169168
XAVIER, Vítor. Processo de responsabilização de pessoas jurídicas: a acumulação das penalidades
previstas na Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e na Lei Anticorrupção na
hipótese de fraude em licitação e contratos públicos praticada por empresas associadas na
forma de cartel. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 1, p. 149-168, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i1.1023
RESPONSABILIZAÇÃO 360°:
DESDOBRAMENTOS DE UM
MOVIMENTO RESPONSIVO
DISSUASÓRIO ESTIMULADO
PELA AUTORIDADE DE DEFESA
DA CONCORRÊNCIA
1
Accountability 360°: developments of a dissuasive
responsive movement stimulated by the antitrust authority
Vivian Anne Fraga do Nascimento Arruda
2
Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo/SP, Brasil
Marcelo Barbosa de Castro Zenkner
3
Fundação Getúlio Vargas (FGV/Rio) – Rio de Janeiro/RJ, Brasil
Marco Volpini Micheli
4
Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo/SP, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Contexto: A exemplo de outras jurisdições e de órgãos internacionais, a lei concorrencial brasileira
caracteriza o cartel em licitações como o mais grave tipo de conduta anticompetitiva. Amparada
no complexo e multifacetado arcabouço jurídico aplicável, a autoridade nacional competente – o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) – vem proativa e diligentemente exercendo
iniciativas para uma responsabilização holística dos cartelistas. De forma integrada ao sistema
jurídico de múltipla persecução a tais agentes, o Cade tem provocado particulares, outros órgãos
e demais esferas públicas, encorajando-os, dentro dos limites de suas respectivas competências e
atribuições, a buscarem sanções de natureza cível, penal e nas demais frentes administrativas.
Objetivo: O texto objetiva através de uma densa análise empírica - conrmar a ocorrência desse
importante movimento institucional da autoridade em promover uma responsabilização jurídica
holística de infratores. Esse movimento institucional ora convencionado de “Responsabilização
Editor responsável: Prof. Dr. Luis Henrique Bertolino Braido, Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4648392251476133. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6085-1446.
1 Recebido em: 18/05/2023 Aceito em: 11/07/2023 Publicado em: 31/07/2023
2 Sócia em TozziniFreire Advogados. Mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo. Graduada em
Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especializada em Direito Econômico Regulatório pela Fundação Getúlio
Vargas. Graduada em Ciências Políticas e Relações Internacionais pela Suffolk University – Boston. E-mail: vfraga@tozzinifreire.
com.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/9409639448551883. ORCID: https://orcid.org/0009-0007-8976-5462.
3 Sócio de TozziniFreire Advogados. Professor da Link School of Business (SP) e da FDV (ES). Doutor em Direito Público
pela Universidade Nova de Lisboa. Ex-Promotor de Justiça, ex-Diretor de Governança e Conformidade da Petrobras e ex-
Secretário de Controle e Transparência do Espírito Santo. E-mail: mzenkner@tozzinifreire.com.br Lattes: http://lattes.cnpq.
br/8677820483572137. ORCID: https://orcid.org/0009-0004-5299-2598.
4 Advogado de Direito Concorrencial em TozziniFreire Advogados. Doutorando e mestre em História Econômica pela
Universidade de São Paulo. Bacharel em Direito (FD/UPM) e em História (FFLCH/USP). E-mail: mvolpini@.micheli@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2361953745521991. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0079-8756.
9
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um movimento responsivo dissuasório estimulado pela autoridade de defesa da concorrência.
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360°” está plenamente integrado a uma moldura jurídica legislativa que prevê múltiplas respostas
punitivas ao cartel: em sede administrativa e criminal e reparatória (por meio da responsabilidade
civil).
Método: Análises quantitativa e qualitativa dos casos de cartel em licitações públicas julgados pelo
Tribunal do Cade nos últimos cinco anos. Com base na ferramenta de busca no Sistema Eletrônico
de Informações (SEI) do Cade, aferiu-se o percentual de casos em que a autoridade efetivamente
promoveu a Responsabilização 360° e, de forma complementar, analisou-se o mérito das decisões.
Conclusões: Os resultados colocam o Cade no papel de protagonista de um enforcement holístico no
combate aos cartéis em licitação. Nesse papel, a autoridade sanciona os cartelistas sob a seara da
lei de defesa da concorrência, e vale-se do multifacetado ordenamento jurídico aplicável que prevê
sanções de várias ordens, como penal, outras administrativas e as civis.
Palavras-chave: Direito Concorrencial; Cartéis em Licitação; Persecução Múltipla aos Cartéis;
Responsabilização Além-Cade; Reparação de Danos.
STRUCTURED ABSTRACT
Context: Like other jurisdictions and international bodies, Brazilian competition law characterizes
bid-rigging cartels as the most serious type of anticompetitive conduct. Supported by the complex
and multifaceted applicable legal framework, the competent national authority – the Administrative
Council for Economic Defense (Cade) – has been proactively and diligently exercising initiatives for a
holistic accountability of cartelists. Integrated with the legal system of multiple persecution of such
agents, Cade has provoked individuals, organizations, and other governmental bodies, encouraging
them, within the limits of their own respective competences and attributions, to seek sanctions of a
civil, criminal nature and in the other administrative fronts.
Objective: The text aims through a dense empirical analysis – at conrming the occurrence of this
important institutional movement of the authority in promoting a holistic legal accountability of
offenders. This institutional movement herewith referred to as “Accountability 360°” is fully integrated
into a legal and legislative framework that provides for multiple punitive responses to the cartel:
administratively, criminally, and reparative (by means of civil liability).
Method: Quantitative and qualitative analysis of cartel cases in public tenders decided by CADE’s
Tribunal in the last ve years. Based on CADE’s Electronic Information System (SEI) search tool, the
percentage of cases in which the authority effectively promoted the 360° Accountability was checked
and, in a complementary way, the merits of the decisions were analyzed.
Conclusions: The results place Cade in a protagonist role of a holistic enforcement in the ght against
bid-rigging cartels. In this role, the authority sanctions cartelists under the scope of the antitrust
law and makes use of the multifaceted applicable legal system that provides for sanctions of various
orders, such as criminal, administrative, and civil.
Keywords: Competition Law; Bid Rigging; Multiple Prosecution of Cartels; Liability Beyond-CADE;
Damages.
Classicação JEL: D73; K21; K42; L40; L41.
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um movimento responsivo dissuasório estimulado pela autoridade de defesa da concorrência.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 1, p. 169-185, 2023.
