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5
INOVAÇÃO E CONCORRÊNCIA
NOS ECOSSISTEMAS
DIGITAIS: UMA ABORDAGEM
A PARTIR DAS ARQUITETURAS
DOMINANTES
1
Innovation and competition in digital
ecosystems: an approach from the emergence of
dominant architecture
Vinicius Klein
2
Universidade Federal do Paraná (UFPR) – Curitiba/PR, Brasil
Gabriela Wilxenski Rodrigues
3
Universidade Federal do Paraná (UFPR) – Curitiba/PR, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Objetivo: o objetivo deste trabalho é explorar a complexidade do papel da inovação no direito
concorrencial, focando nos desafios adicionais apresentados nos mercados digitais. Assim, buscou-
se examinar as diferentes abordagens da inovação na teoria econômica e sua influência nas decisões
das autoridades de defesa da concorrência. Para abordar essa questão, foi utilizada a teoria do design
dominante como um referencial teórico mais adequado às características específicas dos mercados
digitais.
Metodologia: o presente estudo, primeiramente, analisou as diferentes teorias sobre inovação, para
compreender qual abordagem seria a mais adequada para integrar a inovação no raciocínio e na
metodologia de
enforcement do direito concorrencial. Uma vez que se concluiu que a teoria design
dominante é a mais adaptada as especificidades dos mercados digitais, ela foi analisada e aplicada
de modo comparativo as alternativas teóricas.
Conclusões: a teoria do design dominante emerge como uma abordagem teórica eficaz, considerando
a natureza cíclica da inovação e sua relação com as arquiteturas dominantes nos mercados digitais.
Uma aplicação adequada do direito da concorrência deve se concentrar na manutenção de ciclos
Editor responsável: Prof. Dr. Victor Oliveira Fernandes, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Brasília, DF,
Brasil. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5250274768971874. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5431-4142.
1 Recebido em: 19/10/2023 Aceito em: 03/06/2024 Publicado em: 19/06/2024
2 Professor de Direito Empresarial e Direto e Economia nos Departamentos de Direito Privado e de Economia
da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Procurador do Estado do Paraná. Doutor em Desenvolvimento Econômico pela
UFPR. Doutor em Direito Civil pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Glasgow Fellow na Faculdade de Direto
da Universidade de Glasgow em 2023. Professor Visitante na Faculdade de Direito e Ciência Política de Nice na Universidade
Cote D’Azur em 2022. Visiting Scholar na Universidade de Columbia em 2012.Coordenador do Núcleo de Estudos em Direito e
Economia da UFPR.
E-mail: viniciusklein78@yahoo.com.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/3557006102051289
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2023-4934
3 Graduanda em Direito pela UFPR, pesquisadora bolsista do PET Direito e integrante do NEDE.
E-mail: gabiwilxenski@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/5163473370118645
ORCID: https://orcid.org/0009-0006-1751-005X
110
KLEIN, Vinicius; RODRIGUES, Gabriela Wilxenski. Inovação e concorrência nos ecossistemas
digitais: uma abordagem a partir das arquiteturas dominantes. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 109-128, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1065
de arquitetura dominante, permitindo a contestabilidade e a emergência de novas arquiteturas,
sem interferir na dinâmica de mercado. Esta abordagem começa a ganhar reconhecimento, como
evidenciado na decisão do Cade em 2020, destacando a importância de considerar o processo de
inovação em mercados dinâmicos, sinalizando uma evolução significativa na aplicação do direito
concorrencial em relação aos mercados digitais.
Palavras-chave: inovação; dinamicidade de mercado; ecossistemas digitais; teoria do design
dominante.
STRUCTURED ABSTRACT
Objective: this work aims to explore the complexity of the role of innovation in competition law, with a
focus on the additional challenges presented by digital markets. Thus, we sought to examine dierent
approaches to innovation in economic theory and their influence on the decisions of competition
authorities. To address this issue, the theory of dominant design was used as a theoretical framework
that considers the specific characteristics of digital markets.
Method: the present study first analyzed theories of innovation to understand which approach
would be most suitable for integrating innovation in competition law reasoning and
enforcement
methodology. Once it was concluded that the dominant design theory is the most applicable in digital
markets, it was analyzed and applied comparatively to other theoretical alternatives.
Conclusion: the theory of dominant design emerges as an eective theoretical approach, considering
the cyclical nature of innovation and its relationship with dominant architectures in digital markets.
A proper application of competition law should focus on maintaining cycles of dominant architecture,
allowing contestability and the emergence of new architectures without interfering with market
dynamics. This approach is starting to gain recognition, as evidenced by the Cade's decision in 2020,
highlighting the importance of considering the innovation process in dynamic markets and signaling
a significant evolution in the application of competition law in relation to digital markets.
Keywords: innovation; market dynamism; digital ecosystems; dominant design theory.
Classificação JEL: K21; L14; L11; L40; O33.
Sumário: 1. Introdução; 2. Inovação e defesa da
concorrência nos mercados digitais; 3. Ecossistemas
digitais e Teoria do Design Dominante; 4. Política de
Concorrência e Arquitetura Dominante; 5. Considerações
Finais; Referências.
1. INTRODUÇÃO
A tecnologia é um elemento central da vida cotidiana dos indivíduos. Todavia, o processo
inovativo e a implementação das inovações produzidas, bem como o papel do Estado no incentivo e
direcionamento do desenvolvimento tecnológico continuam a ser uma questão controversa na teoria
econômica e nas ciências sociais (JAFFE; LERNER, 2006). A dificuldade na compreensão do processo
inovativo impacta necessariamente o Direito e a eficácia das estratégias adotadas para regular a
inovação. O contexto atual de digitalização dos mercados ao intensificar a velocidade e a extensão
111
da inovação pode ser entendido como uma forma de apresentar as dificuldades na formulação e
imposição da regulação estatal da inovação, fazendo com que os benefícios e os dilemas do avanço
tecnológico ocupassem um espaço relevante no debate público e técnico em diversos ramos do
conhecimento.
Neste artigo será abordada uma consequência específica da complexidade do processo
inovativo e das limitações das construções econômicas teóricas acerca da inovação: os problemas
que o direito concorrencial enfrenta para incorporar de forma plena a inovação no seu raciocínio
e na sua metodologia de
enforcement. Aqui deve-se esclarecer que por raciocínio concorrencial
endereça-se a forma pela qual os argumentos são construídos em uma decisão concorrencial (KLEIN,
2015). O direito concorrencial atual tem como ferramenta central para compreensão das dinâmicas
de mercado as teorias econômicas, que são construídas no âmbito teórico, e, posteriormente acabam
por ser operacionalizadas como instrumentos de análise concorrencial
4
.
Nesse sentido, a compreensão da inovação na dinâmica dos mercados digitais é crucial para a
imposição concorrencial nos mercados digitais e para a regulação concorrencial das Big Techs. Afinal,
a inovação é central na dinâmica da concorrência nos mercados digitais, mas não se trata de tarefa
trivial. Apesar de existirem amplos debates acerca da teoria econômica no processo de inovação,
as novas questões trazidas pelos mercados digitais ainda não foram devidamente incorporadas nos
modelos econômicos utilizados no direito concorrencial.
