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CORDOVIL, Leonor Augusta Giovine. Uso da marca como palavras-chave nos leilões de
ferramentas de busca e o Direito Concorrencial. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v.
11, n. 2, p. 104-123, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1061
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USO DA MARCA COMO
PALAVRAS-CHAVE NOS
LEILÕES DE FERRAMENTAS
DE BUSCA E O DIREITO
CONCORRENCIAL
1
Use of the brand as keywords in search engine
auctions and Competition Law
Leonor Augusta Giovine Cordovil
2
Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) – São Paulo/SP, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Contexto: os tribunais brasileiros têm entendido, em uma visão privatista, que usar marcas de
outrem como palavras-chaves em leilões de ferramentas de busca configura uma violação ao direito
de marca. Ao impedir essa utilização, estão impedindo que o consumidor tenha mais escolhas. Falta
aos juízes uma visão concorrencial, de natureza pública, que mostre que, ao conferir ao titular da
marca o monopólio do uso da palavra, limita-se demasiadamente a concorrência no mercado de
publicidade online. O artigo parte da análise das decisões judiciais para provocar essa mudança
de visões. Ao final, também enfrenta a possibilidade de a suposta demanda de proteção da marca,
perante o Poder Judiciário, poderia ser considerada uma infração concorrencial.
Objetivo: provocar a reflexão sobre a violação ao princípio da livre concorrência.
Método: exploratório, com análise de decisões judiciais.
Conclusões: há uma limitação concorrencial expressiva, que impede escolhas ao consumidor em
um mercado que chega a milhões de anúncios por ano. Essa limitação é contrária aos objetivos do
princípio da livre concorrência e a sua tentativa poderia ser considerada uma infração concorrencial.
Palavras-chave: leilões online; Palavras-chave; marca; jurisprudência, livre-concorrência.
STRUCTURED ABSTRACT
Context: Brazilian courts have understood, under a private point of view, that using other companies´
brands as keywords in search engine auctions constitutes a violation of intellectual property rights.
By preventing this use, they are preventing consumers from having more choices. The judges lack a
Editor responsável: Prof. Dr. Luis Henrique Bertolino Braido, Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4648392251476133. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6085-1446.
1 Recebido em: 11/10/2023 Aceito em: 06/12/2023 Publicado em: 21/12/2023
2 Doutora em Direito Internacional Econômico pela Université Paris 1 – Pantheon Sorbonne e em Direito Econômico
pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito internacional e em Direito Econômico pela UFMG. Professora dos cursos
de Mestrado e Graduação da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Vice-Chair do Comitê Antitruste da
International Bar Association. Fundadora do Women in Antitrust E-mail: leonor.cordovil@fgv.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8672220850202851 ORCID: https://orcid.org/0009-0003-5999-8901
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competition vision, under public law, that shows that, by giving the trademark holder a monopoly on
the use of words, competition in the online advertising market is excessively limited. The article starts
from the analysis of judicial decisions to tackle this change of views. It also faces whether a request
for brand protection, before courts, could be considered as a competition infringement.
Objective: claim a reflection on the violation of the free competition principle by restricting the use
of keywords.
Method: Exploratory, with analysis of judicial decisions.
Conclusions: there is a significant competition limitation, which prevents consumer choices in a
market that reaches millions of advertisements per year. This limitation collides with the principle of
free competition and its attempt could be considered as a competition violation.
Keywords: online auctions; keywords; brands; jurisprudence; free competition.
Classicação JEL: K21.
Sumário: 1. Introdução; 2. O dilema dos leilões e a
apresentação da discussão; 3. A controvérsia do leilão
das marcas no Poder Judiciário brasileiro; 4. O caráter
dinâmico da propriedade sobre a marca; 5. A miopia da
confusão do consumidor; 6. A superproteção à marca
nos leilões como óbice à livre concorrência; 7. A busca
da superproteção à marca nos leilões como infração
concorrencial; 8. Conclusão; 9. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A publicidade online é indubitavelmente um campo fértil para a divulgação de produtos e
serviços e, consequentemente, para o desenvolvimento de muitas oportunidades de negócios. Além
de mais ágil e assertiva no alcance de resultados com o público-alvo, ela permite que milhares de
pequenas empresas ou mesmo pessoas físicas possam alavancar seus negócios, tornando-se um
importante instrumento de redução de desigualdade social e recolocação de pessoas no mercado
de trabalho.
Dados do Conselho Executivo de Normas-Padrão (CENP, 2021) indicam que o investimento
em publicidade online cresce cerca de 8% ao ano, abocanhando um pedaço muito maior do que
o investimento antes dedicado à publicidade em veículos ‘físicos’. A participação dos veículos de
internet foi a que mais cresceu, de 17,7, em 2018, para 23,3% em 2021. O valor dedicado à TV aberta,
por exemplo, reduziu 5,5% entre 2018 e 2019, voltando a subir no período pandêmico e alcançando
56,9% de todo o investimento em 2021.
Com o aumento do interesse pela chamada publicidade online, não seria de se estranhar que
conflitos aparecessem. Uma das maiores e mais tormentosas discussões, nesse mérito, diz respeito à
utilização de marcas como palavras-chaves em leilões de ferramentas de busca. Ao dar lances altos
pelas marcas dos concorrentes, as empresas perceberam que um link para o seu próprio site poderia
aparecer antes do link do próprio titular da marca. Assim, iniciou-se uma guerra de ‘quem dá mais’
pela Palavras-chave que coincide com a marca. Não por acaso, começou-se a discutir se aquela
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utilização da marca no leilão seria correta.
Contudo, a maioria dos debates até hoje cingiu-se à exploração ou não da marca e suas
consequências no direito de propriedade intelectual. Pouco se refletiu sobre um ponto bastante
importante: ao se impedir o leilão da Palavras-chave, estar-se-á limitando os resultados possíveis, e
consequentemente, o que o consumidor irá visualizar. Sendo as vendas online tão relevantes quanto
as vendas físicas, o efeito seria similar ao de um consumidor que vai ao supermercado pensando em
comprar sabão em pó e, no carro, lembra-se da marca dominante, a “Omo”. Chegando ao supermercado,
ele leva um susto ao ver que toda a gôndola está preenchida por uma só opção e marca, a “Omo”. Para
retornar ao mundo real, ele precisa sair do supermercado, voltar ao estacionamento, concentrar-se e
pensar “eu quero comprar sabão em pó”. Então ele entra novamente na loja e, aí sim, encontra diversas
marcas. Na internet, ele precisará refazer a sua busca, digitando, agora sim, “sabão em pó”. Seria esse
resultado limitado a melhor experiência que a ferramenta de busca pode oferecer ao usuário?
O consumidor, muitas vezes, busca por uma “geladeira Brastemp, seja porque a sua geladeira
velha é Brastemp, ou porque é uma marca da qual ele se lembra, mas acharia fantástico se o buscador
também lhe lembrasse que há outras geladeiras semelhantes, talvez por preços melhores. É o mesmo
que passar por uma avenida e ter somente uma farmácia, porque há uma legislação municipal que
impede mais de uma farmácia por logradouro. Você precisa sair daquela rua e buscar outra.