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Sumário: 1. Introdução; 2. O cartel em licitações sob a Lei
Brasileira de Defesa da Concorrência; 3. Metodologia e
Resultado da Pesquisa; 4. A responsabilização holística
360°: precedentes do Tribunal Administrativo do Cade;
5. O cartel em licitações atinge múltiplas normas
jurídicas para além da administrativa concorrencial:
responsabilização 360° e o private enforcement; 6. A
responsabilização civil mediante as normas do private
enforcement (Lei n.º 14.470/22); 7. Conclusões; Referências.
1. INTRODUÇÃO
Internacionalmente consagrada pelo termo bid rigging, a prática de formação de cartel em
licitações ocorre quando os concorrentes acordam com antecedência acerca da empresa que sairá
vencedora na licitação, com o objetivo de favorecer todos os pactuantes mediante a combinação
de mecanismos de compensação, como, por exemplo, a subcontratação de uma parte do contrato
principal para os licitantes perdedores, às custas do desenvolvimento nacional.
No campo das contratações públicas, os cartéis em licitação, através xação de preços
excessivos e articiais, drenam recursos públicos para promover a maximização do lucro do
empresariado em detrimento do contribuinte, impedindo, portanto, que o Estado empregue recursos
para o atendimento de outras necessidades da população. Dessa forma, representam um óbice
para o alcance de um dos principais objetivos da República Federativa do Brasil estabelecido pela
Constituição Federal de 1988: o desenvolvimento nacional (art. 3º, inciso II, da CRFB).
A coordenação entre os licitantes em sede dos contratos públicos é especialmente nefasta
para o Poder Público, pois, além de prejudicar o caráter competitivo das licitações,
5
acaba por
gerar a contratação por preços superfaturados. Segundo a OCDE (2002), cartéis em geral geram um
sobrepreço estimado entre 10 e 20% em “Fighting Hard Core Cartels: harm effective sanctions and
leniency programs. Apesar da diculdade de mensurar o aumento dos preços e mais genericamente
os danos produzidos, uma estimativa conservadora aponta para um aumento de 10% ao ano nos
preços em razão da prática de cartel (WERDEN, 2009). Já outros autores apontam para números mais
alarmantes ao identicarem uma média de sobrepro em mercados cartelizados que varia de 10% a
20%, podendo chegar a até 50% (ARAUJO; CHEDE, 2012; CONNOR; BOLOTOVA, 2006).
Aliás, a própria noção de preço se perde, porque o cartel domina as contratações públicas e as
empresas vão se alternando nas licitações em uma escala que elas mesmas fazem e com preços que
elas próprias escolhem. O sobrepreço de cada obra ou serviço público se espalha pelos fornecedores
5 No Brasil, durante o curso da denominada “Operação Lava Jato”, descortinou-se um organizado cartel, denominado
“Clube das 16, criado especialmente para fraudar as bilionárias licitações da Petrobras, a maior companhia estatal brasileira:
“As grandes empreiteiras se reuniam e decidiam quem iria car com cada obra. Os encontros, periódicos, caram registrados
em tabelas e planilhas com nomes sugestivos como ‘bingo uminense’, quando se falava, por exemplo, de obras do Comperj,
o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. Mendonça entregou um documento descrito por ele como ‘As regras do Clube’,
que teria sido elaborado e entregue por Ricardo Pessoa, da UTC, em uma reunião de reorganização do clube, em 2011. Nele,
está escrito que o ‘campeonato esportivo [...] vem a ser uma competição anual com a participação de 16 equipes, estruturadas
sob uma liga, que se enfrentarão entre si e com terceiros, cabendo ao vencedor uma premiação a cada rodada’. O objetivo
nal era ‘a preparação das equipes para competições nacionais e internacionais, objetivando sempre a obtenção de recordes
e melhoria dos prêmios’. As regras detalhavam a quantidade de equipes que deveriam participar e o que fazer em caso de
rodadas anuladas ou perdidas. A certa altura, expressavam até uma preocupação em planejar ‘competições para categorias
inferiores’” (NETTO, 2016, p. 82).
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um movimento responsivo dissuasório estimulado pela autoridade de defesa da concorrência.
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dos fornecedores, aumentando o custo para a Administração Pública e para a própria população.
O erário, via de consequência, passa a sofrer prejuízos constantes, obrigando o Estado a aumentar
os impostos para compensar as perdas. Além disso, os cartéis nas licitações públicas transferem a
renda do poder público para os agentes do cartel, assim, indiretamente diminuem a quantidade e a
qualidade dos serviços públicos (MARTINEZ, 2013).
Michael Johnston (2010, p. 89), analisando os reexos dos cartéis em licitações públicas
sobre o interesse público, explica que o objetivo da corrupção, nesse contexto, não é apenas o de
potencializar o lucro das empresas, funcionando também como uma estratégia para evitar qualquer
tipo de mudança no panorama político de um país.
For those reasons the core function of Elite Cartel corruption is to protect, as
well as to enrich, networks of higher-level elites. Deals take place not only
between public ofcials and private interests, or between political leaders
and mass followers, but also among hegemonic political, bureaucratic, and
business gures. The point is not to inuence specic policies (although
that can certainly be the immediate reward) but rather to stymie or co-opt
competitors, amass enough inuence to govern, and insulate economic and
policy advantages from electoral and social pressures (JOHNSTON, 2010, p.
89).
6
O bid rigging, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico – OCDE –, pode assumir muitas formas, mas a mais frequente se dá quando as empresas
rivais combinam previamente a oferta de propostas, com preços mais elevados, ou sob condições
desarrazoadas, com o propósito de beneciar a empresa escolhida pelo grupo para ganhar a licitação
(cover bidding, ou propostas ctícias) (OCDE, 2009). O mesmo objetivo pode ser alcançado quando
as empresas concorrentes em determinada licitação decidem, de forma orquestrada, não apresentar
propostas, apresentar propostas inviáveis ou, então, submeter propostas para, logo após, se
retirarem do certame, a m de beneciar a empresa eleita pelo grupo para sagrar-se vencedora (bid
supression, ou supressão de propostas), ou pelo revezamento (rodízio) combinado de vencedores
ao longo do tempo, a m de dar a impressão de que havia uma efetiva concorrência (bid rotation,
ou propostas rotativas). É por isso que, segundo a OCDE, os esquemas de cartel em licitações,
frequentemente, incluem mecanismos de partilha e de distribuição dos lucros adicionais obtidos
através de contratação por preço nal mais elevado.
