27
2
ANTITRUSTE NO
METAVERSO: ECONOMIA
COMPORTAMENTAL E O BEM-
ESTAR DO CONSUMIDOR
1
Antitrust in the metaverse: behavior economy
and consumer welfare
Vinícius Klein
2
Universidade Federal do Paraná (UFPR) – Curitiba/PR, Brasil
Juliana Oliveira Domingues
3
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP/USP) – Ribeirão Preto/SP, Brasil
Gabriel de Aguiar Tajra
4
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP/USP) – Ribeirão Preto/SP, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Contexto: O surgimento do metaverso traz novos desafios para o Direito, em especial pela
predominância de ecossistemas digitais com amplo poder acerca da arquitetura de escolha do
consumidor. Assim, o espaço virtual construído pelo metaverso faz com que as ferramentas da
economia comportamental sejam essenciais para uma aplicação adequada das políticas de defesa
da concorrência e de proteção consumidor.
Objetivo: Apresentar como as principais características do metaverso impactam as abordagens
tradicionais de defesa da concorrência e do consumidor e trazem a necessidade da utilização de
ferramentas da economia comportamental.
Método: Método dedutivo e de revisão bibliográfica.
Editor responsável: Prof. Dr. Luis Henrique Bertolino Braido, Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4648392251476133. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6085-1446.
1 Recebido em: 30/08/2023 Aceito em: 29/11/2023 Publicado em: 21/12/2023
2 Professor de Direito e Economia e Direito Empresarial no Departamento de Direito Privado da UFPR e integra o Corpo
Docente do Mestrado Profissional em Economia. Procurador do Estado do Paraná. Doutor em Direito Civil pela Universidade
Estadual do Rio de Janeiro - UERJ (2013) e Doutor em Economia (Desenvolvimento Econômico) pela UFPR (2014). Visiting Scholar
na Universidade de Columbia - EUA (2012). Professor convidado da cadeira de Direito Econômico e Inteligência Artificial da
Faculdade de Direito e Ciência Política da Universidade da Côte D'Azur em 2022 Glasgow Fellow na Faculdade de Direito da
Universidade de Glasgow em 2023. E-mail: viniciusklein78@yahoo.com.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/3557006102051289
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2023-4934
3 Visiting-Scholar na Georgetown University (2018) com bolsa internacional de pesquisa da American Bar Association
- Antitrust Section (única brasileira selecionada). Professora Doutora de Direito Econômico da Universidade de São Paulo
(FDRP/USP). Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e mestre pela Universidade Federal de Santa
Catarina. Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2010). Diretora Regional da Academic Society
for Competition Law ASCOLA. Recebeu Prêmio do Instituto Brasileiro de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional
em 2004, 2013 e 2018. Vinculada ao Núcleo de Estudos e Pesquisa de Concorrência e Inovação - NCI. Procuradora-Chefe da
PFE-Cade. Ex-Secretária Nacional do Consumidor no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ex-Presidente do Conselho
Nacional de Combate à Pirataria. Ex-Presidente do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor. Ex-Diretora do Departamento
de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública. E-mail: julianadomingues@usp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6720552935529976 ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2585-8938
4 Graduado em Direito e Mestrando pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/
USP). Advogado. E-mail: gabriel.tajra@usp.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/9629945291133551
ORCID: https://orcid.org/0009-0003-1056-8433
28
KLEIN, Vinicius; DOMINGUES, Juliana Oliveira; TAJRA, Gabriel de Aguiar. Antitruste no metaverso:
Economia comportamental e o bem-estar do consumidor. Revista de Defesa da Concorrência,
Brasília, v. 11, n. 2, p. 27-41, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1052
Conclusões: As especificidades do metaverso tornam essencial a incorporação do poder sobre a
arquitetura da escolha do consumidor na análise concorrencial, que deve incluir os ferramentais
da economia comportamental e continua sendo essencial para o controle do poder econômico e a
defesa do consumidor.
Palavras-chave: metaverso; economia comportamental; ecossistemas digitais; concorrência;
arquitetura digital.
STRUCTURED ABSTRACT
Context: The emergence of the metaverse brings new challenges to Law, mainly due to the presence of
digital ecosystems with significant power over the consumers architecture choice. So, the metaverse
virtual environment makes behavior economy tools essential for the adequate enforcement of
antitrust and consumer protection policy.
Objective: Describe the impact of the main features of the metaverse on traditional tools of antitrust
and consumer protection policy and the need to use behavior economics tools.
Method: Deductive method with bibliographic review.
Conclusions: The main features of the metaverse demand the integration of the power on the
consumers choice architecture in the antitrust analysis, which needs to integrate behavior economy
tools and keeps being an essential mechanism for economic power control and consumer protection.
Keywords: metaverse; behavior economy; digital ecosystems, competition; digital architecture.
Classificação JEL: D90; L40; L80.
Sumário: 1. Introdução; 2. Economia Comportamental e as
Relações de Consumo; 2.1. Vieses e Heurísticas estudados
na Abordagem Comportamental; 3. Antitruste e Defesa
do Bem-Estar do Consumidor no Metaverso; 3.1 Acesso
e Concorrência no Metaverso; Considerações Finais;
Referências.
1. INTRODUÇÃO
É curioso imaginar que, em 03 de julho de 1985, o filme “De Volta para o Futuro” foi lançado
nos cinemas com cenas de carros voadores e óculos de realidade virtual. Em um enredo que, para
a época, era claramente ficção científica, causa surpresa àqueles que viveram os anos 80 observar
como a economia digital tem tornado a ficção cada vez mais próxima da nossa realidade.
A existência de uma vida, ou de uma realidade virtual, tem trazido desafios como nos casos de
games virtuais, mas pode alcançar um novo estágio no que se passou a denominar Metaverso. Assim, a
construção do Metaverso, que replica a realidade por meio de dispositivos digitais em um espaço coletivo
compartilhado, pode ser vista como uma etapa adicional no processo de digitalização da economia.
A palavra “meta” de origem grega, traz o sentido de além, ou seja, de “mudança” – “para além
29
de” - que por si só já explica a escolha da denominação Metaverso para conceituar o mundo digital
que une realidade virtual a empresas e pessoas. O avanço da tecnologia fez esse universo ficar ainda
mais acessível, levando diversas empresas e até figuras famosas para esse “reino” virtual, dentre eles
destaca-se a empresa Meta, antigo Facebook, que recentemente alterou seu nome e confirmou sua
presença no Metaverso
5
.
A Meta, assim como outras empresas e grupos econômicos, começou uma corrida migratória
para o Metaverso
6
. A urgência na busca pela experiência, nesse mundo digital, já aparece em diversos
setores da sociedade e, por diversos fatores, como aconteceu com os NFTs (non-fungible tokens) e
Criptomoedas, o principal desejo de muitos é o de não ficar fora dessa nova realidade.
