124
AQUINO, Matheus Sérgio Custódio de; LEDO, Bruno Cesar Aurichio. Sede de quê? Efeitos da
interferência política no setor de saneamento sobre o bem-estar e a expansão do sistema.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 124-142, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1066
7
SEDE DE QUÊ? EFEITOS DA
INTERFERÊNCIA POLÍTICA
NO SETOR DE SANEAMENTO
SOBRE O BEM-ESTAR E A
EXPANSÃO DO SISTEMA
1
Thirst for what? Effects of political interference
in the sanitation sector on the welfare and
expansion of the system
Matheus Sérgio Custódio de Aquino
2
Tendências Consultoria – São Paulo /SP, Brasil
Bruno Cesar Aurichio Ledo
3
Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP) – Ribeirão Preto/SP, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Contexto: O Brasil enfrenta, historicamente, um déficit de investimentos no setor de saneamento
básico. O serviço representa um caso do que a literatura chama de monopólio natural e pode ser
ofertado pelo Estado ou concedido à iniciativa privada. Diante da baixa taxa de cobertura de água
e esgoto observada em parcela significante dos municípios do Brasil e da incapacidade do Estado
em atrair investimentos suficientes para o setor propõe-se aqui entender por que mecanismos
essa ineficiência pode ser gerada pela interferência de ciclos políticos sobre o processo de decisão
regulatória.
Objetivo: Explicar de forma teórica as condições que resultam em uma interferência política sobre o
processo regulatório em um contexto de regulação por preços, para uma região que ainda não atingiu
a universalização dos serviços. Em um segundo momento, as principais conclusões do modelo são
testadas empiricamente, considerando as diferentes características dos prestadores do serviço.
Método: É desenvolvido um modelo teórico estilizado, em que uma agência busca maximizar o bem-
estar da sociedade em dois períodos, sendo que entre eles há uma eleição. As conclusões do modelo
Editor responsável: Prof. Dr. Luis Henrique Bertolino Braido, Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4648392251476133. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6085-1446.
1 Recebido em: 20/10/2023 Aceito em: 12/12/2023 Publicado em: 21/12/2023
2 Mestre em economia pelo programa de mestrado da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
de Ribeirão Preto - USP. Graduação em Economia. Universidade de São Paulo, FEA/USP, Brasil. Ano de obtenção: 2019. Foi
bolsista do(a): Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, Brasil. As opiniões são pessoais e não
necessariamente representam a percepção das instituições às quais o autor esteja vinculado
E-mail: lmatheus-sergioaquino@hotmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/9693070123525114
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1749-5156
3 Professor Doutor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto - USP. Doutorado em
Economia. Fundação Getúlio Vargas, FGV, Brasil. Data de obtenção: 2009. Mestrado em Economia. Fundação Getúlio Vargas, FGV,
Brasil. Ano de obtenção: 2005. Graduação em Economia. Universidade de São Paulo, USP, Brasil. Ano de obtenção: 2002. Realiza
pesquisas na área de microeconomia teórica e aplicada. Principais áreas de interesse são saneamento básico e seguros.
E-mail: bruno@fearp.usp.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/7783656000220969 ORCID: https://orcid.org/0009-0009-7131-9610
125
teórica são testadas por meio de um modelo econométrico com dados em painel.
Conclusões: Os resultados encontrados indicam que ciclos eleitorais municipais estão associados,
negativamente, aos preços definidos pelos reguladores.
Palavras-chave: regulação; maximização de bem-estar; interferência política; saneamento.
STRUCTURED ABSTRACT
Context: Historically, Brazil has faced a deficit in investments in the basic sanitation sector. The
service represents a case of what the literature refers to as a natural monopoly and can be provided
by the state or granted to the private sector. Given the low coverage rates of water and sewage
services observed in a significant portion of Brazilian municipalities and the state's inability to attract
sucient investments to the sector, this proposal aims to understand through which mechanisms
this ineciency may be generated by the interference of political cycles in the regulatory decision-
making process.
Objective: Explaining theoretically the conditions that lead to political interference in the regulatory
process within a context of price regulation, for a region that has not yet achieved service
universalization. In a subsequent phase, the main conclusions of the model are empirically tested,
taking into account the diverse characteristics of service providers.
Method: A stylized theoretical model is developed, in which an agency seeks to maximize societal
well-being over two periods, with an election occurring between them. The theoretical model's
conclusions are tested using an econometric model with panel data.
Conclusions: The findings indicate that municipal election cycles are negatively associated with
prices set by regulators.
Keywords: regulation; well-being maximization; political interference; sanitation.
Classicação JEL: L51; D42; D72; D86.
Sumário: 1. Introdução; 2. Revisão de Literatura; 3. Modelo
Teórico 4. Dados e Evidência Empírica; 5. Considerações
Finais; Referências; Apêndice A – Provas do Modelo.
1. INTRODUÇÃO
O setor de saneamento básico corresponde a um exemplo do que a literatura econômica
define como monopólio natural. Nesse sentido, o setor demanda por parte do Estado uma escolha
entre a operação direta do sistema e a concessão desses serviços. Na hipótese em que opta pela
concessão, o Estado desenvolve mecanismos e instituições que regulam as atividades do serviço
oferecido, objetivando, a priori, a maximização do bem-estar da sociedade.
Investimentos em saneamento geram diversos efeitos positivos para o bem-estar da sociedade,
como a redução da mortalidade infantil e de doenças gastroinstestinais associadas à contaminação
da água. Galiani, Gertler e Schargrodsky (2005), encontraram evidências para a Argentina de que áreas
126
AQUINO, Matheus Sérgio Custódio de; LEDO, Bruno Cesar Aurichio. Sede de quê? Efeitos da
interferência política no setor de saneamento sobre o bem-estar e a expansão do sistema.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 124-142, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1066
nas quais a rede de saneamento foi privatizada registraram quedas significativas na mortalidade
infantil. No caso do Brasil Gamper-Rabindran, Khan e Timmins (2010) apresentam evidências de como
o acesso à água encanada pode reduzir a mortalidade infantil. Ambos os trabalhos reforçam meios
pelos quais o acesso a saneamento básico pode afetar o bem-estar da população atendida.
