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A CONCORRÊNCIA NO
AMBIENTE DIGITAL E A
NECESSIDADE DE UMA
COOPERAÇÃO ANTITRUSTE
INTERNACIONAL: O DIGITAL
MARKETS ACT COMO
REGULAÇÃO PARADIGMA?
1
Competition in the digital environment and the
need for an international antitrust cooperation:
the digital markets act as a paradigmatic
regulation?
Melina Coelho Garcia
2
Universidade Federal do Ceará (UFC) – Fortaleza/Ceará, Brasil
Emmanuel Teófilo Furtado Filho
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Universidade Federal do Ceará (UFC) – Fortaleza/Ceará, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Contexto: A Diante do avanço das grandes empresas de tecnologia no mercado internacional, percebe-
se que tais multinacionais apresentam aspectos específicos de funcionamento que chamam atenção
das autoridades reguladoras da concorrência, ensejando discussões e produções de regulações, tais
como o Digital Markets Act (DMA), a propor uma cooperação antitruste que não se limita às fronteiras
nacionais.
Objetivo: Face ao contexto observado, a presente pesquisa tem por objetivo investigar, a partir de
uma abordagem descritiva e explicativa, de que modo a União Europeia, por meio da adoção do DMA,
tem regulado a defesa da livre-concorrência no setor digital, em especial sobre as condutas adotadas
pelas grandes empresas do setor, partindo do pressuposto de que a defesa da concorrência, em
âmbito meramente nacional, não se demonstra plenamente suficiente para garantir o bem-estar dos
consumidores
Editor responsável: Prof. Dr. Luis Henrique Bertolino Braido, Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4648392251476133. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6085-1446.
1 Recebido em: 30/06/2023 Aceito em: 24/10/2023 Publicado em: 21/12/2023
2 Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Diretora Conselheira do Grupo de Estudos em
Direito e Assuntos Internacionais (GEDAI/UFC). Membro do Women Inside Trade - Starters. Fundadora da ONG Projeto Deixa
Fluir. Membro consultivo da Comissão de Direito Tributário da OAB/CE. E-mail: cgarcia.melina@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9468750543134511 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7069-6531
3 Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do Programa de Pós-Graduação em
Direito da UFC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito pela Universidade de Paris (França) e Universidade Federal do Ceará.
Mestre em Direito pela Universidade de Le Havre (França). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Professor
Orientador do Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais (GEDAI/UFC). E-mail: emmanuelteofilofurtado@ufc.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9616022592424710 ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3278-9985
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GARCIA, Melina Coelho; FURTADO FILHO, Emmanuel Teófilo. A concorrência no ambiente digital
e a necessidade de uma cooperação antitruste internacional: o digital markets act como
regulação paradigma? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 87-103, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1043
Método: Os autores utilizam-se de metodologia documental, bibliográfica e qualitativa nas fontes,
selecionando, sobretudo, artigos de origem estrangeira. Quanto aos objetivos, a pesquisa é
explicativa e descritiva. O DMA é utilizado como case de estudo.
Conclusões: Após a análise realizada sobre o DMA como regulação voltada à concorrência nos
mercados digitais, conclui-se que, em razão das peculiaridades e efeitos transnacionais produzidos
pela ação das big techs, uma abordagem cooperativa e transnacional poderá trazer, como já tem sido
observado, resultados mais efetivos na defesa da livre-concorrência no setor, sempre se levando em
consideração os aspectos econômicos, jurídicos e regulatórios peculiares de cada Estado.
Palavras-chave: Digital Markets Act; cooperão internacional; big techs; mercado digital; concorrência.
STRUCTURED ABSTRACT
Context: Faced with the advancement of large technology companies in the international market, it is
clear that such multinationals have specific operational aspects that call the attention of competition
regulatory authorities, giving rise to discussions and production of regulations, such as the Digital
Markets Act, to propose antitrust cooperation that goes beyond national borders.
Objective: Given the aforementioned context, the research aims to investigate, from a explanatory
and descriptive approach, how the European Union, through the adoption of the DMA, has regulated
the defense of free competition in the digital sector, especially regarding the conduct adopted by
large companies in the sector, based on the assumption that the defense of competition, at a purely
national level, is not fully sufficient to guarantee the well-being of consumers.
Method: The authors use documentary, bibliographic and qualitative methodology in the sources,
selecting, above all, articles of foreign origin. As for the objectives, the research is explanatory and
descriptive. The Digital Markets Act is used as a case study.
Conclusions: After analyzing the Digital Markets Act as a regulation aimed at competition in digital
markets, we conclude that, due to the peculiarities and transnational effects produced by the action of
the so-called “big techs, a cooperative and transnational approach could bring, as already observed,
more effective results for free trade defense in the sector, always taking into account the economic,
legal and regulatory aspects peculiar to each State.