A construção de uma realidade virtual abre espaço, dentre outras questões, para a construção
de ecossistemas digitais
7
e arquiteturas de escolha planejadas de forma privada por meio do código.
No caso da defesa do consumidor, a maior amplitude do design privado pode levar a estratégias
mais agressivas de apropriação do excedente do consumidor por meio da exploração dos seus vieses
comportamentais
8
.
Assim, a busca pela atenção do consumidor no ambiente virtual é feita não apenas por
caraterísticas intrínsecas do produto e do seu preço, mas por todas as características do espaço virtual
ocupado pelo fornecedor. Apesar do design da loja também ser objeto de decisões do fornecedor, no
ambiente virtual há menos restrições das normas legais – por exemplo normas de ocupação de solo
e trânsito não existem no Metaverso – e o uso intensivo de dados permite uma personalização de
todos os aspectos do produto ou serviço, que não se limitam a personalização de preços.
Vale mencionar, os dark patterns, esse termo consiste em um conjunto de estratégias de design
de interfaces que, por meio de táticas enganosas, induzem os usuários a tomar ações que não estão
em seu melhor interesse, geralmente favorecendo os interesses dos desenvolvedores ou empresas.
O uso desse mecanismo envolve obstáculos, informações confusas e predefinições manipulativas,
resultando em decisões prejudiciais para os usuários e afetando a confiança nas plataformas.
Assim, este estudo apresenta reflexões que envolvem economia comportamental, análise
econômica do direito e direito concorrencial com foco no Metaverso, especialmente diante das
mudanças do comportamento do consumidor no mundo virtual. Diante do potencial poder econômico
identificado, haverá especiais considerações a partir de uma perspectiva antitruste para avaliar
instrumentos de proteção do bem-estar do consumidor neste novo ambiente virtual.
5 “O CEO da Meta, Mark Zuckerberg, justificou a alteração no nome dizendo que a antiga designação marcava um período
da empresa que ficou para trás. Por causa disso, a alteração acabou sendo um processo natural para supostamente “olhar para
o futuro” (PALMEIRA, 2021).
6 Há inclusive escritórios de advocacia no Brasil que já funcionam na realidade do Metaverso (BANCA..., 2022).
7 Em apartada síntese, pode-se dizer que ecossistemas dizem respeito a duas esferas: (i) por um lado, um sistema em
que diversos atores independentes criam valor em conjunto que, em regra, não seria possível de forma individual, conforme
definição adotada mesmo antes da emergência dos ecossistemas digitais; e (ii) por outro, no digital, ecossistema costuma se
referir a um ambiente em que diversos produtos e serviços são ofertados por meio uma firma (JACOBIDES; CENNAMO; GAWER,
2020).
8 De fato, embora aspectos comportamentais do design das plataformas digitais ainda passem despercebido, é provável
– e, inclusive, necessário – que autoridades concorrências passem a considerar em suas análises limitações cognitivas dos
usuários e estratégicas comerciais, potencialmente ilícitas, de persuasão (OLIVEIRA; KIRA; COUTINHO, 2021).
30
KLEIN, Vinicius; DOMINGUES, Juliana Oliveira; TAJRA, Gabriel de Aguiar. Antitruste no metaverso:
Economia comportamental e o bem-estar do consumidor. Revista de Defesa da Concorrência,
Brasília, v. 11, n. 2, p. 27-41, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1052
2. ECONOMIA COMPORTAMENTAL E AS RELAÇÕES DE CONSUMO
O papel da Economia Comportamental ganha relevância como abordagem necessária
para compreender a dinâmica tanto das relações de consumo quanto empresariais no Metaverso.
Afinal, o controle da arquitetura permite fazer um uso ainda mais intenso das vulnerabilidades
comportamentais dos consumidores, afetando a dinâmica concorrencial. A compreensão desta nova
dinâmica é essencial para construir políticas adequadas de defesa do consumidor e da concorrência.
No âmbito da defesa do consumidor, tanto o desenho de nudges
9
para proteção do
consumidor quanto o combate a sludges
10
deve integrar a construção desta política, de forma a
evitar que a exploração dos vieses comportamentais do consumidor permita práticas abusivas ou
discriminatórias. Afinal, mesmo que se observe que a arquitetura da interação entre o fornecedor e
consumidor em mercados não digitais também é objeto de planejamento do empresário de forma
a influenciar as escolhas do consumidor. Bastaria pensar na escolha da disposição de produtos em
um supermercado, ou no cardápio, ou na escolha dos pratos ou na localização das mesas em um
restaurante como uma construção integralmente feita no mundo virtual que permite uma escala
significativamente superior dessas escolhas de arquitetura e design.
Na dinâmica empresarial, a abordagem comportamental também é central para
compreensão das estratégias empresariais nos mercados digitais e no Metaverso, mesmo que o seu
uso na imposição do direito concorrencial ainda esteja sujeito a questionamentos. Assim, faz-se
necessária a apresentação de alguns instrumentos da economia comportamental e a sua aplicação
nos mercados digitais.
A economia comportamental surgiu como uma forma de lidar com um debate já antigo
na teoria econômica acerca da racionalidade dos agentes nas suas decisões (SEN, 1977). A posição
dominante após a revolução marginalista era de que os agentes econômicos são indivíduos racionais
e maximizadores, que são capazes de compreender e processar de forma perfeita as informações
disponíveis e tomar a melhor decisão para si. A observação da realidade, entretanto, não é compatível
com esta premissa, afinal as pessoas nem sempre tomam decisões ótimas e racionais. Em diversas
situações as decisões são heurísticas, tomadas buscando atalhos, gastando pouco tempo e esforço
ou partem de vieses, ou seja, de mecanismos que retiram do processo decisório a necessidade de
que se compreenda, processe e use de forma perfeita as informações disponíveis.
O avanço da economia comportamental e, mais recentemente, do seu uso no contexto do
movimento de direito e economia deriva da identificação de que os mecanismos decisórios indicados
acima são sistemáticos e podem ser identificados. Assim, os vieses e heurísticas estudados na
abordagem comportamental estão presentes em algum grau em todos os agentes econômicos, sejam
consumidores ou produtores e o seu conhecimento é essencial para que se entenda a dinâmica dos
mercados digitais e que se formulem políticas públicas mais efetivas.
9 Na definição de Thaler e Sunstein (2008), nudge é um aspecto do design de escolha que provoca alteração no
comportamento do indivíduo atendendo a uma previsibilidade, sem grandes alterações de incentivo econômico ou proibições.
Para eles, o objetivo dessa arquitetura consciente para influenciar a tomada de decisão era fazer com que pessoas tomassem
melhores escolhas por elas mesmas.