Em suma, a integração da inovação como uma variável principal no raciocínio concorrencial é
um desafio que ainda não foi vencido. Para ilustrar esta assertiva pode se observar o uso da inovação
em decisões antagônicas relativas a mercados digitais. Por exemplo, as decisões relativas ao caso
Google Shopping, comparativamente, temos que a União Europeia (2022b) e o FTC (2012) usaram a
inovação enquanto argumento centrais em suas conclusões, e, apesar das peculiaridades de cada
jurisdição, trataram do mesmo processo inovativo desenvolvido para a concepção e funcionamento
do Google Shooping, produziram, entretanto, conclusões diferentes.
As questões centrais do caso nas duas jurisdições são muito semelhantes: (i) se a Google
favoreceu (ou não) a deslocação do seu próprio conteúdo, desvalorizando o conteúdo dos concorrentes;
(ii) além da questão interpretativa sobre a possibilidade de comprar o AdWords, isto é, comprar o
“espaço” das melhores posições de disposição no site de busca da Google. De modo que, mesmo
focando nos mesmo dois pontos principais, enquanto o Federal Trade Commission (FTC) terminou a
sua investigação sem apresentar queixa contra a Google, o Tribunal Geral da União Europeia impôs
uma sanção de 2,42 bilhões de euros ao Google. Destaca-se, portanto, a complexidade e ausência de
uma metodologia estabelecida para lidar e abarcar o conceito de inovação no âmbito da defesa da
concorrência.
Os debates na teoria econômica acerca da inovação não são novos
5
, incluindo o papel
do Estado em sistemas de inovação bem-sucedidos
6
. A estratégia regulatória adequada às novas
4 A questão do papel das teorias econômicas no direito concorrencial é bastante complexa e foge do escopo abordado
no artigo, logo, para uma análise adequada, ver: Bork, 1993.
5 A relação entre concorrência e inovações é disputada. Para uma análise empírica, ver: (AGHION et al., 2005).
A Tese Schumpeteriana é apresentada em: (SCHUMPETER, 1950). A proposição de Arrow é apresentada em: (ARROW, 1962).
Sobre o debate Schumpeter-Arrow, ler: (GILBERT, 2006); (FEDERICO; MORTON; SCHAPIRO, 2020). E, uma análise crítica da tese
schumpeteriana, pode ser encontrada em: (MAYHEW, 1980).
6 O conceito de um sistema nacional de inovação é apresentado em: (NELSON; ROSENBERG, 1993). No Brasil, o Sistema
112
KLEIN, Vinicius; RODRIGUES, Gabriela Wilxenski. Inovação e concorrência nos ecossistemas
digitais: uma abordagem a partir das arquiteturas dominantes. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 109-128, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1065
tecnologias é também um tema controverso na teoria jurídica e tem produzido novos conceitos e
abordagens, como o conceito de sandbox
7
. Tal contexto deve ser complementado pelo debate sobre
a Inteligência Artificial, com a utilização de dados no processo de machine learning
8
, aplicado aos
algoritmos
9
, como input crítico em modelos de negócio de vários setores da economia, é um desafio
tanto para os modelos de organização industrial quanto para a teoria jurídica.
O conceito de inovação normalmente tem uma conotação positiva, contudo a mesma pode
ser empregada negativamente, propiciando condutas exclusionárias em análises concorrenciais.
O conceito de inovação predatória é um exemplo dessa realidade na jurisprudência
10
. Além disso,
na literatura, o conceito de inovação tóxica (EZRACHI; STUCKE, 2022), ou inovação de exclusão, é
empregada em casos de proteção dos ecossistemas de concorrência potencial e da viabilidade de
entrada de novos integrantes.
Ainda, deve-se observar que existia, ao menos até o avanço do processo de digitalização dos
mercados, uma convergência limitada na imposição antitruste (GERBER, 2010; CHENG, 2012). Verifica-
se, ainda, divergências de estratégia das diversas jurisdições quanto à imposição da legislação
concorrencial nos mercados digitais, por exemplo, a União Europeia através de iniciativas legislativas
como o Digital Markets Act ao identificar a perda de eficácia das metodologias econômicas existentes
e a sua adequação do raciocínio concorrencial optou pela imposição de proibições per se
11
.
O presente trabalho é um esforço no sentido do aperfeiçoamento do aparato conceitual e
operacional do direito concorrencial. Mesmo que o foco não seja o Digital Markets Act (DMA) produzido
na União Europeia é relevante observar que a legislação em questão teve como um dos objetivos
reforçar o papel que a inovação deve representar no raciocínio concorrencial e o renascimento do
debate acerca dos conceitos de contestabilidade e da concorrência potencial (PETIT, 2021).
Ainda, a inovação pode se apresentar em papéis diversos no direito concorrencial (GILBERT,
2020). Um deles é o de ser força capaz de contestar o poder de mercado das empresas incumbentes.
Para exemplificar tal dinâmica podemos observar o caso dos aplicativos de transporte, como o Uber
e o 99, que contestaram o poder do mercado de transporte privado tradicionais, os táxis
12
.
Ainda, pode se tratar de um resultado positivo, por exemplo, um ganho de eficiência, que é
vista na adoção de tecnologias mais avançadas de produção que geram redução de custos para as
empresas, aumento da qualidade dos produtos e melhoria dos serviços oferecidos aos consumidores.
Nacional de Inovação pode ser definido como “constituído por elementos e relações às quais interagem na produção, difusão
e uso de conhecimento novo e economicamente útil e (…) engloba elementos e relações, localizados nas fronteiras de um
estado-nação” (LUNDVALL, 1992 apud CHIARINI, 2020, p. 10).
7 O conceito e a utilização do sandbox regulatório é um exemplo (ALLEN, 2019). O termo refere-se a "um regime de
teste controlado e seguro, onde empresas inovadoras podem experimentar seus produtos, serviços ou modelos de negócios
sem se sujeitar à totalidade das normas regulatórias existentes.” (ZETZSCHE et al., 2017, p. 3).
8 Machine learning pode ser entendida como o processo de construção de computadores que podem adaptar-se e
aprender com a experiência (WILSON; KEIL, 1999).
9 Um algoritmo é um conjunto finito de regras simples e não ambíguas aplicadas a um objeto ou a um símbolo para
produzir um resultado (WILSON; KEIL, 1999).
10 Para uma abordagem na literatura, ver: (SCHREPEL, 2018). Para ver uma aplicação na realidade do antitruste brasilei-
ro ver: AC n° 08700.004431/2017-6.
11 Nesse sentido as iniciativas legislativas da União Europeia como o DMA optam pela imposição de proibições per se
para punir condutas que ainda não conseguem ter os danos e os efeitos bem delineados pela metodologia econômica em voga
no direito concorrencial. Nesse sentido ver: (PENEREIRO, KASTRUP; BARBOSA, 2023).
12 Para uma análise dessa dinâmica conferir: (ESTEVES, 2015).
113
Como exemplos de conotação negativa tem-se os conceitos de inovação exclusionária ou
predatória, que já estão inseridos no âmbito do direito concorrencial brasileiro
13
. Ainda, na literatura,
o conceito de inovação tóxica acrescenta além do uso da inovação como meio de proteção dos
ecossistemas, de modo a barrar potencial competidores e excluir novos entrantes, um caráter
valorativo, como a disseminação de condutas socialmente negativas (EZRACHI; STUCKE, 2022).