Keywords: Digital Markets Act; international cooperation; big techs; digital market; competition.
Classificação JEL: K21
Sumário: 1. 1. Introdução; 2. O que podemos compreender
por “cooperação antitruste a nível internacional”?; 3. A
Singularidade do Mercado Digital e a Demanda por uma
Resposta Regulatória Específica; 3.1. O mercado digital
é verdadeiramente "único"? As características das big
techs como fator de especificão da economia digital;
3.2. Representam as big techs um risco à concorrência no
mercado digital?; 4. O Digital Markets Act como regulação
paradigma para uma análise antitruste cooperativa; 5.
Conclusões; Referências.
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1. INTRODUÇÃO
O Direito da Concorrência, ou “Antitruste”, foi desenvolvido como uma estratégia de soberania
nacional, isto é, leis e políticas concebidas e aplicadas pelo Estado para proteger o interesse público
dos abusos de poder econômico por certos atores (FRAZÃO, 2017).
Dessa maneira, objetivaram as autoridades regulatórias e legisladoras estabelecer, por
meio de um instrumento legal, um sistema para controlar, prevenir e sancionar condutas abusivas
que possam ser nocivas a interesses que atingem toda a coletividade: inovação, fixação de pros,
qualidade dos produtos e serviços existentes no mercado, estímulo ao empreendedorismo, dentre
outros.
Assim, no desenvolvimento dessa regulação, ainda que os objetivos sejam vários, o alcance
da eficiência dos mercados é fundamental, ao qual se chega quando os atores econômicos – neste
contexto, as empresas - estão fornecendo bens e serviços na qualidade e quantidade compatíveis
com as necessidades dos consumidores, simultaneamente à minimização dos custos de produção.
Todavia, o desenvolvimento das tecnologias chamadas “disruptivas, caracterizadas pelo
amplo uso de big data e pelo domínio do mercado digital por grandes empresas de expressividade
econômica internacional revelou que a mera existência de regras e políticas nacionais em matéria
de antitruste não seria suficiente para garantir a verdadeira competitividade dentro dos mercados
dominados pelas big techs.
Os mercados digitais, assim, são representados pela elevada concentração econômica em
empresas cujos processos de produção, propaganda, comercialização e consumo se encontram
pulverizados em diversas economias, atingindo elevada quantidade de usuários no espo digital, o
qual se caracteriza pela ausência de fronteiras físicas (BAGNOLI, 2021).
Esse mesmo mercado é marcado pela utilização de novas estratégias de concorrência
voltadas ao domínio do setor pelas empresas que nele atuam, a partir da utilização de tecnologias
que permitem a rápida conquista de novos usuários, por um lado, e o afastamento de novos
concorrentes, pelo outro.
Face a tais circunstâncias, as autoridades nacionais de promoção à concorrência se encontram
diante da necessidade de expandir sua atuação como forma de prevenir condutas abusivas tomadas
pelas big techs, que possuem a potencialidade de não se limitarem a uma única economia, produzindo
efeitos de escala internacional.
Nesse contexto, a União Europeia, a qual representa o mais elevado grau de integração
econômica, política e jurídica em âmbito regional, inovou ao propor e, finalmente, aprovar o Digital
Markets Act (DMA), previsto para começar a vigorar em 2023 e destinado a regular a atuação das
big techs no mercado único europeu, prevenindo a prática de condutas que representem dano à
concorrência dentro da União.
Dessa forma, a presente pesquisa possui como principal objetivo apresentar o DMA como
regulação paradigma no Direito da Concorrência desenhado, especificamente, ao mercado digital,
o qual possui necessidades e especificidades próprias, escapando ao já existente nas tradicionais
normas voltadas a regular o antitruste.
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GARCIA, Melina Coelho; FURTADO FILHO, Emmanuel Teófilo. A concorrência no ambiente digital
e a necessidade de uma cooperação antitruste internacional: o digital markets act como
regulação paradigma? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 87-103, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1043
Antes disso, todavia, cabe compreender de que modo já são elaboradas outras estratégias de
cooperação internacional no âmbito do Direito da Concorrência e, ainda, as características próprias
do mercado digital que tornam necessária a elaboração de uma regulação específica em matéria
antitruste para regulá-lo.
Por fim, o artigo analisa e avalia as principais características e previsões contidas no DMA
europeu, destacando não somente as obrigões e sanções que criam para as grandes empresas
do setor digital, como Google, Apple e Facebook
4
, mas, ainda, de que maneira pode representar
um novo paradigma em matéria de cooperação internacional para garantir a plena concorrência no
mercado digital e, desse modo, atingir os fins visados por esse ramo do Direito.
