151
7
ANÁLISE TEÓRICA E
EMPÍRICA SOBRE O USO DAS
PREMISSAS DA ESCOLA DE
CHICAGO E DA ESCOLA DE
HARVARD EM DECISÕES DO
TRIBUNAL DO CONSELHO
ADMINISTRATIVO DE DEFESA
ECONÔMICA ENTRE 2017 E
2018
1
Theoretical and empirical analysis on the use of
Chicago School and Harvard School premises
in decisions of the Administrative Council for
Economic Defense between 2017 and 2018
Gabriel Freitas Jabur Bittar
2
Universidade Federal de Goiás (UFG) – Goiânia/GO, Brasil
Álvaro Augusto Camilo Mariano
3
Universidade Federal de Goiás (UFG) – Goiânia/GO, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Objetivo: o presente trabalho busca apresentar as principais características da Escola de Chicago e
da Escola de Harvard (Estruturalista) quanto à doutrina econômica seguida por essas correntes e o
grau de intervenção proposto por cada uma. Posteriormente, são analisadas decisões do Tribunal
do Cade em que as premissas de cada corrente foram utilizadas como fundamentação dos votos de
Conselheiros.
Método: com base no método dedutivo e em análise jurisprudencial, busca-se coletar exemplos de
como o Tribunal Administrativo de Defesa Econômica aplica as teses da Escola de Chicago e da Escola
de Harvard em suas decisões. Através da análise empírica qualitativa dessas decisões, o trabalho
Editor responsável: Prof. Dr. Victor Oliveira Fernandes, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Brasília, DF,
Brasil. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5250274768971874. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5431-4142.
1 Recebido em: 19/09/2023 Aceito em: 07/06/2024 Publicado em: 19/06/2024
2 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás.
E-mail: gabrielbittar@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/6270332091078378
ORCID: https://orcid.org/0009-0000-2379-7372
3 Professor da Universidade Federal de Goiás e da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Doutor em
Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP).
E-mail: alvaro_mariano@ufg.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/6250839627001344
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8712-0149
152
BITTAR, Gabriel Freitas Jabur; MARIANO, Álvaro Augusto Camilo. Análise teórica e empírica sobre
o uso das premissas da Escola de Chicago e da Escola de Harvard em decisões do Tribunal
do Conselho Administrativo de Defesa Econômica entre 2017 e 2018. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 151-171, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1058
contribui para a compreensão das abordagens adotadas pelas Escolas de Chicago e de Harvard no
contexto do direito concorrencial e destaca a aplicação prática dessas teorias pelo Tribunal do Cade
na análise de atos de concentração.
Conclusões: o estudo revela que o Tribunal do Cade legitimou a aprovação de uma operação entre
duas das principais empresas de telecomunicação do Brasil com base em eficiências geradas pela
transação e na promoção do bem-estar do consumidor, conforme defendido pela Escola de Chicago.
Em outro caso, verificou-se que o Tribunal do Cade, embasado no modelo Estrutura-Conduta-
Desempenho e na busca pela efetiva concorrência em mercados, conforme estimulado pela Escola
de Harvard, reprovou uma operação que criaria um monopólio entre as duas principais empresas no
segmento de educação privada. Assim, verifica-se que o Cade utiliza ideias das referidas Escolas em
suas decisões.
Palavras-chave: direito concorrencial; atos de concentração; Conselho Administrativo de Defesa
Econômica; Escola de Chicago; Escola de Harvard.
STRUCTURED ABSTRACT
Objective: This paper aims to present the main characteristics of the Chicago School and the Harvard
School (Structuralist) regarding the economic doctrine followed by these approaches and the scope
of intervention proposed by each of them. This is followed by an analysis of the decisions of Cade’s
Tribunal, in which the premises of each approach were used as reasons for the votes of Cade’s
commissioners.
Method: Based on the deductive method and on a case law analysis, it is intended to collect
examples on how Cade’s Tribunal applies the ideas of the Chicago School and the Harvard School in
its decisions. Through a qualitative empirical analysis of these decisions, the paper contributes to
the understanding of the approaches adopted by the Chicago and Harvard Schools in the context of
competition law and highlights the practical application of these theories by Cade's Tribunal in the
context of Merger Review.
Conclusions: The study reveals that Cade's Tribunal legitimized the clearance of a transaction between
two of Brazil's leading telecom companies based on eciencies generated by the transaction and the
promotion of consumer welfare, as endorsed by the antitrust approach of the Chicago School. In
another case, it was found that Cade's Tribunal, based on the Structure-Conduct-Performance model
and on the pursuit of an eective competition in the markets, as stimulated by the Harvard School,
blocked a transaction that would create a monopoly between the two main companies in the private
education segment. Thus, it is evident that CADE incorporates concepts from these schools in its
decisions.
Keywords: competition law; merger review; Administrative Council for Economic Defense; Chicago
School; Harvard School.
Classificação JEL: K21.
Sumário: 1. Introdução; 2. As Principais Correntes do
Direito Antitruste: a Escola de Chicago e a Escola de
Harvard; 3. Considerações Finais; Referências.
153
1. INTRODUÇÃO
A Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011 (Lei de Defesa da Concorrência ou LDC) trouxe
inovações ao Direito Concorrencial brasileiro, sobretudo ao instituir o controle prévio de atos de
concentração econômica
4
. Nesse sentido, agentes econômicos que desejarem: (i) fundir duas ou
mais empresas previamente descorrelacionadas; (ii) adquirir o controle ou frações e/ou ativos de
uma ou mais empresas; (iii) incorporar uma ou mais empresas; ou (iv) celebrar contrato associativo,
consórcio ou joint venture, deverão submeter a operação à análise do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade) antes do fechamento da transação. Adicionalmente, a lei – e subsequentes
Portarias do Cade – preveem critérios para notificação de atos de concentração. A análise de atos de
concentração econômica é uma das incumbências do Conselho, sendo tarefa do ramo denominado
controle de estruturas
5
.
O Cade é uma autarquia de regime especial, sendo composto pela Superintendência-Geral
(SG/Cade), pelo Tribunal Administrativo de Defesa Econômica (Tribunal) e pelo Departamento de
Estudos Econômicos (DEE/Cade).
Na análise de atos de concentração, é incumbência da SG/Cade receber, instruir, sanear
o processo, bem como emitir um parecer acerca da transação, opinando pela: (i) aprovação sem
restrições; ou pela (ii) impugnação da operação ao Tribunal, que reanalisará o caso e emitirá uma
decisão final no âmbito administrativo.
O Tribunal do Cade, formado por seis Conselheiros e um Presidente, representa o órgão
máximo de deliberação do Conselho e funciona em estrutura de colegiado. Periodicamente, os(as)
Conselheiros(as) e o(a) Presidente se reúnem em sessões plenárias de julgamento, ocasiões em
que são pautados, dentre outros tipos de processos, os atos de concentração, ocasião que haverá a
decisão na última instância da autarquia. Para que um ato de concentração seja julgado pelo Tribunal,
deverá: (i) receber parecer da SG/Cade de impugnação ao Tribunal; (ii) ter sido objeto de recurso por
parte de terceiros interessados legalmente habilitados pela SG/Cade durante a instrução processual;
ou (iii) o Parecer da SG/Cade ter sido objeto de avocação por algum Conselheiro.
Na análise dos atos de concentração, o Tribunal pode decidir pela: (i) aprovação da operação
sem restrições; (ii) aprovação da operação com restrições; ou (iii) reprovação da operação. Todas as
decisões do Tribunal devem ser devidamente fundamentadas, expondo, de maneira clara, as razões
que motivaram o convencimento dos Conselheiros.
A Escola de Chicago e a Escola de Harvard (Estruturalismo ou Brandeisianismo) são duas
correntes do direito concorrencial que oferecem ferramentas para que os membros do Tribunal
fundamentem os seus votos, trazendo, sobretudo, subsídios embasados em doutrinas econômicas
4 No controle prévio de atos de concentração, que foi instituído pela Lei nº 12.529/2011, as Partes que desejarem se
envolver uma operação deverão, obrigatoriamente, submeter uma transação que atinja os critérios de notificação obrigatória
ao julgamento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica em um momento anterior ao fechamento (BRASIL, 2011).
Somente a decisão da autoridade concorrencial transitada em julgado autoriza que as Requerentes prossigam com o closing.
Anteriormente, sob vigência da Lei nº 8.884/1994, as Partes eram permitidas a consumar a operação antes do crivo da
autoridade concorrencial, que somente realizava uma análise ex post dos atos de concentração notificados.