10 Sludge, por outro lado, segundo a definição de Richard Thaler (2018) é quando se aplica uma medida de nudge “para
o mal”, nas palavras do autor:
31
2.1 Vieses e Heurísticas estudados na Abordagem Comportamental
Um primeiro viés ou heurística a ser destacado é o viés de status quo (status quo bias), que
aponta a dificuldade que os agentes têm em decidir de forma diversa do status quo, ou seja da opção
padrão, mesmo que a tomada de decisão fora do padrão proporcionasse um aumento de bem-estar.
Segundo Kahneman, Slovic e Tversky (1982), a tendência à manutenção do status quo se dá pelo fato
de que sair desta posição trará desvantagens que parecem muito maiores que as vantagens.
De acordo com Samuelson e Zeckhauser (1988), esse viés indica que os indivíduos tendem
a manter o estado atual de seu portfólio e têm dificuldades em mudar de posição patrimonial, mas
ressaltam que este viés não está ligado apenas e necessariamente a cenários de ganhos e perdas,
uma vez que, por meio dos questionários aplicados, os indivíduos foram colocados em situações que
envolviam ganhos e perdas (como a escolha da cor de um carro), mas, mesmo assim, demonstraram
a tomada de decisão pelo viés do status quo.
Quando verificado tal padrão de tomada de decisão, é muito mais fácil que se mantenha um
consumidor em uma posição desfavorável (não claramente perceptível) do que fazê-lo mudar, o que
pode ser utilizado por empresas para manutenção de uma base de consumidores ou de adesão a
determinado serviço.
No âmbito do metaverso esse viés do status quo é uma das razões pelas quais há visão de
que os custos de transação para mudar de fornecedor são muito baixos, já que a concorrência está
a um clique de distância, mas não se concretiza na prática. As plataformas e ecossistemas digitais
e em especial no metaverso são capazes de criar custos de transação para a troca de fornecedor
digital que tem como fundamento comportamental. Os custos de mudar, e de aprender a utilizar
um fornecedor diverso no mercado digital, são em grande parte comportamentais e assim fogem da
análise concorrencial tradicional.
Já a aversão à perda (loss aversion), muito ligada com o status quo bias, significa que um
agente sente de forma mais intensa a perda de um bem ou ativo do que a não obtenção de uma
vantagem de valor idêntico. A relação entre a aversão à perda e o viés de status quo foi percebida
por Samuelson e Zeckhauser, sugerindo uma explicação para tal relação por meio de compromissos
firmados anteriormente, uma ideia de que a troca traria um custo irrecuperável (sunk costs), uma
necessidade de se sentir no controle, medo de arrependimento e dissonância cognitiva. Ambos os
vieses são consequência da assimetria de ganhos e perdas.
Para explicitar este viés, é válido trazer aqui o experimento proposto por Kahneman e Tversky
(1979): um jogo de cara ou coroa aqui adaptado para reais. A proposta dos autores foi oferecer, em
um jogo de cara ou coroa, que o indivíduo perdesse R$100,00 se o resultado fosse cara e ganhasse R$
150,00 se saísse coroa. Observou-se que, apesar de o valor do ganho superar o da perda em R$ 50,00,
muitas pessoas não aceitaram participar da aposta, justamente por valorizarem mais a perda, o que
se reflete na aversão.
Isso reforça novamente os custos de transação em mudar de fornecedor em um ambiente
digital, uma vez que os custos de aprendizagem e o histórico já conquistado em um ecossistema
podem se perder no concorrente.
32
KLEIN, Vinicius; DOMINGUES, Juliana Oliveira; TAJRA, Gabriel de Aguiar. Antitruste no metaverso:
Economia comportamental e o bem-estar do consumidor. Revista de Defesa da Concorrência,
Brasília, v. 11, n. 2, p. 27-41, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1052
Outros vieses relevantes – mas, menos importantes para o presente estudo - são o viés do
otimismo (optimistic bias), o viés de ancoragem (anchoring bias) e o viés da disponibilidade (availability
bias). O primeiro (optimistic bias) identifica que as pessoas são sistematicamente otimistas quanto
as suas aptidões aos riscos que incorrem a partir das suas decisões. O viés de ancoragem (anchoring
bias) indica que as pessoas tendem a fazer julgamentos com base em informações ou valores iniciais
que estejam salientes e fazer ajustes a partir deste valor ou desta informação, sem questionar. O
último viés a ser mencionado aqui é (o da disponibilidade - availability bias) aponta que a reação
dos agentes se dá a partir de eventos mais recentes ou salientes e não a probabilidade real da sua
ocorrência. O uso desses vieses e heurísticas dentro da arquitetura da escolha dos agentes de forma
a direcionar as escolhas seja pelos formuladores de política ou pelas empresas pode ser com um
nudge ou sludge.
Portanto, esses vieses, pouco estudados no direito antitruste, permitem que no caso de
uma arquitetura exclusivamente digital e privada haja um custo elevado, notadamente de natureza
comportamental, para trocar de fornecedor no ambiente do metaverso.
E é por essa razão que a política de defesa do consumidor e a política nacional de defesa
da concorrência - e as demais políticas públicas, i.e. proteção de dados etc. - precisam acompanhar
as estratégias que tem relação com os vieses comportamentais do consumidor, considerando o
potencial lesivo desses direcionamentos de forma que se evitem práticas potencialmente abusivas
ou discriminatórias.
3. ANTITRUSTE E DEFESA DO BEM-ESTAR DO CONSUMIDOR NO METAVERSO
Dentro da perspectiva do bem-estar do consumidor, o Direito Antitruste assume papel
essencial. Embora o debate sobre os objetivos do Antitruste continue até os dias de hoje (WRIGHT;
GINSBURG, 2013; WU, 2018; DOMINGUES; GABAN, 2019), o Antitruste é um instrumento do Estado
direcionado a controlar o poder econômico para garantir, em suma, mercados competitivos
11
. Sob
uma perspectiva contemporânea, o Antitruste está situado para “além” de um instrumento de
atuação pontual, uma vez que possui um conjunto de políticas direcionadas a afetar positivamente
a concorrência, especialmente para garantir o bem-estar do consumidor
12
.
O Antitruste não é, contudo, uma “pílula” apta a solucionar todos os problemas. Em verdade,
o Antitruste é usualmente colocado ao lado de outras políticas públicas, tal qual a tributária ou
11 “Antitrust law is the study of competition. It is a body of law that seeks to assure competitive markets though the
interaction of sellers and buyers in the dynamic process of exchange. […] [T]he promotion of competition through restraints on
monopoly and cartel behavior clearly emerges as the first principle of antitrust” (SULIVAN; HARRISON, 2014, p. 4-5).