À luz dessa conjuntura internacional de um combate vigoroso à prática de cartel em licitações,
esse paper tem por objetivo através de uma densa análise empírica conrmar a ocorrência de um
importante movimento institucional do Cade em promover uma responsabilização jurídica holística
desses infratores. Esse movimento institucional ora convencionado de “Responsabilização 360°
é integrado a uma moldura jurídica legislativa que prevê múltiplas respostas punitivas ao cartel:
em sedes administrativa, criminal e reparatória (por meio da responsabilidade civil). Ao tempo que
executa a responsabilização dos infratores sob a sua competência, qual seja, a esfera administrativa
6 Tradução livre: Por essas razões, a função principal da corrupção do Cartel de Elite é proteger, bem como enriquecer,
as redes de elites de nível superior. As negociações ocorrem não só entre funcionários públicos e interesses privados, ou
entre líderes políticos e seguidores em massa, mas também entre guras políticas, burocráticas e empresariais hegemônicas.
O ponto não é inuenciar políticas especícas (embora isso possa certamente representar a recompensa imediata), mas sim
bloquear ou cooptar concorrentes, acumular inuência suciente para governar e isolar as vantagens econômicas e políticas
das pressões eleitorais e sociais.
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concorrencial, o Cade também busca estimular respostas punitivas de variadas ordens jurídicas,
outras administrativas, a criminal e civil.
2. O CARTEL EM LICITAÇÕES SOB A LEI BRASILEIRA DE DEFESA DA
CONCORRÊNCIA
A Lei Antitruste caracteriza o cartel como a mais grave infração à ordem econômica, pois,
ao debilitar signicativamente os benefícios de um mercado competitivo, atenta contra a livre
concorrência, e é capaz de aumentar arbitrariamente os lucros, independentemente de culpa, a
conduta de “acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma, preços,
condições, vantagens ou abstenção em licitação pública” (art. 36, § 3º, inciso I, alínea “d”, da Lei nº
12.529/2011) (BRASIL, 2011). Além disso, sua gravidade reside no fato de que esse tipo de conduta
impede ou prejudica a aquisição pela Administração Pública de produtos e serviços pelo menor preço
e da melhor qualidade, causando graves prejuízos ao erário e, consequentemente, aos contribuintes,
conforme vasta jurisprudência do Cade. No mesmo sentido, manifestou-se a OCDE, in verbis: “Cartels
are universally recognized as the most harmful of all types of anticompetitive conduct. Moreover, they
offer no legitimate economic or social benets that would justify the losses that they generate” (OCDE,
2002, p. 75).
A título de resposta institucional, o “Guia de Combate a Cartéis em Licitação” foi publicado
em dezembro de 2019 e visa, a partir da experiência institucional e prática adquirida pelo Cade ao
longo das décadas, a orientar e
auxiliar aqueles que participam da elaboração e execução de processos
licitatórios, tais como pregoeiros e membros de comissões de licitação,
outras autoridades encarregadas da investigação e punição deste ilícito e ao
público em geral, sobre como identicar os principais sinais da existência de
conduta colusiva em licitações, para assim aprimorar a detecção, prevenção
e punição deste ilícito (BRASIL, 2019a, p. 10).
O documento não possui caráter vinculativo, mas constitui importante marco para a
comunidade antitruste brasileira. Em linhas gerais, apresenta: (i) noções gerais e breve panorama
do combate a cartéis em licitação no Brasil; (ii) seus elementos facilitadores, formas de conluio e
indícios; (iii) formas de prevenir a formação dessa modalidade de cartel; e (iv) os ilícitos relacionados
aos cartéis em licitação (BRASIL, 2019a).
Já o Guia Prático para agentes de contratação constitui documento elaborado visando a auxiliar
os entes federativos a realizar contratações públicas mais efetivas e a alertar para as características
dos cartéis em licitações e para a importância de reportar essas práticas às autoridades competentes.
Dene as estratégias desses cartéis; as características dos mercados consideradas facilitadoras para
esse tipo de conduta; os sinais de alerta que podem indicar que as empresas participantes das
licitações estão agindo de maneira coordenada; as melhores práticas de prevenção desse ilícito; e a
forma pela qual o Cade atua na repressão dessa prática (BRASIL, 2021).
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3. METODOLOGIA E RESULTADO DE PESQUISA
Com o objetivo de conrmar um importante movimento institucional da autoridade em
promover uma responsabilização jurídica holística dos cartelistas, houve uma análise empírica na
base de dados do Cade. O resultado do levantamento constatou que, entre janeiro de 2018 e abril de
2023, dos 40 casos de cartéis em licitações (considerando ambas, públicas e/ou privadas) julgados
pelo Tribunal, e cujo total de multas aplicadas nos casos de condenação perzeram valor da ordem
de R$ 2.520.912.750,46 (dois bilhões, quinhentos e vinte milhões, novecentos e doze mil, setecentos
e cinquenta reais e quarenta e seis centavos), em mais da metade deles, 24 (60%), a autoridade
provocou a relevante discussão de uma responsabilização para além da sua própria jurisdição, a
concorrencial.
Equivale a dizer que, nesses casos, vericou-se que a decisão nal do Pleno determinou a
expedição de cópia do acórdão ou algum outro tipo de comunicação a outro ente público, dentre
os quais se destacam os Ministérios Públicos Estaduais, o Ministério Público Federal, as agências
reguladoras, demais autarquias ou empresas públicas (como no caso dos Correios).
Para tal m, houve um estudo cruzado entre todos os processos administrativos cuja conduta
investigada fosse cartéis e as Atas das Sessões Ordinárias de Julgamento do Cade no período estudado
(qual seja, 2018 a 2022) em que houve Responsabilização 360°.
Após a sistematização dos dados levantados, o registro resultante passou por um novo ltro,
os casos de cartéis em licitações (públicas ou privadas). Em sequência, dos 40 casos de cartéis em
licitação (públicas ou privadas) julgados pelo Tribunal do Cade, foi feita a análise qualitativa dos
procedimentos, trabalho que indicou que 26 deles versavam sobre cartéis em licitações públicas.
Estabelecido esse recorte, optou-se por considerar apenas as decisões de condenação – ainda que
parcial –, tendo-se excluído os casos de arquivamento para todos os Representados.
Conforme ilustra o gráco a seguir, em 80% dos 20 casos de condenação em cartéis em
licitações públicas, o Cade discute a “Responsabilização 360°, pela qual que encoraja diversos
agentes públicos e privados (Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, agências
reguladoras e empresas públicas – como no caso dos Correios–, bem como os próprios afetados pelas
condutas e suscetíveis a pleitear algum tipo de reparação de danos) a avaliarem a incidência de sua
correspondente e competente responsabilização. Esses 20 casos somam R$ 2,3 bilhões em multas.
Gráco 1 - Condenações em casos de cartel em licitações públicas julgados pelo Tribunal do Cade
sinalizam uma maior responsabilização (2018-2023*)
Fonte: Elaboração própria com base em pesquisa na base de dados do Cade.