Seria esse o melhor interesse do consumidor, ter menos escolhas? Se o legislador brasileiro
que redigiu a lei n. 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial ou LPI) pudesse viajar no tempo e fazer
uma busca na internet, teria ele pensado que o consumidor que digitasse uma marca deveria ser
sempre respondido com o site do titular daquela marca? Trazendo a lei antiga ao tempo presente, era
essa a extensão da proteção desejada?
Este artigo busca, sob a perspectiva concorrencial, instigar a reflexão que supera as simples
questões de propriedade intelectual usualmente lembradas. Aqui, pretende-se, sob as lentes do
direito concorrencial, propor a revisão da extensão que tem se dado à proteção da marca nos leilões
da internet, especificamente à luz dos princípios do artigo 170 da Constituição Federal e da lei n.
12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência).
2. O DILEMA DOS LEILÕES E A APRESENTAÇÃO DA DISCUSSÃO
Aqueles que trabalham com publicidade online dominam o assunto, mas ele ainda é um
mistério para os não familiarizados com a internet. Como as plataformas de busca como Google,
Yahoo! e Bing decidem qual o anúncio exibirão quando o usuário fizer uma pesquisa? Ou seja, se o
usuário digita “geladeira”, como é que essas empresas escolhem que anunciante será exibido como
resultado no campo patrocinado? O método utilizado por eles é o mesmo, com pequenas variações
na sua forma: o leilão de palavras-chaves.
Cabe dar um exemplo para facilitar a compreensão: imagine o dono de um pequeno hotel
no Guarujá, em São Paulo, que deseja atrair hóspedes. Ele vai preparar um anúncio sobre o seu
estabelecimento, contando as suas características, o que ele oferece, e trazendo as melhores fotos
que tirou de seu negócio. Ele quer que o buscador se lembre dele quando o usuário digitar a palavra
“Guarujá”, imaginando que aquela pessoa provavelmente deseja passar o final de semana à beira-
mar. Ele é aconselhado, então, a entrar no site de algum buscador (Google/Bing) e participar do leilão,
107
oferecendo lances, em valores, pela palavra “Guarujá”. O anunciante pagará o valor no momento em
que seu anúncio é clicado pelo usuário.
Qual seria a razão para se utilizar o método do leilão de menor preço? A razão é simples:
considerando que o espaço reservado para anúncios em uma página de busca é limitado e que podem
existir vários anunciantes interessados, o valor ofertado, juntamente com a qualidade do anúncio, é
utilizado como critério para o seu ranqueamento na página. Ou seja, como há grande possibilidade
de que mais pessoas queiram dar lances por uma mesma palavra, premia-se o disposto a gastar
mais dinheiro, embora esse critério não seja o único que garanta a vitória. Dessa forma, os próprios
anunciantes determinam o quanto estão dispostos a pagar por cada Palavras-chave, o que seria
impossível para uma ferramenta determinar diante da infinidade de termos e palavras disponíveis.
Essa sistemática, em regra, promove concorrência, sendo o preço determinado exatamente
como a variável direta da competição entre os anunciantes pelo melhor ranqueamento de acordo
com as palavras-chave. Como consequência dessa competição, o chamado custo por clique, isto é,
o custo de cada clique no anúncio, aumenta na medida em que aumenta o número de anunciantes
interessados em uma mesma palavra.
Como mencionado, o pagamento não é o único requisito usado pelo buscador para definir o
posicionamento e a própria exibição de um anúncio. Essa dinâmica é explicada pela página de suporte
das respectivas empresas. Em regra, para mensuração da qualidade do anúncio, as ferramentas de
busca consideram a taxa de cliques esperada (CTR), a relevância do anúncio e a experiência na
página de destino (GOOGLE, 2023). Esses elementos não apenas incentivam a concorrência entre os
anunciantes como também visam a garantir uma melhor experiência ao usuário, já que, para pagar
menos, anunciantes tendem a melhorar a qualidade do anúncio e da página de destino.
É importante esclarecer que o anúncio não aparecerá dentre os resultados da chamada
busca orgânica, que não admite pagamento, mas na chamada busca patrocinada, que é devidamente
identificada dessa forma pelo buscador, quer por uma cor diferenciada, ou pela aposição da palavra
‘anúncio, ‘patrocinado’ ou alguma outra insígnia que assim o identifique para os usuários. Esses
resultados (busca patrocinada) são geralmente exibidos na parte superior, na lateral direita, ou na
parte inferior da página de resultados. Assim, evita-se a confusão do consumidor, deixando claro que
aquele resultado foi pago por alguém que quis aparecer ali.
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Figura 1 – Pesquisa da palavra Guarujá
Fonte: Google (2023).
No exemplo acima, o Google (o buscador) entendeu que ou o usuário quer ir ao Guarujá, ou
está buscando informações sobre a cidade. Assim, exibiu anúncios pagos ao lado de informações
sobre a cidade. O Booking.com e o trivago.com.br foram, possivelmente, empresas dispostas a pagar
mais (ou com anúncios de maior qualidade) pela Palavras-chave “Guarujá”.
O problema a ser desafiado por este artigo surge quando a Palavras-chave coincide com
uma marca registrada. Guarujá é um nome próprio, palavra brasileira de origem indígena que não foi
registrada por ninguém em nenhum órgão público. Qualquer um pode dar lances por ela. As marcas
são sinais distintivos visualmente perceptíveis suscetíveis de registro perante o Instituto Nacional
de Propriedade Industrial (INPI), segundo o artigo 122 da LPI (BRASIL, 1996). Por isso, entende-se que
a marca, ao contrário do Guarujá, tem dono, há um titular, sendo exclusivo o seu uso no território
nacional (artigo 129 – LPI).
Entre as suas espécies, está a marca de produto ou serviço, que é usada para distinguir
produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa (artigo 123). O seu registro
confere ao seu titular ou depositante alguns direitos, entre eles o de usá-la em papéis, impressos,
propaganda e documentos relativos à sua atividade. O artigo 132 traz, em seus quatro incisos,
vedações ao seu uso. Por exemplo, o titular não poderá impedir a citação da marca em discurso,
obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem
prejuízo para seu caráter distintivo. O objetivo desta proibição é impedir que aquele que registrou a
marca abuse de seu direito, impedindo o desenvolvimento de inovações comparativas, por exemplo,
embora tenha lhe sido resguardado o caráter econômico.
É exatamente aqui que mora a controvérsia. A LPI parece ter dado, ao titular da marca, o
direito exclusivo de explorá-la com fins comerciais, embora não tenha especificado o que seria essa
exploração comercial e seus limites, restando ao Poder Judiciário essa tarefa. Além disso, a LPI é
109
antiga, imediatamente posterior à Constituição Federal de 1988, e não poderia imaginar o fenômeno
da internet que viria a dominar o mundo duas décadas depois.
