distribuir claramente o ônus da prova em caso
de alegação de repasse do sobrepreço ao réu, embora isso já fosse dedutível do art. 373, II, do CPC/15
(GOMES, 2022, p. 300).
Tendo isso esclarecido, passa-se a analisar pela metodologia proposta a aplicação desse
dispositivo sob a perspectiva de ARDCs (i) já extintas, (ii) pendentes, ou (iii) a serem iniciadas.
No que diz respeito à norma que veda a presunção do repasse de sobrepreço e atribui ao réu o
ônus da sua prova, as conclusões diferem parcialmente daquelas postas acima (item 2.1). Isso porque,
para as (2.2.i.) ARDCs já extintas com base no passing-on defense, impossível a Lei nº 14.470/2022
retroagir, na medida em que já se formou a coisa julgada.
11
Da mesma forma, os processos das (2.2.iii)
ARDCs ainda a serem iniciadas serão regidos integralmente pela Lei nº 14.470/2022, de maneira que,
o repasse do sobrepreço não poderá ser presumido, e a comprovação da sua ocorrência será dever
do réu mediante prova técnica.
Em relação às (2.2.ii.) ARDCs pendentes, todavia, a seguinte distinção merece ser feita entre
aquelas em que:
(2.2.ii.a.) o repasse do sobrepreço foi presumido por decisão transitada em julgado:
nessa hipótese, há a formação de coisa julgada e, portanto, a Lei nº 14.470/2022
não retroage.
(2.2.ii.b) o repasse do sobrepreço ainda está em discussão: essas ações
ainda podem ser divididas entre:
(2.2.ii.b.1) aquelas em que não houve ainda nenhum juízo sobre
a questão do repasse e seu ônus de prova: não havendo nenhuma
apreciação sobre a questão, ela resta pendente, sendo aplicável a
Lei nº 14.470/2022. Isto é, a comprovação do repasse é não pode ser
presumido e deve ser comprovado mediante prova técnica pelo réu.
(2.2.ii.b.2) aquelas que estão em sede de recurso: essa é a situação
de muitas ARDCs atualmente pendentes. Observe-se que, antes
da entrada em vigor da lei nova, em vários casos, os Tribunais de
Justiça brasileiros, especialmente do Estado de São Paulo, acabavam
julgando a ação improcedente, pois invertiam o ônus e presumiam a
ocorrência do repassa, por diversos motivos descabidos: (i) seria fato
notório/regra de experiência
12
, (ii) a autora não teria demonstrado
11 Vide: TJSP, Apelação Cível nº 1077205-89.2017.8.26.0100, 30ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Russo, DJ
27/11/2019 (SÃO PAULO, 2019c).
12 TJSP, Apelação nº 1049985-19.2017.8.26.0100, 32ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Caio Marcelo Mendes de Oli-
veira, Dj 13/05/2021 (pendente de julgamento no STJ – Em segredo de justiça) (SÃO PAULO, 2021b); TJSP, Apelação nº 1076730-
180
ATHAYDE, Amanda; TREVIZO, Carolina Pagotto. Se, quando e como aplicar a lei nº 14.470/2022
nas ações reparatórias por danos concorrenciais? Uma análise sobre a aplicabilidade no tempo
das normas de direito material e processual. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11,
n. 2, p. 172-191, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1029
nenhuma evidência de que não repassou o sobrepreço,
13
ou (iii)
com fundamentado na análise do INCC.
14
Esses casos encontram-se
pendente de julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesse
contexto, para fins de aplicabilidade da lei nova e, consequente
viabilidade dessas ARDCs pendentes, entende-se pertinente o
questionamento feito a seguir: a decisão, em primeira ou segunda
instância, que inverteu o ônus da prova e presumiu a ocorrência
do repasse do sobrepreço é ato jurídico processual perfeito e/
ou advém para qualquer dos participantes direito adquirido? Com
efeito, vislumbra-se uma controvérsia: no caso de uma resposta
afirmativa, a Lei nº 14.470/2022 não retroage, e a ação está fadada
à improcedência; do contrário, permanece uma situação jurídica
pendente e, pois, nesses casos, caberia o retorno dos autos à origem
para que o réu comprovasse a ocorrência do repasse do sobrepreço.