* Atualizado até a 211ª SOJ.
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FRAGA, Vivian; ZENKNER, Marcelo; MICHELI, Marco. Responsabilização 360°: desdobramentos de
um movimento responsivo dissuasório estimulado pela autoridade de defesa da concorrência.
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4. A RESPONSABILIZAÇÃO HOLÍSTICA 360°: PRECEDENTES DO TRIBUNAL
ADMINISTRATIVO DO CADE
A reparação por eventuais danos advindos do conluio em processos licitatórios tem
se mostrado especialmente relevante tanto na seara privada quanto na tutela dos direitos da
coletividade; esta última, que, anal, trata-se do bem jurídico maior protegido pela normativa da
defesa da concorrência, consoante o parágrafo único do art. 1º da lei 12.529/2011.
7
A título de elucidar essa prática, veja-se que, no âmbito do Processo Administrativo
n.º 08012.009732/2008-01, julgado na 166ª Sessão Ordinária de Julgamento, e que apurava cartel
em licitações municipais para aquisição de unidades móveis de saúde e equipamentos médicos
hospitalares realizados com recursos provenientes de convênios com o Ministério da Saúde entre
2000 e 2005, a decisão do colegiado decidiu pela “a expedição de ofício com cópia da decisão desse
Tribunal Administrativo ao Ministério Público Federal em Resende, Rio de Janeiro (MPF-RJ), para
ciência e eventual propositura de ação para ressarcimento de danos à coletividade (art. 1º, inciso V,
da Lei nº 7.347/1985)” (BRASIL, 2020). No voto da Relatora – ex-Conselheira Paula Azevedo – pugnou-
se, ainda, pela ampla divulgação da decisão, com “remessa a potenciais interessados e às Prefeituras
e/ou Organizações Sociais afetadas pela conduta anticompetitiva, para que, querendo, exerçam o
direito de reparação a que, eventualmente, tenham direito” (BRASIL, 2020).
Nesse mesmo diapasão, recente decisão
8
do Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade), que condenou empresas a multas de aproximadamente R$ 800 milhões, consolida
um movimento institucional da autoridade em promover uma responsabilização jurídica holística
de infratores. Condenadas por infração concorrencial da Lei nº 12.529/2011 ao agirem consórcio em
licitação pública para contratação de serviços de conectividade para Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos (Correios), o Tribunal encaminhou cópia da sua condenação aos Correios para que tomasse
ciência e adotasse as providências cabíveis. A autoridade também determinou ampla divulgação da
decisão, em jornais de grande circulação, e sua remessa a potenciais interessados para que possam
exercerem o direito de reparação a que, eventualmente, tenham direito (BRASIL, 2022a).
Na 194ª. Sessão Ordinária de Julgamento do Cade, em item da pauta
9
em que se discutia
7 Art. 1º Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a
repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre
concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. Parágrafo
único. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei. (BRASIL, 2011, grifo nosso).
8 Decisão: “O plenário, por unanimidade, condenou as representadas Claro, OI e Telefônica, e por maioria, determinou
a aplicação de multa no valor de R$ 395.228.792,70 para Claro S.A., aplicação de multa de R$ 266.115.266,00 para a represen-
tada Oi Móvel S.A.; e aplicação de multa de R$ 121.721.935,70 para a representada Telefônica; o valor integral da multa deverá
ser recolhido no prazo de 30 dias a contar da publicação da decisão plenária, sob pena de multa no valor de R$ 100.000,00
(cem mil reais) por dia de atraso, nos termos do voto da Conselheira Relatora. Vencidos o Presidente do Cade, o Conselheiro
Luiz Hoffman e o Conselheiro Gustavo Augusto. O plenário, por unanimidade, determinou a expedição de ofício com cópia da
decisão à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos para que tome ciência e adote as providências que julgar cabíveis, nos
termos do voto da Conselheira Relatora.” (BRASIL, 2022a).
9 Decisão: “O Plenário, por unanimidade, determinou a condenação em relação aos Representados com aplicação
das respectivas multas: Alimentare Serviços de Restaurante e Lanchonete Ltda. – multa de R$ 35.171,60; Ventana Manutenção
e Serviços Ltda. – multa de R$ 2.780.203,30, Confraria André Ltda. – multa de R$ 84.592,82; Boa Viagem Cafeteria Ltda. – multa
de R$ 616.054,12; Delícias da Vovó Ltda. – multa de R$ 286.525,15; Vitor Hugo dos Santos – multa de R$ 7.034,32; César Giacomini
Evangelista Kinaki – multa de R$ 16.918,56; Gustavo Locks de Pauli – multa de R$ 57.305,03; e Jean Diego Brunetta – multa de
R$ 50.000,00; determinou, ainda, o arquivamento do processo em relação ao Representado Fabiano Luis Gusso, considerando
seu falecimento, no termos do voto do Conselheiro Relator. O Plenário, por maioria, determinou a condenação em relação aos
Representados com aplicação das respectivas multas: Christian dos Santos Marques Motta – multa de R$ 417.030,50; e Juliana
Osório Saul – multa de R$ 417.030,50, nos termos do voto do Conselheiro Gustavo Augusto. Vencidos o Conselheiro Relator e o
Conselheiro Luis Braido. O Plenário, por maioria, determinou o arquivamento do processo em relação ao Representado Hugo
Evangelista Kinaki, nos termos do voto do Conselheiro Gustavo Augusto. O Presidente do Cade fez uso do voto de qualidade,
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um movimento responsivo dissuasório estimulado pela autoridade de defesa da concorrência.
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supostas práticas de condutas anticompetitivas em licitações promovidas pela Empresa Brasileira de
Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), o Conselheiro Relator alertou para se dar ampla divulgação
da decisão condenatória com a sua remessa à potenciais interessados, notadamente aqueles
identicados ao longo da apuração, como afetados pela conduta anticompetitiva, nomeadamente a
Infraero, para que querendo, exerça o direito de reparação (BRASIL, 2022b).
Mais recentemente, no contexto do Processo Administrativo n.º 08700.000269/2018-48 sobre
cartéis em licitações para a contratação de obras e serviços de engenharia em unidades escolares da
rede municipal de ensino em Juazeiro do Norte/CE, o Tribunal teve de enfrentar desaos impostos
pelas particularidades do caso, que envolvia a atuação de servidora pública na infração (BRASIL,
2023).
Nesse contexto, o Conselheiro Relator Gustavo Augusto de Lima destacou que fraudes
às licitações prejudicam diretamente a eciência e a lisura das contratações públicas, ferindo,
sobretudo, a reputação “do Estado, dos agentes públicos e das suas instituições, os quais perdem a
conança da população, prejudicando a própria vida em sociedade” (BRASIL, 2023). Indicou, assim, a
importância de penalidades acessórias além da multa pecuniária, como a proibição de contratação
com a Administração por tempo limitado enquanto importante mecanismo dissuasório (BRASIL,
2023).