Então, dando o exemplo da marca: experimente digitar “McDonalds” (uma marca) no
seu mecanismo de busca favorito. Provavelmente, além de lhe contar que esse é o nome de uma
lanchonete famosa, a resposta também trará anúncios (links, sobretudo) de concorrentes como
Burguer King, Habibs, entre outros. Devem os julgadores brasileiros impedir que os buscadores exibam
resultados de outras empresas, trazendo ao consumidor apenas informações sobre o fast-food dos
arcos dourados? Ao fazer isso, não se estaria falando de perda de bem-estar ao se restringir uma das
maiores formas de rivalidade entre as empresas, que traz tantos benefícios aos consumidores, que
é a concorrência na internet? Os efeitos negativos da exclusividade na resposta ao consumidor são
compensados pelas suas eficiências?
Essa é uma discussão eminentemente concorrencial: de um lado o Poder Judiciário interpreta
a LPI para dar ao titular uma exclusividade de aparição nos resultados de busca, sob o entendimento
de proteção ao direito de marca. No outro lado, estão dois vértices: em um deles, está o consumidor
privado de opções, porque alguém entendeu que ele seria enganado e que merecia a proteção; no
outro vértice está o concorrente alijado da aparição na ferramenta de busca. O que deve prevalecer?
3. A CONTROVÉRSIA DO LEILÃO DAS MARCAS NO PODER JUDICIÁRIO
BRASILEIRO
A análise da jurisprudência dos tribunais brasileiros demonstra predisposição das cortes
ao reconhecimento da ilicitude na utilização das marcas no leilão dos buscadores na internet.
A argumentação em geral baseia-se nos artigos 129, caput, e 195, ambos da LPI, sem escapar da
análise do direito da propriedade industrial. Várias decisões fazem apenas menções genéricas ao
direito exclusivo de uso da marca, atos de concorrência desleal ou desvio de clientela. Exemplos
desse entendimento é a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação Cível n. 1008545-
72.2019.8.26.0100:
O consumidor ao buscar uma marca especica junto ao site de busca, por óbvio sabe
exatamente o que procura. Não se trata de uma busca genérica pelo termo ‘máquina
de cartão’ ou ‘máquina de pagamento’, por exemplo. Não se pode negar que com tal
prática objetivam atrair o consumidor que busca informações de sua concorrente,
congurando, assim, o desvio de clientela (SÃO PAULO, 2021, p. 7).
Vários votos dessa Corte se apoiam no artigo de Rodrigues Junior (2015) para quem o
anunciante, ao usar a marca de um concorrente como Palavras-chave para o seu próprio link
patrocinado, “parasita o prestígio de marca alheia, com o fito de atrair para si a clientela cultivada
por outrem.
Felizmente, há votos dissidentes. O Desembargador Azuma Nishi, do mesmo Tribunal de
Justiça, entendeu de forma oposta:
Primeiramente, entendo não haver ilícito marcário por parte do apelante, ao contratar o
nome da marca licenciada pela apelada no serviço da Google (GOOGLE ADWORDS). Não
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na Lei 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial LPI) qualquer vedação a tal prática.
É bem verdade que o artigo 130, inciso III da LPI prevê o direito do titular da marca
zelar pela sua integridade material ou reputação. Porém, tal prática em nada ofende
a integridade ou reputação da marca. Tampouco a prática não encontra amparo na
vedação prevista no artigo 132, inciso IV3 da mesma lei, pois, embora o apelante e a
Google utilizem a marca licenciada pela apelada para ns de aproveitamento comercial.
Isso porque a marca licenciada pela apelada sequer se apresenta perante os potenciais
consumidores internautas que utilizam do serviço de busca da Google, tampouco de
forma a induzi-los indevidamente a erro ou confusão (SÃO PAULO, 2020, p. 10).
Os julgados de primeira instância são, em geral, mais criativos, embora tenham sido
posteriormente reformados. Dentre os argumentos trazidos, estão mais claramente a ausência de
enganosidade ou abuso e a inexistência de possibilidade de confusão do consumidor:
Ademais, este Juízo vem entendendo inexistir concorrência desleal nos links
patrocinados, porque o buscador deixa claro que se trata de um anúncio. Ato
ilegal haveria se, ao clicar-se na página ocial de certa marca/produto/empresa, o
consumidor fosse direcionado a outra concorrente. (SÃO PAULO, Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, Ação 1082003-25.2019.8.26.0100, julgada em 22 de agosto de
2019).
Ademais, caso a pretensão do autor sagrasse vitoriosa, da forma como posta na
exordial, o uso das "palavras-chave" referentes às marcas registradas somente poderia
ser feito por seus titulares. Consequentemente, os consumidores seriam impedidos
de ver os anúncios de outros fornecedores (varejistas), quase que impossibilitando a
comparação de preços e a pesquisa de outras facilidades. Portanto, não demonstrado
qualquer tipo de dano, nem de atividade ilícita cometida pela ré, a improcedência
dos pedidos é de rigor. (SÃO PAULO, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Ação
1017951-94.2016.8.26.0562, julgada em 17 de novembro de 2017).
Daí que, no que concerne à exibição de anúncios na internet, o primordial não está
em vericar se uma pessoa associou seu nome a buscas da rival ou se isso decorreu
de outros fatores da tecnologia do algoritmo do motor; e sim se esse anúncio pode
induzir o consumidor em erro. Anal é nisso (repita-se, na indução a erro) que estará
o desvio parasitário da clientela, e não na situação do consumidor que, buscando por
um tipo de serviço (por vezes, associado a uma marca por conta da sua supremacia de
mercado), acaba descobrindo concorrentes e, voluntária e conscientemente, escolhe
um deles. (SÃO PAULO, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Ação 1001369-
12.2017.8.26.0068, julgada em 31 de julho de 2017).
Há decisões divergentes também em terras cariocas, como no Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro, que decidiu que:
[...] não há nenhuma menção à marca da Autora, que também aparece no resultado
da busca, com posição de destaque, não sendo capaz de gerar qualquer tipo de
confusão para o consumidor. Ademais, pela simples utilização do termo em questão,
não vislumbro qualquer lesão a direito marcário ou honra objetiva da autora,
porquanto a não se utiliza efetivamente de sua marca, apenas indica que ela sirva
111
de gatilho para a aparição de seu anúncio, em se tratando de serviço similar de
acordo com a Apelação Cível nº. 0107747-11.2017.8.19.0001, julgada em 19 de junho de
2018.
Percebe-se, assim, que apesar da existência de várias decisões contrárias ao uso de marcas
nos leilões, há ainda espaço para o debate.
4. O CARÁTER DINÂMICO DA PROPRIEDADE SOBRE A MARCA
Como visto acima, as decisões que defendem a ilicitude do uso da marca nos leilões na
internet baseiam-se preponderantemente em uma visão privatista de um direito exclusivo conferido
ao titular da marca. Para elas, os tribunais devem coibir toda a forma de uso feito à revelia do
seu proprietário, daquele que a registrou. O objetivo último, aqui, parece ser a proteção completa
e irrestrita da marca sob o argumento de proteção ao investimento realizado pelo autor e à sua
reputação. Esta visão míope é contrária às mais sólidas interpretações do artigo 170 da Constituição
Federal e, pior, muitas vezes apoiadas em uma compreensão errada ou parcial do princípio da livre
concorrência, contido no mesmo dispositivo.