Seguindo o entendimento da jurisprudência majoritária dos Tribunais
de Justiça, no sentido de que não se opera a preclusão da decisão
anterior que distribuiu ou inverteu o ônus da prova desde que a parte
interessada recorra da decisão,
15
faz sentido a Lei nº 14.470/2022 ser
aplicável nesses casos. Todavia, é preciso levar em consideração que
há decisões no sentido de que a decisão que defere, indefere ou
revoga a dinâmica instrutória pode ser altera pelo julgador, desde
que antes da prolação da sentença, pois trata de regra de instrução,
e não de julgamento.
16
3. COMO FICAM AS DISPOSIÇÕES DE NATUREZA MATERIAL EM ARDCS NO
CASO DE OS FATORES GERADORES SEREM ANTERIORES OU POSTERIORES À LEI
Nº 14.470/2022?
Com relação a sua aplicação, o direito material é, em regra, avaliado e julgado conforme
a lei vigente no seu tempo, refletindo os princípios da irretroatividade e imediatidade das leis,
consagrados no art. XXXVI, da CF/88, e no art. 5 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro
(Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942) (LINDB) (BRASIL, 1942). Significa dizer que quando
da vigência da lei nova, essa terá eficácia imediata, podendo atingir somente situações futuras e
pendentes, respeitados as situações consolidadas no tempo: ato jurídico perfeito, direito adquirido
36.2017.8.26.0100, 5ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Fábio Podestá, Dj 29/05/2019 (pendente de julgamento no STJ – REsp
nº 1741194/SP) (SÃO PAULO, 2019a);
13 TJSP, Apelação nº 1076386-55.2017.8.26.0100, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Alcides Leopoldo, Dj 10/02/2022
(interposição de REsp, que ainda não subiu ao STJ) (SÃO PAULO, 2022a).
14 TJSP, Apelação nº 1076944-27.2017.8.26.0100, 8ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Pedro de Alcântara da Silva Leme
Filho, Dj 09/12/2020 (pendente de julgamento no STJ – Em segredo de Justiça) (SÃO PAULO, 2020).
15 Vide: TJSP, Agravo de Instrumento nº 2043052-51.2019.8.26.0000, 29ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Carlos Henri-
que Miguel Trevisan, DJ 26/04/2019 (SÃO PAULO, 2019b); TJSP, Agravo de Instrumento nº º 2118438-24.2018.8.26.0000, 31ª Câmara
de Direito Privado, Des. Rel. Paulo Ayrosa, Dj 11/07/2018 (SÃO PAULO, 2018b).
16 Vide: TJRS, Agravo de Instrumento nº 0015994-39.2018.8.19.0000, 16ª Câmara Cível, Des. Rel. Mauro Disckstein, Dj
11/05/2018 (RIO GRANDE DO SUL, 2018).
181
e coisa julgada (NERY JUNIOR; NERY, 2017, p. 226).
Como de praxe, o princípio da irretroatividade não é absoluto. Conforme explica Carlos
Roberto Gonçalves, a lei poderá retroagir em dois casos: (i) para atingir fatos já consumados somente
quando não ofender as situações já consolidadas no tempo e (ii) quando o legislador expressamente
mandar aplicar a lei nova às situações passadas (GONÇALVES, 2017, p. 84).
A impossibilidade de uma nova lei retroagir para alcançar situações jurídicas já consolidadas
é vedada em razão do princípio da segurança jurídica, com a finalidade essencial de preservar as
situações consolidadas sob a égide da lei anterior.
17
As hipóteses de aplicação das normas materiais são ainda mais complexas, na medida em
que o direito material deve ser analisado e julgado conforme a lei vigente no seu tempo, devendo
ser levado em consideração, em regra, não o curso do processo, mas os fatos geradores do direito, se
são anteriores ou posteriores à lei nova.
3.1. Art. 46-A, §§1º e 2º: Prazo prescricional para as ações reparatória é de 5 anos e o termo
inicial é a data da publicação nal do Cade
Em se tratando de normas de natureza material, será realizada uma subdivisão na análise para
se avaliar a aplicabilidade no caso de fatos geradores anteriores ou posteriores à Lei nº 14.470/2022.