Em linha com essas premissas, a decisão do Pleno foi além e deu-se no seguinte sentido:
[...] O Plenário, por unanimidade, determinou a condenação dos
Representados a imposição de penalidades acessórias, como proibição de
contratar com instituições nanceiras ociais e de participar de licitações
públicas no âmbito da administração pública federal, estadual, municipal e
do Distrito Federal, bem como nas respectivas entidades da administração
indireta, pelo prazo de 5 anos, a contar da data da publicação da ata de
julgamento, nos termos do voto do Conselheiro Relator. Determinou,
também, a aplicação de sanções especícas para a servidora municipal
Cássia Rejane Leite De Souza, agente administrativa do município de Juazeiro
do Norte/CE, nos termos do voto do Conselheiro-Relator. O Plenário, por
unanimidade, determinou, ainda, a expedição de ofício para o município
de Juazeiro do Norte/CE, com cópia da presente decisão, bem como a
cópia digital do áudio do depoimento prestado perante este Conselho pela
servidora municipal Cássia Rejane Leite De Souza (constante no documento
nos termos do art. 93 do Regimento Interno do Cade (RICADE). Vencido o Conselheiro Relator, o Conselheiro Luiz Hoffmann e
o Conselheiro Luis Braido. O Plenário, por unanimidade, determinou, ainda, a expedição de ofício com cópia da decisão aos
Ministérios Públicos Federal e Estadual em Campo Grande/MS, São Paulo/SP, Florianópolis/SC, Maceió/AL, Recife/PE e São
José dos Pinhais/PR, para ciência e eventual propositura de ação para ressarcimento de danos à coletividade (artigo 47 da Lei
nº 12.529/2011 c/c o artigo 1º, inciso V, da Lei nº 7.347/1985), bem como a adoção das providências julgadas cabíveis na seara
penal (artigo 7º da Lei nº 8.137/1990); determinou a ampla divulgação da decisão, com a sua remessa a potenciais interessados,
notadamente aqueles identicados ao longo da apuração como afetados pela conduta anticompetitiva (Infraero), para que,
querendo, exerçam o direito de reparação a que, eventualmente, tenham direito, bem como à Delegacia de Repressão a
Crimes Fazendários (DELEFAZ/DRCOR/SR/PF/PR) da Polícia Federal no Paraná, e bem como a publicação, em meia página e
a expensas do infrator, no jornal “O Paraná”, por 2 (dois) dias seguidos, de duas semanas consecutivas, nos termos do artigo
38, inciso I, da Lei nº 12.529/2011, no termos do voto do Conselheiro Relator. O Plenário, por maioria , determinou também a
aplicação da sanção não pecuniária a todos os Representados condenados, pessoas físicas ou jurídicas, qual seja, a proibição
de participação em licitações públicas realizadas pela Administração Pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal,
bem como por entidades da respectiva administração indireta, pelo prazo de 5 (cinco) anos, nos termos do artigo 38, inciso
II, da Lei nº 12.529/2011, abatido o período de suspensão que eventualmente já tenha sido cumprido em razão da decisão
da Infraero aplicada no mesmo caso, quando for o caso, nos termos do voto do Conselheiro Gustavo Augusto. Vencido o
Conselheiro Relator.” (BRASIL, 2022b)
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FRAGA, Vivian; ZENKNER, Marcelo; MICHELI, Marco. Responsabilização 360°: desdobramentos de
um movimento responsivo dissuasório estimulado pela autoridade de defesa da concorrência.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 1, p. 169-185, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i1.1035
SEI nº 0949221), para ciência do ente municipal; determinou a expedição
de ofício para o Tribunal de Contas do Ceará, para conhecimento quanto
ao presente julgamento e acompanhamento das medidas recomendadas
relativas à servidora Cássia Rejane Leite de Souza; comunicação à
Corregedoria-Geral da União - e demais órgãos competentes - para registro
das penalidades aplicadas, notadamente das penalidades acessórias, bem
como para as demais medidas de sua alçada; determinou a expedição de
ofício à Junta Comercial do Estado do Ceará, para que registre e promova o
arquivamento do presente voto, notadamente das penalidades aplicadas, as
quais deverão constar dos registros mercantis e empresariais das pessoas
jurídicas ora condenadas, na forma da alínea “e” do inciso II do art. 32 da
Lei nº 8.934/1994 c/c inc. VII do art. 38 da Lei 12.529/2011; determinou ainda,
encaminhamento da decisão para ciência da Superintendência-Geral do
Cade, da Procuradoria Federal Especializada junto ao Cade e do Ministério
Público Federal junto ao Cade, para conhecimento, acompanhamento da
sua execução e medidas das suas respectivas alçadas, nos termos do voto
do Conselheiro-Relator (BRASIL, 2023).
Resta claro, a partir dos casos citados, que o Cade promove relevante debate sobre o amplo
alcance da responsabilização, atingindo bens imateriais de tutela coletiva, assim como entidades
públicas em nível do executivo municipal ou, ainda, de natureza de organização social.
Trata-se, assim, de irrestrita tutela, que, se, em sua totalidade, não corresponde ao objeto
da lei antitruste, certamente nela não se esgota. Em outros termos, o Cade assume papel de sujeito
ativo, a partir de suas próprias competências e integrado ao aplicável sistema jurídico de múltipla
perseguição a tais agentes, o Cade tem provocado particulares, outros órgãos e demais esferas
públicas, encorajando-os, dentro dos limites de suas respectivas competências e atribuições, a
buscarem sanções de natureza cível, penal e nas demais frentes administrativas.
Assume, assim, papel de agente, que instiga os demais órgãos e instituições para que, à luz
da eciência e celeridade da Administração, ensejem a apuração das medidas cabíveis, atrelando
à coletividade inúmeros outros bens jurídicos tutelados pelos demais diplomas do ordenamento
brasileiro.