Em julho de 2020 o Congresso Brasileiro aprovou o Novo Marco do saneamento, o qual
modificou o arcabouço regulatório do setor e estabeleceu uma meta de 99% de acesso da população
aos serviços de água e 90% de coleta e tratamento de esgoto até 2033. No entanto, algumas questões
ainda impedem que exista entre os agentes desse mercado confiança no sucesso do país em atingir
as metas estabelecidas, em especial a capacidade de atrair recursos em montantes suficientes
para a realização dos investimentos previstos. Amann et al. (2016) estudam a questão histórica do
subinvestimento do setor privado em infraestrutura no Brasil, inclusive no setor de saneamento, e
atribuem como principal causa a deficiência na implantação de políticas regulatórias.
Este artigo busca contribuir com essa literatura a partir da construção de um modelo teórico
que analisa o impacto da interferência de ciclos políticos, como em Moita e Paiva (2013), sobre a
decisão de preço regulado definido por uma agência. Para isso, considera-se a existência de dois
períodos de tempo, sendo que entre o primeiro e o segundo período ocorrem as eleições.
Adicionalmente, o modelo considera que existe a necessidade de investimentos no setor,
como no modelo de Evans, Levine e Trillas (2008). No entanto, assume-se que a decisão de preços
do primeiro período não é alterada no período seguinte. Com base no modelo é obtida uma regra de
precificação para os serviços de saneamento diante da demanda por investimentos para a expansão
da rede.
No cenário em que se considera a influência dos ciclos políticos os resultados encontrados
indicam que a interferência na atividade regulatória pode comprometer a capacidade das firmas de
alcançarem a universalização do sistema. Tais resultados teóricos estão alinhados a um exercício
empírico realizado com dados de agências brasileiras de saneamento.
2. REVISÃO DE LITERATURA
O problema da captura de uma agência reguladora por grupos de interesse é apresentado
por Stigler (1971) e formalizado por Peltzman (1976). Stigler (1971) indica como desafio para a teoria
econômica a definição de quais agentes devem ser afetados pela regulação. É então desenvolvido
o conceito de oferta e demanda pela regulação. Peltzman (1976) considera a distribuição de riqueza
decorrente dessa intervenção como uma commodity desse mercado. Além disso, destaca que os
políticos têm como objetivo maximizar o retorno decorrente da dinâmica regulatória. Assim, formaliza
os canais pelos quais o resultado do processo regulatório pode afetar a probabilidade de reeleição.
Baron (1988) estende essa análise demonstrando que eventuais ineficiências regulatórias podem ser
atribuídas a decisões políticas, mesmo no caso em que exista a delegação de decisões para agências
independentes, dado que interesses políticos podem interferir nos objetivos definidos ex-ante para
as agências.
Surge a partir dessa literatura, uma tentativa de formalizar como a interferência ocorre ao
longo do processo regulatório. Laont e Tirole (1991) utilizam um framework de agente-principal
que considera o problema de captura e colusão num contexto de 3 níveis hierárquicos: um grupo
127
político, uma agência reguladora e as firmas. O governo enfrenta um trade-off entre capturar a
renda ou incentivar as firmas a reduzirem seus custos. Como apresentado por Tirole (1986), existe
a possibilidade de colusão entre duas das partes envolvidas no processo. Martimort (1999) estende
essa análise para mais períodos, a partir de uma lógica de jogos repetidos e investiga como numa
relação de longo prazo as agências podem deixar de se comportar de forma eficiente. Conclui assim
que o papel dos formuladores de política é também trabalhar no desenho de instituições regulatórias
que representem maior resistência à captura.
Neste artigo busca-se entender como decisões regulatórias motivadas por interesses
políticos podem afetar a realização de investimentos, no contexto de uma regulação por preços. Uma
das explicações da teoria econômica é a inconsistência temporal dos agentes políticos, que tomam
decisões motivados por resultados de curto prazo, em particular a busca pela reeleição.
Lewis e Sappington (1991) apresentam um modelo de dois períodos em que um regulador
maximiza a utilidade apenas dos usuários que vivem durante seu mandato. No caso em que os
usuários do primeiro período não usufruem o suficiente do investimento, mesmo sob uma regulação
ótima, o modelo prediz que o nível de investimentos fica abaixo daquele socialmente desejado. Lim
e Yurukoglu (2018) estudam o caso em que os formuladores de política sofrem de uma inabilidade
em comprometer-se com compromissos de longo prazo. A partir da formulação de um jogo dinâmico
com horizonte infinito, entre um regulador e uma distribuidora de energia elétrica, busca-se capturar
tais efeitos. Concluise que o problema de inconsistência temporal leva a um investimento abaixo
do ótimo no setor. Os autores encontram evidência empírica dessas conclusões no setor de energia
elétrica dos EUA.
Os efeitos da inconsistência temporal sobre decisões regulatórias são reforçados por Alesina
e Tabellini (2008). As conclusões dos autores indicam que políticas afetadas por esses efeitos, ou
pressões de curto-prazo, devem ser delegadas a burocratas.
A literatura empírica confirma que a influência política pode afetar a realização de
investimentos em setores regulados. Cambini e Rondi (2017) apresentam evidências para a União
Europeia de que a interação entre agências e grupos políticos gera efeitos negati vos sobre decisões
de investimento das firmas. No caso brasileiro, Silva (2011) usando um modelo de dados em painel
com efeitos aleatórios encontrou evidências de interferência política nas agências reguladoras
brasileiras após as privatizações dos anos 90.
O modelo desenvolvido utiliza um instrumental semelhante ao de Barreto (2019), ao mensurar
o bem-estar social por meio de uma medida de excedente e aproxima-se da análise realizada por
Evans, Levine e Trillas (2008). Os autores investigam como o problema da inconsistência temporal
na regulação de preços em setores com alta demanda por investimentos pode levar a um quadro de
subinvestimento. Diferente da análise apresentada por Laont e Tirole (1993), a eficiência das firmas
é observada e não existe seleção adversa. Neste artigo considera-se que o regulador é capaz de
desenhar uma tarifa que permite à firma realizar o nível de investimento desejado.