Para que tais objetivos sejam alcançados, utiliza-se de metodologia documental e bibliográfica,
qualitativa e quantitativa nas fontes, recorrendo-se amplamente ao amparo de relatórios produzidos
por agências antitruste, bem como por organizações como a Organização para a Cooperação e para o
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e International Competition Network (ICN).
Outrossim, quanto aos objetivos, a pesquisa é de ordem explicativa, visando a demonstrar
de que modo o DMA pode se revelar uma influência para que novas legislações sejam desenvolvidas
com efeitos internacionais para permitir a devida concorrência no espaço digital.
2. O QUE PODEMOS COMPREENDER POR UMA “COOPERAÇÃO ANTITRUSTE A
NÍVEL INTERNACIONAL”?
Em razão da progressiva internacionalização das atividades econômicas, as quais incluem os
processos de produção, consumo e concentração de empresas, o Direito da Concorrência de escala
unicamente nacional revela-se insuficiente para garantir a proteção da liberdade dos mercados e da
competitividade.
Nesse contexto, ainda que um caso de concentrão econômica ou de conduta abusiva seja
concebido sob as regras de um único Estado soberano, seus efeitos poderão ser sentidos e refletidos
na economia de outro país no qual os mesmos atores econômicos, praticantes do ato nocivo à
concorrência, operam suas atividades (CARVALHO; SILVEIRA, 2013).
Assim, face à transformação na estrutura dos mercados, assumindo aspectos internacionais,
enxerga-se a necessidade de uma mudança, igualmente, na abrangência dos efeitos do Direito
Concorrencial, para atingir e prevenir condutas abusivas não importando onde elas são executadas. Ou
seja, há a necessidade de permitir a produção extraterritorial dos efeitos da proteção à concorrência.
No intuito de defender e promover o Direito da Concorrência de escala internacional, a OCDE,
em colaboração com a ICN, propôs uma série de medidas que podem ser utilizadas para tornar
possível a cooperão internacional em matéria de concorrência, destacando-se a necessidade de
integrar essas práticas nas políticas nacionais de concorrência como forma de proporcionar uma
verdadeira proteção contra condutas abusivas, reduzir despesas com investigações e economizar
tempo nos procedimentos (OECD; ICN, 2021).
Contudo, urge destacar que a integração no âmbito da concorrência carrega em sua natureza
4 O DMA se refere a tais plataformas como “gatekeepers, verdadeiras portas de entrada para uma série de produtos
e serviços por elas fornecidos e que se amparam, sobretudo, na utilização do fornecimento dos dados pessoais dos usuários
para ampliar a qualidade e a quantidade de novas ferramentas fornecidas ao consumo (EUROPEAN UNION, 2022).
91
dificuldades de ordem essencial no que tange à tradicional Teoria do Estado, considerando-se que a
aplicação, por um Estado, de suas próprias leis sobre condutas que são conduzidas em seu território
corresponde a uma demonstração de soberania, da qual poucas nações se inclinam a renunciar,
ainda que parcialmente (CEDANO, 2018).
Nesse contexto, a tentativa de aplicação, por uma jurisdição, de suas próprias leis em outro
Estado, submetido a outro regime jurídico, pode ser compreendido como uma violação à soberania,
criando-se tensões mesmo entre parceiros comerciais (WAISBERG, 2019).
Outra dificuldade para o desenvolvimento de um Direito da Concorrência de escala
internacional corresponde ao fato de que o poder para aplicar regras de modo extraterritorial é detido
por uma quantidade reduzida de Estados, os quais possuem expressiva participação econômica,
suficiente para fazer com que multinacionais obedeçam a suas políticas antitruste, mesmo diante de
condutas aceitas por outra jurisdição (WAISBERG, 2019).
Face a essas questões, o argumento da impossibilidade, ou impraticabilidade, do Direito
da Concorrência internacional é frequentemente utilizado para recusar a adoção de estratégias já
existentes de cooperação internacional em matéria de concorrência, visando, sobretudo, à proteção
da soberania nacional (CARVALHO; SILVEIRA, 2013). Entretanto, ainda que as dificuldades sejam várias,
é possível afirmar que, em uma economia mundial progressivamente mais internacionalizada, as
vantagens da aplicação de medidas antitruste que não se limitam a um território são demasiadamente
fortes para serem ignoradas.