5 O controle de estruturas busca manter um ambiente competitivo, que respeite a livre concorrência e a livre iniciativa.
Caso operações societárias prejudiquem a concorrência, é prerrogativa do órgão que realiza o controle de estruturas, in casu,
o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, analisar a transação, aprovando-a com ou sem restrições, ou, em casos mais
sensíveis, reprovando-a.
154
BITTAR, Gabriel Freitas Jabur; MARIANO, Álvaro Augusto Camilo. Análise teórica e empírica sobre
o uso das premissas da Escola de Chicago e da Escola de Harvard em decisões do Tribunal
do Conselho Administrativo de Defesa Econômica entre 2017 e 2018. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 151-171, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1058
distintas e contribuições sobre o grau de intervencionismo alvejado pela autoridade concorrencial.
Nesse sentido, o principal objetivo da presente pesquisa é compreender como o Tribunal do
Cade utilizou das premissas das Escolas de Chicago e Harvard para fundamentar algumas de suas
decisões exaradas entre 2017 e 2018. Para isso, no capítulo 2, serão expostas as principais correntes
do pensamento antitruste (i.e., a Escola de Chicago e a Escola de Harvard), buscando sintetizar como
cada uma aborda temas como doutrina econômica majoritária e grau de intervencionismo ideal para
a autoridade antitruste
6
.
Para esse fim, será feita revisão bibliográfica de autores originários de tais escolas, como
também de obras que comentam cada uma dessas vertentes (e.g., ATKINSON; AUDRETSCH, 2011;
BAGNOLI, 2020; BORK, 1978; GABAN; DOMINGUES, 2016; EASTERBROOK, 1984; MATTIUZZO; BECKER,
2020; SALOMÃO FILHO, 2021). Por fim, serão resumidos alguns dos Atos de Concentração julgados
pelo Tribunal Administrativo de Defesa Econômica entre 2017 e 2018, executando-se uma análise
silogística de modo a enquadrar a fundamentação e a razão de decidir do Plenário às premissas
defendidas pela Escola de Chicago e Harvard.
Como metodologia, será utilizado o método dedutivo, considerando as concepções de
cada corrente analisada como premissa maior; as fundamentações da decisão do Tribunal serão
consideradas como premissa menor; e, como conclusão, fundamentar-se-á o enquadramento da
decisão do Tribunal às teses defendidas pelas escolas analisadas. A seleção dos atos de concentração
analisados se baseia em pesquisa jurisprudencial. Posteriormente, na conclusão do trabalho, será
feita uma síntese do exercício silogístico realizado, analisando, empírica e qualitativamente, como o
Tribunal utilizou das ideias das escolas analisadas para fundamentar algumas de suas decisões no
período sob análise.
A pesquisa se faz relevante por quatro motivos: primeiro, o Cade completou sessenta
anos de existência em 2022. Em segundo lugar, no mesmo ano, a Lei nº 12.529/2011, que promoveu
substanciais alterações na estrutura do Cade e no direito concorrencial brasileiro, completou uma
década de vigência. Terceiro, por meio dessa pesquisa, busca-se promover e disseminar o estudo
do direito concorrencial, conforme defendido e incentivado pela advocacia da concorrência
7
-
8
,
buscando, sobretudo, a difusão do conhecimento sobre as abordagens do pensamento antitruste e
sobre a jurisprudência do Cade. Por fim, em quarto lugar, a pesquisa é relevante para compreender
como as principais doutrinas do direito concorrencial são aplicadas em casos concretos de atos de
concentração julgados pela autoridade antitruste brasileira.
6 Para fins de completude, também serão mencionadas as ideias Pós-Chicago e o Neoestruturalistas, aprimoramentos
teóricos e posteriores às Escolas de Chicago e Harvard, respectivamente. No entanto, tais correntes não serão
pormenorizadamente analisadas.
7 Conforme a Cartilha de Advocacia da Concorrência – SEAE/SEPEC/ME (BRASIL, 2020) e o art. 19 da Lei nº 12.529/2011
(BRASIL, 2011), a advocacia da concorrência envolve a análise e proposição de políticas públicas com o objetivo de se identificar
a existência ou a criação de barreiras e entraves desnecessários à concorrência pelo Estado. A Secretaria de Acompanhamento
Econômico (SEAE) e o Cade detêm a competência governamental para as ações de advocacia da concorrência, buscando
incrementar a cultura da concorrência no setor público e privado.
8 Dada à importância do tema, o Cade, inclusive, exigiu, para inscrição de candidatos para o 42º Programa de Inter-
câmbio do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (PinCade), redação com o tema: “Considerando os posicionamentos
defendidos pelos autores da Escola de Harvard, da Escola de Chicago, bem como do Movimento Neobrandeisiano, discorra, na
sua opinião, sobre quais devem ser os atuais objetivos do Direito Antitruste no Brasil”. Vide Edital nº 623, de 27 de outubro de
2022 (Documento SEI nº 1140297), (BRASIL, 2022).
155
2. AS PRINCIPAIS CORRENTES DO DIREITO ANTITRUSTE: A ESCOLA DE CHICAGO
E A ESCOLA DE HARVARD
O direito concorrencial
9
é permeado por divergências metodológicas. Inúmeros pesquisadores,
práticos e adeptos do assunto discutem quais seriam os objetivos do Antitruste e quais os métodos
jurídico-econômicos
10
de análise deveriam ser utilizados em formulações teóricas em casos concretos.
Em virtude da mutabilidade de contextos históricos, econômicos e sociais, é plausível
verificar alterações nas concepções do Direito, sobretudo no direito concorrencial. Forgioni (2020),
adicionalmente, leciona que, em uma relação simbiótica, não é somente o contexto que modifica o
ordenamento jurídico, mas este também pode modificar a realidade que o circunscreve. Em outras
palavras e mais especificamente: o Direito Antitruste possuirá objetivos e funções distintas a depender
do momento, do país e do ordenamento jurídico em que a legislação concorrencial for analisada
(FORGIONI, 2020). Ao mesmo passo, o direito concorrencial modifica a realidade socioeconômica do
local em que ele se insere.
No contexto acadêmico, surgem correntes que pregam maior intervenção das autoridades
concorrenciais na condução da política antitruste. Nesse rol, há a corrente Estruturalista, também
denominada de Brandeisiana
11
, que, surgida em Harvard, tem entre suas principais características
a defesa do controle das estruturas de mercado de modo a assegurar a existência efetiva de
concorrência (SALOMÃO FILHO, 2021).
Por outro lado, outras vertentes são menos adeptas ao intervencionismo. A Escola de Chicago,
por exemplo, advoga por uma redução drástica do enforcement antitruste, uma vez que a intervenção
governamental causaria mais malefícios do que benefícios ao causar, por exemplo, desequilíbrios na
alocação de eficiências pelo mercado (ATKINSON; AUDRETSCH, 2011).
Por outro lado, Atkinson e Audretsch (2011) e Mattiuzzo e Becker (2020) entendem que os
debates teóricos acerca do direito concorrencial não se resumem ao antagonismo entre as correntes
de Harvard e Chicago. Existem, por exemplo, vertentes que racionalizam o antitruste de maneiras
distintas às escolas mencionadas. A título de exemplificação, podem ser citadas a Economia
Comportamental e a Escola Neoschumpeteriana (MATTIUZZO; BECKER, 2020). Gaban e Domingues
(2016) ainda citam a Escola de Freiburg, também denominada de corrente Ordoliberal
12
. Todas, em
certa medida, também dedicam trabalhos ao estudo da concorrência.
A seguir, serão expostas as principais concepções da Escola de Chicago e da Escola de
9 Ora também denominado de Direito Antitruste ou, simplesmente, Antitruste.
10 Mattiuzzo e Becker (2020) denominam os métodos jurídico-econômicos com o termo “ferramentais.
11 Alusão a Louis Dembitz Brandeis, advogado e professor norte-americano que, ao final do século XIX e início do século
XX, se posicionou de forma veemente contra o monopólio de mercado exercido por grandes corporações.