No entanto, no modelo de Evans, Levine e Trillas (2008) a interferência se dá após a realização
dos investimentos, com uma dificuldade dos políticos em manter os preços acordados no período
inicial. O modelo teórico deste artigo estuda como os efeitos da preocupação de políticos com
sua reeleição influenciam decisões regulatórias, afetando assim a dinâmica dos preços antes dos
investimentos, como em Moita e Paiva (2013), no qual os autores utilizam elementos da literatura
128
AQUINO, Matheus Sérgio Custódio de; LEDO, Bruno Cesar Aurichio. Sede de quê? Efeitos da
interferência política no setor de saneamento sobre o bem-estar e a expansão do sistema.
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de business cycle, e de teoria da regulação. Será adicionada ao modelo uma dimensão associada à
demanda por investimentos em um mercado regulado. Assim, preços mais baixos, influenciados pelo
ciclo eleitoral, podem inviabilizar a realização de investimentos pelas firmas no período seguinte.
A literatura de regulação econômica de infraestrutura faz uma distinção importante no
modo como a atividade regulatória pode se organizar. Gómez-Ibáñez (2003) aponta que no caso
da regulação discricionária, o regulador tem a função de determinar e fiscalizar todos os aspectos
dos serviços prestados (tarifas, investimentos, qualidade, entre outros). Já no caso da regulação
contratual – que é precedida de um processo de concorrência para a contratação – as funções do
regulador se limitam ao que é previsto em contrato. Embora possa haver uma sobreposição entre
essas duas formas de regulação, o modelo desenvolvido está mais associado aos problemas ligados
com a regulação discricionária, que representa a maior parte dos prestadores de saneamento no
Brasil. No entanto, ainda pode ser aplicado ao segundo caso, desde que os parâmetros estudados
estejam previstos no contrato.
3. MODELO TEÓRICO
Neste artigo, será desenvolvido um modelo teórico que contém elementos associados à
literatura de regulação dinâmica (como, por exemplo, em Laont e Tirole (1993)). Nesse sentido, o
modelo possui dois períodos. Antes do primeiro período é definida uma meta de investimento a
ser cumprida pelas firmas, que aceitam o contrato desenhado com uma tarifa, que respeita a sua
restrição de participação, para o nível de serviço e de investimento desejado.
Entre o primeiro e o segundo período são realizadas eleições, em que os eleitores, levando
em conta o preço praticado na sua decisão de voto, escolhem entre um incumbente buscando a
reeleição e um grupo político de oposição. Por fim, no segundo período é praticada a mesma tarifa
acordada antes do primeiro período. Desse modo, na hipótese em que exista a interferência política
o preço é afetado ao longo dos dois períodos.
3.1 Caso sem interferência política
Iniciamos o problema com uma agência reguladora de saneamento que busca maximizar o
bem-estar dos usuários ao longo de dois períodos de tempo. A demanda para um usuário
i
é dada
por:
(1)
Assim, assume-se que na região de atuação da agência há homogeneidade entre os usuários
e a demanda total será dada por:
(3)
Em que n corresponde ao total dos usuários da região com acesso ao serviço. Desse modo,
definindo N como o nível correspondente à universalização do sistema, para um determinado
129
período t a razão
corresponde à parcela de usuários com acesso ao serviço. Por hipótese, assume-
se que no período t a rede de serviço não atende à totalidade da população, ou seja n
t
. Note que
n
t
é dado no início do contrato.
Em t=1 a agência desenha um contrato no qual é estabelecida uma tarifa-teto vigente para
os dois períodos em que a firma atua além de uma meta de expansão da rede que corresponde ao
montante de investimentos a ser realizado pela firma regulada no período 1.
Uma hipótese importante é que não existem problemas informacionais para a agência, sendo
assim o regulador possui informação completa sobre os custos da firma e sua função de produção,
como em Evans, Levine e Trillas (2008). Assume-se ainda que a agência considera apenas o bem-estar
dos usuários.
4
Irá se considerar que os usuários possuem uma demanda inversa dada por p(q). O regulador
busca maximizar o excedente líquido do consumidor em cada período t, onde n
t
p(s)ds
corresponde ao excedente bruto.
A agência pode sofrer interferência de um político incumbente preocupado com sua reeleição,
nesse caso a decisão de preço pode ser afetada também por preocupações eleitorais. A função de
bem-estar considerada pela agência será dada por:
,
=

+


+ 
(3)
Em que 󰇛󰇜 corresponde à taxa de desconto intertemporal dos usuários.
Denote o investimento realizado pela firma para cada unidade adicional de atendimento
como r. Temos que n= n, em que . Na equação (3), o grau de interferência política
é medido pelo parâmetro . No caso de uma agência independente, ou seja, que não considera
interesses eleitorais nas suas decisões temos . A função R(p) incorpora o efeito das chances de
reeleição do incumbente sobre a utilidade do regulador.
A função R(p) representa assim o ganho de utilidade que o regulador aufere na hipótese em
que o político incumbente é reeleito. Pode-se interpretar esse ganho como um benefício monetário
que o regulador obtém caso o grupo político que o nomeou se mantenha no poder. Esse ganho pode
advir dos montantes recebidos pela manutenção no cargo, ou mesmo por uma eventual promoção.
Observa-se, contudo, que esse ganho é função direta da chance de reeleição do incumbente. À
medida que o aumento no preço dos serviços regulados reduz a utilidade dos indivíduos atendidos,
ele também diminui a chande de reeleição do político incumbente, ou seja:
>
(4)
Dado que a realização de investimentos se dá a partir do markup que a firma aufere, temos
por hipótese ainda que:
<
(5)
4 Ver (ARMSTRONG; SAPPINGTON, 2007) para detalhes do caso mais geral.
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interferência política no setor de saneamento sobre o bem-estar e a expansão do sistema.
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Ao aceitar o contrato proposto pela agência, a firma também assume a realização de um
montante de investimentos. Assim, no primeiro período a firma tem de disponibilizar um montante
 para a realização do investimento estabelecido pelo contrato, além de receber uma receita
associada à quantidade já atendida pelo sistema e incorrer num custo variável c por ligação
existente. No período 2, a firma aufere uma receita associada à quantidade n
2
= n
, ou seja,
também é remunerada pelas novas ligações implantadas entre os dois períodos.