Em pesquisa realizada com um conjunto de autoridades nacionais para a concorrência, a OCDE
e a ICN puderam apontar que, na compreensão dessas agências, os benefícios do desenvolvimento e
da execução de medidas de cooperação em matéria de concorrência ultrapassam, consideravelmente,
as dificuldades e os danos. Para além dessas constatações, as autoridades demonstraram que a
cooperação a nível internacional, ainda que persistam as críticas, já é uma realidade que cresce
impulsionada pela integração da economia internacional (OECD; ICN, 2021).
No que se refere às vantagens dessas estratégias de cooperação internacional, primeiramente é
destacado que, trabalhando conjuntamente, as autoridades nacionais da concorrência podem realizar
trocas relativas a boas práticas, teorias, opiniões e procedimentos fundamentais para harmonizar
o Direito da Concorrência e, paralelamente, ajudar as autoridades ainda pouco desenvolvidas e
aperfeiçoar suas práticas, não importando se diante de condutas de efeitos internacionais ou
somente nacionais. Trata-se, assim, de uma maneira de aproximar os Estados, criando um ambiente
de transparência, confiança e colaborão (OECD; ICN, 2021).
Tais trocas podem ainda ser sinônimo de economia de tempo e de recursos materiais e
humanos diante de casos nocivos à concorrência nos mercados. Para compreender de que modo
ocorre tal economia, cabe relembrar que as grandes empresas multinacionais têm, hoje, suas
operões espalhadas em vários países, de modo que se um ato anticoncorrencial ligado à produção
de seus bens ou serviços é conduzido em um Estado, seus efeitos poderão ser repercutidos no
mercado consumidor de outra nação (CARVALHO; SILVEIRA, 2013).
Compreendido o modo de execução das atividades econômicas das grandes multinacionais,
a cooperação internacional entre as autoridades antitruste para trocar informações sobre operações
de concentração, compartilhar detalhes sobre investigações e discutir as melhores soluções e
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GARCIA, Melina Coelho; FURTADO FILHO, Emmanuel Teófilo. A concorrência no ambiente digital
e a necessidade de uma cooperação antitruste internacional: o digital markets act como
regulação paradigma? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 87-103, 2023.
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sanções é reconhecida pelas agências como uma necessidade para evitar gastos de tempo e recursos
dispensáveis e, ao mesmo tempo, para reduzir a insegurança jurídica das atividades econômicas,
de modo que as multinacionais não serão mais submetidas a regras e políticas de concorrência
inteiramente divergentes e contrastantes entre si (OECD; ICN, 2021).
Como já indicado, as estratégias de cooperão em matéria antitruste são numerosas e
já operantes, carecendo apenas de maior vontade política dos Estados de as aplicarem em suas
jurisdições (CEDANO, 2018). Dentre essas medidas, pode-se mencionar as mais utilizadas pelos
governos ou, especificamente, pelas autoridades de concorrência: a cooperação informal, acordos
bilaterais, memorandums, capítulos sobre concorrência em acordos de livre-comércio e, finalmente,
acordos regionais em matéria de concorrência.
A cooperação informal é aquela que não possui qualquer forma de instrumento formal que
a regulamente, como um acordo, memorandum, lei ou regulação. Por essa exata razão, é a mais
utilizada para promover a colaboração entre as autoridades antitruste. Assim, ela se faz presente
por meio de ligações telefônicas ou correspondência por e-mails, meios utilizados para a troca de
informações que não são confidenciais (OECD; ICN, 2021).
Outra estratégia comumente utilizada é o estabelecimento de memorandos entre os Estados,
no objetivo de encorajar a cooperação entre as autoridades face a condutas potencialmente nocivas
à concorrência e as quais possuem efeitos de escala internacional. Assim, os MOUs são sustentados
juridicamente em um documento escrito e assinado pelos parceiros. Todavia, apesar da maior
formalidade, tais instrumentos não são vinculantes, recaindo à discricionariedade dos Estados de
realmente dar-lhes efetividade (OECD; ICN, 2021).
Os acordos bilaterais em matéria de concorrência, por outro lado, são tidos como meios
potenciais à promoção da colaboração entre países no que concerne à condução de investigações
de condutas anticoncorrenciais, à troca de informações, ainda que confidenciais, e à discussão de
sanções e remédios a serem aplicados. Como nos MOUs, os acordos não são vinculantes, contudo
os benefícios de sua adoção se encontram no detalhamento e na transparência de medidas e
estratégias que podem ser utilizadas pelos Estados no objetivo de, conjuntamente, reprimir atos
nocivos à concorrência internacional (CEDANO, 2018).