3.1.1.Análise da aplicabilidade no caso de fatos geradores anteriores à Lei nº
14.470/2022
Por metodologia, passa-se novamente a analisar a aplicação desse dispositivo sob a
perspectiva de ARDCs (i) já extintas, (ii) pendentes, ou (iii) a serem iniciadas, com nuances modificações.
A regra é clara sobre as ARDCs (3.1.1.i) já extintas: a nova lei não pode retroagir devido à coisa
julgada formada. No que diz respeito às ARDCs que já foram extintas preliminarmente com base em
prescrição, o entendimento jurisprudencial sobre o prazo prescricional e o termo inicial aplicáveis
variavam conforme o entendimento dos tribunais acerca da natureza da responsabilidade civil, i.e.,
extracontratual (aquiliana) ou contratual.
Nos casos em que entendeu equivocadamente tratar-se de ilícito contratual, o prazo
prescricional aplicável seria de dez anos, conforme regra do art. 205, do CC/02, e o termo inicial seria
a celebração do contrato ou do aditamento (art. 189, CC/02).
18
Em contrapartida, quanto os tribunais
acertavam a natureza extracontratual do ilícito, aplicavam a regra geral para fins de reparação
civil extracontratual para as ações individuais prevista no 206, §3º, inciso V, do CC/02, três anos. O
desentendimento, todavia, era com relação ao termo a quo da prescrição, alternando entre: (i) a data
da violação do direito (art. 189, CC/02), e (ii) a data da ciência da violação do direito e da extensão
17 “O direito segurança jurídica no processo constitui direito certeza, estabilidade, confiabilidade e efetividade das
situaç es jurídicas processuais. Ainda, a segurança jurídica determina não só segurança no processo, mas também segurança
pelo processo” (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017, p. 281).
18 E.g., TJSP, Apelação Cível nº 1013093-40.2015.8.26.0114, 14ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Thiago de Siqueira, Dj
31/08/2018 (SÃO PAULO, 2018a).
182
ATHAYDE, Amanda; TREVIZO, Carolina Pagotto. Se, quando e como aplicar a lei nº 14.470/2022
nas ações reparatórias por danos concorrenciais? Uma análise sobre a aplicabilidade no tempo
das normas de direito material e processual. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11,
n. 2, p. 172-191, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1029
dos danos, que pode ocorrer após ação penal (art. 200, CC/02),
19
após a decisão condenatória final
do Cade,
20
ou quando da celebração ou rescisão do contrato.
21
Caso o (3.1.1.ii) processo esteja pendente no momento da entrada em vigor da lei nova (i.e.,
a ação tenha sido ajuizada até 15/11/2022, dia anterior à entrada em vigor da Lei nº 14.470/2022), o
prazo prescricional aplicável é o da lei antiga, ou seja, três anos (art. 206, §3º, V, CC/02).
Se extrai da jurisprudência do c. STJ que inexiste direito adquirido a prazo prescricional em
curso (mas apenas expectativa de direito), cabendo às partes se submeterem ao regimento jurídico
novo. Segundo a Corte Especial, a contagem do novo prazo, por óbvio, só tem início com a entrada em
vigor da inovação legislativa. A jurisprudência, no entanto, estabelece duas exceções para a incidência
do prazo definido pelo novo diploma legal: (i) se o prazo de prescrição aplicável anteriormente já
tiver se consumado; ou (ii) se a ação já tiver sido ajuizada antes da entrada em vigor da lei nova.
22
Recentemente, a Terceira Turma do STJ analisou a prescrição de pretensão de reparação
de dano concorrencial decorrente de conduta anticompetitiva no Recurso Especial nº 2.095.107/SP,
referente a uma ação ajuizada em 2016, e entendeu que se aplicava ao caso dos autos a regra prevista
no art. 206, §3º, V, do CC/02, que define a prazo de prescrição de três anos. Isso porque “quando da
entrada em vigor do prazo estabelecido pela nova legislação, a presente ação já se encontrava em
andamento.