12 Por muito tempo os objetivos do Antitruste não eram claros e unificados, o que gerava decisões contraditórias e,
ao fim, uma construção jurisprudencial instável, ou, nas palavras de Bork popularizadas à época: “The life of the antitruste
law ... is ... neither logic nor experience but bad economics and worse jurisprudence” (BORK, 1967, p. 242). Para solucionar o
problema, Bork (1967, p. 242) propôs então que “existing statutes can be legitimately interpreted only according to the canons
of consumer welfare” e “[c]onsumer welfare is the only legitimate goal of antitrust, not because antitrust is economics, but
because it is law”. Alguns anos após, Bork consolidou seu entendimento quanto aos objetivos do Antitruste, ao afirmar que o
próprio entendimento da concorrência perpassa, essencialmente, maximizar o bem-estar do consumidor “‘[c]ompetition,’ for
purposes of antitrust analysis, must be understood as a term of art signifying any state of aairs in which consumer welfare
cannot be increased by judicial decree”. (BORK, 1978, p. 51). Atualmente, é possível afirmar que “[a]ter thirty years, the debate
over antitrust’s ideology has quieted. Most now agree that the protection of consumer welfare should be the only goal of
antitrust laws” (HOVENKAMP, 2005).
33
a consumerista
13
, a fim de subsidiar que determinados objetivos públicos sejam apropriadamente
alcançados a partir da promoção da concorrência, por intermédio de incentivos e desincentivos
voltados aos agentes econômicos.
Com a migração de diversos destes agentes
14
ao Metaverso, há de se esperar que empresas
pioneiras conquistem posições de mercado virtualmente monopolísticas em determinados segmentos
– ou, no mínimo, assumam posição de dominância
15
. Conforme entendimento comum, a conquista
natural do mercado, fundada na maior eficiência, é totalmente legítima e não consubstancia espécie
de infração à ordem econômica
16
. Não só isso; o incentivo à conquista do mercado é mesmo um
elemento central da livre-concorrência e da economia de mercado
17
.
Isso não significa dizer, contudo, que qualquer conquista será legítima. A dominação do
Metaverso atrairá a atuação do Antitruste e suscitará – e já suscita – a atenção de autoridades
concorrenciais ao redor do mundo
18
, a fim de (i) evitar que a concentração do poder econômico
obstrua o funcionamento eficiente do Metaverso, (ii) garantir a livre entrada e saída de rivais, assim
como, em última instância, (iii) salvaguardar o bem-estar do próprio consumidor.
Para tanto, é importante relembrar que o direito concorrencial atua por meio de duas frentes
amplas: (i) por um lado, atua de forma primordialmente preventiva, a partir de instrumentos de
controle das estruturas do mercado; (ii) por outro, atua de forma primordialmente reativa, por meio
de instrumentos voltados ao controle de condutas e à repressão de infrações à ordem econômica.
No que tange a aplicação do Antitruste no Metaverso, ainda que se espere que o comportamento do
consumidor assumirá novas facetas no Metaverso, não será diferente.
Espera-se, que os entendimentos nucleares do antitruste mantenham-se, em
grande medida, à exceção de pequenos ajustes para consolidar novos instrumentos de
fiscalização e aplicação normativa, da formulação de novas metodologias para análise de
efeitos de condutas com novas facetas - não obstante mantenham racionalidade similar – e,
principalmente, da adequação de análises relativas à aferição do bem-estar do consumidor.
13 Embora o Antitruste o Direito do Consumidor compartilhem a essência de proteção ao consumidor, o Antitruste
atua externamente à esfera do consumidor, por intermédio da solução de falhas de mercado que condicionam as estruturas
competitivas a garantirem o bem-estar do consumidor a partir da formulação de um rol de opções de escolha, o direito
consumerista atua internamente às opções do mercado, a fim de garantir que tais estruturas permitam, de fato, que o
consumidor tenha poder de escolha dentre o role de opções ofertado pelo mercado (AVERITT; LANDE, 1997, p. 714).
14 Vide, por exemplo, o lançamento da cerveja Heineken no Metaverso (WAKEFIELD, 2022), de tênis em modalidade de
Non-Fungible Tokens pela Nike (LAWLER, 2021), ou, da mesma forma, um lançamento de restaurante virtual do McDonald’s que
entregará lanches na modalidade física (DEAN, 2022).
15 Nos termos da Lei 12.529/11: “Art. 36, §2º Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de
empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por
cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia”
(BRASIL, 2011).
16 “Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma
manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: II - dominar
mercado relevante de bens ou serviços; § 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior
eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste
artigo” (Lei nº 12.529/11) (BRASIL, 2011).
17 Vide um entendimento esposado pelo Federal Trade Commission, autoridade norte-americana responsável pela
proteção do consumidor e da concorrência nos Estados Unidos da América: “The mere possession of monopoly power, and the
concomitant charging of monopoly price, is not only unlawful; it is an important element of the free-market” (Verizon Commc’ns
Inc. v. Law Offices of Curtis V. Trink, 2004) (UNITED STATES, 2004).
18 Vide, por exemplo, o posicionamento de Margrethe Vestager em uma entrevista sobre o tema: “The metaverse will
present new markets and a range of dierent businesses. There will be a marketplace where someone may have a dominant
position […] Things are happening that we need to be able to follow […] We should start thinking about it now” (STOLTON, 2022).
34
KLEIN, Vinicius; DOMINGUES, Juliana Oliveira; TAJRA, Gabriel de Aguiar. Antitruste no metaverso:
Economia comportamental e o bem-estar do consumidor. Revista de Defesa da Concorrência,
Brasília, v. 11, n. 2, p. 27-41, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1052
Há uma grande probabilidade das análises relativas ao Metaverso extraírem conceitos da
economia digital.
De fato, o Metaverso compartilha características nucleares comuns à economia digital: sua
infraestrutura é um ecossistema virtual permanente que permite o compartilhamento de informações
e interações em tempo real, ao passo que sua arquitetura é uma plataforma decentralizada, mas que
ultrapassa a Web 2.0
19
para a Web 3.0 por meio do incremento das interações humanas, tais quais
percepções sobre emoção, expressões e outros elementos usualmente atribuídos à realidade física
(MOMTAZ, 2022, p. 4-5).
A análise das características de funcionamento do Metaverso perpassará, portanto, a
existência de economias de escala, escopo e efeitos de rede, diretos e indiretos, assim como da
racionalidade econômica de modelos de negócios baseados em captação massiva de dados,
assentados em altos investimentos fixos e baixo custo marginal e não limitados geograficamente
20
.
Ademais, como o Metaverso deverá ser definido, na prática, como mercado assentado em
dados, restrições verticais também levarão em conta potenciais elevações artificiais de barreiras
à entrada, estratégias de fechamento de mercado ou aumento de custos de rivais com base em
práticas relativas ao controle de dados, como dificultar a interoperabilidade entre Metaversos ou
a portabilidade de dados de usuários, assim como vincular a entrada no Metaverso à extração
massiva de dados.