Assim, para que a firma aceite o contrato oferecido pelo regulador, o valor descontado
das receitas auferidas nos dois períodos a partir da tarifa-teto estabelecida, deve cobrir os custos
incorridos nos períodos 1 e 2, bem como o investimento realizado no primeiro período. Logo a
condição de participação da firma no contrato é dada por
5
:
=

×  +

(6)
Como já destacado, uma hipótese assumida no modelo é que há uma parcela dos usuários
no período 1 que não é atendida pelo serviço, sendo necessário que o sistema passe por uma
expansão ao longo do período 1. Assim, ao desenhar o contrato o regulador estabelece um montante
de investimentos a ser realizado pela firma. Ou seja, do ponto de vista da firma a decisão de
investimento é exógena. Nesse sentido, pelo menos em tese, o montante de investimentos no início
do contrato já é estabelecido legalmente atualmente. Dessa forma, ao aceitar o contrato oferecido
pelo regulador, a firma regulada também aceita a expansão da rede aos níveis contratuais.
Portanto, para que a solução do problema atenda à restrição de participação da firma,
é necessário que a receita auferida pela firma seja suficiente também para a realização dos
investimentos. Como a firma considera o lucro dos dois períodos ao aceitar ou não o contrato
oferecido pelo regulador, o modelo considera uma taxa de desconto para os lucros da firma no
segundo período. Denote essa taxa também por 
6
.
Temos que o problema do regulador, sujeito à restrição de participação da firma passa a ser
dado no caso sem interferência por:
Proposição 1 No caso sem interferência política (ou seja, para 0 ), a restrição da firma é sempre
ativa no ótimo. Para qualquer meta de investimento, que resulte em n
2

1
o regulador permite à firma
operar com markup de acordo com uma regra de apreçamento de Ramsey: (em que
5 Note que nesse caso a utilidade de reserva da firma, U, é considerada como equivalente a 0.
6 No arcabouço regulatório brasileiro de saneamento, essa parece uma premissa razoável, uma vez que o próprio
regulador é quem define a taxa de remuneração adequada para as firmas no caso da regulação discricionária, imensa maioria
dos contratos vigentes.
131
η é corresponde à elasticidade-preço dos consumidores e equivale ao multiplicador de Lagrange).
A prova desse resultado está no Apêndice A. Nota-se que mesmo em um cenário sem
interferência política, é permitido que a firma opere com um markup, que reduz a quantidade
consumida pelos indivíduos que já estão sistema no período 1, em relação ao cenário sem expansão
da rede. Isso ocorre a fim de viabilizar os investimentos realizados pela firma. Desse modo, a firma
obtém um lucro grande o suficiente para viabilizar seus investimentos, embora o regulador não deixe
nenhuma renda para a firma. Observa-se que esse markup é inversamente proporcional à elasticidade
dos consumidores dessa população, logo, o montante de investimentos viabilizado pelas tarifas
praticadas também varia em função desse parâmetro.
3.1.1 Caso Linear
Seja uma demanda linear para cada usuário do sistema em um período de tempo t{1,2}
dada por:
Inicialmente, assume-se que a tarifa cobrada vale para os dois períodos, ou seja p
1
=p
2
=p.
Isso vale, uma vez que essa tarifa deve remunerar todo o período de contrato. Logo, tem-se que:
Com base na Proposição 1 temos que o problema da firma é dado por:
Logo:
Usando as equações (8) e (10) encontramos que a demanda ótima do caso linear (q
l
) será
dada por:
Nota-se que os usuários que já fazem parte do sistema no primeiro período, ficam numa
situação pior na presença de qualquer nível de investimento, quando analisada somente a utilidade
que eles obtém a partir do consumo de água. De fato, seja q* o consumo dos indivíduos na ausência
de qualquer investimento, logo n
2
=n
1
. Segue da equação (10) que p=c, e da equação (11) que
. Ou seja, a quantidade consumida por indivíduo nos dois períodos é menor para
qualquer nível de investimento em relação ao cenário em que não ocorre a expansão da rede.
132
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interferência política no setor de saneamento sobre o bem-estar e a expansão do sistema.
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3.1.2Casodeumafirmacomfunçãodeproduçãoquadrática
Até aqui assumiu-se que a firma possui uma função de produção linear, ou seja, para atingir
um número de cobertura n
2
é necessário incorrer em um gasto dado por r×(n
2
-n
1
). No exemplo
apresentado a seguir irá se assumir que a firma agora possui uma função de produção quadrática, ou
seja, o montante de investimentos que resulta em um número de ligações n
2
corresponde a r×(n
2
-n
1
)
2
. Nesse caso, considerando as condições de otimalidade do problema do regulador obtém-se o
seguinte resultado:
Corolário 1 No caso sem interferência política em que a firma regulada apresenta uma função
de produção quadrática, a quantidade ótima definida pelo regulador para o segundo período é dada
por:
Nota-se que a quantidade atendida no segundo período é menor à medida em que r aumenta,
ou seja, que o custo por indivíduo adicional na rede cresce. Da mesma forma, o investimento será
crescente em função da taxa de desconto da economia, ou seja, quanto mais o regulador valorizar o
consumo segundo período em relação ao primeiro.
3.2 Efeitos da interferência política
Como demonstrado na equação (3), no caso em que o parâmetro , a agência passa a
considerar no seu problema de maximização as chances de reeleição do político incumbente, que
passa a ter influência sobre a decisão de preço da agência.O problema do regulador sujeito à condição
de participação da firma passa a ser dado então por:
O seguinte resultado vale para o caso com interferência:
Proposição 2 No caso com interferência política , a restrição da firma é sempre ativa no
ótimo. Para qualquer meta de investimento, que resulte em n
2

1
, o regulador permite à firma operar
com mark-up de acordo com a regra dada por .