23
Por fim, com relação às (3.1.1.iii) ARDCs ainda não iniciadas, que dizem respeito a ilícitos
anticoncorrenciais ocorridos antes da entrada em vigor da Lei nº 14.470/2022, conforme entendimento
do c. STJ, há a incidência imediata do novo prazo de prescrição trazido por ela, desde que a prescrição
ainda não tenha sido consumada.
No julgamento do recurso supramencionado, o Min. Rel. Villas Boâs Cueva acompanha o
entendimento da doutrina no sentido de que deve ser computado o decurso do tempo já transcorrido
durante a vigência da norma anterior (i.e., até 3 anos), estando o novo prazo limitado ao tempo
restante do período pretérito, quando mais reduzido em relação ao novo regramento.
Ou seja, para que seja aplicável o prazo prescricional de cinco anos para os fatores geradores
anteriores à Lei nº 14.470/2022, o termo inicial da pretensão indenizatória tem que se dar dentro de
três anos anteriores à entrada em vigor da nova lei (i.e. 16/11/2022). Isso porque, se a pretensão for
exercitável antes desses anos, o prazo prescricional será integralmente regido pela lei antiga (art.
206, §3º, V, do CC/02). Do contrário, se o prazo prescricional começar a correr dentro dos três anos, há
tempo suficiente para a Lei nº 14.470/2022 (e o prazo prescricional abrangente) incidir na pretensão.
19 Vide: TJSP, Agravo de Instrumento nº 2066435-97.2015.8.26.0000, 27ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Sergio Alfieri,
Dj 15/09/2015 (SÃO PAULO, 2015).
20 Vide: TJSP, Apelação nº 1076386-55.2017.8.26.0100, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Alcides Leopoldo, Dj
10/02/2022 (SÃO PAULO, 2022a); TJSP, Apelação Cível nº 1076706-08.2017.8.26.0100, 30ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Lino
Machado, Dj 01/12/2021; etc (SÃO PAULO, 2021a).
21 Vide: TJMG, Apelação Cível nº 1.0024.06.984815-8/033, 11ª Câmara Cível, Des. Rel. Mariza de Melo Porto, DJe 06/07/2016
(MINAS GERAIS, 2016); TJSP, Apelação Cível nº 1000180-60.2021.8.26.0067, 34ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Lígia Araújo
Bisogni, Dj 08/08/2022; etc (SÃO PAULO, 2022b).
22 Vide: STJ, Recurso Especial nº 2.022.552/RS, Terceira Turma, Min. Rel. Nancy Andrighi, Dje 09/12/2022 (BRASIL, 2022b).
23 STJ, REsp nº 2.095.107/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 06/10/2023 (BRASIL, 2023).
183
3.1.2. Análise da aplicabilidade no caso de fatos geradores posteriores à Lei nº 14.470/2022
Para as ARDCs que concernem fatos geradores posteriores à Lei nº 14.470/2022, segundo
Medrado et al. (2023), o prazo prescricional e seu respectivo termo inicial muda de acordo com a
modalidade da ARDC:
24
(3.1.2.i) para as ações follow-on,
25
é clara a imediata aplicação da Lei nº 14.470/2022
nos termos do §2º do art. 46-A, e, pois, aplicável o prazo prescricional de cinco
anos, sendo seu termo inicial a publicação da decisão condenatória do Cade. Esse
entendimento não destoa daquele proferido no julgamento do REsp 2.095.107/SP;
26
(3.1.2.ii) para as ações stand-alone,
27
haveria uma nova controvérsia:
(3.1.2.ii.1) poder-se-ia defender a aplicação do prazo prescricional de cinco
anos da Lei nº 14.470/2022, com o termo inicial sendo o exato momento
em que a vítima teve ciência inequívoca do ato lesivo e de sua extensão,
estipulado pelo STJ no julgado do REsp 1.971.316/SP;
28
Esse entendimento
é o mesmo extraído do REsp 2.095.107/SP, pois o acórdão trata o prazo
prescricional de cinco anos como um só para ambas as modalidades de
ARDC;
29
(3.1.2.ii.2) ao passo que, também é possível defender que a melhor orientação
do prazo prescricional viria do julgamento do REsp nº 1.971.316/SP pelo STJ,
ao determinar a aplicação do prazo do art. 206, §3º, V, do CC/02 (3 anos).
