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RENZETTI, Bruno Polonio; SAITO, Carolina. O controle de concentrações em plataformas digitais:
uma análise crítica dos limites e potencialidades do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1075
A discussão passou, então, a orbitar em torno de como as autoridades da concorrência
poderiam melhor “capturar” as operações que teoricamente não apresentavam maiores preocupações
concorrenciais. Estudos e relatórios foram produzidos por autoridades da concorrência e grupos de
acadêmicos para mapear e propor soluções para os desafios postos pela economia digital. Entre eles,
o maior controle de atos de concentração.
São diversos os desafios impostos no controle de estruturas. Considerando que os principais
critérios de notificação obrigatória de atos de concentração - no Brasil e no mundo - estão intrinsecamente
relacionados ao faturamento, companhias da economia digital que oferecem seus produtos a preço
zero representam um novo paradigma a ser enfrentado pelas autoridades da concorrência
22
.
Além disso, companhias com grande número de usuários e intensa coleta de dados, mas com
faturamento abaixo dos critérios de notificação também impõem a necessidade de pensar em novas
maneiras de avaliar as operações (BUENO; PAIXÃO, 2020, p. 274).
Nesse cenário, a utilização atual do art. 88, §7º pode ser vista como uma possível saída para
os obstáculos acima elencados, sem a necessidade de alterações legislativas. Ao lançar mão de sua
prerrogativa lá elencada, o Cade poderia promover uma análise ex post dos atos de concentração que
acabam se desdobrando com efeitos anticompetitivos. Todavia, como demonstrado acima, o Cade
tem utilizado esta prerrogativa de forma bastante acanhada. A previsão legal é sim um mecanismo
capaz de atender a parte desses objetivos, mas não produz a eficácia necessária, justamente por ser
apenas uma faculdade relegada à discricionariedade da autoridade. Dessa forma, entendemos que
mecanismos adicionais são necessários para abordar os desafios postos pelos atos de concentração
envolvendo plataformas digitais, principalmente aquelas realizadas por líderes de mercado que
adquirem potenciais concorrentes
23
, inclusive incrementando a aplicação do referido dispositivo legal.
Primeiro, seria saudável que o Cade editasse um novo guia para análise de atos de
concentração envolvendo plataformas digitais. Tal guia traria novos parâmetros para análise de
atos de concentração no ambiente digital, levando em consideração as peculiaridades do setor. É
importante que a autoridade da concorrência passe a ter uma visão mais ampla do espaço e das
dinâmicas de concorrência e inovação. A mera avaliação com base em eficiências apresentadas na
estrutura de mercado da época pode não ser mais suficiente para efetivamente identificar os riscos
concorrenciais. Além de aprimorar a análise das operações que são de notificação obrigatória, a
profundidade e clareza sobre a análise das operações em mercados digitais estabelecidas em um
novo guia facilitam a utilização do art. 88, §7º, pois a autoridade passa a estar mais capacitada e
possui justificativas mais robustas para requerer a notificação de uma operação que não atinge os
22 “A centralidade quase absoluta da teoria de preços, no entanto, suscita dificuldades consideráveis para a aplicação
de conceitos-chave da literatura antitruste às plataformas digitais. Os modelos de negócios usualmente operam a preço zero,
pois o usuário final que acessa plataformas como ferramentas de buscas online, redes sociais e muitas outras, não remunera
o intermediário com pagamentos diretos em dinheiro. Ao analisar condutas de plataformas digitais, torna-se extremamente
dif[icil enquadrar a relação usuário-plataforma nos cânones das relações de mercado tradicionalmente tuteladas pela
legislação antitruste. Essa problemática escancara que a tradiação do direito antitruste, at[e aqui, não se baseou em uma
definição jurídica abstrata de mercado e tem se tornado extremamente dependente da referida metodologia de preços”
(FERNANDES, 2022, p. 172).
23 Além de aquisições de concorrentes horizontais, que atuam em um mesmo mercado relevante, o protagonismo de
plataformas digitais também traz desafios quanto a integrações verticais e atos de concentração com efeitos conglomerados,
indo além da mera relação horizontal entre agentes econômicos. Literatura mais recente tem prestado bastante atenção no
fenômeno da criação de ecossistemas digitais, a partir de relações complementares entre plataformas que não necessariamente
seriam concorrentes (JACOBIDES; LIANOS, 2021, p. 1199-1229).