Note que . Assim, conclui-se que a regra de preço no caso com interferência política
gera um markup menor em relação ao caso base (em que ). Esse markup será menor sempre que
. Ou seja, tudo o mais constante a presença de interferência política na economia resulta em
preços menores.
3.2.1Casodeumafirmacomfunçãodeproduçãoquadrática
Novamente, se estuda o caso uma função de produção quadrática, porém com a presença de
133
interferência política para obter o tamanho da rede escolhida pelo regulador para o segundo período
(n
2
):
Corolário 2 No caso em que há interferência política sobre a agência e que a firma regulada
apresenta uma função de produção quadrática, a quantidade ótima definida pelo regulador para o
segundo período é dada por:
Calculando a diferença entre a quantidade ótima encontrada no Corolário 2 (n
R
e a quantidade
apresentada no Corolário 1, conclui-se que as quantidades ótimas do caso com interferência política
são menores uma vez que. Logo, a interferência política pode aferar negativamente a realização de
investimentos.
4. DADOS E EVIDÊNCIA EMPÍRICA
Com o objetivo de testar algumas das predições que podem ser obtidas do modelo, foi
construída uma base de dados contendo informações sobre os reajustes anuais aplicados no Brasil
no setor de saneamento (para os serviços de água, esgoto ou ambos) entre 2002 e 2021.
A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), reconhece 88 agências infranacionais
de saneamento, sendo 46 delas municipais, 26 estaduais e 16 intermunicipais. A partir dessa relação
foi possível identificar nos sites de cada uma das agências os percentuais de reajuste aplicados
mediante a leitura das resoluções normativas emitidas pelas agências. A partir da leitura desses
documentos também foi possível identificar em quais dos anos analisados foram realizadas revisões
ordinárias dos contratos mantidos pelas empresas de saneamento. Nesses anos foi incluída uma
variável dummy ("Revisão") e atribuído o valor 1. O controle dos anos em que aconteceram revisões
é importante, uma vez que além dos reajustes visando recompôr os preços dos serviços, nessas
ocasiões também acontece a recomposição do equilíbrio econômicofinanceiro dos contratos de
saneamento.
Observa-se que o painel construído não constitui um painel balanceado. A primeira
observação de cada empresa regulada foi considerada como sendo a data de reajuste mais antiga
localizada. Além disso, mesmo após a entrada da base, não foi possível encontrar informações sobre
tais empresas reguladas para todos os períodos seguintes. No entanto, nos casos em que os reajustes
aplicados às empresas foram separados por um intervalo maior que um ano, as agências reguladoras
foram contatadas, com o objetivo de confirmar que as tarifas permaneceram sem reajuste. Nos casos
em que não foi obtida nenhuma resposta, assumiu-se que a tarifa não foi reajustada, ou seja, o
percentual registrado na base foi de 0%.
Na base de dados construída também foram incluídas informações socioeconômicas como
o tamanho da população dos municípios e o PIB de cada uma das cidades, ambas informações
obtidas no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foram também adicionadas
variáveis a respeito da abrangência dos serviços de água e esgoto nos municípios, obtidas na base
de dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). A taxa de cobertura de água
e esgoto, como percentual da população de cada município, foi construída utilizando a razão entre as
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AQUINO, Matheus Sérgio Custódio de; LEDO, Bruno Cesar Aurichio. Sede de quê? Efeitos da
interferência política no setor de saneamento sobre o bem-estar e a expansão do sistema.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 124-142, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1066
variáveis "População total atendida com abastecimento de água"
7
e "População total atendida com
esgotamento sanitário"
8
pela população total dos municípios extraída do IBGE.
Tabela 1 – Estatísticas descritivas da amostra
Variáveis N Média Desvio Padrão Mínimo Máximo
População 1.142 490.217 1.474.066 2.884 12.396.372
Reajuste 1.142 0,06 0,064 -0,043 -0,661
Reajuste_Real 1.142 0,005 0,060 -0,107 0,634
Taxa_de_cobertura (água) 1.118 0,918 0,127 0,089 1,000
Taxa_de_cobertura (esgoto) 983 0,753 0,273 0,006 1,000
PIB Municipal (per capita) 1.141 41.755 31,127 7,047 367.505
Fonte: IBGE, SNIS e sites das agências reguladoras. Elaboração: Própria
Além das informações socioeconômicas de cada municípío, foram ainda incluídas variáveis
dummy indicando a área de atuação das agências reguladoras (municipais, intermunicipais ou
estaduais), sendo a maioria (633) intermunicipais.
4.1 Evidências do modelo teórico
Nesta seção busca-se testar algumas das predições que podem ser obtidas a partir do
modelo teórico apresentado na Seção 3. Os resultados da Proposição 2 indicam que na presença
de interferência política, o markup permitido pelo regulador às formas fica abaixo daquele que
seria observado na ausência da influência do ciclo eleitoral sobre as atividades das empresas de
saneamento. Essa interferência será mais forte à medida em que o parâmetro σ for mais positivo, ou
seja, que o grau de interferência do político seja maior.
Nesse sentido, dado que o político busca sua reeleição, que também pode ser enxergada
como a manutenção do seu grupo político no poder, espera-se que em anos eleitorais, haja um
maior incentivo para a interferência política sobre a decisão de preço das agências reguladoras.
Considerando que a tarifa dos serviços de saneamento remunera os custos incorridos pela firma
(fixos e variáveis), para que elas mantenham sua capacidade de expandir o sistema, é necessário que
a cada período as tarifas pelo menos sejam mantidas, em termos reais. Desse modo, caso os agentes
políticos interfiram na regulação do sistema, visando objetivos eleitorais, isso se refletirá, nos
contratos vigentes, em reajustes reais negativos. Dessa conclusão, formula-se a seguinte hipótese:
Hipótese 1 Em anos eleitorais, o grau de interferência dos políticos  é mais alto sobre
a atividade das agências reguladoras. Como resultado, as tarifas praticadas diminuem, em termos
reais.