Quando se estuda a evolução da defesa da propriedade no direito brasileiro, observa-se
uma mudança sensível no tratamento deste instituto, antes de caráter eminentemente privatista,
que passa a obedecer a contornos publicistas. O caráter antes estático, absoluto, de regra a ser
respeitada independentemente das exceções, é substituído por um caráter dinâmico, que impõe que
a propriedade não seja um fim em si mesma, mas a realização de outros princípios. É dado a ela um
caráter instrumental, devendo-se adequar à ideologia constitucionalmente proposta.
Quem melhor trata desse tema é Vaz (1993), para quem a propriedade tem um compromisso
com a sociedade, nascendo da necessidade de se proteger a criação do trabalhador, do inventor, mas
que não termina nisso. Para a autora, a propriedade deve ser retirada de seu estado de ócio (caráter
estático), para vir a produzir novas riquezas, gerando empregos e sustento dos cooperadores da
empresa e da comunidade. Ela deve ser dinamizada com o objetivo de sair da esfera individual para
desempenhar um papel útil.
Esta teria sido a razão pela qual o legislador constitucional escolheu colocar a função social
da propriedade como princípio basilar da atividade econômica, logo depois do próprio respeito à
propriedade privada. A autora esclarece essa dinamização a partir do estudo da proteção aos direitos
autorais. A satisfação do interesse social sobrepõe-se ao interesse do próprio individuo-autor. O
Estado deve atender de maneira satisfatória ambos os lados: proteger e recompensar o trabalho
pessoal e criativo do autor, evitando qualquer forma de confusão aos consumidores, mas também
proteger o interesse da sociedade que fornece a matéria prima da obra.
Enquanto suporte do direito de propriedade, os bens intelectuais no contexto da carta
vigente e de acordo com a ideologia adotada, submetem-se também ao princípio da
função social, manifestado por meio das limitações ao seu aspecto patrimonial (VAZ,
1993, p. 461).
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Ao entender essa mudança, deixa-se um passado remoto em que a propriedade era
imperativa e se conquista o espaço em que ela sofre limitações dimensionais e deve ter a sua
utilização conformada ao interesse social. Ninguém está dizendo aqui que a propriedade (no caso
deste artigo, a marca) deixa de ter valor, mas sim que a proteção à marca deve se acomodar ao
propósito econômico efetivo daquilo que se propôs proteger e também acomodar interesses sociais,
dentro de um caráter dinâmico, deixando de ser absoluta e irrestrita.
Assim, a propriedade deve ser um instrumento de respeito a outros valores, conformando-
se ao interesse da sociedade. O respeito à marca, no caso, não deve ser visto isoladamente,
absolutamente, como alguma coisa garantida ao seu titular que impeça qualquer tipo de utilização.
A sua utilização por outrem deve ser impedida tão somente quando ela desencoraja a futura criação,
quando a apropriação é parasitária, fazendo-se com que o outro que nada desenvolveu apodere-se
dos clientes alheios sem ter contribuído para a sua captação. Como se verá abaixo, não é o caso da
utilização de palavras-chaves em leilão de buscadores.
Grau (2008) lembra que a inclusão do princípio da garantia da propriedade privada dos bens
de produção entre os princípios da ordem econômica tem o condão de não apenas afetá-los pela
função social, mas também subordinar o exercício dessa propriedade aos ditames da justiça social e
de transformar esse mesmo exercício em instrumento para assegurar a todos existência digna. Neste
ponto, completa
Cabe ao princípio da função social, enm, dar a estabilidade necessária à propriedade
privada, tutelando sua integridade jurídica e procurando tornar sua existência
sensível ao impacto social do exercício dos poderes concedidos ao titular do domínio.
[...] Na ordem econômica atual, a propriedade privada encontra um sentido cada
vez mais relativizado, exigindo do operador do direito sua inserção no ordenamento
jurídico positivo como um fato disciplinado não pelo direito privado, e cada vez
mais relativizado pelo direito público (GRAU, 2008, p. 247).
Dentro dos interesses sociais está compreendido o direito do consumidor a ter escolhas,
a acessar essas escolhas, a ser bem informado. Dentro dos direitos sociais está o interesse do
fornecedor do produto ou serviço de ser visto pelo consumidor em um leilão que representa hoje
grande parte de seus gastos com publicidade. Não é por outra razão que o princípio da defesa do
consumidor não foi esquecido, também contemplado pelo mesmo artigo 170. Assim, não deve existir
proteção à propriedade privada se ela não se coaduna com o melhor da defesa do consumidor e da
ampla concorrência, já que é a sua função social ser um instrumento de respeito aos interesses do
consumidor e do próprio fornecedor.
Desta forma, a visão mais moderna da propriedade pede uma interpretação restritiva e mais
ponderada da amplitude de sua proteção, desaconselhando-se restrições à sua utilização quando a
lei não é extremamente clara e a superproteção reduz bem-estar econômico e o exercício dos demais
direitos preconizados pelo próprio artigo 170.
5. A MIOPIA DA CONFUSÃO DO CONSUMIDOR
A proteção à marca é tradicionalmente vista, pelo direito brasileiro, como uma forma de
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evitar a confusão do consumidor em relação à procedência do produto. O próprio conceito trazido
pelo artigo 122 da lei n. 9.279/96 dispõe para registro como marca “os sinais distintivos visualmente
perceptíveis” (BRASIL, 1996). Em 2011, a Ministra Nancy Andrighi se debruçou sobre conceitos que são
importante base de partida para a discussão desse capítulo, e discorreu especificamente sobre a
proteção ao consumidor.
No caso em comento, a empresa farmacêutica produtora do medicamento “Sorine” reclamava
de outra que estava comercializando o “Sorinan”. A Ministra, no entanto, entendeu que não se poderia
atribuir uma exclusividade ao radical “sor”, conforme desejado pela empresa reclamante, porque
isso seria a garantia de uma exclusividade indevida ao detentor da marca. Ela confirmou, assim, a
decisão recorrida, para quem o radical não seria suficiente para causar confusão no consumidor,
porque este está acostumado a criar vínculos com outros elementos além da marca.
A nalidade da proteção ao uso das marcas é dupla: por um lado protegê-la contra
usurpação, proveito econômico parasitário e desvio leal de clientela alheia e, por
outro, evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto
(art. 4, VI, do CDC). No tocante ao último aspecto, o que se vê é que a marca confere
uma imagem aos produtos e serviços prestados pelo empresário, agregando, com o
tempo, elementos para a aferição da origem do produto e serviço (BRASIL, 2011, p. 9).