24 “Em relação à prescrição, a Lei nº 14.470/2022 é clara quando se trata de ações de indenização por danos concorrenciais
que sejam derivadas de decisão condenatória do Cade (ações follow-on). Nesses casos, a prescrição é de cinco anos a partir
da publicação do julgamento final do processo administrativo pelo Cade. [...] Para as ações stand-alone de reparação de danos
posteriores à Lei nº 14.470/2022, há quem defenda que o prazo prescricional de cinco anos estabelecido na Lei nº 14.470/2022
continua sendo aplicado, com a mudança apenas do termo inicial da prescrição. Por outro lado, há também quem defenda
que, em não havendo decisão condenatória do Cade, a melhor orientação não viria da Lei nº 14.470/2022, mas sim do julgado
do STJ, ao determinar a aplicação da regra geral de três anos estabelecida no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil.” (MEDRADO et
al., 2023).
25 ARDCs baseadas em uma condenação prévia do Cade.
26 “[…] 4. A prescrição da pretensão de natureza reparatória de dano oriundo de infração à ordem econômica possui
regulamentação na Lei nº 12.529/2011, que teve sua redação alterada pela Lei nº 14.470/2022. O prazo aplicado antes da alteração
legislativa era o da regra geral para fins de reparação civil extracontratual prevista no art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil,
ou seja, 3 (três) anos. A nova lei ampliou o prazo prescricional para 5 (cinco) anos e estabeleceu regras específicas para sua
contagem, conforme redação do art. 46-A, caput e parágrafos, da Lei nº 12.529/2011. [...] 7. O termo inicial da contagem do prazo
prescricional para as ações follow-on, conforme dispõem os §§ 1º e 2º do art. 46-A, inicia-se apenas com a ciência inequívoca
do ilícito. A lei esclarece que a ciência inequívoca se refere à publicação da decisão definitiva do Cade reconhecendo o ilícito.
(STJ, REsp nº 2.095.107/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 06/10/2023) (BRASIL, 2023).
27 ARDCs ajuizadas diretamente no Poder Judiciário, para comprovar conduta anticoncorrencial que não foi objeto de
investigação ou condenação do Cade.
28 STJ, REsp nº 1.971.316/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Dje 14/12/2022 (BRASIL, 2022a).
29 “A nova lei ampliou o prazo prescricional para 5 (cinco) anos e estabeleceu regras específicas para sua contagem,
conforme redação do art. 46-A, caput e parágrafos, da Lei nº 12.529/2011.” (STJ, REsp nº 2.095.107/SP, Terceira Turma, Rel. Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 06/10/2023) (BRASIL, 2023).
184
ATHAYDE, Amanda; TREVIZO, Carolina Pagotto. Se, quando e como aplicar a lei nº 14.470/2022
nas ações reparatórias por danos concorrenciais? Uma análise sobre a aplicabilidade no tempo
das normas de direito material e processual. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11,
n. 2, p. 172-191, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1029
3.2. Art. 47, §1º: Sistema de double damages em caso de cartel
Por se tratar também de natureza material, repetir-se-á a subdivisão na análise para se
avaliar a aplicabilidade no caso de fatos geradores anteriores ou posteriores à nova lei.
3.2.1. Análise da aplicabilidade no caso de fatos geradores anteriores à Lei nº
14.470/2022
Mais uma vez, por metodologia, passa-se a analisar a aplicação desse dispositivo sob a
perspectiva de ARDCs (i) já extintas, (ii) pendentes, ou (iii) a serem iniciadas.
Sem delongas, a Lei nº 14.470/2022 não pode retroagir para as (3.2.1.i) ações já extintas, em
razão da formação de coisa julgada.
