120
CORDOVIL, Leonor Augusta Giovine. Uso da marca como palavras-chave nos leilões de
ferramentas de busca e o Direito Concorrencial. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v.
11, n. 2, p. 104-123, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1061
A Lei de Defesa da Concorrência dispõe, em seu artigo 36, §3º, inciso XIX, que constitui
infração da ordem econômica o exercício ou exploração abusiva de direitos de propriedade industrial,
intelectual, tecnologia ou marca.
6
Trata-se de uma conduta de natureza unilateral, imposta por um
agente do mercado em prejuízo do outro (conduta exclusionária).
A jurisprudência do Cade já entendeu, de forma suficiente, que a obtenção legitima de um
registro não impede que haja abusividade no seu exercício:
A conduta anticompetitiva pode decorrer tanto de fraudes ou abusos no
procedimento de registro do direito de propriedade industrial quanto de abusos no
exercício do direito em si. A mera obtenção dos registros de desenho industrial pelas
Representadas, ainda que tenha obedecido ao procedimento da Lei de Propriedade
Industrial, com o aval do INPI, não afasta, por si só, a possibilidade de que tais
registros sejam exercidos de modo abusivo, na medida em que se desvirtuem dos
ns socioeconômicos que amparam o direito (BRASIL, 2018).
No caso Anfape mencionado, é possível depreender, das palavras da Conselheira Paula
Farani, onde residiria o abuso. Para ela, o exercício abusivo se caracterizaria quando tal direito fosse
utilizado de maneira inapropriada e deturpada, de modo que extrapolaria sua finalidade social e
econômica e imporia efeitos anticompetitivos injustificáveis ao mercado. Contudo, ao julgar o caso,
a Conselheira entendeu que a utilização de medidas judiciais para efetivar a proteção de uma
propriedade intelectual (no caso, de um desenho industrial) é uma faculdade permitida por lei, e,
por isso, não haveria qualquer desvio na conduta ou na finalidade por ela intentada.
No caso do leilão de palavras, tem-se uma situação bastante distinta: a parte interessada
não está indo a Juízo para efetivar a proteção de uma propriedade intelectual, ela está indo a Juízo
para convencer o juiz de que a sua marca está sendo usada com efeito parasitário. Não há nada na
lei que diga sobre leilão de internet. Assim, força-se o Judiciário a entender que um leilão de palavras
é uma forma de uso da marca.
Contudo, a marca, repisa-se, não está sendo utilizada aos olhos do consumidor, ela é um
indutor para uma resposta ao algoritmo, que tem como objetivo, por meio de uma ação não humana,
entender a intenção da busca. A marca faz um mero papel de insígnia, código, uma chave que
identificará quem der lances e um vencedor que será exibido, se e somente se o algoritmo entender
que o usuário está procurando algo que seja relacionado. O resultado de busca retornará opções,
provavelmente o link do titular da marca entre elas, mas também poderá trazer links de locais onde o
usuário pode comprar o produto (lojas, distribuidores, etc.) e, sim, produtos relacionados ou diferentes
daquele do titular. É isso que o consumidor quer quando entra em um supermercado, ele quer ver
opções. No buscador, ele pode ter várias outras intenções que não somente procurar aquele titular
de marca (até porque ele poderia ir diretamente ao seu site, sem passar pelo buscador). Limitar essas
intenções, como falado, é forçar o Judiciário a interpretar algo não dito em lei, que indiscutivelmente
concede uma superproteção e limita a ação de concorrente, não somente na publicidade online como
6 “Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma mani-
festados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: § 3º As seguintes
condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam
infração da ordem econômica: XIX - exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnolo-
gia ou marca” (BRASIL, 2011).