12 Em linhas gerais, a Economia Comportamental sustenta que existem limites à racionalidade, ao livre arbítrio e ao
autointeresse dos indivíduos, que frequentemente tomam decisões dotados de heurísticas e vieses. Os Neoschumpeterianos,
por vez, acreditam que a análise do direito concorrencial não considera a eficiência dinâmica dos mercados, que estão
constantemente em evolução tecnológica e promovendo inovações (MATTIUZZO; BECKER, 2020). Gaban e Domingues (2016)
ainda citam a Escola de Freiburg, também denominada Ordoliberal, que, ao divergir da Economia Neoclássica, entende que a
definição de bem-estar do consumidor é meramente teórica, assim como não há viabilidade de atribuir objetivos econômicos
predeterminados ao antitruste, que meramente deveria ser tutelado por um Estado forte que estabeleceria regras gerais para
o funcionamento dos mercados e coibiria, com o seu próprio poder impositivo, o poder de mercado de agentes econômicos. No
entanto, embora tais vertentes sejam úteis para compreender o sentido das normas concorrenciais, elas não serão analisadas
neste trabalho.
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BITTAR, Gabriel Freitas Jabur; MARIANO, Álvaro Augusto Camilo. Análise teórica e empírica sobre
o uso das premissas da Escola de Chicago e da Escola de Harvard em decisões do Tribunal
do Conselho Administrativo de Defesa Econômica entre 2017 e 2018. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 151-171, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1058
Harvard no que tange ao Direito Concorrencial. Com base em suas origens históricas, em alguns de
seus autores e em suas principais ideias, objetiva-se sintetizar a concepção do antitruste sob o viés
de vertentes antagonistas, buscando, conforme Salomão Filho (2021) leciona, expor e compreender
a discussão acerca do sentido das normas concorrenciais atribuído por cada uma dessas correntes.
Em cada corrente, serão analisadas, conforme proposição de Mattiuzzo e Becker (2020): (i) a
doutrina econômica majoritária que embasa o respectivo pensamento concorrencial; e (ii) o nível/
grau de intervenção proposto pelas referidas correntes no contexto de atuação das autoridades
concorrenciais
13
. Isso porque o direito concorrencial, em sua essência, envolve a aplicação de teses
jurídicas aos problemas econômicos e, consequentemente, as doutrinas econômicas subsidiarão a
abordagem antitruste. Além disso, o nível de intervenção proposto por cada doutrina é um reflexo
das crenças dos economistas e políticos sobre o que melhor funcionaria para o contexto econômico
em que eles estão inseridos (ATKINSON; AUDRETSCH, 2011).
2.1 A Escola de Chicago e o pensamento Pós-Chicago
The University of Chicago
14
foi fundada em 1890 a partir de doações substanciais de
associações e filantropos, incluindo John D. Rockefeller, que contribuiu com, aproximadamente, USD
600,000.00 para a fundação, construção e desenvolvimento da Universidade.
Durante o Século XX, a Universidade de Chicago desenvolveu trabalhos substanciais na
Ciência Política, sobretudo, na Ciência Econômica, sendo notável por advogar por um Estado menos
interventor, por um livre mercado e pela supremacia da liberdade individual. Os primeiros autores a se
destacarem pela Escola de Chicago foram Aaron Director e Ronald Coase (FORGIONI, 2020). Menciona-
se, também, a obra de Richard Posner, reconhecido por seus estudos na Análise Econômica do Direito.
Diversas láureas acadêmicas foram concedidas aos teóricos da Escola de Chicago, incluindo o Prêmio
Nobel de Economia dado a Milton Friedman, economista que desenvolveu teorias sobre a estabilidade
monetária
15
e críticas ao intervencionismo governamental.
Vários autores proeminentes da Escola de Chicago seguiram carreira fora da Universidade,
integrando cargos governamentais ou corporativos. Por essa razão, Brue e Grant (2016) menciona que
as ideias por lá cultivadas não ficaram restritas ao ambiente academicista, sendo notadas aplicações
práticas no ambiente público e privado.
O pensamento liberal de Chicago também se difundiu em escopo global. No Chile, por
exemplo, existiu um grupo denominado Chicago Boys, que era composto por diversos economistas
chilenos que exerceram cargos na ditadura de Augusto Pinochet (1974 – 1990), criando políticas
econômicas com base nas doutrinas da Escola de Chicago. Na Inglaterra, as teses de Chicago foram
13 Na análise do nível de intervenção proposto por cada Escola, serão verificados os posicionamentos de cada uma
sobre os objetivos pretendidos pela política antitruste (MATTIUZZO; BECKER, 2020).
14 Nome institucional da Universidade de Chicago. Para os fins deste trabalho, The University of Chicago será
denominada, doravante, Universidade de Chicago. O Termo “Escola de Chicago” alude ao conjunto de autores que possuem
ideais comuns sobre diversos aspectos e áreas das Ciências Humanas, como Direito, Economia, Sociologia, Ciência Política,
entre outras.
15 Friedman, por exemplo, criticava a expansão da política monetária notada por uma elevação na quantidade de
moeda em circulação. Para o autor, o aumento da oferta monetária conduziria, inexoravelmente, à inflação, vide sua obra A
Monetary History of the United States, 1867-1960.
157
levadas à política econômica por Margaret Thatcher (1979 – 1990). Nos Estados Unidos, berço da
Escola de Chicago, o ápice da utilização das referidas teses ocorreu durante o Governo Ronald Reagan
(1981 – 1989).
Com relação ao direito concorrencial, tem-se que as primeiras formulações sobre Antitruste
pela Escola de Chicago se iniciaram na década de 1970. As alterações das condições econômicas
nesse contexto e a consequente ampliação do comércio internacional foram os pontos fulcrais para o
desenvolvimento do raciocínio sobre as funções e os objetivos do direito concorrencial pelos autores
de Chicago
16
. Evidentemente, houve confluência entre o pensamento econômico, político e social
desenvolvido em Chicago para a formulação e aplicação da legislação antitruste.
Como mencionado acima, Atkinson e Audretsch (2011) pontuam que o pensamento econômico
exerceu influência em como a teorização do direito concorrencial foi construída. Segundo esses
autores, essa influência ocorre porque, no centro do antitruste, há a aplicação de teorias jurídico-
legais para a análise de problemas econômicos. No contexto da Escola de Chicago, prosseguem os
autores, é evidenciada uma forte influência da Economia Neoclássica, tanto conservadora
17
quanto
liberal
18
.
Nos anos 1980 e 1990, surgiram pensadores que se denominavam “Pós-Chicago”. Conforme
explicado por Atkinson e Audretsch (2011), os autores de Chicago e Pós-Chicago têm muito em comum,
uma vez que ambos defendem que os mercados são eficientes meios para alocação de recursos.
No entanto, ao contrário dos antecessores, os sucessores acreditam que o poder de mercado pode
ser um indício de práticas anticompetitivas das empresas, sendo que elevadas barreiras à entrada
promovidas por companhias monopolistas poderiam minar a habilidade de os mercados corrigirem
a competição eficientemente. Por essa razão, os autores Pós-Chicago defendem que o Estado pode
adotar medidas para distinguir comportamentos pró-competitivos e anticompetitivos, auxiliando e
fomentando a realocação eficiente do mercado, sobretudo em aspectos concorrenciais.
Em suma, os autores Pós-Chicago defendem que (i) a abordagem dos predecessores
negligenciava as falhas de mercado, (ii) que os antecessores não analisaram os efeitos dos
comportamentos anticompetitivos por parte dos agentes de mercado e (iii) que o Governo deveria
adotar um papel ativo na correção de falhas de mercado por meio do enforcement antitruste e de
medidas regulatórias.
Nos termos da análise proposta por Mattiuzzo e Becker (2020), passa-se à listagem e ao
estudo das principais abordagens da Escola de Chicago (e Pós-Chicago) sobre o direito concorrencial,
sobretudo quanto a: (i) a sua doutrina econômica majoritária; e (ii) o grau de intervenção proposto
pela corrente às autoridades concorrenciais.
16 Nesse cenário, verifica-se um maior dinamismo econômico (i.e., cadeias de produção mais complexas, compostas
por diversas etapas), que até então não era observado nos países capitalistas.
17 Evidenciada, sobretudo, nas obras dos autores pioneiros da Escola de Chicago. Eles acreditam na infalibilidade do
mercado e repudiam a intervenção governamental (ATKINSON; AUDRETSCH, 2011).
18 Evidenciada, sobretudo, nas obras de autores posteriores da Escola de Chicago, enquadrados, academicamente,
como autores Pós-Chicago. Eles reconhecem a existência de falhas de mercado e acreditam que, para corrigi-las, é necessária
a utilização da intervenção governamental (ATKINSON; AUDRETSCH, 2011).