Da mesma forma, o Metaverso também compartilhará de certas preocupações comuns não só
aos mercados digitais, mas a indústrias tradicionais, especialmente nos casos em que intermediários
assumem posições estratégicas no mercado e adquirem respectivo poder de mercado por tornarem-
se gargalos (bottleneck) necessários entre consumidores e fornecedores ou entre outras etapas do
processo produtivo – tais empresas são denominadas na literatura como “porteiros” (gatekeepers)
21
.
Nestes casos, os “porteiros” do Metaverso poderão controlar as condições de entrada
no mercado, os termos de uso do ecossistema, assim como fiscalizar e sancionar empresas que
concorram em suas estruturas caso descumpridos seus próprios termos
22
.
Porteiros do Metaverso, portanto, exercerão função essencial inclusive no que tange a
regulação das condições dos mercados existentes no Metaverso, já que disciplinarão matérias relativas
19 A Web 2.0 seria a segunda geração de serviços de internet, por meio dos quais os usuários poderiam interagir e
colaborar com as páginas online. Os maiores exemplos são as redes sociais, Orkut, YouTube, Facebook, Twitter, etc. Por isso
também é denominada de “Web Social. Já a Web 3.0, ou “Web Semântica”, é caracterizada pela utilização de tecnologias
como a inteligência artificial e aprendizado de máquina, tornando a web mais descentralizada, ou seja, menos dependente de
empresas e mais controlada pelos próprios usuários (O QUE VOCÊ PRECISA..., 2023).
20 Para alguns conceitos básicos relativos aos mercados digitais, vide: (RENZETTI; BUENO; PAIXÃO, 2020).
21 “An entity (people, organizations, or governments) that has the discretion to exercise gatekeeping through a
gatekeeping mechanism in networks and can choose the extent to which to exercise it contingent upon the gated [the entity
subjected to gatekeeping] standing” (BARZILAI-NAHON, 2008, p. 1497). Tradicionalmente, gatekeepers são subdivididos em
duas categorias, controladores de acesso à informação e controladores de recursos ou serviços necessários para conectar
consumidores e fornecedores ou outras etapas do processo produtivo (LAIDLAW, 2010).
22 Vide, nesse sentido: “From a contractual standard, this allows the owner of the metaverse to control the virtual space
in much the same manner that a mall owner controls the retail space at a mall or the owner of a platform oten prioritizes its
own products and services above those of the third-party vendors for which it conducts business. This creates a competitive risk
to those companies who rely on the metaverse as a platform from which to conduct business, and a tremendous opportunity for
the owner of the platform to leverage its own products or services into a prominent position within the virtual world. Ultimately
the success of the metaverse may determine the extent to which antitrust and unfair competition laws are updated to address
the practices of the multiverse operators” (GARON, 2022, p. 39).
35
à propriedade intelectual, standards de qualidade dos produtos, métodos de pagamento e outros.
Não é um acaso que porteiros suscitam preocupações relevantes sob o olhar da concorrência.
Tais preocupações serão ainda mais severas sob o olhar Antitruste quando, além de oferecerem
a estrutura para competição no mercado, as empresas controladoras do Metaverso concorrerem,
igualmente, com empresas à jusante ou à montante por intermédio da oferta de produtos ou serviços
rivais. Em apertada síntese, tais preocupações em muito se assemelharão às hipóteses do varejo
expressos na construção teórica referente ao “líder da categoria
23
.
3.1 Acesso e Concorrência no Metaverso
Neste sentido, é importante avaliar que para acessar o Metaverso são necessários óculos de
realidade virtual. Atualmente, a Oculus é a principal empresa do setor, e estimativas apontam que o
mercado já é significativamente concentrado. Em um resumo, cabe dizer que a Oculus foi adquirida
pelo Facebook, ainda em 2014, e integra o grupo econômico do Facebook, atualmente denominado
Meta, que realizou uma série de aquisições estratégicas de empresas relacionadas a produtos e
serviços vinculados ao Metaverso
24
.
Referido contexto suscita as primeiras preocupações relacionadas a um possível controle
de estruturas no Metaverso e como se dará a modelagem do mercado
25
. Em uma análise mais geral
observa-se que as recomendações recentes da política Antitruste voltada à aquisição de empresas
nascentes, em que potenciais danos ao bem-estar do consumidor perpassam à eliminação de um
produto ou serviço do mercado, até a internalização, pela firma adquirente, de decisões relativas
ao preço, qualidade e inovação da firma adquirida podem impactar o tratamento antitruste do
Metaverso (OECD, 2020, p. 49). Portanto, o aprimoramento de teorias de dano no Metaverso será
essencial para evitar que potenciais efeitos negativos ao consumidor ou condutas revestidas sob
outra roupagem passem despercebidas .
Nestas hipóteses, algumas outras recomendações relativas ao controle de estruturas
são válidas de atenção no Metaverso. A primeira trata da adequação dos critérios de notificação,
a fim de se enquadrarem como hipóteses de notificação obrigatória não só operações que
possam restringir concorrência atual, mas potencial, até porque os mercados do Metaverso
também são nascentes e decisões relativas ao controle de estruturas poderão modelar, de fato,
o mercado
26
. Da mesma forma, a adequação do critério do faturamento também parece ser uma
23 The category captain might: (1) learn confidential information about rivals' plans; (2) hinder the expansion of rivals;
(3) promote collusion among retalies; or (4) facilitate collusion among manufacturers (FTC, 2001, p. 50).
24 Tais quais Within, Sanzaru Games, Ready at Down, Big Box VR, Unit2 Games e Beat Games.
25 Neste sentido, é possível que o Metaverso seja um único ecossistema monopolístico ou ecossistemas diversos
que competem entre si. Segue uma possível distinção sobre tais modelos: “The private metaverse is a centralized future
[with] big corporates such as Facebook’s Meta, whereby value is extracted from users as consumers. This metaverse is both
virtual reality accessed via headsets, such as Oculus, that project a digital world, as well as augmented reality, accessed via
face wear, such as glasses, that project digital things over the physical world. In contrast, the public metaverse is a vision
of numerous, decentralized digital worlds that people can move between that are built and owned by participants. The
public metaverse is predicated on open, interoperable decentralized technological architecture. It integrates a suite of crypto
community innovations in decentralized finance (DeFi) for payments and NFTs for digital in-world items that hold real value.
Furthermore, the public metaverse is governed and owned by networks of decentralized autonomous organizations (or DAOs)
where distributed, objective-aligned communities collectively own, govern and work in digital worlds” (NABBEN, 2021, p. 2).