10
Esse variado rol de casos, entidades ociadas e direitos a serem salvaguardados pode ser
ilustrado pelos casos arrolados na tabela abaixo, que contempla, além dos supracitados feitos, as
demais hipóteses dos casos levantados na base de dados do Cade, veja-se:
10 Nesse sentido, cabe ressaltar que esse movimento de responsabilização protagonizado pelo Cade é manifesto na
própria vontade do legislador e dela deriva, consoante o parágrafo 2º do art. 9º da Lei 12.529/2011, vide: “§ 2º As decisões do
Tribunal não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo, promovendo-se, de imediato, sua execução e comunicando-
-se, em seguida, ao Ministério Público, para as demais medidas legais cabíveis no âmbito de suas atribuições.” O protagonismo
da autarquia, amparado, portanto, pela própria lei, é reforçado na medida em que expressa a diligência do órgão em cumprir
as diretrizes legais no que concerne outras esferas que suplantam a seara concorrencial. Em resumo, se é verdade que o texto
legislativo enseja a provocação do Cade em relação a outros entes, nomeadamente o Ministério Público, esse fato não obli-
tera o protagonismo da autarquia enquanto veículo de comunicação a variados outros entes, como se nota da observação da
tabela 01.
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FRAGA, Vivian; ZENKNER, Marcelo; MICHELI, Marco. Responsabilização 360°: desdobramentos de
um movimento responsivo dissuasório estimulado pela autoridade de defesa da concorrência.
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Tabela 01 – Casos de cartel em licitação em que houve Responsabilização 360°
Sessão de Julgamento Breve Síntese
Entidades às quais foram enviadas cópias do acórdão do
Tribunal do Cade
124ª
Suposto cartel no mercado
nacional de sal, incluindo a prática
de cartel em licitações públicas,
bem como inuência de conduta
uniforme por parte de sindicatos e
associações
Departamento de Defesa Comercial (DECOM) da Secretaria
de Comércio Exterior (SECEX) do Ministério da Indústria,
Comércio Exterior e Serviços (MDIC), bem como ao (ii) ao
Grupo de Técnico de Defesa Comercial (GTDC) da Câmara
de Comércio Exterior (CAMEX), (iii) ao Grupo de Técnico de
Interesse Público (GTIP) da Câmara de Comércio Exterior
(CAMEX) e (iv) ao Comitê Executivo de Gestão da Câmara
de Comércio Exterior (CAMEX), Secretaria da Fazenda do
estado do Rio Grande do Norte
127ª
Suposto cartel no mercado
de distribuição de serviços de
transporte de passageiros de táxi
por meio de central telefônica
na cidade de Curitiba e Região
Metropolitana do Estado do
Paraná.
Procuradoria Federal no Estado do Paraná e Prefeitura no
Município de Curitiba (ciência).
146ª
Suposto cartel no mercado de
licitações públicas relativas a
projetos de metrô e/ou trens
e sistemas auxiliares. Suposta
participação de empresas de
consultoria especializada.
Ministério Público do Estado de São Paulo, Ministério
Público do Rio Grande do Sul, Ministério Público de
Minas Gerais, Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios, Departamento de Polícia Federal, Ministério
da Transparência e Controladoria-Geral da União, Tribunal
de Contas da União, Tribunal de Contas do Estado de São
Paulo, Corregedoria Geral da Administração do Governo do
Estado de São Paulo, Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo (ciência e eventuais providência julgada cabíveis).
148ª
Suposto cartel em licitações
destinadas à contratação
de serviços terceirizados de
tecnologia da informação,
conduzidas por órgãos e empresas
públicas sediados no Distrito
Federal e cuja prestação de
serviços poderiam abarcar outras
localidades
“todos os órgãos afetados pelas condutas”; “ Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e
Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF/DF)”;
“Tribunal de Contas da União e Tribunal de Contas do
Distrito Federal”
152ª
Cartel em licitações da CDHU/
SP para aquisição de “kits” de
aquecimento solar de água
para habitações destinadas à
população de baixa renda. Suposta
combinação de preços e bloqueio
a pregão presencial.
Ministério Público do Estado de São Paulo
(ciência e eventuais providências julgadas cabíveis)
157ª
Apuração de cartel em licitações
públicas de hemoderivados entre
os anos de 2003 e 2004.
Ministério Público Federal do Distrito Federal, Ministério
Público Federal em Pernambuco e Polícia Federal (ciência e
eventual propositura de ação para ressarcimento de danos
à coletividade, bem como adoção de providências julgadas
cabíveis na seara penal).
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FRAGA, Vivian; ZENKNER, Marcelo; MICHELI, Marco. Responsabilização 360°: desdobramentos de
um movimento responsivo dissuasório estimulado pela autoridade de defesa da concorrência.
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166ª
Supostos cartéis em licitações
municipais para aquisição de
unidades móveis de saúde
e equipamentos médicos
hospitalares, realizadas de 2000 a
2005, com recursos provenientes
de convênios com o Ministério da
Saúde.
Ministério Público Federal em Resende/RJ (para ciência e
eventual propositura de ação para ressarcimento de danos
à coletividade).
175ª
Suposto cartel no mercado de
compras públicas de merendas
escolares no município de São
Paulo.
Ministério Público do Estado de São Paulo, Ministério
Público Federal e Tribunal de Contas do Estado de São
Paulo (para ciência e providências cabíveis)
179ª
Suposto cartel em licitações
públicas destinadas à aquisição de
uniforme e kits de material escolar
para alunos de redes públicas de
ensino.
Ministério Público do Estado de São Paulo e Ministério
Público Federal (para ciência e eventuais medias julgadas
cabíveis)
180ª
Suposta prática de condutas
anticompetitivas no fornecimento
de tubos e conexões de policloreto
de polivinila (“PVC”) para obras (i)
de infraestrutura de saneamento
(esgoto e água) e (ii) prediais/
construção civil no Brasil.
Ministério Público Federal (eventual propositura de ação
para ressarcimento de danos à coletividade e adoção das
providências cabíveis na seara penal)
182ª
Suposto cartel em licitações
públicas de material escolar
e de escritório realizadas por
prefeituras municipais do Estado
de Pernambuco. Indícios de acordo
entre concorrentes.
Ministério Público Federal em Pernambuco (para ciência e
adoção de eventuais providências cabíveis)
196ª
Suposto acordo
entre concorrentes combinado
com condutas unilaterais de
discriminação de preços e recusa
de contratar no setor de
telecomunicações
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos para ciência e
adoção das providências que julgar cabíveis
200ª
Suposta formação de cartel em
licitações para concessão de
uso de áreas para exploração
comercial da atividade de cafeteria
em diversos aeroportos.
Ministério Público Federal e Estadual em Campo Grande/
MS, São Paulo/SP, Florianópolis/SC, Maceió/AL, Recife/PE
e São José dos Pinhais/PR
Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários (DELEFAZ/
DRCOR/SR/PF/PR) da Polícia Federal no Paraná
Ampla divulgação da decisão, com a sua remessa
a potenciais interessados, notadamente aqueles
identicados ao longo da apuração como afetados pela
conduta anticompetitiva (Infraero)
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FRAGA, Vivian; ZENKNER, Marcelo; MICHELI, Marco. Responsabilização 360°: desdobramentos de
um movimento responsivo dissuasório estimulado pela autoridade de defesa da concorrência.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 1, p. 169-185, 2023.