158
BITTAR, Gabriel Freitas Jabur; MARIANO, Álvaro Augusto Camilo. Análise teórica e empírica sobre
o uso das premissas da Escola de Chicago e da Escola de Harvard em decisões do Tribunal
do Conselho Administrativo de Defesa Econômica entre 2017 e 2018. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 151-171, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1058
2.1.1. Doutrina Econômica Majoritária
A Escola de Chicago, em regra, é adepta à Economia Neoclássica, teoria econômica originada
no final do século XIX e desenvolvida majoritariamente no século XX. Alguns autores, como Brue e
Grant (2016), afirmam que a Escola de Chicago é uma variante da Economia Neoclássica, podendo ser
a criadora da vertente do “Novo Classicismo”.
Retomando à Economia Clássica, sobretudo autores como Adam Smith e David Ricardo, a
Economia Neoclássica desenterra os princípios de livre mercado, racionalidade individual e utilidade
marginal. Nesse sentido, autores Neoclássicos, tendo consciência de que os indivíduos são racionais
e que os recursos são escassos, acreditam que a tomada de decisão individual deve buscar a
maximização da utilidade, ou seja, a obtenção do maior benefício possível a partir dos recursos
escassos.
Os autores Neoclássicos ainda acreditam que os mercados são eficientes meios para a
alocação de recursos na economia e que eles se equilibram de maneira automática. A intervenção
governamental, nesse sentido, desequilibraria os mercados, minando a alocação eficiente de recursos
e, consequentemente, causando prejuízos econômicos aos ofertantes e aos demandantes.
O valor de determinado bem, para os Neoclássicos, seria determinado pela interação entre
as forças de oferta e procura em cada mercado relevante (NUSDEO, 2016). Consequentemente,
bens ou serviços com oferta estável e demanda elevada seriam considerados de maior valor para
determinada sociedade e, logicamente, seriam maiores precificados. Em outras palavras, o preço
pago a algo depende da oferta e da demanda por este. A demanda é dependente da produtividade
marginal do fator de produção e, em uma situação de equilíbrio, cada fator recebe o valor de sua
contribuição marginal para a produção de bens e serviços (MANKIW, 2019).
Atkinson e Audretsch (2011) citam que os autores de Chicago se utilizaram de duas doutrinas
econômicas: (i) a Economia Neoclássica Conservadora pelos adeptos à Escola de Chicago; e (ii) a
Economia Neoclássica Liberal pelos autores Pós-Chicago. Ambas possuem, como ponto comum, a
busca pela maximização das eficiências alocativas do mercado, de modo a elevar os benefícios à
sociedade com o uso racional dos recursos escassos disponíveis.
Contudo, ao passo que a Economia Neoclássica Conservadora vê o mercado como infalível
e repudia veementemente a intervenção governamental, os Economistas Neoclássicos Liberais
reconhecem que falhas de mercado existem e, para corrigi-las, faz-se necessária intervenção
governamental, mesmo que elas, às vezes, afetem o crescimento econômico (ATKINSON; AUDRETSCH,
2011).
2.1.2. Grau de intervenção proposto pela corrente na atuação das autoridades
concorrenciais
Em linhas gerais, a Escola de Chicago defende uma menor intervenção das autoridades
concorrenciais no mercado. Nesse sentido, Atkinson e Audretsch (2011) e Easterbrook (1984)
taxativamente afirmam que a Escola de Chicago clama por uma redução dramática no enforcement
antitruste. Isso porque, conforme o ferramental econômico fornecido pela Economia Neoclássica, a
159
intervenção do Estado nos mercados afetaria o seu equilíbrio natural, considerando a existência de
players que competem no mercado.
Além do mais, Mattiuzzo e Becker (2020) pontuam que autores da Escola de Chicago
tolerariam e justificariam altas concentrações econômicas
19
e restrições verticais
20
, pois poderiam
gerar eficiências e, consequentemente, fomentar o desenvolvimento econômico. Isso ocorre porque,
segundo Robert H. Bork (1978), o bem-estar econômico deveria ser buscado acima de qualquer
intervenção na estrutura do mercado, seja em suas concentrações, ou em operações verticalizadas.
Em complemento, Bork (1978) pontua que o objetivo geral da Escola de Chicago seria melhorar a
eficiência alocativa dos mercados sem prejudicar a eficiência produtiva, de forma a não gerar perdas
líquidas ao bem-estar do consumidor. Em outras palavras, Atkinson e Audretsch (2011), remetendo à
obra de Bork (1978), aludem que, para a Escola de Chicago, o principal objetivo do direito concorrencial
seria a busca por uma eficiência alocativa que incremente o bem-estar do consumidor.
Caso o exercício indevido de poder de mercado em virtude de altas concentrações econômicas
e restrições verticais ensejar maiores preços e provocar prejuízos ao bem-estar do consumidor, os
mercados tenderão a se realocar automaticamente, corrigindo tais falhas (ATKINSON; AUDRETSCH,
2011). No entanto, em uma situação extrema de as estruturas do mercado não conseguirem
corrigir suas falhas, os autores de Chicago acreditam que as autoridades concorrenciais deveriam
atuar, mediante provocação, de forma pontual e residual, nas estruturas dos mercados, buscando
fomentar a realocação eficiente dos fatores de produção. Nessas hipóteses, o ferramental econômico
Neoclássico deveria ser utilizado de forma conservadora (MATTIUZZO; BECKER, 2020).
Analogamente à Escola de Chicago, os autores Pós-Chicago também acreditam que a tutela
da premissa “bem-estar do consumidor” é o objetivo central do antitruste (MATTIUZZO; BECKER, 2020).
No entanto, além da diferença de ferramental econômico proposto
21
, autores Pós-Chicago acreditam
que as falhas de mercado (e.g., poder de mercado) são decorrentes de condutas anticompetitivas
(ATKINSON; AUDRETSCH, 2011). Por essa razão, diante da incapacidade de os mercados corrigirem
suas falhas, decorrentes sobretudo de condutas anticompetitivas dos players que nele atuam, os
autores Pós-Chicago acreditam que a autoridade concorrencial deve atuar para distinguir as condutas
competitivas das anticompetitivas, punindo as últimas caso provoquem distorções na alocação dos
mercados.
19 Altas concentrações de mercado são evidenciadas em situações que poucas empresas ou grupos empresariais
possuem parcela significante de um mercado relevante. Nessas hipóteses, as empresas dominantes podem possuir maior
poder de mercado e influenciar preços e outras variáveis competitivas.
20 Restrições verticais ocorrem em práticas que afetam diferentes etapas da cadeia de produção, ou seja, quando a(s)
parte(s) atuam em mais de um elo de uma cadeia. Por exemplo, uma empresa que produz celulares pode atuar a montante
(upstream) na cadeia de produção ao desenvolver e produzir os processadores gráficos, insumos utilizados na fabricação
dos telefones, assim como pode atuar a jusante (downstream), comercializando e distribuindo o produto. Embora restrições
verticais possam produzir eficiências ao consumidor, podem ser consideradas anticompetitivas caso limitem a entrada de
novos players no mercado.
21 i.e., Economia Neoclássica Conservadora para os autores da Escola de Chicago e Economia Neoclássica Liberal para
os autores Pós-Chicago.
160
BITTAR, Gabriel Freitas Jabur; MARIANO, Álvaro Augusto Camilo. Análise teórica e empírica sobre
o uso das premissas da Escola de Chicago e da Escola de Harvard em decisões do Tribunal
do Conselho Administrativo de Defesa Econômica entre 2017 e 2018. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 151-171, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1058
2.1.3. Ato de Concentração nº 08700.002276/2018-84: o uso das premissas da Escola de
Chicago pelo Tribunal do Cade
A prática decisória do Cade considera, por vezes, critérios de bem-estar do consumidor e
promoção de eficiências no mercado para aprovar determinados atos de concentração
22
.
Um caso decidido pelo Tribunal do Cade utilizou, como razão de decidir, a geração de
eficiências no mercado e consequente criação de benefícios ao consumidor. Trata-se do Ato de
Concentração nº 08700.002276/2018-84, julgado no dia 7 de novembro de 2018.