26 Essa assertiva parte da premissa de que o Metaverso representa um mercado relevante diverso dos mercados físicos
e digitais tradicionais. Seria possível apontar para a existência de um mesmo mercado relevante em determinados casos. No
entanto como a questão ainda é incipiente nas decisões das autoridades concorrenciais e para fim da presente análise será a
36
KLEIN, Vinicius; DOMINGUES, Juliana Oliveira; TAJRA, Gabriel de Aguiar. Antitruste no metaverso:
Economia comportamental e o bem-estar do consumidor. Revista de Defesa da Concorrência,
Brasília, v. 11, n. 2, p. 27-41, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1052
possibilidade, a fim de recepcionar critérios secundários que abarquem outras preocupações
ao mercado.
A segunda recomendação trata da utilização do instrumental - já existente na legislação
antitruste nacional - para revisão de atos de concentração não enquadráveis como de notificação
obrigatória, caso suscite preocupações excepcionais
27
. Com relação a este último tópico, a ampliação
do prazo de um ano constante do §7º do art. 88 da Lei 12.529/2011, a fim de garantir maior flexibilidade
à autoridade, assim como o aprimoramento dos mecanismos de acesso às informações do mercado,
a fim de subsidiar a capacidade da autoridade em monitorar operações preocupantes, poderão estar
no centro do debate.
Evidente, contudo, que tais recomendações sempre deverão tomar em conta a liberdade
econômica dos agentes e a segurança jurídica, já que, por exemplo, prazos demasiadamente
longos para revisão de atos de concentração não enquadráveis como obrigatório poderão mesmo
prejudicar a defesa da concorrência. Essa é, aliás, uma das preocupações endereçadas pela Lei de
Liberdade Econômica
28
.
Por fim, uma terceira recomendação trata da análise de aquisições estratégicas não só
sob o prisma do controle de estruturas, mas também sob o regime do controle de condutas, já
que determinadas aquisições podem ser analisadas sob o olhar de práticas exclusionárias de
rivais potenciais. Referida proposição permite ainda expandir o critério temporal para se instaurar
investigações, assim como expandir mesmo os fundamentos para averiguação de potenciais danos
ao ambiente concorrencial.
No que tange ao controle de condutas, estratégias comerciais tradicionais, quando não
dotadas de justificativas econômicas suficientes, continuarão a ser recriminadas por intensificarem a
propensão à monopolização, tal qual condicionar a entrada no Metaverso à aquisição de um produto
virtual, favorecer produtos ou serviços próprios ao detrimento de rivais ou discriminar rivais para
favorecimento próprio.
Algumas dessas práticas já estão sob o escrutínio de autoridades Antitruste ao redor do
mundo. A autoridade Antitruste da Alemanha, por exemplo, abriu uma investigação em face do
Facebook por vincular a utilização de seus óculos de realidade virtual e aumentada ao registro em
sua rede social (FACEBOOK..., 2020). Já a autoridade Antitruste dos Estados Unidos abriu uma ampla
investigação em face da Oculus, por potenciais práticas de discriminação da empresa em face de
rivais que concorrem no desenvolvimento de aplicativos ofertados no App Store da Oculus (NIX;
GURMAN, 2022).
Portanto, não se negam todas as externalidades positivas do Metaverso. De outro lado, cabe
mantida a premissa geral de que o Metaverso representa um mercado relevante próprio.
27 Nos termos do §7º do art. 88 da Lei 12.529/11 “É facultado ao Cade, no prazo de 1 (um) ano a contar da respectiva data
de consumação, requerer a submissão dos atos de concentração que não se enquadrem no disposto neste artigo” (BRASIL,
2011).
28 Conforme previsão expressa, a Lei de Liberdade Econômica busca evitar que atos do poder público que sejam
necessários para liberalização da atividade econômica sejam por demasiado demorados e que acabem por obstruir seu pleno
exercício, conforme se percebe do art. 3º, IX “ter a garantia de que, nas solicitações de atos públicos de liberação da atividade
econômica que se sujeitam ao disposto nesta Lei, apresentados todos os elementos necessários à instrução do processo, o
particular será cientificado expressa e imediatamente do prazo máximo estipulado para a análise de seu pedido e de que,
transcorrido o prazo fixado, o silêncio da autoridade competente importará aprovação tácita para todos os efeitos, ressalvadas
as hipóteses expressamente vedadas em lei” (BRASIL, 2019).
37
aos reguladores averiguar a legitimidade das conquistas pioneiras e outras estratégias competitivas
no Metaverso, será necessário avaliar as estruturas do mercado, a racionalidade dos agentes
econômicos, assim como o repasse de eficiências dos processos produtivos aos consumidores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É certo que além de extraírem conceitos comuns de indústrias tradicionais e dos mercados
digitais, o Metaverso tem características únicas e demanda uma análise particularizada, caso a
caso, no que tange a possíveis preocupações de afetação do bem-estar do consumidor, surtindo
consequências ou impactos na análise tradicional do direito da concorrência.
Alguns efeitos específicos do Metaverso no bem-estar do consumidor apontam conexões
diretas com o Direito Antitruste, uma vez que residem:
(i) na eficiência dos custos de transação, já que ao ampliar as interações
virtuais, o Metaverso pode reduzir custos de acesso à informação e mudança de
fornecedores, mesmo que os impactos comportamentais possam compensar a
redução dos custos de transação físicos;
(ii) nas possíveis quedas ou flexibilização das barreiras à entrada, decorrentes
da estrutura fundada em blockchains, o que permitirá, segundo alguns, maior
descentralização econômica e mercados mais granulares; e como consequência
(iii) ampliação da hiperespecialização na oferta de produtos, uma vez que
tal descentralização possibilita que atritos relativos aos custos de procura do
consumidor sejam ampliados;
(iv) maior dificuldade de precificação, tanto pelos efeitos de rede indireto e
mercados de preço zero, quanto por uma possível alocação ineficiente dos
recursos, especialmente nos momentos iniciais do Metaverso (MOMTAZ, 2022, p.
9-11).
Os desenhos do mercado de Metaverso possivelmente trará outros desafios relevantes
à proteção do consumidor e à da defesa da concorrência, uma vez que mesmo que conceitos e
abordagens tradicionais de Direito e Economia mantenham-se válidas (especialmente no direito
antitruste), existem particularidades de uma arquitetura de escolha e das transações econômicas.
A construção de um novo ecossistema digital permitirá o uso mais intenso de nudges e sludges e a
busca pela atenção do consumidor terá na compreensão e no uso da abordagem comportamental
um fator central.
O Metaverso também apresentará uma série de tendências e possibilidades positivas
à economia como um todo, inclusive com consequências diretas ao bem-estar do consumidor.