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203ª
Suposta prática de condutas
anticompetitivas no mercado
de locação de equipamentos
e veículos para conservação,
adequação e melhorias de
estradas rurais no Estado do
Paraná.
Ministério Público do Estado do Paraná
208ª
Processo administrativo “lhote”
resultante de desmembramento de
Processo Originário, que trata de
apuração de cartel internacional
no mercado de cabos subterrâneos
de alta tensão e cabos submarinos
de alta tensão e de tensões mais
baixas, que teria ocorrido entre
anos 1990 até, ao menos, julho de
2004.
Ministério Público Federal de São Paulo para ciência e
eventuais providencias cabíveis
209ª
Suposta prática de condutas
anticompetitivas em licitações que
tinham por objeto a contratação
de obras e serviços de engenharia
em unidades escolares da rede
municipal de ensino em Juazeiro
do Norte/CE.
Município de Juazeiro do Norte/CE, com cópia da decisão,
bem como a cópia digital do áudio do depoimento
prestado perante o Conselho pela servidora municipal
Cássia Rejane Leite De Souza, para ciência do ente
municipal; determinou a expedição de ofício para
o Tribunal de Contas do Ceará, para conhecimento
quanto ao julgamento e acompanhamento das medidas
recomendadas relativas à servidora Cássia Rejane
Leite de Souza; comunicação à Corregedoria-Geral da
União - e demais órgãos competentes- para registro das
penalidades aplicadas, notadamente das penalidades
acessórias, bem como para as demais medidas de
sua alçada; determinou a expedição de ofício à Junta
Comercial do Estado do Ceará
Considerando esse relevante diagnóstico, é oportuno discutir quais são os possíveis
desdobramentos em que se tem, em tese, uma responsabilização de infratores sob uma perspectiva
ampla, integrada dentro dos vários ordenamentos jurídicos os quais determinada infração
concorrencial possa incidir. Diante dos diferentes normativos, o ilícito de cartel gera responsabilização
nas seguintes esferas jurídicas: administrativa, criminal e civil (BRASIL, 2019b).
5. O CARTEL EM LICITAÇÕES ATINGE MÚLTIPLAS NORMAS JURÍDICAS
PARA ALÉM DA ADMINISTRATIVA CONCORRENCIAL: RESPONSABILIZAÇÃO
360° E O PRIVATE ENFORCEMENT
Em primeiro lugar, vale esclarecer o conceito de categoria jurídica de infração ou ilícito,
ou seja, “comportamento contrário àquele estabelecido pela norma jurídica, que é pressuposto
da sanção” (OLIVEIRA, 1985, p. 17). A infração, assim, tem uma relação de causalidade lógico-
jurídica com a sanção. Diz-se que infração e sanção “são temas indissoluvelmente ligados”, e,em
regra,faces de uma mesma moeda. Ora, a uma previsão normativa de uma infração (comportamento
antijurídico) associa-se à consequência jurídica correspondente (sanção). Comportamentos serão
qualicados dentro de tal categoria jurídica (infração) se, e somente se, a eles restar atrelada uma
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FRAGA, Vivian; ZENKNER, Marcelo; MICHELI, Marco. Responsabilização 360°: desdobramentos de
um movimento responsivo dissuasório estimulado pela autoridade de defesa da concorrência.
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especíca consequência jurídica (sanção). ilícitos (comportamentos antijurídicos) de diferentes
naturezas (como o penal, civil, administrativo, de improbidade administrativa etc.) e suas sanções
correspondentes.
Assim, no âmbito da tutela da lisura das licitações e contratos administrativos da Lei
Anticorrupção Empresarial (Lei nº 12.846/2013), o inciso IV, alínea “a”, estabelece que deve ser
sancionada a conduta de frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro
expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público. É interessante notar, aqui,
que a descrição da conduta ilícita em muito se assemelha àquela já examinada na Lei nº 12.529/2011,
ou seja, “acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma, preços,
condições, vantagens ou abstenção em licitação pública” (BRASIL, 2011). Entretanto, conforme previsão
constante da própria Lei Antitruste, a repressão das infrões da ordem econômica não exclui a
punição de outros ilícitos previstos em lei (art. 35), mesmo no plano meramente administrativo, como
acontece em relação àqueles previstos na Lei nº 12.846/2013.
Os verbos nucleares do tipo são frustrar e fraudar, os quais possuem signicados bastante
diferentes: enquanto o primeiro pressupõe a ideia de impedir ou obstar, o segundo passa a ideia
de criar um engodo ou burlar, mediante expediente ardiloso, o caráter competitivo da licitação.
Assim, são consideradas ilícitas tanto a conduta de combinar preços, com a formação de cartel (bid
rigging), como também a de apresentar dados ou informações incorretas ou documentos material ou
ideologicamente falsos. Ademais, na visão do Cade, o cartel é a infração à ordem econômica executada
por meio de qualquer acordo com o “objetivo de xar preços, dividir mercados, estabelecer quotas
ou restringir produção, adotar posturas pré-combinadas em licitação pública.” (BRASIL, 2016, p. 14).
A consumação do ilícito se dá diante da constatação da ocorrência de prejuízo ao caráter
competitivo da licitação, de modo que, se por um acaso alguns licitantes ajustarem previamente os
preços a serem ofertados à Administração Pública, mas um outro que não fazia parte do acerto se
sagrar vencedor por preço abaixo daquele praticado no mercado, o ilícito em questão não estará
consumado, podendo, dependendo do caso concreto, car congurada apenas a tentativa (inciso III
do art. 7º da Lei nº 12.846/2013).
Acrescente-se que, assemelhando-se ao que ocorre em seu congênere de natureza penal
– o crime previsto no art. 90 da Lei de Licitações (BRASIL, 1993)
11
, o ilícito estará consumado
independentemente da causação de prejuízo econômico para o Poder Público ou do enriquecimento
de qualquer dos envolvidos, bastando, para tanto, a simples ruptura do caráter competitivo entre os
licitantes interessados em contratar pela via do ajuste, combinação ou qualquer outro expediente
entre eles estabelecido.