Com esse panorama, este artigo pretende explorar a noção de inovação enquanto um processo
contínuo e cíclico e aplicará esse raciocínio aos mercados digitais. Para integrar esta abordagem no
raciocínio concorrencial será utilizado como referencial teórico a teoria do design dominante. Essa
escolha justifica-se pela maior aderência às características específicas da inovação nos ecossistemas
e nos mercados digitais, bem como a sua capacidade de recepção de racionalizações tanto para
empresas que atuam no meio digital, como nas que figuram nos ciclos industriais tradicionais
(ANDERSON; TUSHMAN, 1990).
Para realizar esta tarefa, para além desta introdução, o presente trabalho conta com três
seções. A primeira apresentará diferentes abordagens da inovação na teoria econômica, mostrando
como esses debates têm sido incorporados nas decisões das autoridades concorrenciais e na política
de defesa da concorrência. Ainda, a relevância da inovação no processo de digitalização dos mercados
sobre a ótica concorrencial será explorada para reforçar que se trata de uma tarefa urgente. A segunda
seção abordará a forma como a teoria do design dominante pode auxiliar na melhor integração
da inovação na análise concorrencial, em especial, com relação às características específicas dos
mercados e ecossistemas digitais. A terceira seção irá aplicar a teoria do design dominante para
analisar um ponto específico: o papel da política de concorrência antes e depois da emergência de
uma arquitetura dominante
14
. Assim, na conclusão, serão avaliados os possíveis ganhos e limites da
teoria da arquitetura dominante como uma abordagem para melhor integrar a inovação no raciocínio
do direito da concorrência.
2. INOVAÇÃO E DEFESA DA CONCORRÊNCIA NOS MERCADOS DIGITAIS
Os termos mercados digitais e plataformas digitais são adotados de forma a identificar a
mesma realidade, na qual plataformas e ecossistemas digitais se destacam como modelos de negócio
e de organização do mercado. Como para fins da presente abordagem o contexto mais amplo, que
envolve tanto plataformas quanto ecossistemas digitais, é mais relevante, esse termo será adotado
quando a referência ao contexto geral dos mercados digitais, sem que se tenha necessidade de se
abordar características especificas das plataformas ou ecossistemas digitais.
A dinâmica competitiva nos mercados digitais diferencia-se dos mercados tradicionais (brick-
and-mortar markets) em vários aspectos, sendo a produção e o valor competitivo da inovação um
deles
15
. Dentre as definições de mercados digitais existentes na literatura destaca-se Rochet e Tirole
(2006, p. 645) two-sided (or, more generally, multi-sided1) markets are roughly defined as markets
in which one or several platforms enable interactions between end-users and try to get the two (or
13 Para uma abordagem teórica checar: (SCHREPEL, 2018). Para um caso brasileiro ver: AC n. 08700.004431/2017-6 (Itaú
Unibanco S.A. and XP Investimentos S.A.).
14 Outra utilização da teoria do design dominante no direito da concorrência pode ser encontrada em: (HUMMEL, 2022).
15 Para entender os aspectos dessa inovação checar a seção 5 de: (CALVANO; POLO, 2021).
114
KLEIN, Vinicius; RODRIGUES, Gabriela Wilxenski. Inovação e concorrência nos ecossistemas
digitais: uma abordagem a partir das arquiteturas dominantes. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 109-128, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1065
multiple) sides “on board” by appropriately charging each side”
16
. Assim, as plataformas digitais
funcionariam como espaço de mediação de transações. Atualmente, tal definição tem por objetivo
abranger a múltipla realidade encontrada no ambiente digital.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (2019) define
as plataformas digitais como uma gama de serviços disponíveis na Internet, que inclui mercados,
mecanismos de busca, redes sociais e muitos outros instrumentos. Estas utilizam as tecnologias da
informação e da comunicação (TICs) para facilitar as interações entre os usuários, concomitantemente
recolhem e usam os dados gerados por essas interações, criando os efeitos de rede e os utilizando
através dos seus múltiplos mecanismos, como por exemplo as ofertas com preços diferentes para
clientes diferentes
17
.
As plataformas digitais podem estar inseridas em um ecossistema digital, que é um conceito
mais amplo. Os ecossistemas digitais abarcam composições de mecanismos de interoperabilidade,
incluindo desde modelos de negócio aos dispositivos de hardware, que não são necessariamente da
propriedade da mesma empresa (OECD, 2019). De modo que, para uma boa compreensão da inovação
nos mercados digitais e da aplicação da teoria do design dominante, que será explorada na terceira
seção, é crucial conhecer a distinção entre plataformas e ecossistemas digitais.
Jacobides e Lianos (2021) definem os ecossistemas como um grupo de multiatores
colaboradores complementares, que possuem uma estrutura de relações interorganizacionais, com
interações entre os componentes de um sistema correlacionado. Como cada ecossistema tem uma
estrutura organizacional interrelacionada própria, a concorrência inter-ecossistemas é diferente da
competição intra-ecossistemas, o que pode demandar diferentes tipos de construção regulatória e
concorrencial.
Portanto, os ecossistemas digitais promovem relações entre um grande grupo de atores que
o compõe ou com ele interagem. Essas interações geram o valor do ecossistema, que independe de
uma hierarquização prévia e centralizada no dono do ecossistema (JACOBIDES; CENNANO; GAWER,
2018). Já nas plataformas digitais, essa criação autônoma de valor não ocorre/surge das relações entre
os agentes que interagem com o ecossistema. Afinal, trata-se de um modelo de negócio fundado em
uma tecnologia que promove a conexão de diferentes agentes em dois ou mais mercados, mas essas
conexões ocorrem dentro da plataforma e apenas na forma que a modelagem de negócios próprio
da plataforma permite.
Assim como as plataformas e os ecossistemas digitais, a inovação também é alvo de muitos
debates e de diversas construções teóricas. Entretanto, este artigo não trará uma análise exaustiva
do conceito de inovação, concentrando-se em como os conceitos econômicos da inovação que foram
incorporadas ao debate concorrencial, de forma a apresentar os potenciais ganhos da teoria do
design dominante.
Na literatura concorrencial a menção a inovação costuma trazer o debate entre as posições
de Kenneth Arrow e Joseph Schumpeter. Em linhas gerais, temos que Schumpeter acreditava que a
16 Tradução nossa: “[m]ercados de dois lados (ou, de forma geral, de múltiplos lados) são brevemente definidos
enquanto mercados em que uma ou várias plataformas permitem a interação entre usuários finais e utilizam-se dos dois (ou
múltiplos) lados “a bordo” para cobrar apropriadamente cada lado”. Definição similar pode ser vista em: (ROCHET; TIROLE,
2003, p. 1018-1019).
17 Definição similar pode ser vista em: (EVANS; HAGIU; SCHMALENSEE, 2008, p. 43).
115
concentração do mercado levaria a mais inovação, argumentando que empresas maiores têm mais
recursos para investir em pesquisa e desenvolvimento e podem assumir mais riscos e introduzir
novos produtos. Ao passo que Arrow acreditava que a competição leva a uma maior difusão de
conhecimento e ideias, o que estimularia as empresas a inovarem para ficar à frente de seus rivais e
manter sua participação no mercado
18
.