Com relação às (3.2.1.ii) ARDCs pendentes não há jurisprudência e/ou doutrina acerca da
existência ou não de direito adquirido ao cálculo da indenização devida. Por isso, propõe-se uma
separação teórica dessas ações, entre aquelas em que:
(3.2.1.ii.a) houve prolação de sentença condenatória transitada em julgado: a
separação é teórica na medida em que não há registros de ações ressarcitórias
por danos concorrenciais em que houve a prolação de sentença condenatória
transitada em julgado. Na verdade, a grande maioria das ARDCs que já estão
extintas não tiveram a chance de chegar à fase decisória, sendo julgadas extintas
preliminarmente, em razão da suposta prescrição, ou ausência de demonstração
de algum elemento de responsabilidade civil – geralmente, o dano. Todavia,
para fins de completude, as ARDCs ajuizadas anteriormente à Lei nº 14.470/2022
fundamentaram o valor da sua pretensão indenizatória pela extensão do dano,
nos termos do art. 944, CC/02.
(3.2.1.ii.b.) o quantum debeatur ainda está em discussão: essas, por sua vez, podem
ser separadas entre aquelas em que:
(3.2.1.ii.b.1) não houve ainda nenhum juízo sobre o quantum indenizatório:
para esses casos, as autoras vislumbram duas possibilidades, com base na
existência ou inexistência de situação jurídica consolidada, ou formação
de ato jurídico perfeito e/ou direito adquirido, bem como em respeito ao
princípio da segurança jurídica: (i) a aplicação imediata da norma do §1º do
art. 47 da Lei nº 14.470/2022, que institui o sistema de double damages; ou
(ii) a aplicação da lei antiga, que estipula que a indenização realizar-se-á
pela extensão dos danos sofridos (art. 944, CC/02);
(3.2.1.ii.b.2) estão em sede de recurso: caso haja alguma sentença
condenatória com base no art. 944, CC/02, que estivesse sendo discutida
em sede de recurso, não seria possível aplicar a Lei nº 14.470/2022
retroativamente para incidir o sistema de double damages, tendo em vista
a violação do princípio de segurança jurídica.
No caso de (3.2.1.iii) ARDCs ainda não iniciadas, que concernem ilícitos concorrenciais
185
ocorridos anteriormente da vigência da Lei nº 14.470/2022, se vislumbra a mesma problemática
existente nas ARDCs em curso em que não houve ainda nenhum juízo sobre o valor indenizatório
(item 3.2.1.ii.b.1)
3.2.2. Análise da aplicabilidade no caso de fatos geradores posteriores à Lei nº
14.470/2022
Finalmente, para as ARDCs que concernem fatos geradores posteriores à Lei nº 14.470/2022,
aplica-se imediatamente a nova lei, adotando o sistema de double damages para as decisões
condenatórias supervenientes.
3.3. Art. 47, §3º: Exclusão da responsabilidade solidária para infratores signatários de Acordo
de Leniência e TCC
Por fim, como o último dispositivo a ser analisado também trata de norma material, cabível
a diferenciação entre a aplicabilidade nos casos em que os fatos geradores antecedem ou sucedem
a Lei nº 14.470/2022.
3.3.1. Análise da aplicabilidade no caso de fatos geradores anteriores à Lei nº
14.470/2022
De praxe, passa-se novamente a analisar a aplicação do §3º do art. 47 sob a perspectiva de
ARDCs (i) já extintas, (ii) pendentes, ou (iii) a serem iniciadas.
Tendo em vista a determinação constitucional de que a lei nova não retroagirá o ato jurídico
perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, por óbvio, a Lei nº 14.470/2022 não tem aplicação em
ARDCs já extintas (3.3.1.i).
Já com relação às ARDCs ainda em curso (3.3.1.ii) a situação é mais complicada, podendo
essas serem divididas entre aquelas em que:
(3.3.1.ii.a) a solidariedade passiva dos infratores foi reconhecida por decisão
declaratória transitada em julgado: aqui, a divisão também é apenas para fins
de completude, vez que não há registros de ações ressarcitórias por danos
concorrenciais em que o juízo proferiu alguma decisão, interlocutória ou não,
analisando se os infratores pelos danos concorrenciais são solidariamente
responsáveis pelo dano total ocasionado. De qualquer forma, pensando na
situação hipotética de existir decisão com esse conteúdo transitada em julgado,
a Lei nº 14.470/2022 não poderia retroagir. Nesse contexto, mesmo os infratores
que firmaram com o Cade acordos premiados (Leniência ou TCC), em busca de
extinção da punibilidade e desconto de multa, poderiam ser considerados
solidariamente responsáveis pelos danos causados às vítimas, caso tivessem
concorrido diretamente para os ilícitos concorrenciais. A solidariedade passiva
entre eles seria inequívoca e encontra fundamento no art. 942, do CC/02 e art. 33,
da LDC.