Nesse contexto, a jurisprudência antitruste brasileira tem classicado o conluio com
intuito de fraudar licitações como cartel clássico, sendo, assim, a conduta investigada como um
ilícito por objeto. A autoridade entende, predominantemente, que a caracterização do ilícito por
objeto independente dos potenciais efeitos decorrentes da conduta, isto é uma vez que há prova da
existência do acordo, existe a caracterização do ilícito (SANTOS, 2017). Neste mesmo entendimento
de aplicação da regra per se, a autoridade brasileira entende que, restando provas da existência
material do cartel, não se analisam os potenciais efeitos da conduta para a condenação (SANTOS,
11 Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do
procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da
licitação: Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
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FRAGA, Vivian; ZENKNER, Marcelo; MICHELI, Marco. Responsabilização 360°: desdobramentos de
um movimento responsivo dissuasório estimulado pela autoridade de defesa da concorrência.
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2017).
É interessante notar, por m, que o ilícito pode restar congurado por uma ação isolada de
pessoa(s) jurídica(s), sem a intervenção de qualquer agente público, mas, se houver a participação
colusiva deste, será ele enquadrado na Lei de Defesa da Probidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992),
enquanto a pessoa jurídica responderá por este ilícito da Lei nº 12.846/2013.
Assim, os mesmos sujeitos à responsabilização por atos ilícitos antitruste, quais sejam,
pessoas físicas e jurídicas de direito público ou privado, e quaisquer associações de entidades podem
também estarem simultaneamente sujeitos à diferentes diplomas legais que podem igualmente
repreendem a prática de cartéis.
Nessa esteira, a ora chamada Responsabilização 360°, ou seja, a abordagem multidisciplinar
no combate aos cartéis – sejam cartéis em licitações públicas ou não – pressupõe, além da persecução
pública, realizada por entidades públicas (como o Cade, e o Ministério Público) para a proteção
do interesse público nos termos da Constituição, a persecução privada. Tal private enforcement
traz o conceito da responsabilização civil dos cartelistas sob a perspectiva de direitos subjetivos
dos particulares, aqueles que foram vítimas do cartel. É desse private enforcement que deriva a
indenização civil perante o Poder Judiciário das vítimas afetadas pela prática de cartéis.
O estrito cumprimento das regras de defesa da concorrência não visa apenas à proteção do
bom funcionamento dos mercados e da economia, no sentido objetivo de proteção da concorrência,
mas salvaguarda também direitos subjetivos dos particulares.
Nesse viés, enquanto a atuação das autoridades públicas tem uma função majoritariamente
repressiva; a persecução privada tem uma função essencialmente retributiva, ou seja, ressarcir os
prejudicados dos danos a eles, individualmente (em oposição à economia ou ao mercado) causados,
ocorrendo, sobretudo, através de ações de reparação de danos concorrenciais.
6. A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL MEDIANTE AS NORMAS DO PRIVATE
ENFORCEMENT (LEI N.º 14.470/22)
Ainda sobre a persecução privada, vale registrar recentes avanços na responsabilização civil
pelos danos de cartel a partir Lei nº 14.470/22 que altera previsões importantes da Lei n° 12.529/11 e
em vigor desde sua promulgação aos 17 de novembro de 2022. As alterações a seguir destacadas são
relevantes pois, efetivamente, resolvem muitas das questões processuais controversas em relação
às ações de reparação de danos concorrenciais, além de preverem ferramentas para incentivar que
ações desse tipo sejam propostas.
(i) a xação de marcos para o cálculo do prazo prescricional: a pretensão da
reparação de danos concorrenciais prescreverá em cinco anos a partir da
publicação da decisão nal do processo administrativo pelo Cade. Essas
alterações endereçam intensas discussões a respeito da prescrição,
especialmente sobre seu termo inicial;
(ii) a regulação da chamada defesa de repasse de sobrepreço (passing-on
defense): não se presumirá o repasse de sobrepreço nos casos de cartel,
cabendo aos réus das ações indenizatórias o ônus processual de comprovar
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FRAGA, Vivian; ZENKNER, Marcelo; MICHELI, Marco. Responsabilização 360°: desdobramentos de
um movimento responsivo dissuasório estimulado pela autoridade de defesa da concorrência.
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sua ocorrência em relação a outros elos da cadeia produtiva (por exemplo,
aos consumidores nais);
(iii) a previsão de que os prejudicados por cartéis terão direito a ressarcimento
em dobro pelos danos sofridos. Em relação a signatários de acordos com o
Cade, haverá incidência de danos simples (e não em dobro), buscando-se
reduzir sua exposição vis-à-vis à dos demais participantes da conduta que
não tenham colaborado com a autoridade;
(iv) Ainda no intuito de preservar os lenientes e signatários de termos de
cessação de conduta (TCC), a nova lei afasta a sua responsabilidade
solidária pelos danos causados pelos demais autores da infração à ordem
econômica; e
(v) A decisão administrativa do Cade será apta a fundamentar a concessão de
tutela de evidência nas ações reparatórias.
Espera-se que com esses avanços legislativos, as ações reparatórias por danos de cartéis,
atualmente insipientes, cresçam signicativamente e possam acompanhar às tendências mundiais.
7. CONCLUSÕES
O diagnóstico, constatado a partir do exame da coletânea de precedentes, evidencia o
Cade protagonizando a responsabilização jurídica holística dos cartelistas. Em 80% dos 20 casos
de condenação em cartéis em licitações públicas, o Cade discute a “Responsabilização 360°, pela
qual que encoraja diversos agentes públicos e privados (Ministério Público Estadual, Ministério
Público Federal, agências reguladoras e empresas públicas – como no caso dos Correios–, bem como
os próprios afetados pelas condutas e suscetíveis a pleitear algum tipo de reparação de danos) a
avaliarem a incidência de sua correspondente e competente responsabilização.
O estudo observa que, no que toca à sua competência na esfera concorrencial, o Cade é
autônomo e sério para resolver os seus próprios assuntos, sancionando os cartelistas com o rigor
de sua Lei, resultando em multas aplicadas de 2,5 bilhões de reais. E mais: vale-se do multifacetado
ordenamento jurídico aplicável que prevê sanções de várias ordens, para assumir dura posição
de combate ao cartel de forma panorâmica, vez que enxergando a necessidade de uma ampla
responsabilização dos infratores como um todo, invoca a possibilidade de outras respostas
sancionadoras à prática de cartel, a penal, outras administrativas e as civis. Entende-se que tal
atuação além de estar enquadrada dentro do sistema jurídico brasileiro é salutar, pois salvaguarda,
de um lado, os direitos do maior titular dos bens jurídicos protegidos pela lei 12.529, a coletividade
e, de outro, os direitos de terceiros, afetados pela conduta infratora.
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FRAGA, Vivian; ZENKNER, Marcelo; MICHELI, Marco. Responsabilização 360°: desdobramentos de
um movimento responsivo dissuasório estimulado pela autoridade de defesa da concorrência.
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https://doi.org/10.52896/rdc.v11i1.1035
REFERÊNCIAS
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