Dentre as vantagens que apresentam, os acordos bilaterais, por outro lado, são limitados
à cooperação entre, somente, dois Estados, o que pode revelar-se insuficiente face a operões
conduzidas por empresas capazes de produzir efeitos em um número expressivo de economias
nacionais. Como consequência, os acordos regionais em matéria de cooperação em concorrência
são considerados como estando no mais alto nível de integração no âmbito do Direito Antitruste,
representados, especialmente, pela European Competition Network (ECN), a qual possui seu comando
centralizado na Comissão Europeia, mas operando com a contribuição de todas as autoridades
nacionais de concorrência dos países membros da União Europeia (OECD; ICN, 2021).
Consideradas todas as formas de cooperação em concorrência acima descritas, já existentes
no presente, ainda que em níveis iniciais de desenvolvimento em certos países, urge compreender
de que modo tal cooperação se revela necessária face às especificidades do mercado digital, o qual
aparenta não possuir fronteiras ou limites, sendo representado por grandes multinacionais que
dominam o setor e ameaçam a entrada de novos concorrentes.
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3. A SINGULARIDADE DO MERCADO DIGITAL E A DEMANDA POR UMA
RESPOSTA REGULATÓRIA ESPECÍFICA
O desenvolvimento de novas tecnologias permitiu a transformação no modo com que os
seres humanos se comunicam, estudam, adquirem renda, gastam e investem, dentre outras inovações
que reinventaram o estilo de vida dos usuários da “internet das coisas”, a qual pode ser definida
como o conjunto de produtos, serviços e bens virtuais que se encontram no mercado e podem estar
interconectados (MONTEIRO, 2017).
Para além dessas transformações, o mercado digital demandou das autoridades,
paralelamente, uma atenção regulatória diferenciada, para que interesses já antigos, como a garantia
da concorrência, a proteção da privacidade e dos direitos dos consumidores, permaneçam garantidos.
Por outro lado, frequentemente as empresas que comandam o mercado digital são de
escala internacional, incluindo em suas operões econômicas distintas jurisdições, de modo que os
efeitos de suas condutas reverberam globalmente, produzindo resultados que demandam diferentes
respostas, revelando-se um desafio mantê-las harmonizadas.
Considerando-se, portanto, essa realidade, entende-se que, para permitir a proteção à
concorrência, sobretudo no aspecto do controle das condutas no mercado digital, a regulação e a
fiscalização limitadamente nacionais do antitruste não são suficientes, sendo imprescindível uma
cooperação no âmbito internacional, entre as autoridades da concorrência e os governos nacionais,
para que sejam atingidos os objetivos do Direito da Concorrência nos mercados digitais, isto é, a
eficiência econômica aliada ao máximo e bem-estar ao consumidor (FRAZÃO, 2017).
Para melhor demonstrar a necessidade de uma ação transnacional em defesa da concorrência
face aos desafios impostos pelo mercado digital, deve-se, primeiramente, identificar quais
características tornam tal mercado único diante dos demais mercados não digitais pertencentes à
chamada “velha economia” (MONTEIRO, 2017).
3.1. O mercado digital é verdadeiramente "único"? As características das big techs como
fator de especicação da economia digital
Ainda que se possa observar na literatura uma leitura ampliativa daquilo que se define como
“mercado digital”, por atenção metodológica, impende realizar-se uma delimitação dos agentes
atuantes em tal setor da economia para que seja possível proceder com a análise pretendida neste
estudo.
Ao utilizarmos a expressão “mercado digital” referimo-nos, sobretudo, aos setores nos quais
atuam as grandes plataformas - ou gatekeepers, como indicado no DMA europeu - que operam
online se amparando em uma série de características que, reunidas, tornam-nas únicas na economia,
fazendo surgir, de tal maneira, desafios específicos e inéditos às autoridades reguladoras.
Incluem-se nessas características a multilateralidade, os efeitos de rede, o amparo no big
data, o alto nível de inovação e pesquisa, a economia de escala e escopo e o inegável domínio no
mercado, o qual se caracteriza pela concentração em grandes empresas - as big techs - multinacionais.
Cada uma dessas características representa um desafio à análise antitruste e à proteção e defesa da
concorrência, razão pela qual as descrevemos.
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GARCIA, Melina Coelho; FURTADO FILHO, Emmanuel Teófilo. A concorrência no ambiente digital
e a necessidade de uma cooperação antitruste internacional: o digital markets act como
regulação paradigma? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 87-103, 2023.
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Consiste a “multilateralidade” na presença, em uma mesma plataforma, de dois grupos de
“usuários”: de um lado, temos os usuários que se utilizam dos serviços ofertados pelas plataformas
de modo “gratuito, isto é, sem que precisem dispor de qualquer quantia financeira para ter acesso
às redes sociais e aplicativos, mas fornecendo seus dados pessoais para que consigam aderir à
plataforma. Do outro lado, contudo, temos aqueles que financiam diretamente a plataforma ao pagar
certa quantia para, naquele espaço, anunciar seus próprios produtos e serviços, a partir dos perfis
de consumidores gerados pelos usuários que, gratuitamente, cederam seus dados à plataforma
(BUNDESKARTELLAMT; AUTORITÈ DE LA CONCURRENCE, 2016).