186
ATHAYDE, Amanda; TREVIZO, Carolina Pagotto. Se, quando e como aplicar a lei nº 14.470/2022
nas ações reparatórias por danos concorrenciais? Uma análise sobre a aplicabilidade no tempo
das normas de direito material e processual. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11,
n. 2, p. 172-191, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1029
(3.3.1.ii.b) a solidariedade passiva dos infratores ainda está em discussão: essas,
por sua vez, podem ser separadas entre aquelas em que:
(3.3.1.ii.b.1) não houve ainda nenhum juízo sobre a questão da solidariedade
passiva: de igual forma, quando não houve ainda nenhuma apreciação sobre a
quota-parte dos codevedores na obrigação ressarcitória, é possível pensar em
duas alternativas: (i) a possibilidade da aplicação imediata do dispositivo em
questão, por meio do qual o investigado que cooperou com o Cade responde
apenas pelos danos que causou; ou (ii) a aplicação do instituto da solidariedade
passiva entre os infratores, independentemente de celebração de Leniência ou
TCC (art. 942, CC/02 c/c art. 33, LDC).
(3.3.1.ii.b.2) estão em sede de recurso: caso já houvesse alguma decisão exauriente
sobre o assunto, com base nos dispositivos anteriores à Lei nº 14.470/2022, difícil
seria argumentar pela sua retroatividade para retirar o infrator que colaborou da
obrigação solidária pelos danos totais resultantes, à luz da potencial formação de
direito adquirido da vítima de ser ressarcida por qualquer um dos codevedores
(art. 275, do CC/02).
Analisando, pois, as (3.3.1.iii) ARDCs ainda não iniciadas, que dizem respeito ilícitos
anticoncorrenciais ocorridos antes da entrada em vigor da Lei nº 14.470/2022, entende-se pela
existência da mesma controvérsia nas ações pendentes em que não foi proferido ainda nenhum
juízo sobre a questão da solidariedade passiva (item 3.2.1.ii.b.1).
3.3.2. Análise da aplicabilidade no caso de fatos geradores posteriores à Lei nº
14.470/2022
Enfim, no que concerne as ARDCs ainda não ajuizadas, que se referem à fatos geradores
posteriores à Lei nº 14.470/2022, aplica-se imediatamente a nova lei, os infratores que celebraram
acordos premiados com o Cade poderão somente ser responsabilizados pelo dano que causaram
aos prejudicados, não respondendo pelos danos causados pelos demais co-infratores da infração à
ordem econômica.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Diante de tudo que foi exposto, as hipóteses acerca da aplicação das disposições contidas
na Lei nº 14.470/2022 devem ser analisadas cuidadosamente pela doutrina e tribunais brasileiros,
na medida em que terão um grande impacto no curso da maioria das ações reparatórias, que estão
ainda em curso atualmente no Judiciário brasileiro.
A maior dificuldade parece residir, como já se poderia esperar, nas normas de natureza
material, em especial, nas ARDCs ainda em curso e naquelas a serem iniciadas referentes à fatos
geradores anteriores à entrada em vigor da Lei nº 14.470/2022. Já para aquelas extintas ou a serem
iniciadas referentes a fatos geradores posteriores à entrada em vigor da lei nova, as reflexões oriundas
do direito processual parecem ser bem menos controversas.
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A imagem a seguir apresenta todo o passo a passo a ser seguido quando da análise da
aplicabilidade da Lei nº 14.470/2022, quando interpretada pela sua natureza material ou processual.
Organograma 1 - Mapa mental da análise da aplicabilidade da Lei nº 14.470/2022 nas ARDCs extintas, pendentes
e ainda não ajuizadas
Fonte: elaboração própria.