Já avançando para os mercados digitais a inovação é vista como um dos pontos chave para
a sua compreensão (CALVANO; POLO, 2021). As economias de escala e de escopo, os baixos custos de
distribuição e o papel dos dados interferem diretamente no processo de inovação, por conseguinte,
a velocidade e a escala, no âmbito da internet, alavancam o debate sobre a inovação para um novo
patamar (STIGLER COMMITTEE ON DIGITAL PLATFORMS, 2019). Por exemplo, é comum que startups
sejam vendidas ainda na fase de estruturação, antes mesmo de terem um único cliente (CALVANO;
POLO, 2021).
Nesse cenário dinâmico, advindo da velocidade de inovação dos mercados digitais, as políticas
de defesa da concorrência têm desafios diversos daqueles presentes nos mercados tradicionais. As
ferramentas concorrenciais tradicionais são estruturadas a partir de mercado tracionais com um nível
menos intenso de inovação e dinamicidade. Nesse contexto, a política de defesa da concorrência
pode ser vista como excessivamente estática e rigidamente estruturada (GILBERT, 2020), em que se
define o mercado relevante, depois as respectivas porcentagens de mercado e, por essa metodologia,
decidem se as operações serão ou não aprovadas; ele explica que isso busca evitar a formação de
monopólios e salvaguardar o aumento de preços. No entanto, essa estratégia não tem sido capaz
de evitar a situação atual: cinco grandes empresas de tecnologia que governam os seus próprios
ecossistemas, com poder de mercado em todo o ambiente digital, com capacidade para (veladamente)
excluir quaisquer outsiders, sem sequer correrem o risco de serem detectadas pelas autoridades da
concorrência
19
. Desta forma, em um cenário com uma maior intensidade e velocidade do processo de
inovação a metodologia demanda aperfeiçoamentos.
O argumento da falta de dinamicidade das metodologias de análise concorrencial na
abordagem das capacidades dinâmicas pode levar a mudança das metodologias estruturais rígidas
do direito concorrencial. Uma abordagem que parte desse diagnóstico é a teoria das capacidades
dinâmicas. Nesse cenário capacidade dinâmica é definida como a habilidade das firmas de resposta
e adaptação em ambientes de incerteza, reconfigurando as suas competências em função das
oportunidades e necessidades de mercado, que mudam constantemente (TEECE; PISANO; SHUEN,
1997). Assim, o nível de incerteza enfrentado pelas firmas e a capacidade de resposta são a principal
tendência da concorrência e a política de defesa da concorrência deve focar na produção de
incentivos adequados para a construção de capacidades dinâmicas, permitindo que essas firmas
exerçam posições de dominância de mercado se a obtiveram em função da capacidade dinâmica
construída, o que gera maior bem-estar social no longo prazo
20
.
Para esta abordagem o foco da análise concorrencial no caso de um ato de concentração,
por exemplo, deveria ser nos impactos desse ato ou de determinada prática nos investimentos em
18 Essa é uma descrição bastante sintética da questão, para uma análise mais aprofundada ver: (GILBERT, 2006) e
(FEDERICO; MORTON; SCHAPIRO, 2020).
19 Para compreender como é feita tal exclusão, ver: (EZRACHI; STUCKE, 2022).
20 Para conferir um exemplo, ver: (PETIT; TEECE, 2020)
116
KLEIN, Vinicius; RODRIGUES, Gabriela Wilxenski. Inovação e concorrência nos ecossistemas
digitais: uma abordagem a partir das arquiteturas dominantes. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 109-128, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1065
tecnologia no setor ou no ecossistema digital e no alinhamento dos incentivos para a inovação
tecnológica
21
.
Ainda, no caso da definição do mercado relevante, que integra a metodologia tradicional e
estruturada da análise de concorrência, uma abordagem das capacidades dinâmicas na economia
digital aponta que embora possa parecer que cada ecossistema digital exerce dominância de forma
isolada, na dinâmica da concorrência ampla, estes, na verdade, são interligados e complementares
(PETIT; TEECE, 2020).
Para que essa dinâmica de mercado funcione seriam necessários filtros estáveis e testes
confiáveis, apontam Petit e Teece (2020, p. 11-12). Dessa forma seria possível a distinção e o
contrabalanceamento das dinâmicas conjunturais e dos níveis de incerteza, bem como capacidades
dinâmicas das firmas.
A abordagem das capacidades dinâmicas é uma metodologia possível para integrar a
inovação no raciocínio concorrencial no contexto dos mercados digitais. Trata-se de uma proposta
de cunho Schumpeteriano se retomarmos o debate Arrow v. Schumpeter, isso pois, esta proposta
entende o recebimento de rendas aos agentes econômicos mais inovadores – ou que possuam
maiores capacidades dinâmicas – de forma a incentivar a inovação como algo natural e necessária
para o avanço do processo concorrencial e da inovação.
Entretanto, deve-se apontar que a relação entre concentração e inovação ainda é alvo de
embates teóricos e empíricos. Afinal, os ganhos de capacidades dinâmicas devem ser sopesados
com a relação entre a extensão da concentração e o desincentivo a novos concorrentes e os seus
investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D)
22
.
Afinal, para os críticos das abordagens de cunho Schumpeteriano, como por exemplo
os defensores das teorias das capacidades dinâmicas as grandes empresas de tecnologia - que
atualmente dominam todo o ecossistema de mercados digitais – são a causa direta da diminuição
da produtividade dos Estados Unidos. Causa esta que seria o desincentivo à inovação e à entrada
de outras empresas. Tendo, portanto, influenciado diretamente no declínio no crescimento da
produtividade destes mercados
23
.
Dessa forma, os mercados digitais requerem uma análise das dinâmicas especificas destes
mercados. Assim, a análise concorrencial deve ser enriquecida não apenas com uma melhor avaliação
da inovação em si, mas a dinâmica do mercado deve ser objeto de uma análise mais cuidadosa.
Essa assertiva não significa, entretanto, que abordagens como a das capacidades dinâmicas sejam
a única forma ou a forma mais adequada de incorporar a dinamicidade dos mercados digitais no
raciocínio concorrencial.
Apesar dos méritos percebidos nas propostas das teorias das capacidades dinâmicas ela
não é isenta de críticas. O abandono das metodologias estruturadas pode significar um aumento
expressivo da insegurança jurídica e da imprevisibilidade, uma vez que a identificação de níveis de
21 Essa abordagem pode ser vista em: (PETIT; TEECE, 2020, p. 11-12). Como exemplo, seguem algumas das questões que
deveriam ser realizadas na avaliação: “o que acontece se o preço de mercado aumentar 5% ao longo de 1 ano?”, seria alterada
para “o que acontece se a empresa deixar de investir em tecnologia nos próximos 4 anos?”; e “o objetivo da prática empresarial
é justificado?” para “que fase do ciclo de vida foi atingida pelo ecossistema, e a prática está alinhada?”.
22 Tal direcionamento também pode ser visto em: (AGHION; ANTONIN; BUNEL, 2021).
23 Esse cenário é identificado na realidade estadunidense abordada em: (AGHION; ANTONIN; BUNEL, 2021).
117
incerteza e de capacidades dinâmicas em cada firma ainda é de difícil mensuração. Ademais, o foco
exclusivo na inovação e nos incentivos a firmas com maior capacidade inovativa pode significar
que, além do preço passar a ocupar uma função secundária, outras consequências negativas da
concentração de poder econômico sejam excluídas do direito concorrencial
24
.
