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MARIOTTO, Ivan Lago. Cartéis em licitações públicas: Análise da jurisprudência do Cade
envolvendo a pena de proibição de participar em licitações públicas. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 192-216, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1049
grave de infração à ordem econômica, pois além de gerar os mesmos danos de um cartel tradicional,
resulta em prejuízos diretos ao erário. A magnitude dos prejuízos pode tomar grandes proporções.
Segundo estudo realizado pela OCDE, o sobrepreço em cartéis pode superar 50% (OECD, 2002, p. 72).
A Lei de Defesa da Concorrência estabelece, em seu artigo 36, §3º, I, d (BRASIL, 2011), que
acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma, preços, condições,
vantagens ou abstenção em licitação pública, caracteriza infração da ordem econômica. Nessa
lógica, o Cade define cartel em licitação como o "conluio entre agentes econômicos com o objetivo
de eliminar ou restringir a concorrência dos processos de contratação de bens e serviços pela
Administração Pública" (BRASIL, 2019c, p. 11).
Os artigos 37 e 38 da mesma lei estabelecem as penas aplicáveis nos casos de infrações. O
artigo 37 trata da aplicação de multa, que é historicamente a sanção mais aplicada pelo Cade em caso
de condutas anticompetitivas (OLIVEIRA, 2020, p. 146). Já o artigo 38 prevê um rol exemplificativo
3
de
sanções não pecuniárias, dentre as quais figura a proibição de participar em licitações públicas por
um período de pelo menos cinco anos:
Art. 38. Sem prejuízo das penas cominadas no art. 37 desta Lei, quando assim exigir a
gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes
penas, isolada ou cumulativamente:
II - a proibição de contratar com instituições nanceiras ociais e participar de
licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços,
concessão de serviços públicos, na administração pública federal, estadual, municipal
e do Distrito Federal, bem como em entidades da administração indireta, por prazo
não inferior a 5 (cinco) anos;
4
(BRASIL, 2011, grifo nosso).
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, a lei qualifica determinadas condutas como
infrações administrativas com o objetivo de desestimular esses comportamentos. Logo, de um lado
as sanções cumprem a função de intimidar eventuais infratores, enquanto de outro desincentivam a
reincidência dos que já praticaram infrações (MELLO, 2014, p. 872, 873). É importante ainda destacar
que o objetivo da sanção administrativa não compreende intentos de castigo ou represália (MELLO,
2014, p. 873), o que é um ponto importante na discussão da pena objeto deste artigo, visto que que
ela pode ser capital para uma empresa, tal como será abordado a diante.
A Professora Amanda Athayde afirma que as sanções não pecuniárias podem ser vistas
como uma maneira de fortalecer o enforcement antitruste, o que pode se dar sob três diferentes
perspectivas: (i) risco de underdeterrence, isto é, as sanções pecuniárias não são suficientes em
algumas ocasiões, devendo ser combinadas com sanções não pecuniárias para atingir níveis maiores
de severidade e dissuasão; (ii) risco de overdeterrence, ou seja, sanções não pecuniárias podem ser
utilizadas para evitar a aplicação de sanções pecuniárias, que podem ser excessivamente gravosas;
3 O inciso VII do artigo garante se tratar de um rol exemplificativo ao elencar “qualquer outro ato ou providência ne-
cessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica”.
4 A Lei nº 8.884/1994 – antiga lei de defesa da concorrência – embora já tenha sido revogada pela sua sucessora de
novembro de 2011, estava em vigor ao tempo dos fatos referentes a alguns dos processos aqui analisados, tendo sido utilizada
em algumas das decisões. Com redação praticamente idêntica à LDC atual, seu artigo 24, II, também prevê a penalização pela
proibição de participar de licitações por prazo não inferior a cinco anos. Portanto, ambos os diplomas legais dispõem da mes-
ma maneira acerca desta matéria (BRASIL, 1994).