Algumas tendências e possibilidades da economia nascente do Metaverso são: (i) produção “on-
demand, já que são baixas as restrições à produção e consumidores possuirão diversos dispositivos
digitais que lhe permitirão participar do processo produtivo, orientando a economia com base na
demanda; (ii) deslocamento de preferências, já que os consumidores procurarão por um “modelo
de vida” no Metaverso, assim como o Metaverso orientará novas preferências em face de suas novas
38
KLEIN, Vinicius; DOMINGUES, Juliana Oliveira; TAJRA, Gabriel de Aguiar. Antitruste no metaverso:
Economia comportamental e o bem-estar do consumidor. Revista de Defesa da Concorrência,
Brasília, v. 11, n. 2, p. 27-41, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1052
potencialidades; (iii) sustentabilidade social, já que usuários não serão limitados pelas condições
físicas e avatares inclusive podem limitar vieses de gênero, raça, orientação sexual e outros, uma vez
que o avatar evite a exposição da característica em questão; (iv) crescimento econômico atrelado
à sustentabilidade ambiental, na medida em que recursos necessários à determinadas atividades
econômicas são ilimitados no Metaverso; e (v) fomento à políticas públicas, já que poderá facilitar
simulações, assim como extrair de tecnologias como inteligência artificial, algoritmos e machine
learning suas potencialidades para fiscalização e aplicação
29
.
Vale observar que há diversos aspectos da regulação econômica que andarão lado a lado
à política Antitruste
30
, neste contexto. Um caso claro mencionado no texto, refere-se a aplicação da
normativa europeia referente a regulação dos porteiros digitais, certamente aplicável a empresas
específicas do Metaverso, quando qualificadas como “controladores de acesso”
31
segundo a normativa.
A título de exemplo, o Pacote Sobre os Serviços Digitais da União Europeia, consistente tanto em
um Regulamento dos Serviços Digitais, quanto em um Regulamento dos Serviços Digitais, possui
previsões específicas sobre transparência de informações, proibição de determinadas condutas ex
ante e obrigações de tratamento equitativo a empresas que dependam de seus serviços, assim como
regras específicas de notificação de atos de concentração.
Da mesma forma, no cenário nacional, previsões do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14)
(BRASIL, 2014) poderão ser aplicáveis a empresas do Metaverso, já que muitas empresas se qualificarão
como provedoras de conexão ou aplicações, recaindo em obrigações legais que afetam, igualmente,
a concorrência e o bem-estar do consumidor. A possibilidade de aplicação de multa de até 10% do
faturamento bruto da empresa - a possibilidade está prevista no Marco Civil da Internet – já resulta
uma possibilidade a ser considerada no âmbito dos processos administrativos sancionatórios da
Secretaria Nacional do Consumidor, por exemplo, sem excluir o enforcement antitruste pelo Cade.
Embora não seja possível afirmar como será análise das questões atinentes ao direito
antitruste no Metaverso, observa-se que autoridades antitruste devem usar a experiência de
mercados tradicionais e, especialmente, de mercados digitais correlatos. Ademais, o Metaverso
possui suas próprias particularidades, que demandarão uma análise caso a caso.
Contudo, não há de se esperar que o Metaverso seja “Meta” (além) no que tange a aplicação
do Direito Antitruste. Nesse sentido, as políticas públicas de direito do consumidor e do direito
antitruste permanecerão, como sua própria essência, instrumentos fundamentais para a avaliação (e
eventual repressão) permanente do poder econômico para garantia de mercados competitivos que,
em última instância, salvaguardem o bem-estar do consumidor e o ambiente competitivo necessário
29 Ibid, pp. 6-9.
30 No caso de países em desenvolvimento em específico, o principal não parece ser em que medidas tais países são
tão competitivos quanto países “desenvolvidos”, mas sim em que medida a política institucional como um todo será a apta a
fornecer condições de empresas integrarem o ecossistema econômico relativo ao Metaverso. Nesse sentido: (CIURAK, 2021, p.
4).
31 Nos termos do art. 3º do Regulamento dos Mercados Digitais: "Um prestador de serviços essenciais de plataforma
deve ser designado como controlador de acesso se: a) Tiver um impacto significativo no mercado interno; b) Explorar um
serviço essencial de plataforma que serve de porta de acesso importante para os utilizadores profissionais chegarem aos
utilizadores finais; e c) Ocupar uma posição enraizada e duradoura nas suas operações ou se for previsível que venha a ocupar
tal posição num futuro próximo”. No caso da alínea ‘a’, o Regulamento adotou como presunção o atingimento de volume
de negócios igual ou superior a 6 500 milhões de EUR nos três últimos exercícios financeiros, ao passo que para a línea ‘b’
o atingimento de mais de 45 milhões de usuários ativos mensalmente, e mais de 10 000 utilizadores profissionais ativos
anualmente, em ambos os casos estabelecidos ou situados na União Europeia, no último exercício financeiro, enquanto para
a alínea ‘c’, aplicam-se os mesmos limiares da alínea ‘b’, para os últimos três exercícios financeiros.
39
para o desenvolvimento de novas tecnologias.
REFERÊNCIAS
AVERITT, Neil W.; LANDE, Robert H. Consumer Sovereignty: A Unified Theory of Antitrust and Consumer
Protection Law. Antitrust Law Journal, Baltimore, v. 65, 1997. Disponível em: https://bit.ly/46gv8AC.
Acesso em: 19 out. 2023.
BANCA Viseu Advogados abre escritório no metaverso. Conjur, São Paulo, 23 fev. 2022. Disponível em:
https://bit.ly/3SJ8SMA. Acesso em: 16 out. 2023.
BARZILAI-NAHON, Karine. Toward a theory of Network Gatekeeping: A Framework for Exploring
Information Control. Journal of American Society for Information Science and Technology, Syracuse,
v. 59, n. 9, p. 1493-1512, 2008. Disponível em: https://bit.ly/3R0xbUL. Acesso em: 15 out. 2023.
BORK, Robert. The Antitrust Paradox: A policy at War with Itself. New York: Basic Books, 1978.
BORK, Robert. The Goals of Antitrust. The American Economic Review, Nashville, v. 57, n. 2, p. 242-253,
1967.
BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência; [...] e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2011.
BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para
o uso da Internet no Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 2014.
BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade
Econômica; [...] e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2019.
CIURAK, Dan. On the Metaverse, Web3 and Prospering in the Digital Transformation. SSRN, [S. l.], 2021.
Disponível em: https://bit.ly/3QGRiGf. Acesso em: 12 out. 2023.
DEAN, Grace. McDonald's has filed a trademark for a restaurant in the metaverse that will actually
deliver food to your home. Business Insider, [S. l.], 10 fev. 2022. Disponível em: https://bit.ly/47A96JV.
Acesso em: 20 abr. 2022.