Mesmo no âmbito da inovação uma dimensão que escapa a teoria das capacidades dinâmicas
é a de demanda por inovação. Nesse contexto, Ezrachi e Stucke (2022) analisam não apenas a oferta
de inovação, mas também como nos mercados digitais as Big Techs controlam e criam a demanda por
inovação para operar, sustentar e controlar o seu domínio do ecossistema digital. Nesse contexto, ao
controlarem a arquitetura da sua plataforma e interagirem com terceiros que têm acesso a ela no seu
ecossistema produzem uma espécie de recife de coral, um lugar “seguro e ideal” à inovação.
Dessa forma, as Big Techs conseguem ter acesso a informações de potenciais tendências de
mercado ao mesmo tempo que oferecem essa grande quantidade de aplicativos e funcionalidades
criadas por terceiros ao seu consumidor, mantendo esse público cativo ao ecossistema. Ainda assim,
não deixam de realizar consideráveis investimentos em P&D todos os anos, ou seja, cumulativamente
garantem o seu controle hegemônico no ecossistema digital.
Assim, os agentes econômicos produtores de inovação, nomeados por Erzachi e Stucke (2022)
de Tech Pirates precisam ultrapassar as barreiras à entrada em um mercado muito competitivo e
distorcido. Restando claro, nesse sentido, que as Big Techs, ao controlem suas próprias plataformas,
conseguem também controlar o ecossistema digital e direcionamento a demanda por inovação para
funcionalidades compatíveis e que não ameacem as plataformas e ecossistemas existentes, afetando
inclusive as transações fora dos seus ecossistemas.
Para Erzachi e Stucke (2022)
25
, esse controle do crescimento é alcançado com o emprego de
três estratégias: (i) a exclusão do Pirate do ecossistema ou a redução da sua visibilidade – seria a de
mais fácil detecção; (ii) a redução da interoperabilidade com a inovação do Pirate – mudanças sutis
que fazem com que a experiencia não seja agradável ou não ocorra como um todo, desfidelizando
o consumidor; e (iii) a cópia da inovação do Pirate – chamado, pelos autores, de copycat torpedo.
Portanto, o comportamento artificialmente estruturado dos integrantes do Google, Apple, Facebook,
Amazon e Microsot (GAFAMs) interfere na capacidade de inovação como um todo dos Tech Pirates,
que além de enfrentar um mercado extremamente competitivo, tem de estar atento às armadilhas do
próprio sistema que busca integrar.
Esses comportamentos exclusionários impactam de forma negativa a dinâmica concorrencial
em dois níveis. Em primeiro lugar, na fase de criação e desenvolvimento de novas tecnologias,
pois devido à distorção de demanda, os desenvolvedores são conduzidos para direções erradas,
pesquisando e produzindo para demandas inexistentes/distorcidas. E, em segundo lugar, ao nível do
ganho de escala porque, devido às barreiras construídas pelos proprietários desses ecossistemas, os
novos produtores, Tech Pirates, têm a amplitude de seu alcance reduzido, restando limitados a um
espaço de pouca visibilidade.
24 Alguns efeitos negativos dos monopólios refletem-se em questões democráticas de concentração de poder, conforme
explica o Professor José Távara “La doctrina del antitrust, formulada en los países industrialmente avanzados, postula que
la democracia funciona mejor cuando el poder económico se distribuye de manera descentralizada y cuando los distintos
intereses económicos se contrarrestan entre sí [...] Cuando el poder económico se concentra, la democracia se pervierte y las
políticas empiezan a responder a las presiones de los grupos de poder” (TÁVARA, 2013).
25 Essas estratégias são elaboradas no curso do capítulo 4, p. 45-56.
118
KLEIN, Vinicius; RODRIGUES, Gabriela Wilxenski. Inovação e concorrência nos ecossistemas
digitais: uma abordagem a partir das arquiteturas dominantes. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 109-128, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1065
Essa análise do controle, não apenas da oferta de inovação, mas de como o controle da
arquitetura digital permite direcionar a demanda por inovação, é imprescindível para o presente
trabalho. Isso pois, integrar a inovação à metodologia de análise concorrencial depende de uma
compreensão de como os processos tecnológicos são incorporados pelo consumidor, não apenas
como as firmas produzem inovação. Ainda, a correlação entre o controle da arquitetura digital e
trajetória do processo inovativo é essencial a melhor compreensão dos ecossistemas digitais.
Afinal, novos entrantes podem ter na inovação uma vantagem concorrencial em relação às
firmas incumbentes, essa que nos mercados digitais é ainda mais crucial. Além da inovação nos
mercados digitais, alguns fatores podem ser apontados como relevantes para maiores chances de
sucesso na dinâmica concorrencial: (i) o agente ser relativamente grande; (ii) entrada durante uma
"janela de oportunidade"; e (iii) a atuação em um segmento do mercado que não esteja inteiramente
engessado/dominado por alguma arquitetura de design dominante (CHRISTENSEN; SUÁREZ;
UTTERBACK, 1998).
A dificuldade da política concorrencial em deixar de trabalhar com parâmetros e eficiências
estáticas está presente em grande parte das jurisdições, incluindo a União Europeia, que tem adotado
políticas mais agressivas de regulação dos mercados digitais (HUMMEL, 2022). A manutenção de uma
metodologia de análise rígida e estática torna o impacto da inovação no mercado mais difícil de ser
avaliada, uma vez que os impactos da inovação são, sobretudo, dinâmicos.
Em suma, como foi demonstrado por alguns estudos empíricos
26
a regulação da inovação tem
efeitos ambíguos quando se trata de inovação disruptiva. Dado que o liame entre a inovação positiva
e a negativa é de difícil visualização e definição, implicando que as políticas de concorrência, ainda
que bem desenhadas, não tenham o impacto pretendido.
Assim, apresentado o contexto do debate da inovação no direito concorrencial e as abordagens
econômicas que têm ganhado proeminência na aplicação da legislação concorrencial. Na próxima
seção aprofundar-se-á a teoria do design dominante como uma opção capaz de contribuir com a
adaptação do direito concorrencial e do seu ferramental direcionado às dinâmicas dos mercados
digitais.
3. ECOSSISTEMAS DIGITAIS E TEORIA DO DESIGN DOMINANTE
A escolha da teoria do design dominante deve-se, sobretudo, à adequação das suas
premissas e à abordagem desenvolvida nas questões concorrenciais dos mercados digitais, em
especial, a percepção do processo de inovação nos ecossistemas digitais como um processo contínuo
e cíclico (BREM; NYLUND; SCHUSTER, 2016). Além dos trabalhos empíricos que apontam que nenhuma
tecnologia tem a capacidade de dominar todas as dimensões da estrutura em razão (unicamente) de
seu mérito (ANDERSON; TUSHMAN, 1990)
27
.
26 Para ver alguns resultados, consultar: (HUESIG; TIMAR; DOBLINGER, 2014).
27 O referido estudo baseia-se em uma sistemática longitudinal, em que se analisam os processos de descontinuidade
de produtos, focando nos ciclos de cimento (1888-1980), vidro (1893-1980) e minicomputadores (1958-1982). O estudo conclui
que é necessário que as organizações desenvolvam competências diversas para se adaptarem à evolução tecnológica,
combinando capacidades de inovação com influência sobre os padrões da indústria. Sob o desafio de acompanharem tanto as
inovações incrementais quanto as disruptivas simultaneamente.