Com razão o acórdão recorrido ao consignar que não se deve tratar com tanto rigor
a questão da colidência em se tratando de medicamentos. Isso porque, além da
situação acima descrita ser extremamente habitual, os consumidores de fármacos
criam vínculos com outros elementos além da marca nominativa, principalmente
com o laboratório produtor e o preço, mormente quando se considera o cenário
do mercado consumidor brasileiro nesse ramo surgido com a entrada em vigência
da lei 9.787/99 (lei dos genéricos), que autorizou a comercialização, por qualquer
laboratório, de medicamentos com patentes caducadas. [...] (BRASIL, 2011, p. 11).
Admitir a exclusividade no uso do radical evocativo “sorisoladamente assemelha-se
a assegurar verdadeiro monopólio ao titular do registro mais antigo a utilizar em sua
marca a referência à substância principal do produto. Essa situação seria incoerente
com a essência da LPI, que, para além da repressão á concorrência desleal, objetiva,
por meio das cláusulas da irregistrabilidade, tutelar a livre concorrência (BRASIL,
2011, p. 11).
Toma-se esse voto como ponto de partida porque, além de ter sido bastante citado em
outras decisões posteriores, ele traz implícito o reconhecimento de que o consumidor não pode ser
facilmente enganado e é apegado a elementos que se sobrepõem à marca.
Puxando daí um gancho, é importante questionar: qual a possibilidade de o usuário da
internet ser confundido se os resultados da busca retornarem, entre várias respostas, um anúncio
com link para a página de um concorrente, devidamente identificado? E mais: ao clicar, qual a
possibilidade de ele ainda comprar pensando que está no link do titular da marca? As decisões
judiciais em geral não especificam ou trazem detalhes sobre este importante detalhe.
Na pesquisa abaixo, digitou-se “Fiat”, marca conhecida de veículos. Como resultado da
busca, o usuário visualizou anúncios (parte superior da página) e à direita, o que o Google chama de
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CORDOVIL, Leonor Augusta Giovine. Uso da marca como palavras-chave nos leilões de
ferramentas de busca e o Direito Concorrencial. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v.
11, n. 2, p. 104-123, 2023.
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“painel de informação, que traz dados sobre aquele produto ou serviço específico. No caso, o Google
informou que é uma marca e um dos maiores fabricantes de automóveis do mundo.
Além das informações simples, há um texto descritivo abaixo do título do anúncio. Esse
texto contém explicações bastante claras ao consumidor, eliminando-se, bem provavelmente,
qualquer possibilidade de erro em relação ao link sobre o qual ele vai clicar. Quando o link não é
da Fiat, como no primeiro e segundo casos “Escolha seu modelo Fiat – Fiat barato é aqui”, há uma
descrição que também avisa o usuário do que ele irá acessar (não é o site da fabricante, mas sim o
site de uma revendedora).
Figura 2 – Pesquisa da marca Fiat
Fonte: Google (2023).
Em primeiro lugar, é preciso considerar que a marca, legalmente protegida, não é exibida em
nenhum anúncio senão por aquele que detém a titularidade ou o seu direito de uso (cessionário).
Se estivesse sendo dessa forma utilizada, certamente se estaria diante de um caso de uso indevido
de uma marca, uma vez que, assim como em uma loja de rua física, a exibição de um anúncio com
a marca de outro titular, sem a sua permissão, configura uso indevido. Como pode ser ver acima, o
resultado da busca deixa bastante claro, ao consumidor, quais são os sites retornados como resultado
e as suas devidas marcas.
Note, inclusive, no exemplo acima, que o próprio Google, como de costume, geralmente
apresenta no painel de informações o campo “itens também pesquisados”, como forma de orientar
sobre pesquisas relacionada feitas por outros usuários. Nesse campo, são exibidas marcas de outras
montadoras, como a Renault, Citroën, Chevrolet, Jeep, podendo ainda o usuário decidir clicar no
115
título para exibir mais itens também pesquisados por outros usuários. Essa é uma informação gerada
pelo próprio Google, sem qualquer tipo de patrocínio dessas empresas. Não se alega, aqui, qualquer
tipo de confusão ao consumidor. Da mesma forma, difícil seria alegar que o resultado de anúncio de
texto de uma empresa, tão somente porque se baseou na marca nominal de um concorrente, para fins
do leilão, poderia causar alguma espécie de confusão.
A esse respeito, um ponto nada explorado nas decisões judiciais é que a utilização da
Palavras-chave que coincide com a marca não se dá na frente dos olhos e diante do consumidor. O
mecanismo de leilão não é visível ao usuário, nem a qualquer outra empresa, sendo uma interface
apenas entre o anunciante e a ferramenta de busca. Somente resultados são visíveis publicamente
e, neles, não há (ou não deve haver menção) à marca protegida. Assim, não seria correto dizer que
o consumidor é induzido a erro por incorretamente entender que a marca se refere a outro produto.
Ele digita a Palavras-chave que coincide com a marca, mas o resultado não é a Palavras-chave, e
sim um anúncio com um link e um pequeno descritivo, que contém o nome de outra empresa, no
qual o consumidor pode clicar ou não. Neste caso, ao contrário de confundir, estar-se-á dando
oportunidades ao consumidor, uma alternativa para que ele possa buscar mais de um fornecedor,
inclusive o titular da marca.
Não obstante, cabe lembrar que o consumidor também verá, na mesma página, os chamados
resultados orgânicos, que são parte da busca das ferramentas que não é comercializada (chamados
também de resultados não pagos). Estes resultados trarão o que o algoritmo entende que responde
melhor à busca feita. O algoritmo não sabe que aquela Palavras-chave coincide com uma marca, mas
pode trazer, em uma ação artificial (não humana) um resultado distinto do seu titular. Seria no caso
também um uso que viola a esperada proteção intelectual? Provavelmente não, mas o consumidor,
da mesma forma, poderia clicar em um site que não é o do titular, simplesmente porque o site,
por exemplo, é mais completo (e por isso o preferido do algoritmo). Mais uma vez, vale repetir, o
consumidor dificilmente é induzido a erro, já que ele tem a clara oportunidade de ler a página e a
sua descrição antes de clicar no link sugerido.
Neste sentido, vale o voto do Desembargador Azuma Nishi, do Tribunal de Justiça de São Paulo:
O consumidor, ao digitar determinada marca, não é induzido a erro, pois não se
adentra forçadamente no site da concorrência, mas confere-se, a este consumidor,
alternativa adicional ou sucedânea à marca ou produto que é de seu interesse.
Esta alternativa adicional ou sucedânea não congura concorrência desleal, pelo
contrário, aos olhos do consumidor, estimula a concorrência e aprimora a competição
e, consequentemente, a ecácia do mercado. [...]
Pois bem, se ca claro do anúncio que os bens e serviços dispostos são originários
do anunciante, e não do titular da marca utilizada como Palavras-chave, não
se congura a confusão dos produtos ou de estabelecimentos, tampouco, meio
fraudulento de desvio de clientela. Em suma, não infringência às disposições
legais acima mencionadas, não sendo, assim, antijurídica tal conduta (SÃO PAULO,
2020, p. 15).