Com o objetivo de testar a Hipótese 1, foi criada uma variável dummy para a realização de
eleições estaduais, que atribui o valor 1 em anos de eleições estaduais e 0 caso contrário. Da mesma
7 Variável AG001 da base "Informações de água" do SNIS
8 Variável ES001" da base Informações de esgotos" do SNIS.
135
forma, foi criada uma variável dummy para a realização de eleições municipais, que atribui o valor 1
em anos de eleições estaduais e 0 nos demais anos. Nos exercícios que serão apresentados a seguir,
essas variáveis serão incluídas como variáveis explicativas dos valores associados aos reajustes reais.
Uma primeira estimativa a partir da base construída, foi a comparação das médias de
reajustes reais (reajustes nominais descontados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo IPCA)
nos anos eleitorais em relação aos demais períodos de observação. A tabela a seguir apresenta os
resultados encontrados:
Tabela 2 – Comparação entre médias dos reajustes rais nos períodos presentes na amostra
Variáveis Média Observações
Anos de eleições estaduais 0,0075 227
Anos de eleições municipais -0,0049 302
Anos não eleitorais 0,0081 613
Fonte: Elaboração própria.
Uma vez que um reajuste real nulo representa a manutenção da capacidade de investimento
das firmas, criou-se uma nova variável, denominada "variação real", que cor-responde à seguinte
equação:
Logo, em um cenário em que o reajuste nominal aplicado à firma é equivalente ao IPCA
observado e, portanto, a capacidade da firma de realizar investimentos se mantém em termos reais a
variável assume o valor 0. Desse modo, o modelo estimado pode ser escrito da seguinte forma:
O vetor eleições corresponde às variáveis dummy eleições estaduais
it
e eleições municipais
it
para cada município (i) e período (t). Analogamente, o vetor cobertura equivale às variáveis cobertura
de água
it
e cobertura de esgoto
it
, que representam as taxas de cober tura dos serviços de cada
município anualmente, de acordo com os dados do SNIS.
O vetor x por sua vez corresponde ao conjunto de variáveis socieconômicas de cada município
(PIB municipal, tamanho da população), uma dummy para o ano de 2020, que corres/ponde aos
meses após o início da pandemia de COVID-19 e um conjunto de variáveis específicas do setor.
A primeira delas é uma dummy que assume 1 nos anos em que é realizada a revisão dos
contratos de concessão . Já a segunda variável atribui o valor 1 após o mês de julho de 2020, data de
aprovação do Novo Marco do Saneamento, e busca captar mudanças institucionais do novo arcabouço
regulatório. É incluída também uma variável dummy que indica a natureza da participação acionária
da empresa de saneamento, e assume o valor 1 no caso em que as empresas são estatais e 0 caso se
tratem de empresas mistas e privadas.
Por fim o componente
i
corresponde aos efeitos específicos de cada município (fixos ou
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AQUINO, Matheus Sérgio Custódio de; LEDO, Bruno Cesar Aurichio. Sede de quê? Efeitos da
interferência política no setor de saneamento sobre o bem-estar e a expansão do sistema.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 124-142, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1066
aleatórios). Foram estimadas diferentes especificações para o modelo incluindo os demais controles
do painel. A seguir são apresentados os resultados:
Tabela 3 – Resultados das diferentes especificações do modelo com controles
Variável Dependente
Variação_real
(Pooled) (EF) (EA)
eleicoes_municipais -0,281**
(0,119)
-0,243**
(0,120)
-0,278**
(0,118)
eleicoes_municipais -0,165
(0,110)
-0,185*
(0,110)
-0,167
(0,109)
atend_agua -2,078***
(0,0498)
-2,101*
(1,082)
-2,112***
(0,518)
atend_esgoto 0,094
(0,169)
0,136
(0,611)
0,095
(0,178)
Constante
2,245**
(0,119)
2,290**
(0,461)
Observações 983 983 983
R2 0,087 0,092 0,087
R2 Ajustado 0,077 -0,086 0,078
Estatística F 9,231*** (df=10; 972) 9,264*** (df=10; 981) 92,292***
Note: *p<0.1; **p<0.05; ***p<0.01
Fonte: Elaboração própria.
Em todas as especificações do modelo, o efeito das eleições municipais sobre a variação real
das tarifas é negativa e estatisticamente significante ao nível de 5%. Esses resultados vão na direção
favorável à Hipótese 1. A realização de eleições municipais apresentam um impacto negativo sobre
as variações reais das tarifas, confirmando a predição do modelo de que interferência política afeta
a tarifa negativamente.
Da mesma forma, o impacto do coeficiente associado à cobertura de água é negativo e
estatisticamente significante (pelo menos ao nível de 10%). Esse é um resultado que vai na direção
de alguns pressupostos do modelo: quanto maior o tamanho da cobertura, menor a variação real da
tarifa necessária para alcançar a universalização. Além disso, taxas de cobertura elevadas implicam
em um número maior de indivíduos afetados pela política regulatória no primeiro período, o que
aumenta os incentivos do político para interferir sobre os preços praticados.
No caso das eleições estaduais, os coeficientes encontrados vão na direção prevista pelo
modelo em todas as especificações (é negativo), porém, é estatisticamente significante, ao nível
de 10%, somente no modelo com efeitos fixos. A fim de testar o modelo mais adequado para essas
estimações, foi realizado o teste de Hausman com os resultados dos modelos de efeitos fixos e de
efeitos aleatórios. O p-valor obtido no cálculo do teste foi de 0,003, ou seja, não rejeita-se a hipótese
nula, o que indica que o modelo de efeitos fixos é o mais adequado para essas estimações.
137
4.2Consideraçõessobreosresultadosencontrados
Os resultados encontrados na seção 4.1 indicam que os ciclos eleitorais dos municípios estão
negativamente associados aos preços praticados pelos serviços de saneamento básico, para todas
as especificações do modelo consideradas. No caso da interferência política no nível estadual, foram
encontrados resultados estatisticamente significantes, ao nível de 10%, somente no caso do modelo
com efeitos fixos. Esse resultado, é relevante uma vez que no Brasil os municípios são os responsáveis
pela titularidade dos serviços de saneamento, portanto, são eles que possuem competência para
concretizar a interferência na atividade regulatória. Além disso apenas 361 observações da amostra
obtida (aproximadamente 27% do total) são reguladas por agências que atuam no nível estadual. Logo,
a maioria das observações de fato estão sob a regulação de agências municipais ou intermunicipais
que ficam na esfera de influência dos prefeitos dos municípios regulados.