119
Em comparação com as teorias das capacidades dinâmicas pode-se afirmar que a teoria do
design dominante capta melhor o caráter cíclico do processo inovativo ao observar tanto o surgimento
da inovação quanto a busca pela redução da incerteza na consolidação natural do mercado em design
dominantes, que afetam tanto a oferta e a demanda por inovação como será debatido nesta seção
Para melhor ilustrar o contexto do processo inovativo dentro da teoria do design dominante
pode se pensar, inicialmente, no ciclo de vida de um mercado tradicional, como o da indústria
automobilística mundial. Assim, temos que a fronteira inicial de produtos grosseiramente modulares
foi totalmente superada pelo design integral dominante, pelo Ford Modelo T, de 1908, pelas inovações
de processo subsequentes (o sistema Ford) e pelas expansões de volume (FUJIMOTO, 2013).
Esse modelo, que se tornou o novo paradigma na indústria de automóveis do seu tempo,
foi posteriormente superado pelo surgimento do novo design dominante, o modelo Abernathy-
Utterback, também conhecido como modelo do ciclo de vida do processo de produto. O novo ciclo
era baseado em uma estrutura que descreve o padrão dinâmico da inovação industrial, adaptando-se
aos clientes nesse “estágio fluido”, que tendem a ser menos numerosos, mais ricos e orientados para
a função do produto, em vez de sensíveis ao preço (FUJIMOTO, 2013). A teoria do design dominante
trabalha com a inovação vista a partir dessa perspectiva, a da concepção de uma quebra cíclica de
paradigmas.
Dessa forma, os novos processos inovativos, ao serem capazes de quebrar com o padrão
estabelecido até aquele momento, criam paradigmas sem precedentes comparáveis, seja em termos
de produto ou mesmo de ciclos de vida. Isso é necessário para que esse processo inovativo seja capaz
de atingir o status de design dominante.
A mudança de design dominante pode ser vista como uma inovação disruptiva mesmo
que a abordagem schumpeteriana seja diversa da teoria do design dominante. Isso pois ambas se
pautam na transformação de paradigmas estabelecidos no mercado. A inovação disruptiva desafia
os produtos/serviços dominantes com soluções aparentemente menos avançadas, porém mais
acessíveis (CHRISTENSEN; SUÁREZ; UTTERBACK, 1998). Com o tempo, essas inovações ganham tração,
expandem sua presença no mercado e, gradualmente, superam os designs dominantes estabelecidos.
Esse processo representa a mudança do paradigma anterior para um novo design dominante, no
qual a inovação disruptiva assume o papel principal. Embora a abordagem schumpeteriana da
inovação possa diferir em detalhes da teoria do design dominante, a inovação disruptiva muitas
vezes desempenha um papel crucial na quebra de padrões estabelecidos, resultando na ascensão de
novos designs dominantes, demonstrando assim uma conexão intrínseca entre esses dois conceitos.
Além disso, embora pareça ser um conceito único, é necessário grande cautela quanto ao
seu uso. Uma das razões deve-se à compreensão pretérita da teoria do design dominante, que já foi
muito próxima ao entendimento de standard. O conceito de standard é entendido na forma de um
padrão, a partir de uma concepção mais abrangente, ao passo que a primeira teoria, atualmente, é
compreendida de maneira restrita, implicando em uma leitura de específica dos fenômenos (BREM;
NYLUND; SCHUSTER, 2016).
Para melhor compreender esse contraponto, podem ser sustentados três pontos centrais que
nos permitem melhor identificar as diferenças entre ideias
28
, ainda que elas possam ser consideradas
28 Para compreender o recorte dos pontos chave, ver: (BREM; NYLUND; SCHUSTER, 2016).
120
KLEIN, Vinicius; RODRIGUES, Gabriela Wilxenski. Inovação e concorrência nos ecossistemas
digitais: uma abordagem a partir das arquiteturas dominantes. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 109-128, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1065
semelhantes sob diversos aspectos. Em primeiro lugar, eles destacam a aceitação do mercado. Na
medida que standards se centram em um objetivo funcional, voltados a estabelecer conexões entre
os componentes de um produto ou serviço, independentemente da aceitação do mercado, focando,
portanto, na padronização e aplicação das normas da indústria. Em contrapartida, para se tratar de
uma ocorrência da teoria do design dominante, a aceitação pelo mercado não só é significativa como
também um pré-requisito.
Em segundo lugar, o momento do ciclo de vida do produto/serviço, aqui os standards são
anteriores à ocorrência de um design dominante, respondendo ao próprio ciclo de vida do produto,
contemplando desde seu longo processo de aprimoramento de ideias, até sua fase industrial de
seleção de componentes e resolução de problemas que permitirão a produção em massa. Enquanto
isso, a teoria do design dominante é melhor recepcionada em produtos finais específicos, como no
caso do embate entre o Blu-Ray vs. HD-DVD, no qual apenas uma das opções figurará enquanto
design dominante, sendo, desse modo, a mais vendida e popular no mercado consumidor.
Por último, mas não menos importante, tem-se a “dimensão” de cada conceito. Os standards,
por serem mais abrangentes, podem englobar diversos designs dominantes, por exemplo, os modelos
comuns de celulares (standards) podem ser separados/escolhidos com base na capacidade de seu
modelo (design dominante) SIM, Mini-SIM ou Micro-SIM (BREM; NYLUND; SCHUSTER, 2016). Como
pode-se observar, essa construção, de 2016, é capaz de dialogar com a produção, de 2021, de Ezrachi
e Stucke (2022), demonstrando uma construção semelhante de uma teoria do design dominante, que
por sua vez, se reflete nos ecossistemas digitais.
Assim, partindo dessas diferenças estabelecidas acerca do entendimento de standards
e da teoria de design dominante, entende-se que instituições públicas e privadas de pesquisa já
investigaram e reconheceram que o processo de standardização interfere no ciclo de inovação,
inclusive, que se trata de um conceito já reconhecido e recepcionado por numerosas políticas de
inovação (BLIND, 2013).
Apesar de se tratarem de pesquisas com extensão limitada, elas chegaram ao resultado de
que standards simultaneamente possibilitam e restringem a inovação. Nesse mesmo sentido, nos
casos em que os standards não foram percebidos como uma fonte de informação às atividades de
inovação, os regulamentos também não eram interpretados como uma restrição às atividades de
inovação. Assim, quando se trata da teoria do design dominante nos mercados digitais, é necessário
ter em mente o uso da concepção dinâmica da inovação, vista na seção anterior.
Ademais, é possível observar que, antes de uma arquitetura dominante estabelecer-se em
seu lugar, existe um conjunto de características que podem alertar para a situação que se aproxima
(HUMMEL, 2022). Como por exemplo, um produto (design dominante) capaz de satisfazer às exigências/
expectativas de uma parcela expressiva do mercado consumidor. Contudo, é imprescindível a atenção
ao tempo de manutenção desse design dominante, pois faz parte de sua concepção teórica, de visão
positiva ligada à inovação, que exista uma dinâmica cíclica de troca de design dominante.
Essa característica advém da sua própria concepção baseada em mercados tradicionais, em
que essa dinâmica era capaz de ser materialmente observada. A questão problemática, quando se
trata de plataformas digitais, é que os designs dominantes são capazes de se manter hegemônicos,
no ecossistema digital, durante um período mais extenso que os designs dominantes dos mercados
industriais tradicionais. Ocasionando, assim, um prejuízo ao processo de inovação dentro dos
121
mercados digitais.