Cita-se como exemplo ilustrativo da multilateralidade a rede social Facebook, pertencente ao
grupo de mesmo nome, na qual usuários podem se cadastrar gratuitamente na plataforma, podendo
utilizar-se de seus serviços - jogos, eventos, chats de conversa - enquanto que anunciantes pagam
para exibir seus produtos no mesmo espaço.
Note-se, contudo, que o lado “gratuito” da plataforma é construído a partir de uma leitura
superficial daquilo que se considera “valor”. Conforme destacado pelo Fórum Econômico Mundial,
dados pessoais, na medida e velocidade com que podem ser coletados, armazenados, processados
e atualizados, representam hoje um importante ativo na economia mundial, permitindo a criação de
novas oportunidades de investimento para empresas e governos (WEF, 2011).
Por essa exata razão, pode-se afirmar que a aparente “gratuidade” de um dos lados das
plataformas digitais esconde a fundamental geração de valor a partir da variedade e quantidade de
dados fornecidos pelos usuários como condição para que a eles seja permitida a adesão aos serviços
e produtos oferecidos pelas plataformas.
A partir desse entendimento, pode-se compreender a segunda característica que se destaca
acerca das plataformas digitais: o amparo no uso de big data.
Consiste o termo “big data, assim como os vários outros utilizados para se referir ao mercado
digital
5
, em objeto de difícil conceituação, dada sua abstratividade e impossível tangibilidade.
Entretanto, pode-se apontar uma definição que apresenta maior pacificação na literatura, a qual
compreende big data não apenas como um elevado volume de dados reunidos, mas como insumo
construído a partir da coleta, armazenamento, processamento e atualização de dados caracterizados
pela variabilidade, volume e velocidade e que, uma vez reunidos e detidos, permitem a tomada de
decisão informada (MONTEIRO, 2017).
Caracterizam-se, portanto, as big techs, por modelos de negócios pautados na construção
de perfis cada vez mais específicos de seus usuários a partir da utilização dos dados fornecidos e
adquiridos, de modo que possam oferecer ao lado que “paga” pelo uso de suas plataformas potenciais
alvos de publicidade, que tenderão a ser atraídos com mais certeza aos anunciantes (BAGNOLI, 2021).
O acesso, de tal modo, a elevada quantidade e variedade de dados pessoais fez surgir - ou
intensificar - preocupações sobre a legitimidade com que as plataformas digitais se utilizam de tais
insumos para conduzir seus negócios, implicando maior atenção voltada não apenas para potenciais
práticas anticoncorrenciais, mas ainda no que tange à liberdade do consumidor e à proteção da
5 “Although Articles 101 and 102 of the Treaty on the Functioning of the European Union (TFEU) apply to the conduct of
gatekeepers, the scope of those provisions is limited to certain instances of market power, for example dominance on specific
markets and of anti-competitive behaviour, and enforcement occurs ex post [...]. Moreover, existing Union law does not address,
or does not address eectively, the challenges to the eective functioning of the internal market posed by the conduct of ga-
tekeepers that are not necessarily dominant in competition-law terms”.
95
privacidade. Tais preocupações, contudo, serão posteriormente analisadas.
Finalmente, cabe destacar ainda os efeitos de rede que atuam nas plataformas digitais,
consistindo no ganho de valor que elas representam para seus usuários, na medida em que cresce,
igualmente, o número destes usuários (EUROPEAN UNION, 2022, p. 1)
6
. Para melhor ilustrar: na medida
que mais pessoas entram em uma rede social, mais interessante essa rede social se revelará para
cada pessoa, pois lá poderá encontrar mais amigos, realizar mais negócios e anunciar mais produtos
baseados em perfis cada vez mais precisos dos usuários (CREMONESE; PEREIRA, 2020).
Para intensificar tais efeitos, utilizam-se as plataformas, mais uma vez, da grande quantidade
e variedade de dados que possuem para prestar serviços cada vez mais direcionados aos interesses
dos usuários e às tendências de consumo, razão pela qual é possível destacar mais uma característica
das plataformas digitais, isto é, o elevado investimento em pesquisa e inovação (BAKER, 2007),
resultando em um acelerado processo de atualização que lhes permite classificar como economias
de escala e escopo.