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ferramentas de busca e o Direito Concorrencial. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v.
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6. A SUPERPROTEÇÃO À MARCA NOS LEILÕES COMO ÓBICE À LIVRE
CONCORRÊNCIA
Ultrapassada uma rápida análise sobre a visão publicista da propriedade intelectual e da
impossibilidade de confusão do consumidor, cabe adentrar no tema principal proposto, a proteção à
marca nos leilões como óbice à livre concorrência.
Com frequência, a livre concorrência é mencionada como o princípio basilar da proteção
à propriedade intelectual. Alguns autores e decisões judiciais entendem que a proteção da marca,
por ser um indutor de inovações, de criatividade, seria uma expressão de livre concorrência
(aumento da concorrência).
Carvalho (2016) sustenta, de forma interessante, que o direito da concorrência e a propriedade
intelectual são especialidades jurídicas de inteira confluência, pois a última é essência à existência
de rivalidade entre vendedores de produtos e serviços, enquanto a concorrência assegura a
manutenção da rivalidade por meio de mecanismos de repressão a atos desviadores da conduta
diferenciadora. Para ele, seria errado associar a proteção da propriedade intelectual com a formação
de um monopólio, sendo mais correto entendê-la por sua função diferenciadora. A propriedade
intelectual seria o contrário: ela pressupõe a existência de concorrentes e produtos substitutos, e
opera de modo a diferenciar entre eles:
Onde há monopólio, não há propriedade intelectual, pois não há por onde escolher
[...] a propriedade intelectual é contrária, isso sim, à concorrência pela imitação.
Mas ela é intrinsecamente, inerentemente, fundamentalmente a favor da concorrência
pela diferenciação (CARVALHO, 2016, p. 11).
Como bom exemplo, o autor cita o mercado de refrigerantes. Se não houvesse competição, o
fornecedor não precisaria imprimir uma marca no rótulo, bastaria escrever ‘refrigerante de cola’, ou
‘refrigerante de laranja’.
Apoiando-se na ideia da propriedade intelectual como vetor de diferenciação e,
consequentemente, de livre concorrência, Carvalho defende que há que se ter cuidado tanto com
a sua proteção excessiva quanto com a sua proteção insuficiente. A proteção insuficiente opera
quando se recusa o registro de marcas não visualmente perceptíveis ou se adota regras processuais
tolerantes à cópia e à imitação. Assim, os concorrentes e produtores menos eficientes imitirão os
seus concorrentes mais capazes, com a desmoralização dos esforços para exercer uma concorrência
eficiente no mercado. Na proteção excessiva, amplia-se mecanismos excludentes da propriedade
intelectual. Ambos são erros de dosagem.
Volta-se, então, ao tema dos leilões das ferramentas de busca. Há um erro de dosagem, a
proteção excessiva. Como já visto acima, a ferramenta de busca traz informações suficientes para
que o consumidor, informado, tome a sua decisão em relação ao link sobre o qual irá clicar. Não
há exibição indevida ao público da marca protegida associada ao anúncio de concorrente. Além
disso, também como exposto, a marca não está sendo copiada por um concorrente, mas apenas e
tão somente utilizada em um ambiente privado para indicar ao algoritmo da ferramenta as buscas
às quais o anúncio poderá ser exibido. Corresponde, assim, a apenas uma das opções do leilão,
que ocorre sem que o consumidor veja. O resultado da busca, quando é livre, é a exibição de mais
117
opções ao consumidor.
Para facilitar, deve-se pensar em um consumidor que quer comprar “nuggets. Ele vai ao
supermercado e se dirige à gôndola de congelados. Ele para por alguns instantes, analisa os rótulos,
as embalagens, e escolhe o pacote que possui o menor teor de sódio. O algoritmo é uma forma
de inteligência e leitura artificiais, ele não está vendo o consumidor, mas pretende, da forma mais
precisa possível, entender o que ele busca. Se o usuário da internet digitou “nuggets, há uma
boa possibilidade de que ele esteja procurando por empanados feitos partir de carne de frango,
preparados à milanesa ou em polme, e em seguida frita ou assada. Ao clicar, na ausência de uma
proteção excessiva à marca, o consumidor vai encontrar diversos links, explicações, textos, muitas
vezes painéis de informações, entre outras curiosidades informativas. Ao impedir que o resultado
retorne com opções da Swit, Seara, Perdigão e Aurora, a ferramenta estaria limitando o acesso à
gôndola do supermercado apenas à empresa que registrou a marca referida (a Sadia).
A decisão judicial que prbe o uso da marca como Palavras-chave está impondo, assim,
uma proteção excessiva, desnecessária e maléfica ao consumidor. Seu efeito é o contrário do que
se deseja na visão mais moderna da propriedade privada vista acima: ao superproteger, o juiz
impõe, de forma direta ou indireta, limitação de opções, já explicada, e uma restrição ao ingresso
de concorrentes no mercado.
A este último efeito atribui-se o nome de elevação de barreiras à entrada no mercado.
3
A empresa titular do registro da marca pode ser a maior detentora de poder de mercado, de
poder econômico, sendo por vezes a dominante. Ela normalmente detém a maior capacidade de
investimento em publicidade, seja online ou ofine. Com a prática, alija-se o concorrente, atuante ou
mesmo entrante na categoria de empanados de frango, da possibilidade de aparecer como resultado
patrocinado na busca da internet que, como mencionado na introdução, corresponde hoje a uma
parcela relevante do ambiente publicitário. As empresas que pretendem estabelecer-se no mercado
deverão pensar que as chances de publicidade online são limitadas, já que elas não mais podem
oferecer lances para serem lembradas na intenção do consumidor de procurar aquele produto, a não
ser que o consumidor se lembre que os nuggets, na verdade, são empanados de frango.
Espera-se a livre concorrência onde há mais concorrentes, melhores condições de entrada
ou saída no mercado (livre iniciativa) e menos barreiras impostas por entes estatais ou pela
própria natureza do produto. A regulamentação da concorrência, no sentido de proteção, surgiu
da necessidade de garantir que a liberdade de mercado, decorrente dos anseios do liberalismo
econômico, não se transformasse em uma licença em prejuízo do próprio mercado e da concorrência
(COMPARATO, 1967). Para Grau (2008), a liberdade de concorrência pode ser entendida como
faculdade de conquistar a clientela, proibição de formas de atuação que deteriam a concorrência
(liberdade privada) e neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igualdade
3 “Barreiras à entrada podem ser definidas como qualquer fator em um mercado que coloque um potencial compe-
tidor em desvantagem com relação aos agentes econômicos estabelecidos. Quanto mais elevadas as barreiras à entrada em
um dado mercado, maiores são os custos financeiros e em termos de tempo que um potencial entrante deverá incorrer para
que o capital investido seja adequadamente remunerado. Quanto mais elevadas são essas barreiras, menor é a probabilidade
de entrada de novas empresas no mercado relevante definido. As barreiras à entrada possibilitam às empresas instaladas a
manutenção dos preços em patamares mais elevados e dificultam a entrada de novas concorrentes com capacidade produtiva,
uma vez que diminui a possibilidade efetiva de concorrência. Os seguintes fatores constituem as mais convencionais barreiras
à entrada: os custos irrecuperáveis (sunk costs); as barreiras legais ou regulatórias; os recursos de propriedade exclusiva das
empresas instaladas; as economias de escala e/ou de escopo; o grau de integração da cadeia produtiva; a fidelidade dos con-
sumidores às marcas estabelecidas; e a ameaça de reação dos competidores instalados” (BRASIL, 2016, p. 27).