Observa-se que há, de fato, uma ligação entre o ciclo de vida da indústria e a teoria do
design dominante Afinal, para cada fase de vida do objeto/serviço tem-se um tipo de demanda: (i) o
início ou criação do produto; (ii) o crescimento, traz um aumento de visibilidade; (iii) a maturidade,
aqui atinge-se popularidade e a consolidação dos componentes; e (iv) a fase de declínio, quando o
produto se torna ultrapassado e começa a perder espaço para uma nova tecnologia (HUMMEL, 2022).
Todas essas quatro fases são respostas às demandas do mercado consumidor. Os
consumidores criam a demanda por determinado produto em cada uma destas fases. Apesar disso,
não há necessariamente uma ligação direta entre um produto bom e com preço adequado ao maior
volume de vendas. Atualmente, os fatores que fazem um produto ser bem aceito ou não pelo mercado
consumidor são difusos e de maior complexidade de rastreio, como por exemplo as questões das
publicidades realizadas por meio de influenciadores digitais.
O cenário atual, nos mercados digitais, apresenta desafios complexos à inovação. A
permanência prolongada dos designs dominantes, como os sistemas operacionais iOS da Apple e
Android da Google, pode restringir o processo inovador, impactando a superação de ciclos de designs
dominantes. Para ilustrar a aplicação de design dominantes pode-se pensar em duas situações. A
primeira no mercado de sotware de aparelhos celulares, que enfrenta um duopólio, composto pelo
sistema iOS, da Apple, e pelo sistema Android, da Google (AHVANOOEY et al., 2017). A segunda, a
introdução do algoritmo PageRank
29
pela Google (BUGANZA; DELLA VALLE, 2010).
No duopólio dos sotwares de aparelhos celulares, a primeira situação, quando a inovação já
não era capaz de equilibrar o ambiente concorrencial, surgiu uma nova fase, um shake-in
30
. Essa nova
abordagem, relativa à fronteira da plataforma, proporcionou um espaço para a competição entre
concorrentes complementares, isto é, players que fornecem serviços auxiliares ao núcleo design
dominante (HUMMEL, 2022). Por exemplo, os desenvolvedores de aplicativos que dispõem suas novas
criações nas lojas de aplicativo do respectivo design dominante (Apple App Store ou Play Store).
Já a situação do algoritmo Google PageRank teve um desfecho diferente. Quando a plataforma
de busca do Google se tornou o modelo dominante, cerceando os concorrentes, paralelamente
elaborou mecanismos de bloqueio, capazes de conter outras aproximações de inovadores auxiliares,
barrando a ocorrência de um shake-in (HUMMEL, 2022). Com essa restrição aos concorrentes
complementares – sejam eles possíveis ou mesmo futuros –, foram bloqueadas as novas inovações
na plataforma. Em vista disso, a própria Google desenvolveu os mecanismos como o sistema de
anúncios, as posições pagas e outros aspectos complementares, que podem parecer inofensivos,
mas carregam em si esse bloqueio aos novos competidores, impossibilitando o shake-in e travando
a dinâmica cíclica inerente à teoria de designs dominantes. Como indícios da situação problemática
29 O algoritmo de PageRank da Google funciona por meio de análises de links entre páginas da web, assim páginas
vinculadas por muitas outras páginas são consideradas mais importantes do que as páginas com poucos links. Desse modo,
o algoritmo atribui a cada página uma pontuação do PageRank, equivalente à medida de sua importância, a pontuação é
calculada usando uma fórmula matemática, com diferentes variáveis, que leva em conta o número e a qualidade dos links que
apontam para a página. Resultando em pontuações que são usadas para classificar páginas da web nos resultados de pesquisa.
Portanto, no geral, o algoritmo do Google é um sistema complexo e sofisticado que leva em consideração muitos fatores
diferentes para determinar a relevância e a importância das páginas da web. Para uma explicação mais técnica, consultar:
(WILLS, 2006).
30 Um shake-in significa que quando as principais plataformas saem do mercado, o número de empresas complementares
na periferia da plataforma aumenta. Para ver mais sobre o termo: (OZALP; CENNAMO; GAWER, 2018).
122
KLEIN, Vinicius; RODRIGUES, Gabriela Wilxenski. Inovação e concorrência nos ecossistemas
digitais: uma abordagem a partir das arquiteturas dominantes. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 109-128, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1065
criada, existem muitos casos litigando sobre o tema, buscando resolver a questão (UNIÃO EUROPEIA,
2022a).
Essa dualidade, representada pelos distintos resultados em dois casos de design dominante,
demonstram que inexiste método de análise único, à prova de falhas, capaz de recepcionar a todos os
casos. Afinal, os ecossistemas digitais são complexos, gerando incerteza. Portanto, as investigações
sobre a possível emergência de designs dominantes têm de ser encaradas de forma específica, de
modo a represar situações semelhantes à criada pelos algoritmos do Google PageRank.
A título de exemplo de uma tentativa de enfrentar o problema de forma específica, a
Autoridade Europeia da Concorrência utiliza dois métodos de análise do poder de mercado. Quando
se trata de um caso de abuso de posição dominante, o poder de mercado é analisado apenas uma
vez. No entanto, quando se trata de casos de controle de concentrações, o poder de mercado é
verificado duas vezes. O método é chamado de verificação de dois pontos (UNIÃO EUROPEIA, 2022a),
estratégia que visa melhor alcançar o impacto das inovações no procedimento.
Esse procedimento de análise de poder de mercado, com ênfase na verificação de dois pontos,
conecta-se com a teoria do design dominante nos mercados digitais na medida em que essa teoria se
concentra na inovação e na emergência de arquiteturas de mercado que dominam um ecossistema,
sendo essencial avaliar como o poder de mercado pode influenciar esse processo. A compreensão
mais precisa do poder da arquitetura nos mercados digitais inclui o seu papel como design dominante
ao fim do processo cíclico apresentado nesta seção e os abusos decorrentes das tentativas que visam
retirar o caráter cíclico desse processo. Esse aspecto não é integralmente compreendido pelas teorias
das capacidades dominantes.
A análise dupla, adotada pela Autoridade Europeia da Concorrência, considera a ameaça de
concorrência potencial e a possibilidade de entrada de novas empresas no mercado, garantindo que o
poder de mercado não seja usado para excluir novos designs dominantes ou impedir a contestabilidade
do mercado. Desse modo, propicia a manutenção da dinâmica cíclica das arquiteturas dominantes,
promovendo a inovação e evitando bloqueios à teoria do design dominante.
4. POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA E ARQUITETURA DOMINANTE
Atualmente, assistimos inúmeros casos de litígio envolvendo Big Techs em diferentes
jurisdições
31
, com resultados divergentes. No entanto, mesmo nos casos em que foram condenadas,
as sanções aplicadas geraram poucas mudanças no seu modelo de negócio e na arquitetura dos
mercados digitais. Assim, essas empresas não têm interesse em alterar as políticas de concorrência,
arguindo sempre pela manutenção do status quo.
A teoria do design dominante permite compreender que no cenário pós emergência de
arquitetura dominante a utilização da posição dominante para evitar movimentos cíclicos de
emergência de design alternativos pode ser extremamente danosa. A criação de obstáculos de
natureza exclusionária, que afetam a capacidade de implantação de designs rivais é um exemplo.