A quantidade elevada de investimentos em tecnologia, por parte das big techs, permite
a redução de custos que outrora poderiam demonstrar-se impossíveis de suportar. Chega-se a
tal resultado diante da utilização massificada - o que as caracteriza como economias de escala e
escopo - dos dados fornecidos pelos milhões de usuários, que, colocados ao lado dos investimentos
realizados, fazem com que esses revelem-se ínfimos diante dos resultados obtidos. O custo marginal,
portanto, para atender a um usuário aproxima-se de zero, enquanto a plataforma ganha em cima
deste mesmo usuário, maiores possibilidades de novos investimentos e negócios a partir da utilização
de seus dados (CARUGATI, 2020).
Entretanto, para que todas as características supramencionadas se coloquem em favor do
desenvolvimento das plataformas digitais, do outro lado, surge considerável receio de que novos
concorrentes que desejem aderir no mercado, sequer consigam nele entrar ou permanecer por muito
tempo, dada as vantagens comparativas das quais gozam as big techs firmemente estabelecidas no
mercado.
A partir disso, questiona-se: de que modo o modelo de negócios atual das big techs representa
ou pode representar uma ameaça à livre e ampla concorrência no mercado digital? Seria esse modelo
nocivo à concorrência, à inovação e aos direitos dos consumidores? É o que se passa a analisar.
3.2. Representam as big techs um risco à concorrência no mercado digital?
Como anteriormente destacado, o termo “mercado digital”, ainda que utilizado de maneira a
simplificar e resumir as atividades dos agentes que atuam nesse setor, é marcado, verdadeiramente,
pela multiplicidade de serviços e produtos ofertados (AKMAN, 2022). Em razão disso, apresenta-se
às autoridades de defesa da concorrência a grande dificuldade de analisar as condutas e operões
das grandes plataformas em tais mercados e os riscos que podem apresentar à livre concorrência.
Nota-se que se adotada uma visão estática de concorrência, pode-se perder a visão
6 “At the same time, among those digital services, core platform services feature a number of characteristics that can be
exploited by the undertakings providing them. [...] Other such characteristics of core platform services are very strong network
eects, an ability to connect many business users with many end users through the multisidedness of these services, a signifi-
cant degree of dependence of both business users and end users, lock-in eects, a lack of multi-homing for the same purpose
by end users, vertical integration, and data driven-advantages” (grifo nosso).
96
GARCIA, Melina Coelho; FURTADO FILHO, Emmanuel Teófilo. A concorrência no ambiente digital
e a necessidade de uma cooperação antitruste internacional: o digital markets act como
regulação paradigma? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 87-103, 2023.
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da maneira como as plataformas digitais exercem seu domínio no mercado, agindo de múltiplos
modos para inovar seus produtos e ganhar competitividade, pois não há, em tal mercado, uma
definição estanque de “mercado relevante”, mas dinâmica, que se renova na medida com que os
atores oferecem novas possibilidades aos usuários, utilizando-se de uma variedade de produtos que
podem, inclusive, concentrar-se na mesma plataforma (ROCHA; FARIA, 2020).
Para melhor compreender como tal fenômeno ocorre, recorre-se ao exemplo do Instagram,
rede social pertencente ao grupo Facebook.
Embora o Instagram tenha sido originalmente desenhado para servir como plataforma
onde os usuários disponibilizariam, para seus amigos, fotos do cotidiano, aos poucos a rede
social se transformou em espaço para geração de múltiplas outras oportunidades: veículos de
comunicação postam notícias, lojas se desenvolvem e podem vender seus produtos, Organizações
Não Governamentais (ONGs) buscam apoiadores e se utilizam do espaço online para divulgar suas
ações e os usuários podem se comunicar entre si como em um aplicativo de mensagens.
De tal maneira, caso adotada uma interpretação estática de mercado relevante pela
autoridade de defesa da concorrência, a análise poderia ver-se impossibilitada diante dos múltiplos
questionamentos e dúvidas: seria o mercado relevante o de aplicativos de mensagens? Ou seria o
de vendas online? Sucedendo-se cada questionamento na medida com que a plataforma oferecesse
novas possibilidades ou os usuários, utilizando-se das funcionalidades já existentes, criassem novas
modalidades de interação dentro das plataformas (ROCHA; FARIA, 2020).
Apesar, contudo, de tais dificuldades, as autoridades antitruste de diversas jurisdições
já puderam apontar certos aspectos das plataformas digitais que se apresentam como riscos à
concorrência, a partir das barreiras que podem produzir para a entrada de novos concorrentes, ou
sua permanência no mercado digital.
Sob um primeiro aspecto, rememoremos o amparo no big data pelas plataformas como
Google, Facebook, Twitter ou Amazon, os quais possuem milhões de usuários que diariamente
aderem aos seus serviços oferecendo, em troca, dados pessoais, seja no momento da adesão, seja
ao percorrer caminhos enquanto se utilizam dos serviços, deixando rastros de preferências.