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de condições dos concorrentes (liberdade pública). Seria, em resumo, o “livre jogo das forças de
mercado, na disputa da clientela”.
Ao excluir o concorrente do leilão, o único beneficiado é o próprio titular da marca (que
impede a exibição de anúncios de marcas concorrentes relacionadas às palavras-chaves de sua
marca, e que pagará muito menos pelo mesmo leilão, na ausência total de quem possa dar lances por
aquela Palavras-chave), prejudicando-se não só o direito do consumidor à informação e à escolha,
mas também evitando a entrada de novos rivais.
Neste sentido, está correto o posicionamento do Desembargador Azuma Nishi, para quem
os princípios do artigo 170 pressupõem a exploração igualitária de quaisquer atividades, o que é o
objetivo do serviço de buscas bem como a utilização da marca de empresas concorrentes.
4
7. A BUSCA DA SUPERPROTEÇÃO À MARCA NOS LEILÕES COMO INFRAÇÃO
CONCORRENCIAL
Discutiu-se, no capítulo acima, o potencial efeito anticompetitivo da superproteção à marca.
Cabe agora discutir se o titular da marca, ao impedir a sua utilização como Palavras-chave do leilão
das ferramentas de busca, estaria praticando uma violação à ordem concorrencial (já que provoca o
Poder Judiciário para que conceda proteção excessiva à marca).
Em 25 de janeiro de 2019, a Comissão Europeia encerrou uma investigação contra a
empresa Guess?, condenando-a ao pagamento de multa de 7% de seu faturamento, por violação
ao artigo 101 do Tratado da União Europeia
5
. De acordo com a autoridade, a empresa teria imposto
condições restritivas aos seus distribuidores, violando a concorrência entre eles. A mais relevante
e problemática violação teria sido impedir que eles dessem lances pela marca “Guess?” no leilão
de palavras-chaves de buscadores, principalmente o Adwords do Google. A Guess? esclareceu que
também nunca permitiria que terceiros dessem lances pelas suas marcas, fossem distribuidores ou
não (EUROPEAN COMMISSION, 2018, p. 47). A empresa esclareceu, em seu site, que não permitia o
leilão porque os terceiros iriam aumentar seus custos com o Google e reduzir a visibilidade e vendas
do site www.guess.eu. A Comissão entendeu que era uma tática abusiva para reduzir a ‘ndability’
(rastreabilidade) e a visibilidade dos distribuidores.
Ao impedir que seus revendedores autorizados usem sua marca na publicidade da
busca on-line, a Guess limita a ‘rastreabilidade’ e a visibilidade dos revendedores
vendendo produtos on-line. Mesmo que ela não impedisse seus revendedores de
4 “Cumpre ainda salientar que os Princípios constitucionais da livre inciativa e livre concorrência (art. 170, caput e
inciso IV da CF) visam delinear uma conformação democrática de mercado que possibilite exploração igualitária de quaisquer
atividades, o que certamente é a função do serviço de buscas bem como a utilização do adwords da marca de empresas con-
correntes” (SÃO PAULO, 2020, p. 19).
5 “1. São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de
associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Mem-
bros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, designadamente
as que consistam em: a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições
de transação; b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos; c) Repartir
os mercados ou as fontes de abastecimento; d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de
prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência; d) Subordinar a celebração de con-
tratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com
os usos comerciais, não têm ligação com o objeto desses contratos” (UNIÃO EUROPEIA, 2016, p. 45).
119
vender pela internet, ela restringia a habilidade de que eles efetivamente gerassem
tráfego para os seus próprios sites por meio da busca on-line. Isso restringe sua
habilidade de vender produtos, em particular para aqueles fora de sua área de
atividade. [...]
Um dos objetivos da política [de restrição do uso da marca pela Guess] era reduzir
os custos de publicidade. Neste sentido, a Corte de Justiça reconheceu, em um
julgamento relacionado a marcas, que o uso de uma marca de propriedade de
outro como Palavras-chave na publicidade on-line constitui uma prática inerente à
concorrência, já que ela oferece aos consumidores alternativas ao produto oferecido
pelo proprietário da marca, mesmo que isso signique um aumento de custos de
publicidade para o próprio dono da marca. Por essa razão, proibir o uso não é
compatível com a livre concorrência prevista Tratado da União Europeia (EUROPEAN
COMMISSION, 2018, p. 29, tradução nossa).
Vários conceitos usados nos tópicos anteriores deste artigo são importantes aqui. O primeiro
deles é a defesa do consumidor como princípio e diretriz na interpretação da licitude da prática.
Assim, o uso da marca no leilão é prática inerente à concorrência, trazendo mais alternativas ao
consumidor, mesmo que isso signifique aumento dos custos ao titular do registro. Não havendo
justificativa de que os consumidores seriam induzidos a erro, restaria apenas a prática de restringir a
competição com o próprio titular:
Atribuir à Guess Europa o direito exclusivo de usar a marca na busca publicitária
on-line é atribuir uma vantagem competitiva considerável sobre seus revendedores,
com os quais compete on-line e intra-marca (EUROPEAN COMMISSION, 2018, p. 29,
tradução nossa).
A decisão também endereçou de forma muito acertada o argumento do custo no investimento
da marca, sob uma perspectiva concorrencial: mesmo que o titular da marca tenha seu custo
aumentando, já que precisará dar lances mais caros à sua própria marca, esta será uma consequência
justificável diante do bem-estar gerado pelo aumento da concorrência. Aliás, como posto acima, o
aumento do custo por clique é consequência direta da existência de concorrência. Ou seja, a redução
desse custo é obtida exatamente pela eliminação de concorrentes.
Na linha do que entendeu a Comissão Europeia, uma limitação ao uso de uma marca em
um leilão tem o efeito nefasto de restringir o direito de competir (dentro do universo online) a um
só jogador, alijando os demais que não poderão estar compreendidos na intenção de busca do
usuário da internet.
Assim, ao impedir que uma marca seja uma Palavras-chave, um juiz limita a capacidade de
escolha do consumidor, por um lado, e o direito do fornecedor de participar daquela concorrência,
por outro, por um fato que sequer viola as finalidades para as quais a proteção jurídica às marcas é
conferida. Esta hipótese constituiria um direito excessivo aos titulares e uma proibição contrária ao
princípio da livre concorrência.