As requerentes Tim Celular S.A (Tim) e Oi Móvel S.A. (Oi) pretendiam, por meio da prorrogação
de um contrato associativo, realizar o compartilhamento ativo e passivo de rede, permitindo que as
requerentes utilizassem das mesmas torres, equipamentos e ativos para prestar serviços de telefonia
e banda larga com a utilização da tecnologia 4G (RAN Sharing). A primeira versão do contrato e os
seus dois aditivos subsequentes foram notificados ao Cade em 2013. Em todas as oportunidades de
análise, a SG/Cade não vislumbrou preocupações concorrenciais.
O terceiro aditivo, representado pelo ato de concentração em análise, chegou ao Tribunal
após a homologação de proposta de avocação exarada pelo Conselheiro Paulo Burnier da Silveira
sobre parecer da Superintendência-Geral pelo não-conhecimento da operação. O caso, então, foi
sorteado à relatoria do Conselheiro João Paulo de Resende.
O voto vencedor do julgamento foi do próprio Conselheiro-Relator, que votou pela aprovação
da operação sem restrições. Em aspectos introdutórios ao voto, o relator entendeu que, além de o
caso ser de notificação obrigatória, o terceiro aditivo contratual implicaria em maior coordenação
entre Tim e Oi, sobretudo em virtude de os aspectos tecnológicos da operação terem sido alterados da
configuração MORAN para a MOCN
23
, o que enseja o compartilhamento do espectro de radiofrequência
entre as requerentes, indubitavelmente concorrentes no mercado de telefonia móvel.
Quanto ao mérito da operação, em que pese a existência de riscos concorrenciais, sobretudo
gerados pela preocupação quanto à entrada de novos concorrentes e à irreversibilidade da operação,
o Conselheiro-Relator entendeu que o contrato associativo traria inequívocos ganhos de eficiência.
Como exemplo, o Conselheiro João Paulo de Resende pontua que a operação poderia: (i) gerar maior
rapidez na expansão da rede 4G LTE; (ii) reduzir custos de implantação de novos sites e da manutenção
de sites já compartilhados; (iii) reduzir riscos associados aos negócios das requerentes; (iv) minimizar
o impacto do sistema de redes de telecomunicação nos espaços urbanos; e (v) aproveitar melhor o
recurso escasso dos espectros de radiofrequência. A própria Agência Nacional de Telecomunicações
(ANATEL), a partir de resposta a ofício expedido pelo Cade durante a instrução da operação, confirmou
os ganhos de eficiência do compartilhamento de redes.
O Relator ainda pontua que ganhos oriundos das eficiências seriam repassados ao consumidor
final. Por exemplo, desde o início da implementação do compartilhamento de redes, o custo do
22 Vide, por exemplo, declaração do Presidente Alexandre Cordeiro Macedo em entrevista concedida ao Brazil Journal,
referenciada abaixo.
23 Conforme trazido pelo Voto-Relator (Documento SEI nº 0545849) (BRASIL, 2018), tratam-se de modalidades de
compartilhamento ativo. A configuração MORAN leva o compartilhamento de: (i) Estação base; (ii) Element management system
– SEM; (iii) Link estação base e rede - core network; e (iv) módulo digital. A configuração MOCN engloba todos os recursos da
configuração MORAN, contudo, adiciona o compartilhamento do espectro de radiofrequência.
161
minuto de tráfego para os clientes das requerentes, captado pelo indicador Receita por Minuto de Voz
(RPM), diminuiu. Dessa forma, o valor pago pelo usuário se reduziu, proporcionando benefícios ao
consumidor (i.e., menores custos). Nesses termos, o Tribunal, por unanimidade, aprovou a operação
sem restrições.
Dessa forma, na presente operação, vislumbra-se que o Cade fundamentou a aprovação do
ato de concentração pautando-se em premissas da Escola de Chicago, sendo elas: (i) geração de
eficiências econômicas; e (ii) promoção do bem-estar do consumidor.
2.1.4. Conclusão sobre a Escola de Chicago
Ante o exposto, Bertran (2021) sintetiza as características da Escola de Chicago, mencionando
que: (i) sua premissa fundante aplica critérios microeconômicos ao Direito; (ii) a vertente pressupõe
que indivíduos, baseados na racionalidade, buscam maximizar o seu bem-estar; e (iii) normas e
decisões judiciais são aptas – ou deveriam ser - a proporcionarem a maximização de bem-estar por
meio de alocações eficientes.
O quadro abaixo sintetiza a Escola de Chicago (e Pós-Chicago) quanto aos seus pressupostos
econômicos e concorrenciais:
Quadro 1 – Quadro-Síntese das Características da Escola de Chicago
Fonte: elaboração própria.
Escola de Chicago
Doutrina Econômica Majoritária Economia Neoclássica Conservadora
Objetivos do Direito Antitruste Tutela do bem-estar do consumidor
Menor intervenção da autoridade
concorrencial nos mercados
Falhas de mercado tendem a ser
corrigidas pelo próprio mercado
Antitruste deve ser política reativa e
residual para atuar nas estruturas do
mercado caso as falhas de mercado
não sejam autocorrigidas
Pós-Chicago
Economia Neoclássica Liberal
Objetivos do Direito Antitruste Tutela do bem-estar do consumidor
Maior intervenção da autoridade
concorrencial nos mercados,
sobretudo para punir condutas
anticompetitivas
Falhas de mercado são decorrentes
de condutas anticompetitivas,
que devem ser perseguidas pela
autoridade concorrencial
162
BITTAR, Gabriel Freitas Jabur; MARIANO, Álvaro Augusto Camilo. Análise teórica e empírica sobre
o uso das premissas da Escola de Chicago e da Escola de Harvard em decisões do Tribunal
do Conselho Administrativo de Defesa Econômica entre 2017 e 2018. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 151-171, 2024.
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2.2. A Escola de Harvard (Estruturalista – Brandeisiana)
A abordagem da Escola de Harvard sobre o direito concorrencial surge no final do século XIX e
início do século XX em decorrência do contexto econômico evidenciado na sociedade estadunidense
e no Capitalismo, de modo geral. À época, ocorria a Segunda Revolução Industrial, marcada pelo
desenvolvimento das indústrias químicas, elétricas, de petróleo e de aço. Nesse contexto, verificava-
se o crescimento desenfreado de grandes corporações e, consequentemente, o poder econômico se
tornava concentrado em poucos – e grandes – players, todos monopolistas.
Diante dos rumos tomados pela economia, sobretudo estadunidense, Louis Brandeis se
posicionou veementemente contra a estrutura monopolística dos mercados. Dentre os ideais
defendidos por Brandeis, destacavam-se o fortalecimento do Sherman Act
24
, substancial respectivo
combate aos trustes (SÁ; VILANOVA, 2022) e o posicionamento ferrenho contra as estruturas
monopolistas de mercado (i.e., contra as grandes corporações).
Inspirados nas teses de Brandeis, autores como Phillip Areeda, Donald F. Turner e Carl Kaysen,
da Harvard University, pressupunham que agentes detentores de poder econômico poderiam utilizá-
lo para a implementação de condutas anticompetitivas. O poder de mercado, per se, seria considerado
ilegal para esses autores (ATKINSON; AUDRETSCH, 2011). Para evitar disfunções, os teóricos de Harvard
defendiam que as autoridades concorrenciais deveriam atuar ativamente nos mercados, sobretudo
certificando que excessivas concentrações não fossem evidenciadas (FORGIONI, 2020). Forgioni (2020)
ainda comenta que as condutas anticompetitivas dos agentes econômicos eram causadas justamente
pela estrutura disfuncional dos mercados. Por fim, Salomão Filho (2021) pontua que, para os autores
Estruturalistas, é a estrutura do setor econômico que determina, em última medida, a performance
da indústria respectiva.
O foco dos autores de Harvard era, portanto, a atuação das autoridades concorrenciais
nas estruturas de mercado (SÁ; VILANOVA, 2022), de modo a buscar uma concorrência atomística
25
(FORGIONI, 2020). Daí a denominação “Escola Estruturalista”.
Gaban e Domingues (2016) afirmam que a Escola de Harvard buscava um modelo de workable
competition, termo introduzido por John Maurice Clark que recomendava a garantia e eventual
aumento da quantidade de agentes econômicos atuando no mercado, que deveria ser, em última
medida, pulverizado para evitar suas disfunções. Os autores ainda mencionam que a base normativa
dos Estruturalistas é o Modelo Estrutura-Conduta-Desempenho (E-C-D), que prega que estruturas
de mercado que elevem as barreiras à entrada e reduzem a quantidade de vendedores facilitam as
condutas de coordenação entre agentes econômicos, agravando a possibilidade de que a precificação
no âmbito de um mercado seja superior ao custo médio marginal a longo prazo, reduzindo, portanto,
o desempenho dos mercados.