Outro aspecto importante sobre os resultados, é que se espera que a amostra construída
apresente um viés importante: apenas municípios que realizaram reajustes em pelo menos um dos
anos analisados estão presentes na amostra, logo, municípios em que a interferência política seja
suficientemente grande (parâmetro da Proposição 3 muito elevados) sequer aparecem na base,
pois não realizaram nenhum reajuste ao longo dos anos estudados. Nesse sentido, o fato de as
estimações apresentarem resultados estatisticamente significativos é relevante, uma vez que o viés
de seleção indicado tende a subestimar os coeficientes associados à eleições.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho foram estudados os efeitos de uma interferência política em agências
reguladoras de saneamento, que definem além da tarifa praticada pelas firmas uma meta de expansão
para a taxa de cobertura dos serviços prestados.
Para esse fim, utilizou-se um modelo estilizado em que uma agência busca maximizar o
bem-estar da sociedade em dois períodos, sendo que entre eles há uma eleição. No modelo sem
interferência política, demonstrou-se que o regulador permite à firma operar com uma regra
de apreçamento de Ramsey, na qual o markup é grande o suficiente para que a firma realize os
investimentos definidos pelo regulador. No caso em que os indivíduos possuem uma demanda linear,
mostrou-se que a expansão da rede, financiada por consumidores que já estão no sistema representa
uma queda na utilidade dessas pessoas em relação a um cenário sem investimento. Desse modo, é
possível identificar um trade-off resultante da realização dos investimentos: a queda de utilidade
dos usuários originais do sistema pode ou não ser compensada pela entrada de novos usuários.
Essa conclusão indica que mesmo em um cenário sem interferência política a sociedade pode se
distanciar da universalização dos serviços caso a perda de bem-estar resultante do aumento de
preços seja menor que o ganho de bem-estar ocasionado pela entrada dos novos usuários, como fica
claro na derivação da quantidade ótima escolhida pelo regulador.
No cenário em que o parâmetro de interferência política  é estritamente positivo, o
regulador passa a considerar o ganho obtido com a manutenção do incumbente no poder no seu
problema de maximização. Os resultados do modelo formalizam o mecanismo pelo qual a influência
dos ciclos políticos sobre a atividade regulatória podem afetar a realização de investimentos em
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AQUINO, Matheus Sérgio Custódio de; LEDO, Bruno Cesar Aurichio. Sede de quê? Efeitos da
interferência política no setor de saneamento sobre o bem-estar e a expansão do sistema.
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https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1066
setores regulados, em especial no saneamento. As tarifas menores, resultantes da incorporação do
objetivo de reeleição à função objetivo do regulador, diminuem a capacidade da firma de realizar
quantidades ótimas de investimento.
A principal contribuição deste trabalho, sob o aspecto teórico é adicionar o componente de
decisão associado à realização de investimentos ao problema de interferência dos ciclos políticos
sobre a decisão de preços regulados, apresentado por Moita e Paiva (2013). O modelo não é capaz
de explicar, no entanto, o comportamento da regra de precificação na presença de hetorogeneidade
entre os usuários, o que pode trazer complexidade a esse estudo. Além disso, no caso do cenário com
interferência, pode-se estender a análise para o caso em que a firma age estrategicamente.
Com base nos resultados do modelo teórico, a Seção 4.1 apresenta o teste de uma hipótese
formulada a partir da Proposição 3. Foi construído um painel com informações a respeito dos
reajustes praticados por agências reguladoras de saneamento em diversos municípios brasileiros.
Nessas estimações buscou-se avaliar se em anos eleitorais a variação real das tarifas definidas
pelos reguladores é negativa (o que reduz a capacidade das firmas de executarem investimentos).
Os resultados para diferentes especificações do modelo econométrico indicam que há uma relação
negativa entre as eleições municipais e as tarifas praticadas, em qualquer especificação do modelo
utilizada.
Há considerações importantes sobre a base construída: espera-se que municípios com maior
interferência política sequer pratiquem reajustes na tarifa e, portanto, não es tejam presentes na
amostra. Os resultados devem ser avaliados à luz do viés resultante da ausência desses municípios.
Porém, tal viés tem o potencial de intensificar os resultados encontrados. Possíveis extensões da
análise incluem a estimativa de parâmetros estruturais do modelo teórico.
Uma limitação importante deste trabalho está associada ao fato de que o processo de
interação entre a firma regulada e a agência reguladora não é precedido de uma licitação. Caso
houvesse tal etapa de competição prévia é possível que se apresentassem barreiras adicionais à
captura regulatória. Esse aspecto pode ser explorado no futuro em um modelo teórico com mais
períodos.
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AQUINO, Matheus Sérgio Custódio de; LEDO, Bruno Cesar Aurichio. Sede de quê? Efeitos da
interferência política no setor de saneamento sobre o bem-estar e a expansão do sistema.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 124-142, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1066
APÊNDICE A PROVAS DO MODELO TEÓRICO
1 Caso sem interferência política
PROVA DA PROPOSIÇÃO 1:
max
q,n
2
n
1
[S(q) p(q)q] + βn
2
[S(q) p(q)q]
s.a.