DOMINGUES, Juliana Oliveira; GABAN, Eduardo Molan. Direito Antitruste e Poder Econômico: o
movimento populista e “neo-brandeisiano. Justiça do Direito, Passo Fundo, v. 33, n. 3, p. 222-244,
2019. Disponível em: https://bit.ly/3sABddk. Acesso em: 21 out. 2023.
FACEBOOK Being Investigated Over Linking Oculus Quest 2 VR Headset to Its Platform in Germany.
Gadgets 360, Nova Delhi, 11 dez. 2020. Disponível em: https://bit.ly/46ik8CJ. Acesso em: 1 maio 2022.
FEDERAL TRADE COMMISSION (FTC). Report on the Federal Trade Commission Workshop on Slotting
Allowances and Other Marketing Practices in the Grocery Industry. Washington: Federal Trade
Commission, 2001. Disponível em: https://bit.ly/47fQ244. Acesso em: 21 out. 2023.
GARON, Jon. Legal Implications of a Ubiquitous Metaverse and a Web3 Future. SSRN, [S. l.], 2022.
HOVENKAMP, Herbert. The Antitrust Enterprise: Principle and Execution. Cambridge: Harvard University
Press, 2005.
40
KLEIN, Vinicius; DOMINGUES, Juliana Oliveira; TAJRA, Gabriel de Aguiar. Antitruste no metaverso:
Economia comportamental e o bem-estar do consumidor. Revista de Defesa da Concorrência,
Brasília, v. 11, n. 2, p. 27-41, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1052
JACOBIDES, Michael G.; CENNAMO, Carmelo; GAWER, Annabelle. Distinguishing between Platforms and
Ecosystems: Complementarities, Value Creation and Coordination Mechanisms, 2020. Disponível em:
https://bit.ly/3SG2q8T. Acesso em: 20 out. 2023.
KAHNEMAN, Daniel; SLOVIC, Paul; TVERSKY, Amos (ed.). Judgment under Uncertainty: Heuristics and
Biases. New York: Cambridge University Press, 1982.
KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. Prospect theory: an analysis of decision under risk. Econometrica,
New Haven, v. 47, n. 2, p. 263-291, 1979.
LAIDLAW, Emily. A framework for identifying Internet information gatekeepers. International Review
of Law, Computers & Technology, [S. l.], v. 4, n. 3, p. 263-276, 2010. Disponível em: https://bit.ly/40IvcI6.
Acesso em: 20 out. 2023.
LAWLER, Richard. Nike just bought a virtual shoe company that makes NFTs and sneakers ‘for the
metaverse’. The Verge, [S. l.], 13 dez. 2021. Disponível em: https://bit.ly/47C7Gyu. Acesso em: 30 abr.
2022.
MOMTAZ, Paul P. Some Very Simple Economics of Web3 and the Metaverse. FinTech, Basel, 2022.
Disponível em: https://bit.ly/40Gi99Y. Acesso em: 19 out. 2023.
NABBEN, Kelsie. Building the metaverse: ‘crypto states’ and corporates compete, down to the hardware.
SSRN, [S. l.], 2021. Disponível em: https://bit.ly/47kWxCD. Acesso em: 18 out. 2023.
NIX, Naomi; GURMAN, Mark. Meta’s Oculus Unit Faces FTC-Led Probe of Competition Practices.
Bloomberg, [S. l.], 14 jan. 2022. Disponível em: https://bloom.bg/3uk1ltz. Acesso em: 20 out. 2023.
O QUE VOCÊ PRECISA saber sobre a Web 3.0. Sebrae, [S. l.], 24 mar. 2023. Disponível em: https://bit.
ly/3R1cacH. Acesso em: 20 out. 2023.
OLIVEIRA, Vitória; KIRA, Beatriz; COUTINHO, Diogo R. Da persuasão ao vício: direito concorrencial e
regulação das plataformas digitais. Jota, São Paulo, 8 jun. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3G0if2T.
Acesso em: 20 out. 2023.
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Start-ups, Killer Acquisitions
and Merger Control. Paris: OECD, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3SLonUk. Acesso em: 21 out. 2023.
PALMEIRA, Carlos. Facebook agora é Meta: o que há por trás da mudança de nome? Tecmundo, 28 out.
2021. Disponível em: https://bit.ly/3Q5rTXz. Acesso em: 6 out. 2023.
RENZETTI, Bruno; BUENO, Carolina Destailleur; PAIXÃO, Raíssa Leite de Freitas. Mercados Digitais:
alguns conceitos. In: PEREIRA NETO, Caio Mário da Silva (org.). Defesa da Concorrência em Plataformas
Digitais. São Paulo: FGV Direito, 2020. p. 21-39.
SAMUELSON, William; ZECKHAUSER, Richard. Status Quo Bias in Decision Making. Journal of Risk and
Uncertainty, [S. l.], v. 1, p. 7-59, 1988.
SEN, Amartya K. Rational Fools: a critique of the behavioral foundations of economic theory.
Philosophy and Public Aairs, New York, v. 6, n. 4, p. 317-344, 1977.
STOLTON, Samuel. Vestager: Metaverse poses new competition challenges. Politico, Bruxelas, 18 jan.
2022. Disponível em: https://politi.co/47y5ZSS. Acesso em: 30 abr. 2023.
SULIVAN, E. Thomas; HARRISON, Jeffrey L. Understanding Antitrust and its Economic Implications. 6.
41
ed. Durham: Carolina Academic Press, 2014.
THALER, Richard H. Nudge, not sludge. Science, Washington, v. 361, n. 6401, 2018. Disponível em: DOI:
10.1126/science.aau9241. Acesso em: 12 out. 2023.
THALER, Richard H.; SUSTEIN, Cass. Nudge: improving decisions about health, wealth, and happiness.
New Haven: Yale University Press, 2008.
UNITED STATES. Federal Trade Commission. Verizon Commc’ns Inc. v. Law Oces of Curtis V. Trinko,
LLP, 540 US 398 (2003). Washington: U.S. Supreme Court, 2004. Disponível em: https://bit.ly/3MJhxdS.
Acesso em: 12 out. 2023.
WAKEFIELD, Jane. Heineken launches virtual beer in self-mocking metaverse 'joke'. BBC News, [S. l.],
18 mar. 2022. Disponível emhttps://bbc.in/3G3VBqa. Acesso em: 20 out. 2023.
WRIGHT, Joshua D.; GINSBURG, Douglas H. The Goals of Antitrust: Welfare Trumps Choice. Fordham
Law Review, New York, v. 81, n. 5, 2013. Disponível em: https://bit.ly/3ML4eJX. Acesso em: 13 out. 2023.
WU, Tim. Ater Consumer Welfare, Now What? The "Protection of Competition" Standard in Practice.
Columbia: Columbia Law School, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3uiWLLU. Acesso em: 14 out. 2023.