24 Diante do surgimento de organizações monopolistas nos Estados Unidos, sobretudo durante o Século XIX, foi
promulgado, em 1890, o Sherman Act, de autoria do Senador John Sherman. Trata-se da primeira lei antitruste estadunidense,
que buscou, sobretudo, disciplinar a concentração de poder econômico entre os agentes de mercado (GABAN; DOMINGUES,
2016).
25 A concorrência atomística é um modelo em que a quantidade de agentes econômicos é alta, fato que torna a estrutura
do mercado mais pulverizada, além de as participações de mercado dos players serem baixas, já que todos participam do
mercado. A competição, portanto, ocorreria em decorrência da manutenção ou do incremento de um elevado número de
agentes econômicos na economia, que, com baixo market share, concorrerão pela preferência do consumidor.
163
Contudo, nos meados da década de 1970, a Escola Estruturalista sofre abalos, já que muitos
de seus representantes aderem aos ideais da Escola de Chicago (SALOMÃO FILHO, 2021), sobretudo
aqueles relativos à primazia do bem-estar do consumidor. Como reação, e buscando a retomada
aos pressupostos teóricos da Escola de Harvard, surge a corrente Neoestruturalista, pejorativamente
denominada Hipster Antitrust
26
.
Em linhas gerais, autores Neoestruturalistas criticam a tese de que o bem-estar do
consumidor deveria ser o foco da atuação antitruste, conforme defendido pelos autores de Chicago.
Adicionalmente, as finalidades do antitruste são expandidas por esses autores (SÁ; VILANOVA, 2022),
que além de defenderem a pulverização das participações de mercado e a garantia de um ambiente
concorrencial justo, entendiam que o Direito Concorrencial deveria proteger o emprego, as pequenas
e médias empresas, o meio-ambiente, etc.
27
-
28
. Lina Khan e Tim Wu se destacam como os principais
autores do Neoestruturalismo.
Feita a contextualização das escolas Estruturalista e Neoestruturalista, abaixo estará uma
enumeração com as principais abordagens da Escola de Harvard sobre o Direito Concorrencial,
sobretudo quanto a: (i) a sua doutrina econômica majoritária; e (ii) o grau de intervenção proposto
pela corrente às autoridades concorrenciais.
2.2.1. Doutrina Econômica Majoritária
Atkinson e Audretsch (2011) analisam a Escola de Harvard denominando-a de Populist
Antitrust Doctrine. Para eles, o ferramental econômico que embasa tal corrente é representado pela
Economia Neokeynesiana
29
. A Economia Keynesiana teve o seu ápice após a 2ª Guerra Mundial e
representou a doutrina econômica dominante nos Estados Unidos até meados de 1970. Contudo, após
o desenvolvimento dos ideais da Escola de Chicago, embasados pelos fundamentos da Economia
Neoclássica, verificou-se o surgimento de novas correntes análogas ao Keynesianismo, que buscaram
se adequar ao desenvolvimento temporal do pensamento econômico.
Diante dos desenvolvimentos econômicos mais recentes, notados, sobretudo pela
globalização da economia, pelo dinamismo das transações e pelo aprimoramento constante da
tecnologia, surgem autores Neokeynesianos. Eles buscaram explicar os fenômenos econômicos
contemporâneos mediante adequações do pensamento de Keynes à realidade que os circunscrevia.
Em linhas gerais, os autores neokeynesianos argumentam que a demanda por bens e serviços
acarreta crescimento econômico. Tal demanda agregada pode ser evidenciada pelos investimentos e
26 Para fins do presente artigo, a corrente Neoestruturalista/Neobrandeisiana/Hipster Antitrust não será analisada
pormenorizadamente, mas meramente citada.
27 Vide §18 da resposta do Cade, assinada pelo Presidente Alexandre Cordeiro Macedo, ao Ofício Nº 2398/2022/AFEPAR/
MJ, expedido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, encaminhando à autarquia o Requerimento de Informação
Parlamentar (RIC) nº 688/2022, de autoria da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle. (Documento SEI nº 1159045).
Acesso em: 18 jul. 2023.
28 O Cade, inclusive, já demonstra preocupações quando aos mercados de trabalho (Vide Processo Administrativo n°
08700.004548/2019-61, que investiga supostas condutas anticompetitivas no mercado de trabalho da indústria de healthcare) e
à Agenda ESG (Vide Ato de Concentração nº 08700.009905/2022-83, que aprovou a criação de uma joint venture entre empresas
atuantes no mercado de suprimentos alimentícios e agrícolas para o desenvolvimento de uma plataforma que padronize a
medição de níveis de sustentabilidade na cadeia de produção).
29 Alusão ao economista inglês John Maynard Keynes (1883 - 1946).
164
BITTAR, Gabriel Freitas Jabur; MARIANO, Álvaro Augusto Camilo. Análise teórica e empírica sobre
o uso das premissas da Escola de Chicago e da Escola de Harvard em decisões do Tribunal
do Conselho Administrativo de Defesa Econômica entre 2017 e 2018. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 151-171, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1058
pelos gastos governamentais e de consumidores
Mattiuzzo e Becker (2020) entendem que a doutrina concorrencial surgida em Harvard se
baseia, sobretudo, no ferramental econômico dos fundamentos da Economia Política. Nesse sentido,
muitas das prescrições políticas de autores neokeynesianos fomentam o aumento dos gastos
governamentais, buscando, sobretudo, a manutenção do pleno emprego, o qual elevaria a renda
dos cidadãos e, consequentemente, geraria maior demanda agregada (especialmente em relação ao
consumo).
Sobre o direito concorrencial, neokeynesianos certamente fomentariam dispêndios do Estado
para um maior enforcement antitruste. Com isso, seria buscada a garantia de altos níveis de competição
para a manutenção de preços baixos a curto-prazo (ATKINSON; AUDRETSCH, 2011). Com pros de bens
e serviços baixos no curto-prazo, a demanda agregada aumentaria e, consequentemente, o consumo
se elevaria. Assim sendo, o principal aspecto da doutrina econômica neokeynesiana, em questões
concorrenciais, é a busca pela elevada concorrência no mercado.
Além disso, outra política defendida pelos neokeynesianos é a distribuição justa e equitativa
de renda e riqueza (ATKINSON; AUDRETSCH, 2011). Estes autores acreditam que se as riquezas
produzidas estiverem na posse de poucos indivíduos ou corporões, o consumo seria menor do que
se o poder de compra fosse similar a todos. Por essa razão, quanto menor for a desigualdade de renda
e riqueza, maior seria o consumo e, consequentemente, maior seria o crescimento econômico, já que
haveria maior demanda agregada. Além do mais, para manter o ciclo de crescimento, os resultados
oriundos do desenvolvimento econômico deveriam ser equitativamente distribuídos.
Em suma, os neokeynesianos entendem que o modelo econômico ideal deve buscar a
ampliação da demanda agregada (e, consequentemente, o crescimento do consumo) a partir de
práticas como: (i) a manutenção do pleno emprego; (ii) a busca por elevados níveis de concorrência
no mercado consumidor; e (iii) a equitativa distribuição de renda e riqueza. Com tais premissas sendo
observadas, seria vislumbrado o crescimento da economia.
2.2.2. Grau de intervenção proposto pela corrente na atuação das
autoridades concorrenciais
A Escola de Harvard é reconhecida por sua predileção por um maior intervencionismo do
Estado (i.e., autoridade concorrencial) nos mercados (MATTIUZZO; BECKER, 2020). Os mesmos autores
ainda pontuam que os Estruturalistas focam no processo competitivo, pregando que uma intervenção
mais direta e fundamentada do órgão antitruste nas estruturas do mercado não só é viável, mas é
imprescindível.
Lina Khan (2016), uma das principais representantes da vertente Neoestruturalista, corrente
que retoma e atualiza os pressupostos da Escola de Harvard após surgimento dos ideais de Chicago,
ressalta que Estruturalistas são pessimistas em relação aos mercados concentrados, uma vez que tais
estruturas promovem diversas modalidades de condutas anticompetitivas.