Utilizando-se dessa grande variedade e volume de dados, que são atualizados constantemente,
as plataformas, que já contam com uma grande infraestrutura que permite o processamento,
filtragem e análise dessas informações, conseguem construir modelos mais acurados e específicos
de seus usuários e, uma vez os detendo, podem “vendê-los” para o lado que paga pela utilização das
plataformas, isto é, anunciantes e vendedores (AKMAN, 2022).
Ora, como destacado, a utilização de uma infraestrutura que permita coletar, processar,
analisar e filtrar tais dados, permitindo a construção de perfis precisos de consumidores, impõe
quantidade elevada de custos que, embora não representem grandes impasses para economias de
escala e escopo, para novos entrantes no mercado digital a coleta de quantidade e variedade de
dado pode revelar-se quase impossível (MONTEIRO, 2017).
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4. O DIGITAL MARKETS ACT EUROPEU COMO REGULAÇÃO PARADIGMA PARA
UMA ANÁLISE ANTITRUSTE COOPERATIVA
Ao investigar-se os estudos voltados à concorrência nos mercados digitais, é perceptível que
a preocupação não se limita à União Europeia, espalhando-se por outras jurisdições e autoridades
do antitruste, as quais se questionam se os atuais padrões regulatórios são suficientes para lidar
com a concentrão de domínio no mercado digital (EUROPEAN UNION, 2022, p. 2).
Todavia, ainda que essa discussão seja generalizada - resultado natural da ampla difusão
da presença das big techs - foi na União Europeia onde se chegou à mais elaborada e específica
regulação voltada à promoção da ampla concorrência econômica no setor, a partir da aprovação do
DMA, assinado em 14 de setembro de 2022 e esperado para produzir efeitos a partir de maio de 2023.
No desenvolvimento daquilo que viria a ser o DMA, os legisladores europeus reconheceram
que os instrumentos jurídicos existentes, destinados a regular a concorrência no mercado único
europeu em geral, mostrava-se insuficiente e inoperante face às características específicas e inerentes
ao mercado digital , razão pela qual a elaboração de um novo regime regulatório, focalizado na
regulação ex ante das companhias, fez-se necessário.
Assim, o DMA surge direcionando a atenção da Comissão Europeia para a atuação das
gatekeepers” no mercado digital, isto é, companhias que fornecem serviços fundamentais em
plataformas digitais, necessários à execução das atividades econômicas de outras empresas. Tais
serviços, conforme o próprio Regulamento exemplifica, podem ser identificados como serviços de
intermediação entre empresas e clientes, serviços de busca online, redes sociais, plataformas de
compartilhamento de vídeos, sistemas operacionais, assistentes virtuais, serviços de computação
em nuvem e de propaganda, dentre outros.
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Contudo, não se trata da regulação de qualquer companhia que forneça tais serviços, mas
tão somente daquelas que ocupam considerável espaço de influência e controle no mercado digital
e que, por tal posição de dominância, podem impactar no nível de concorrência no setor.
Para indicar, portanto, aqueles que se enquadram na definição de gatekeeper, o DMA aponta
critérios qualitativos e quantitativos que, se atingidos, indicarão que a companhia em discussão se
submete às regras contidas no Regulamento.
Será, dessa forma, considerada um gatekeeper a companhia que: (a) possui um significativo
impacto no mercado interno europeu; (b) provê um serviço de plataforma digital essencial, ou atua
como uma importante entrada para outras empresas alcançarem clientes (os end users); e ocupa uma
posição durável e cristalizada no seu setor de atuação, ou é vista como potencial beneficiária dessa
posição no futuro próximo
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(EUROPEAN UNION, 2022, p. 30)
Além disso, o DMA também cria situações de presunção, em que a companhia será considerada
como gatekeeper a partir de sua força econômica no mercado interno europeu ou na sua capacidade
de alcançar elevada quantidade de usuários
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(EUROPEAN UNION, 2022, p. 30).
7 Este rol pode ser encontrado no parágrafo 2º do artigo 2º do Digital Market Act.
8 “1. An undertaking shall be designated as a gatekeeper if: (a) it has a significant impact on the internal market; (b)
it provides a core platform service which is an important gateway for business users to reach end users; and (c) it enjoys an
entrenched and durable position, in its operations, or it is foreseeable that it will enjoy such a position in the near future”.
9 “2. An undertaking shall be presumed to satisfy the respective requirements in paragraph 1: (a) as regards paragraph
1, point (a), where it achieves an annual Union turnover equal to or above EUR 7,5 billion in each of the last three financial