E qual deveria ser o entendimento no Brasil, caso o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) fosse instado a analisar a ação judicial de uma empresa que tenta impedir que seu
concorrente use sua marca no leilão?
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A Lei de Defesa da Concorrência dispõe, em seu artigo 36, §3º, inciso XIX, que constitui
infração da ordem econômica o exercício ou exploração abusiva de direitos de propriedade industrial,
intelectual, tecnologia ou marca.
6
Trata-se de uma conduta de natureza unilateral, imposta por um
agente do mercado em prejuízo do outro (conduta exclusionária).
A jurisprudência do Cade já entendeu, de forma suficiente, que a obtenção legitima de um
registro não impede que haja abusividade no seu exercício:
A conduta anticompetitiva pode decorrer tanto de fraudes ou abusos no
procedimento de registro do direito de propriedade industrial quanto de abusos no
exercício do direito em si. A mera obtenção dos registros de desenho industrial pelas
Representadas, ainda que tenha obedecido ao procedimento da Lei de Propriedade
Industrial, com o aval do INPI, não afasta, por si só, a possibilidade de que tais
registros sejam exercidos de modo abusivo, na medida em que se desvirtuem dos
ns socioeconômicos que amparam o direito (BRASIL, 2018).
No caso Anfape mencionado, é possível depreender, das palavras da Conselheira Paula
Farani, onde residiria o abuso. Para ela, o exercício abusivo se caracterizaria quando tal direito fosse
utilizado de maneira inapropriada e deturpada, de modo que extrapolaria sua finalidade social e
econômica e imporia efeitos anticompetitivos injustificáveis ao mercado. Contudo, ao julgar o caso,
a Conselheira entendeu que a utilização de medidas judiciais para efetivar a proteção de uma
propriedade intelectual (no caso, de um desenho industrial) é uma faculdade permitida por lei, e,
por isso, não haveria qualquer desvio na conduta ou na finalidade por ela intentada.
No caso do leilão de palavras, tem-se uma situação bastante distinta: a parte interessada
não está indo a Juízo para efetivar a proteção de uma propriedade intelectual, ela está indo a Juízo
para convencer o juiz de que a sua marca está sendo usada com efeito parasitário. Não há nada na
lei que diga sobre leilão de internet. Assim, força-se o Judiciário a entender que um leilão de palavras
é uma forma de uso da marca.
Contudo, a marca, repisa-se, não está sendo utilizada aos olhos do consumidor, ela é um
indutor para uma resposta ao algoritmo, que tem como objetivo, por meio de uma ação não humana,
entender a intenção da busca. A marca faz um mero papel de insígnia, código, uma chave que
identificará quem der lances e um vencedor que será exibido, se e somente se o algoritmo entender
que o usuário está procurando algo que seja relacionado. O resultado de busca retornará opções,
provavelmente o link do titular da marca entre elas, mas também poderá trazer links de locais onde o
usuário pode comprar o produto (lojas, distribuidores, etc.) e, sim, produtos relacionados ou diferentes
daquele do titular. É isso que o consumidor quer quando entra em um supermercado, ele quer ver
opções. No buscador, ele pode ter várias outras intenções que não somente procurar aquele titular
de marca (até porque ele poderia ir diretamente ao seu site, sem passar pelo buscador). Limitar essas
intenções, como falado, é forçar o Judiciário a interpretar algo não dito em lei, que indiscutivelmente
concede uma superproteção e limita a ação de concorrente, não somente na publicidade online como
6 “Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma mani-
festados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: § 3º As seguintes
condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam
infração da ordem econômica: XIX - exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnolo-
gia ou marca” (BRASIL, 2011).
121
um todo, mas na sua entrada no mercado e na manutenção do poder do agente dominante.
Alega-se que o titular da marca está garantindo, perante o Poder Judiciário, que ela não seja
utilizada economicamente, eis que ele é o detentor da proteção, reputação e invenção. Contudo,
por trás dessa suposta justificativa, está um titular que deseja pagar menos à ferramenta de busca
(já que o leilão tem seu preço aumentado na medida em que várias empresas dão lances) e que
pretende convencer o Poder Judiciário a lhe garantir uma exclusividade que a própria proteção da
marca não lhe confere.
Desta forma, o titular da marca, ao instar uma resposta judicial, não está fazendo uso de uma
faculdade simples de garantir um direito que lhe é seu, mas sim buscando uma interpretação judicial
sobre a utilização de uma proteção que lhe foi conferida. Contudo, pelas razões acima expostas,
ele busca no Poder Judiciário uma superproteção e, mais do que isso, uma limitação à atuação de
um concorrente, que pode constituir uma das hipóteses de exploração abusiva de propriedade
intelectual, infração econômica disposta no artigo 36 da lei n. 12.529/2011.
CONCLUSÃO
As decisões judiciais têm reverberado o entendimento de que a utilização da marca como
Palavras-chave no leilão das ferramentas de busca seria contrária à LPI. Os juízes, em maioria,
têm decidido que a prática seria uma forma de exploração da marca de outrem, apropriando-se
indevidamente do prestígio de marca alheia para atrair para si a clientela que não deveria ser sua.
Contudo, as decisões endereçam uma longa discussão de propriedade intelectual, baseada
quase que exclusivamente na identificação de um consumidor que poderia ser confundido e de um
concorrente que estaria explorando colhendo frutos indevidos do que não lhe pertence. Trata-se de
discussão estática, contrária à interpretação dinâmica e funcional da propriedade, dada e desejada
pela Constituição Federal.
Pretendeu-se, aqui, trazer luz a uma visão menos privatista do instituto da propriedade,
para lembrar de sua função social e da necessidade de sua adequação aos princípios da defesa do
consumidor e da livre concorrência, todos eles dispostos no artigo 170 da Constituição Federal. A
partir dessa visão, identificando-se as diferenças e características próprias das ferramentas de busca
e dos leilões, que não expõem a marca, abre-se os olhos para os efeitos deletérios à competição
trazidos pelas recentes limitações identificadas pelo Poder Judiciário.
Impedir que a marca seja usada no leilão é superproteger um titular com um direito que vai
além do desejado, ensejando, ao contrário, prejuízo ao consumidor. Este último é privado de opções
na publicidade online, tão importante para o desenvolvimento atual de negócios, beneficiando-se o
competidor já instalado, que em geral detém poder de mercado, e elevando-se barreiras à entrada
de novos jogadores no mercado, alijados da competição que se dá na busca imediata do consumidor.
Por fim, buscou-se discutir, do ponto de vista teórico, se a ação do competidor que busca
a superproteção no Poder Judiciário poderia ser investigada, pelo Cade, como exploração abusiva
de propriedade intelectual. Embora essa discussão não seja tão simples, ela é possível, já que os
efeitos são exatamente a restrição à concorrência, a partir de uma ação de um agente econômico que
tem como único objetivo excluir rivais, impedir que eles apareçam no resultado e, com isso, causar
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ferramentas de busca e o Direito Concorrencial. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v.
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prejuízos ao mercado.
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