π = p(q)Q
1
cQ
1
rn + β[p(q)Q
2
cQ
2
] 0
O Lagrangeano do problema do regulador é dado por:
L = (n
1
+ βn
2
)[S(q) p(q)q] + λ[n
1
(p(q)q cq) rn + n
2
β(p(q)q cq)] (1)
Como indicado por Baron e Myerson (1982), dado que
dS(q)
dq
= p(q), temos:
CPO:
[q] ∶−(n
1
+ βn
2
)
dp(q)
dq
q + λ[(n
1
+ βn
2
)(
dp(q)
dq
q + p(q) c)] = 0 (2)
[n
2
] β(S(q) p(q)q) λ[r
dn
dn
2
β(p(q)q cq)] = 0 (3)
[λ] λ[(n
1
+ δn
2
)(p(q)q cq) rn] = 0 (4)
Note que λ > 0. De fato, por contradição, suponha que λ = 0.De(2), conclui-se que:
(n
1
+ βn
2
)
dp(q)
dq
q = 0 (5)
Assim, uma vez que β > 0 e n
2
n
1
> 0, para que (5) seja válida, devemos ter:
dp(q)
dq
q = 0 (6)
Como por hipótese temos que
dp(q)
dq
< 0, q > 0, conclui-se que q = 0. Tomando q = 0 na função de
bem-estar, concluímos que W=0. Seja o caso em que os usuários possuem uma demanda linear,
na forma p = a bq. Assim, como S(q) =
q
0
p(s)ds, para um q > 0 arbitrário, dado um n
1
e um
n
2
arbitrários, concluímos que W = (n
1
+ βn
2
)[(aq b
q
2
2
)] (a bq)q = bq
2
> 0, que é maior que o
bem-estar no caso em que q = 0 o que é uma contradição. Portanto, λ > 0.
D > 0 e(4) conclui-se que a restrição de participação da firma é ativa no ótimo.
Manipulando (2) e denotando a elasticidade-preço por η têm-se que :
(n
1
+ βn
2
)
dp(q)
dq
q = λ[(n
1
+ βn
2
)(
dp(q)
dq
q + p(q) c)]
dp(q)
dq
q
=
λ
[(
dp(q)
dq
q
+
p
(
q
)
c
)]
1
141
⇒
dp(q)
dq
q λ
dp(q)
dq
q = λ(p(q) c)
⇒
dp(q)
dq
q
p(q)
λ
dp(q)
dq
q
p(q)
=
λ(p(q)c)
p(q)
(dividindo ambos os lados por p(q))
⇒
1
η
λ
η
= λ[
p(q)c
p(q)
] (tomando o inverso da elasticidade preço da demanda)
⇒
λ1
λ
1
η
=
p(q)c
p(q)
(note que η < 0, assim é tomado o valor absoluto)
PROVA DO COROLÁRIO 1
Assumindo agora uma função de produção quadrática para a firma, temos que a condição de
primeira ordem para o n
2
, dada pela equação (3) passa a ser dada por:
β(S(q) p(q)q) λ[2r(n
2
n
1
) + β(p(q)q cq)] = 0 (7)
Manipulando essa condição temos:
⇒ β(S(q) p(q)q) = λ[2r(n
2
n
1
) β(p(q)q cq)]
⇒ λ[2r(n
2
n
1
)] = β[(S(q) p(q)q) + λ(p(q)q cq)]
⇒ n
2
n
1
=
β[(S(q) p(q)q) + λ(p(q)q cq)]
2
⇒ n
2
= n
1
+
β[(S(q) p(q)q) + λ(p(q)q cq)]
2
2 Efeito da interferência política
PROVA DA PROPOSIÇÃO 2
max
q,n
2
n
1
[S(q) p(q)q] + βn
2
[S(q) p(q)q] + σR(p)
s.a.
π = p(q)Q
1
cQ
1
rn + β[p(q)Q
2
cQ
2
] 0
O Lagrangeano do problema do regulador é dado por:
L = (n
1
+ βn
2
)[S(q) p(q)q] + σR(p) + λ[n
1
(p(q)q cq) rn + n
2
β(p(q)q cq)] (8)
CPO:
[q] ∶−(n
1
+ βn
2
)
dp(q)
dq
q + λ[(n
1
+ βn
2
)(
dp(q)
dq
q + p(q) c)] + σ
dR
dq
= 0 (9)
[n
2
] β(S(q) p(q)q) +
dR
dn
2
λ[rn β(p(q)q cq)] = 0 (10)
[λ] λ[(n
1
+ βn
2
)(p(q)q cq) rn] = 0 (11)
Note que λ > 0. De fato, por contradição, suponha que λ = 0.
Tomando (9), temos:
(n
1
+ βn
2
)
dp(q)
dq
q + σ
dR
dq
= 0
⇒ (
n
1
+
βn
2
)
dp(q)
dq
q
=
σ
dR
dq
(12)
2
142
AQUINO, Matheus Sérgio Custódio de; LEDO, Bruno Cesar Aurichio. Sede de quê? Efeitos da
interferência política no setor de saneamento sobre o bem-estar e a expansão do sistema.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 124-142, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1066
Note que, por hipótese, σ
dR
dq
> 0, mas sabemos que
dp
dq
< 0. Logo, (12) é uma contradição. Portanto,
λ > 0.
De λ > 0 e(11) conclui-se que a restrição de participação da firma é ativa no ótimo.
Manipulando (9) e denotando a elasticidade-preço por η têm-se que :
(n
1
+ βn
2
)
dp(q)
dq
q = λ[(n
1
+ βn
2
)(
dp(q)
dq
q + p(q) c)] +
dR
dq
Dividindo os dois lados por n
1
+ βn
2
:
⇒
dp(q)
dq
q = λ[
dp(q)
dq
q + p(q) c] +
dR
dq
1
n
1
+ βn
2
⇒
p(q) c
p(q)
=
λ 1
λ
1
η
dR
dq
1
(n
1
+ βn
2
)p(q)
(note que η < 0) (13)
PROVA DO COROLÁRIO 2
Assumindo agora uma função de produção quadrática para a firma, temos que a condição de
primeira ordem para o n
2
, dada pela equação (10) passa a ser dada por:
β(S(q) p(q)q) + σ
dR
dN
2
λ[2r(n
2
n
1
) β(p(q)q cq)] = 0 (14)
Manipulando essa condição temos:
⇒ β(S(q) p(q)q) + σ
dR
dn
2
= λ[2r(n
2
n
1
) β(p(q)q cq)]
⇒ λ[2r(n
2
n
1
)] = β[(1 + α)(S(q) p(q)q) + λ(p(q)q cq)]
⇒ n
2
n
1
=
β[(S(q) p(q)q) + λ(p(q)q cq)]
2
+ σ
dR
dn
2
⇒ n
R
2
= n
1
+
β[(S(q) p(q)q) + λ(p(q)q cq)]
2
+ σ
dR
dn
2
3