Richard Gilbert (2020) explica esse desafio utilizando o caso da Microsot na Comissão Europeia,
31 Como exemplo, nos Estados Unidos, o caso United States v. Microsot Corp. 584 U.S. (2018); na União Europeia, o caso
Facebook (C-362/2014); e no Brasil Google Ads (PA 08700.005694/2013-19).
123
em que a Microsot lançou o Windows 2000 em uma tentativa de o tornar incompatível com os
sistemas operativos dos servidores de grupos de trabalho rivais, prejudicando-os indiretamente pela
incompatibilidade de seus sistemas.
A principal questão que se coloca é a seguinte: após a emergência de um design dominante, é
natural que os ecossistemas e/ou plataformas comecem a liderar a busca por inovação? Até o momento,
pesquisadores da área pensam que sim (BREM; NYLUND; SCHUSTER, 2016), fundamentalmente, porque
acreditam que o poder de mercado inevitavelmente levará à esta aceitação.
Assim, o controle da demanda por inovação e da sua capacidade de implantação ao final de um
ciclo e de forma orgânica pelo mercado é uma situação inevitável. A abordagem neo-brandesiana de
tentar restringir essa força punindo com proibições per se a mera existência de posições dominantes
acaba por ser contrária à dinâmica do mercado. Portanto, não sendo cabível uma abordagem rígida,
como pode a política de concorrência antitruste atuar de forma eficiente e ao mesmo tempo adequada
ao movimento natural da procura de inovação?
Aqui, se propõe uma abordagem baseada no foco em condutas exclusionárias que tentem
de forma artificial evitar os movimentos cíclicos identificados pela teoria do design dominante.
Embora não se interfira no processo de standardização, refreiam-se os movimentos direcionados à
exclusão dos possíveis designs dominantes seguintes, reduzindo o risco de uma quebra de cadeia
32
na dinâmica cíclica das arquiteturas dominantes. Nesse sentido, o objetivo é garantir a continuidade
como característica essencial à batalha de inovação dos designs dominantes.
Essa abordagem é igualmente relevante no contexto da volta de utilização do conceito de
concorrência potencial e do papel central que a contestabilidade desempenha no DMA. A ideia de
concorrência potencial como forma de controlar o poder de mercado não é nova na teoria econômica
33
,
mas no direito da concorrência, o conceito está associado ao trabalho de Joan Bain (1956) e mais
tarde de Willian Baumol, John Panzar e Willig (1982).
A concorrência potencial pode ser entendida como a pressão concorrencial exercida pela
possibilidade de entrada no mercado por uma ou mais empresas (KERN, 2014). A “ameaça” da existência
de concorrência potencial, isto é, a probabilidade de entrada de uma nova empresa naquele ramo
do mercado, pode pressionar a empresa já atuante a manter certo patamar de preço e qualidade.
Portanto, essa percepção de existência de concorrência potencial é capaz de coibir comportamentos
abusivos das empresas atuantes, e, consequentemente, aumentar o bem-estar dos consumidores.
Por outro lado, um mercado contestável é aquele em que a entrada é livre e a saída não tem
custos (BAUMOL, 1982). Desse modo, há a percepção factível de que nesse mercado a “ameaça” da
concorrência potencial está sempre presente, pois seus custos de entrada e saída não configuraram
barreiras à atuação de novas empresas.
No caso dos ecossistemas digitais, poder-se-ia argumentar que a presença de uma arquitetura
de design dominante pode ser vista como uma força que pode tornar menos relevante os efeitos
benéficos da concorrência potencial, pois reduziria a inovação e a contestabilidade do mercado.
Contudo, conforme o panorama discutido neste artigo, é possível observar que a emergência de uma
arquitetura de design dominante não é necessariamente uma ameaça à contestabilidade do mercado,
32 Exatamente a conduta empregada pelo algoritmo PageRank do Google.
33 Por exemplo, pode ser visto no trabalho: (CLARK, 1902). Para uma apresentação mais recente ver: (GILBERT, 1989).
124
KLEIN, Vinicius; RODRIGUES, Gabriela Wilxenski. Inovação e concorrência nos ecossistemas
digitais: uma abordagem a partir das arquiteturas dominantes. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 109-128, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1065
principalmente se o processo cíclico de design dominante não for suspenso por uma arquitetura de
exclusão.
Tal comportamento começa a ganhar contorno, como na decisão da autoridade concorrencial
brasileira (Conselho Administrativo de Defesa Econômica - Cade) que, em 2020, decidiu aprovar
a operação da Stone para comprar a Linx (2020) (BRASIL, 2021). Nesse cenário, a primeira é uma
empresa do setor de serviços de pagamento e a outra é focada em sotwares de gestão empresarial.
O Cade, em sua decisão, abordou especificamente o processo de inovação em um contexto dinâmico,
colocando a inovação como um dos fatores a serem levados em conta, quando trata-se de operações
em mercados digitais. Nessa oportunidade, os impactos da intervenção concorrencial na trajetória
da inovação foram tidos como relevantes e incorporados na motivação da decisão de aprovação da
operação.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de digitalização do mercado trouxe a atenção para a aplicação do direito da
concorrência e para a necessidade de uma melhor compreensão do processo inovativo. Também,
puxou para a discussão a necessidade de um panorama mais adequado para integrar essa inovação
no raciocínio do direito da concorrência.
Na literatura e na jurisprudência do direito da concorrência, o debate sobre possíveis
correlações entre concorrência e inovação não é novo, este pode ser rastreado desde o debate entre
os pontos de vista de Arrow e Schumpeter, que versam sobre a concentração do mercado e a inovação,
conforme comentado nas seções acima.
Desse modo, a proposta deste trabalho foi perpassar pela construção da ideia de
desenvolvimento e oferta de inovação, como no clássico Arrow/Schumpeter, mas principalmente,
incorporar a esse debate já consolidado a concepção da arquitetura dos mercados digitais com
a demanda, adoção e implementação própria de inovação, justamente por suas características
particulares e dinâmicas, não adequadamente recepcionadas nos mercados digitais. Para tamanha
tarefa, entendeu-se que a abordagem teórica mais adequada seria a teoria do design dominante,
principalmente por sua compreensão cíclica do processo inovativo e de superação de pontos de
inflexão.
Nesse sentido, o principal enfoque da aplicação do direito da concorrência deve ser
a manutenção dos ciclos de arquitetura dominante nos mercados digitais, possibilitando a
contestabilidade, isto é, o surgimento de novas arquiteturas, evitando-se construções hegemônicas
que barrem o ciclo de inovação. Paralelamente, não interferindo na dinâmica de mercado na tarefa
no processo de identificação e consolidação de novas arquiteturas dominantes.
Essa situação, aprofundada na segunda seção, traz à luz o impacto real de um design
dominante, como um procedimento inovativo necessário e positivo, que quando surge naturalmente
e não constrói escudos contra concorrentes complementares, é profícuo à inovação e superação de
pontos de inflexão. Além disso, conforme visto na terceira seção, permite aos auxiliares inovar de
maneira conjunta e complementar, assegurando que o desenvolvimento ocorra progressivamente,
barrando estagnações. Portanto, a teoria do design dominante pode contribuir para que ferramentas
125
adicionais sejam desenvolvidas em situações que o balanço de razões para a intervenção concorrencial
seja mais intenso e impactos na trajetória do processo inovativa sejam inevitáveis e devam ser
estimados.
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