Adicionalmente, a autora ressalta que a Escola de Harvard preferiria um mercado composto
por muitas pequenas e médias empresas ao invés de poucas grandes companhias, pois: (i) estruturas
monopolistas e oligopolistas permitem que as firmas dominantes coordenem os mercados com
165
facilidades e sutileza, promovendo condutas como fixação de preços, divisão de mercados e colusão
tácita; (ii) empresas monopolistas e oligopolistas poderiam abusar de sua posição dominante para
impedir a entrada de novas concorrentes no mercado; e (iii) empresas monopolistas e oligopolistas
possuem maior poder de barganha em face de consumidores, fornecedores e trabalhadores, fato
que permite elas a aumentarem os preços e piorarem os serviços, ao mesmo tempo que mantêm
o seu lucro. Por essa razão, as estruturas de mercado deveriam ser controladas pelas autoridades
concorrenciais (KHAN, 2016).
Adicionalmente, Atkinson e Audretsch (2011), comentando a visão de Carl Kaysen e de Donald
F. Turner, pontuam que os autores da Escola de Harvard entendiam que o poder de mercado, per
se, seria prejudicial à economia e, consequentemente, ilegal. Assim sendo, a estrutura de mercado
deveria ser o foco da análise das autoridades concorrenciais. Condutas anticompetitivas deveriam
ser investigadas residualmente, uma vez que as estruturas disfuncionais de mercado são a origem de
performance econômica adversa.
Salomão Filho (2021) resume o pensamento Estruturalista afirmando que ele se preocupa
menos com a eficiência, dando importância, então, à estrutura alocativa dos mercados. Além disso,
os mercados, se considerados individualmente, não teriam forças suficientes para desafiar o poder
econômico de uma empresa dominante. Por essa razão, intervenções estruturais seriam bem-vindas,
inclusive com a atuação repressiva da autoridade antitruste no controle de atos de concentração e
com a determinação da cisão de grandes firmas (ATKINSON; AUDRETSCH, 2011).
Dessa forma, nota-se que a Escola de Harvard prega uma maior intervenção estatal nos
mercados, buscando, sobretudo, uma forte atuação no controle de estruturas mercadológicas como
forma de repressão e de prevenção ao abuso de poder econômico pelos participantes de determinado
mercado. Caso contrário, possivelmente existiriam condutas anticompetitivas em tal mercado. Os
Estruturalistas buscam, então, a elevação dos níveis de concorrência nos mercados, pois, dessa
forma, condutas anticompetitivas ocorreriam com menos frequência e com menor impacto.
2.2.3. Ato de Concentração nº 08700.006185/2016-56: o uso das premissas da Escola
de Harvard pelo Tribunal do Cade
O Cade pode adotar premissas de análise mais restritivas para garantir a manutenção
da estrutura competitiva de determinados mercados relevantes. Tal prerrogativa da autoridade
concorrencial pode ser evidenciada no Ato de Concentração nº 08700.006185/2016-56, reprovado pelo
Tribunal do Cade em 28/06/2017 (BRASIL, 2017).
A operação buscava viabilizar a aquisição do controle, pela Kroton Educacional S.A., da Estácio
Participações S.A. As requerentes atuam no segmento de educação privada, estando sobrepostas nos
mercados de ensino superior - em distintas modalidades - e de cursos livres. A compradora desejava,
com a aquisição, aproveitar-se da complementariedade geográfica das atividades de ensino superior
presencial da Estácio, assim como inserir uma marca reconhecida em seu portfólio.
O caso chegou à análise do Tribunal Administrativo de Defesa Econômica a partir de
impugnação da Superintendência-Geral, que considerou que a operação geraria sobreposição
horizontal nos mercados de educação superior (graduação e pós-graduação presencial e EAD – à
166
BITTAR, Gabriel Freitas Jabur; MARIANO, Álvaro Augusto Camilo. Análise teórica e empírica sobre
o uso das premissas da Escola de Chicago e da Escola de Harvard em decisões do Tribunal
do Conselho Administrativo de Defesa Econômica entre 2017 e 2018. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 151-171, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1058
distância) e em cursos livres (cursos preparatórios para concursos, para OAB, Pronatec, entre outros).
A título de exemplo, 125 mercados de graduação presencial estariam sobrepostos em um cenário
segmentado por curso/município, 20 mercados de graduação EAD (à distância) teriam sobreposição
horizontal no cenário nacional e 785 mercados, no cenário municipal. A SG/Cade entendeu que a
operação poderia gerar uma concentração excessiva no mercado de educação superior à distância,
permitindo que a compradora detivesse uma participação de quase 50% no mercado de educação.
Em determinados mercados relevantes segmentados, inclusive, haveria o monopólio da entidade
originada pela operação pretendida.
O órgão condutor da instrução processual também entendeu que uma eventual
aprovação da operação promoveria uma estrutura de mercado passível de conferir, à Kroton, maior
poder de mercado para adotar estratégias com efeito exclusionário aos concorrentes. A aprovação
hipotética também facilitaria comportamentos colusivos no mercado em razão de ganhos nacionais
de escala. Eventuais eficiências trazidas com a operação não seriam suficientes para compensar os
problemas identificados pela SG/Cade.
Em 6 de fevereiro de 2017, o caso foi distribuído à relatoria da Conselheira Cristiane Alkmin
Junqueira Schmidt, que pautou o julgamento para a 107ª Sessão Ordinária de Julgamento, realizada
em 28 de junho de 2017. Na ocasião, embora a Relatora tenha entendido que há probabilidade de
exercício de poder de mercado, pelo ente que seria formado em uma eventual aprovação, sobretudo
em virtude das elevadas concentrações econômicas horizontais, votou pela aprovação da operação,
condicionada à imposição de remédios unilaterais pelo Cade, sendo eles: (i) contratação de trustee
de monitoramento das restrições impostas; (ii) Kroton não poder adquirir Instituições de Ensino
Superior com mais de 10.000 alunos pelos próximos 5 anos; (iii) Kroton não poder fazer publicidade
em televisão nacional por 1 ano; (iv) alienação dos ativos da Uniderp; (v) alienação de ativos em
8 municípios problemáticos
30
; (vi) Kroton não poder aumentar, por 1 ano, a oferta de cursos nos
mercados relevantes de EAD com concentração superior a 50%; (vii) alienação da marca Anhanguera;
(viii) metas comportamentais para repassar eficiências aos alunos e professores; (ix) metas de
responsabilidade social; (x) metas para garantir a manutenção ou melhoria dos índices de qualidade;
e (xi) o fechamento da operação só poderia ocorrer após os remédios estruturais
31
serem efetivados,
mediante alienação, em leilão que deveria ocorrer em um prazo não superior a 12 meses, para
Instituições de Ensino Superior credenciadas pelo Ministério da Educação (MEC).
No entanto, a opinião vencedora no julgamento do presente caso está no Voto-Vogal do
Conselheiro Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araújo, seguido pelo restante do Plenário
32
. O Voto-
Vencedor entendeu que a operação deveria ser reprovada. O Conselheiro também ressaltou o
movimento de crescimento por aquisições que as requerentes tiveram nos últimos anos, tendo a
Kroton notificado 19 operações ao Cade e ao passo que Estácio notificou 7 atos de concentração ao
Cade. Com a transação pretendida, seria formado um conglomerado de ensino a partir da junção dos
dois maiores players nacionais.
O Conselheiro Gilvandro ainda pontuou, taxativamente, que a operação não repassaria
30 Sendo eles: (i) Macapá/AP; (ii) Campo Grande/MS; (iii) Niterói/RJ; (iv) São José/SC; (v) Santo André/SP; (vi) São Luís/
MA; (vii) Belo Horizonte/MG; e (viii) Brasília/DF.
31 Itens (iv), (v) e (vi)
32 Aderiram, ao Voto do Conselheiro Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araújo, os Conselheiros João Paulo de Resende,
Alexandre Cordeiro Macedo, Paulo Burnier da Silveira e o Presidente Alexandre Barreto de Souza.
167
eficiências ao consumidor, uma vez que “se não houver no mercado agentes que ameacem
constantemente a posição de mercado detida por Kroton/Estácio no momento pós-fusão, a falta de
alternativas de mercado fará com que o aluno possa inclusive sofrer com preços mais altos e/ou
com qualidade de ensino não tão desejável. Ao invés de promover o bem-estar do consumidor, a
transação supostamente prejudicaria os alunos vinculados às instituições de ensino das requerentes.
A estrutura do mercado de educação também seria sensivelmente alterada pela transação.