Em suma, portanto, é possível chegar a algumas conclusões preliminares sobre a aplicação da
Lei nº 14.470/2022. No caso de processos já extintos, a Lei nº 14.470/2022 não retroage em nenhuma
hipótese, tendo em vista a constituição de coisa julgada, ou, no caso da norma do art. 47-A, em razão
da ausência de ação em trâmite para que seja possível a dedução de que o direito do autor é de fato
evidente.
Para os processos ainda pendentes, é possível dissecar as hipóteses em três, de acordo com
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ATHAYDE, Amanda; TREVIZO, Carolina Pagotto. Se, quando e como aplicar a lei nº 14.470/2022
nas ações reparatórias por danos concorrenciais? Uma análise sobre a aplicabilidade no tempo
das normas de direito material e processual. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11,
n. 2, p. 172-191, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1029
o momento processual da ARDC:
Se houve decisão transitada em julgado, a Lei nº 14.470/2022 não retroage,
tendo em vista a existência de coisa julgada. O art. 47-A se destaca como uma
exceção a esse entendimento, vez que a concessão de tutela de evidência decorre
de atividade de cognição sumária, e não exauriente e, portanto, não é apta a fazer
coisa julgada material.
Se a ação ainda está em curso, e ainda não foi proferido nenhum juízo sobre
a matéria:
o Para as normas processuais: aqui há uma situação jurídica pendente,
portanto, aplica-se a Lei nº 14.470/2022.
o Para as normas materiais: para as normas sobre double damages e
solidariedade passiva, há uma controvérsia – se há a aplicação imediata
da Lei nº 14.470/2022, ou aplicação da lei vigente ao tempo da conduta,
tendo em vista os institutos do ato jurídico perfeito, direito adquirido, e
em respeito ao princípio da segurança jurídica. Já no caso de prescrição,
é entendimento da jurisprudência e doutrina que lei nova sobre prazo
prescricional incide imediatamente, com exceção de ações já ajuizadas
antes da entrada em vigor da lei nova.
Se a ação está em curso, porém em fase de recurso:
o Para as normas processuais: aplica-se as normas da Lei nº 14.470/222.
No caso da tutela de evidência, trata-se de tutela provisória, podendo
ser revogada ou modificada a qualquer tempo; no caso do repasse do
sobrepreço, é entendimento da jurisprudência que não opera a preclusão
da decisão anterior que distribuiu ou inverteu o ônus da prova se a parte
interessada recorreu da decisão.
o Para as normas materiais: as decisões que declaram as
pretensões prescritas, definem o quantum debeatur e que reconhecem a
responsabilidade solidária dos infratores podem ser caracterizados como
atos jurídicos perfeitos ou resultam em direito adquirido, portanto, a Lei nº
14.470/2022 não retroage.
E, para os processos ainda não iniciados, a aplicabilidade das normas da Lei nº 14.470/2022
vai depender da sua natureza:
Para as normas de direito processual (tutela de evidência e vedação do
repasse do sobrepreço), a Lei nº 14.470/2022 incide desde logo, tendo em vista a
aplicabilidade imediata do direito processual;
Já para as normas de direito material (prescrição, double damages e exclusão
da responsabilidade solidária) terão aplicabilidade imediata se os fatos geradores
foram posteriores à Lei nº 14.470/2022. Caso os fatos geradores sejam anteriores
à Lei nº 14.470/2022, nas normas sobre double damages e solidariedade passiva,
vislumbra-se a mesma polêmica existente nas ações em curso em que ainda
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não foi proferido nenhum juízo sobre a matéria. No caso do prazo prescricional,
todavia, há a incidência imediata do novo prazo prescricional mais abrangente,
desde que não consumada a prescrição.
Há que se acompanhar, portanto, a aplicação concreta das normas pelo judiciário, tendo
em vista a certeza de que endereça inúmeros desafios não apenas para os profissionais atuantes no
direito da concorrência, mas em especial para os processualistas.
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ATHAYDE, Amanda; TREVIZO, Carolina Pagotto. Se, quando e como aplicar a lei nº 14.470/2022
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