A consolidação dos maiores grupos educacionais privados brasileiros alteraria a competitividade do
setor educacional particular do Brasil. O Conselheiro Gilvandro Araújo assim pontuou:
57. Há aqui uma operação bastante complicada sob o ponto de vista da defesa da
concorrência, pois o risco de que haja um cenário futuro de falta de competitividade
no setor educacional privado no Brasil é patente no caso concreto. (...) Agrego que
não há eficiências disponíveis em grau suficiente diante de tantos custos sociais a
serem arcados com o desenvolvimento da operação, o que já foi bem enfrentado
nesse processo. O que está para análise do Plenário não é apenas uma mitigação
de sobreposições nos mercados em que os Requerentes atuam: a imbrincada
interrelação entre ensino presencial e EAD traz ao Cade a necessidade de endereçar
detalhes concorrenciais que sem dúvida terão impacto na dinâmica de negócios do
ensino superior no Brasil (BRASIL, 2017, grifo nosso).
Em complemento, o Voto-Vencedor menciona que a Estácio, parte cujo controle potencialmente
seria adquirido na operação, é a única rival da Kroton. A eliminação da única concorrente com porte
para contestar a participação de mercado da parte compradora seria legitimar e chancelar monopólios
nos diversos mercados relevantes afetados pela operação.
O modelo Estrutura-Conduta-Desempenho, preconizado por autores da Escola de Harvard,
também pôde ser evidenciado no voto. O Conselheiro Gilvandro, ao opinar pela insuficiência
de remédios que legitimassem a aprovação da operação, pontuou que a solução proposta pelas
partes de compartilhar, por determinado período, os ativos relacionados à marca Anhanguera com
eventual concorrente comprador desses ativos, criaria uma estrutura de mercado disfuncional.
Ela, por vez, fomentaria condutas anticompetitivas, como a cartelização ou troca de informações
concorrencialmente sensíveis entre empresas. Como consequência seria reduzido o desempenho do
mercado, já que malefícios seriam repassados aos consumidores finais dos serviços das partes.
Diante de todas as preocupações estruturais, entendeu-se que a operação seria passível
de reprovação, uma vez que: (i) não traria eficiências; (ii) aumentaria substancialmente o poder de
mercado do ente formado pela junção das principais participantes do mercado; e (iii) criaria a uma
estrutura mercadológica monopolística e sem qualquer indício de competição. Em suma, questões
eminentemente estruturais ensejaram a intervenção do Cade na pretensa transação, sobretudo para
impedir a criação de um monopólio, para garantir a efetiva concorrência no mercado educacional
brasileiro e para prevenir que eventual abuso de poder econômico fosse cometido pelas requerentes.
Desse modo, a operação foi reprovada.
168
BITTAR, Gabriel Freitas Jabur; MARIANO, Álvaro Augusto Camilo. Análise teórica e empírica sobre
o uso das premissas da Escola de Chicago e da Escola de Harvard em decisões do Tribunal
do Conselho Administrativo de Defesa Econômica entre 2017 e 2018. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 151-171, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1058
2.2.4 Conclusão sobre a Escola de Harvard
Com base na metodologia adotada neste artigo, é possível sintetizar o pensamento da Escola
de Harvard deste modo:
Quadro 2 – Quadro-Síntese das Características da Escola de Harvard
Fonte: elaboração própria.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo buscou sistematizar, de modo não exaustivo, duas das principais
vertentes que teorizam os objetivos do Direito Concorrencial: a Escola de Chicago e a Escola de
Harvard (Estruturalista). Com base no ferramental econômico seguido por cada escola e no grau de
intervencionismo considerado ideal para a autoridade antitruste, é possível delimitar características
próprias de cada linha de pensamento.
Nesse sentido, afirma-se que a Escola de Chicago é notada por trazer premissas mais
liberais ao direito concorrencial e à Economia. Com base na Economia Neoclássica, autores adeptos
ao pensamento de Chicago acreditam que os mercados são eficientes mecanismos de alocação
de recursos evidentemente escassos. Além dessa característica intrínseca aos mercados, autores
alinhados à Escola de Chicago acreditam que eventuais falhas de mercado poderiam ser corrigidas
pelo próprio equilíbrio do mercado, não sendo necessárias intervenções governamentais para
direcionar a oferta ou a demanda de determinado bem ou serviço, embora autores considerados como
seguidores da vertente Pós-Chicago, que também se utilizam de preceitos da Economia Neoclássica,
defendam certo intervencionismo estatal para a correção de falhas mercadológicas.
Em relação ao grau de intervencionismo proposto pela Escola de Chicago às autoridades
concorrenciais, há de se pontuar que autores vinculados a essa linha de pensamento são evidentemente
mais liberais e contrários à atuação estatal nos mercados. O direito concorrencial, nesse sentido,
deveria ser utilizado somente para buscar melhores eficiências alocativas e para garantir o bem-
estar do consumidor. Autores adeptos à corrente Pós-Chicago, no entanto, acreditam que falhas de
mercado são originadas por condutas anticompetitivas e, por essa razão, comportamentos contrários
Escola de Harvard
Doutrina Econômica Majoritária Neokeynesianismo
Objetivos do Direito Antitruste Busca por estruturas competitivas
de mercado, fomentando uma maior
concorrência entre os agentes econômicos
Maior intervenção da autoridade
concorrencial nos mercados
Falhas de mercado não são corrigidas
pelo próprio mercado, devendo haver
intervenção da autoridade antitruste
Poder de mercado é ilegal por si só,
devendo o Estado combatê-lo e preveni-lo
Modelo Estrutura-Conduta-Desempenho
169
à livre concorrência deveriam ser eliminados pelas autoridades concorrenciais a fim de promover
uma alocação eficiente de recursos nos mercados.
Um exemplo jurisprudencial de adoção das premissas da Escola de Chicago pode ser
evidenciado na decisão do Tribunal do Cade no Ato de Concentração nº 08700.002276/2018-84. Na
ocasião, duas empresas com considerável participação de mercado notificaram contrato associativo
para o compartilhamento de redes e infraestruturas móveis. Em que se pese as grandes concentrações
das partes, o Plenário do Tribunal entendeu que a operação poderia gerar eficiências, sobretudo ao
fomentar a expansão da rede 4G LTE e melhor aproveitar o limitado espectro de radiofrequência,
além de promover o bem-estar do consumidor final ao reduzir os custos dos serviços prestados pelas
requerentes (BRASIL, 2018).
A Escola Estruturalista de Harvard, por outro lado, é considerada uma vertente mais
intervencionista em aspectos econômicos e concorrenciais. Com base em preceitos Neokeynesianos,
referida Escola acredita, por exemplo, que elevados níveis de concorrência nos mercados são
estimuladores de crescimento econômico. Nesse sentido, as autoridades concorrenciais, mediante
maiores dispêndios governamentais, deveriam atuar para garantir estruturas competitivas de
mercado.
Autores com o viés Estruturalista de Harvard defendem maior intervencionismo estatal
nos mercados, de modo que a atuação da autoridade antitruste nas estruturas dos mercados
seria necessária para a manutenção da livre competição. Além disso, tais autores acreditam que
monopólios ou oligopólios são prejudiciais aos mercados, uma vez que estimulam a adoção de
condutas anticompetitivas e fomentam o abuso do poder econômico por firmas dominantes. Para
evitar referidos malefícios (i.e., perda de desempenho dos mercados), a Escola de Harvard defende
maior atuação da autoridade antitruste no controle de estruturas, buscando a manutenção e a
garantia da competição.
A prática decisória do Cade também fundamentou as decisões de atos de concentração com
base em premissas da Escola de Harvard. No Ato de Concentração nº 08700.006185/2016-56, por
exemplo, a operação foi reprovada com base nas participações de mercado que seriam auferidas
pelo ente originado pela transação. O Voto-Vencedor considerou que havia grande possibilidade de
o Cade tutelar a formação de um monopólio no mercado brasileiro de educação e, caso o ato de
concentração não fosse reprovado, condutas anticompetitivas poderiam ser fomentadas, causando
pior desempenho no mercado brasileiro de educação privada.
Percebe-se, assim, que o Cade já utilizou de premissas de ambas as Escolas para
fundamentar suas decisões de atos de concentração. Sugere-se, como eventuais desdobramentos
da presente pesquisa, ampliação do escopo de análise da jurisprudência do Cade, buscando mapear,
estatisticamente, o percentual de decisões que foram fundamentadas com preceitos de cada uma
das vertentes do direito concorrencial acima expostas. Assim, seria possível compreender, de certo
modo, se há um padrão de predileção da autoridade concorrencial brasileira por determinada escola.
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