676766
BLUME, Igor Marcelo; BRUCH, Kelly Lisandra. O paradoxo do Google: a geração de ganhos de
eficiência e as condutas anticompetitiva. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n.
2, p. 42-66, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1062
4
O CONTROLE DE
CONCENTRAÇÕES EM
PLATAFORMAS DIGITAIS:
UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS
LIMITES E POTENCIALIDADES
DO ART. 88, §7º DA LEI Nº
12.529/2011
1
Merger Control and Digital Platforms: A Critical
Analysis of the Limits and Potentialities of Article
88(7) of Law No. 12,529/2011
Bruno Polonio Renzetti
2
Instituto de Pesquisa e Ensino (Insper) – São Paulo/SP, Brasil
Carolina Saito da Costa
3
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) – São Paulo/SP, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Contexto: Considerando recentes discussões doutrinárias sobre uma possível falha no controle de
concentrações devido aos critérios de notificação obrigatória de atos de concentração, é relevante
investigar a solução proposta pela legislação brasileira, prevista no art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011.
A discussão ganha ainda mais relevância quando se trata de operações envolvendo plataformas
digitais. Movimentos acadêmicos nos últimos anos têm questionado a forma como o direito da
concorrência é aplicado para coibir condutas anticompetitivas perpetradas por plataformas digitais
e também seu crescimento por meio aquisições de concorrentes. O problema se coloca ao se verificar
que muitas das aquisições não passaram pelo crivo das autoridades de defesa da concorrência devido
aos critérios de notificação obrigatória de atos de concentração. O baixo faturamento de empresas-
alvo, em que pese sua relevância no mercado, fizeram com que atos de concentração relevantes não
fossem notificados às autoridades.
Editor responsável: Prof. Dr. Luis Henrique Bertolino Braido, Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4648392251476133. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6085-1446.
1 Recebido em: 31/10/2023 Aceito em: 08/12/2023 Publicado em: 21/12/2023
2 Professor da graduação em direito do Insper, em São Paulo. Doutor em Direito Comercial pela Universidade de
São Paulo, LL.M. pela Yale Law School e Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Graduado em Direito
pela Universidade Federal do Paraná. Membro da Academic Society for Competition Law. Non-Governmental Advisor na
International Competition Network. Aprovado no New York Bar Exam. Advogado em Hapner Kroetz Advogados, em Curitiba.
E-mail: brunopr5@insper.edu.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/0552342887882392
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8249-4451
3 Coordenadora-Geral da divisão de cartéis em licitações da Superintendência-Geral do CADE. Doutoranda em Direito
Econômico pela Universidade de São Paulo, com períodos sanduíches na Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de
Yale e na Faculdade de Direito da Universidade de Georgetown. Mestra em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, onde também se graduou em Direito. E-mail: carolina.saito@usp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1336448234603755ORCID: http://orcid.org/0009-0006-5777-2249
68
RENZETTI, Bruno Polonio; SAITO, Carolina. O controle de concentrações em plataformas digitais:
uma análise crítica dos limites e potencialidades do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1075
Objetivo: Avaliar se as ferramentas à disposição do Cade são suficientes para lidar com atos de
concentração em mercados digitais que não sejam de notificação obrigatória de acordos com os
critérios do art. 88 e art. 90 da Lei nº 12.529/2011. O artigo estuda como o Cade utiliza a prerrogativa
do art. 88, §7º em casos concretos e qual seria potencialidade de uso para abordar questões relativas
ao controle de estruturas em mercados digitais.
Método: O trabalho foi realizado por meio de revisão bibliográfica da literatura especializada no tema,
análise dos registros de debates legislativos durante o processo de aprovação da Lei nº 12.529/2011 e
coleta de jurisprudência do banco de dados publicamente disponibilizado pelo Cade.
Conclusões: O trabalho conclui que a prerrogativa do art. 88, 7º, tem sido utilizada de maneira
excepcional pelo Cade, em poucas ocasiões. Apesar da pequena amostra de casos, a análise
demonstrou haver uma tendência na aplicação do art. 88, §7º em três situações: (i) conhecimento
de operações notificadas voluntariamente pelas partes e que não preencheram os requisitos legais
de notificação; (ii) determinação de notificação de operações que não preencheram os requisitos
legais de notificação; e (iii) menção ao dispositivo legal como uma forma de salvaguarda da defesa
da concorrência para aprova um ato de concentração. Não foi encontrada utilização do art. 88, §
para analisar atos de concentração relativos a mercados digitais.
Palavras-chave: atos de concentração; controle de estruturas; mercados digitais; fusões e aquisições;
jurisprudência.
STRUCTURED ABSTRACT
Context: Considering recent academic discussions about a possible flaw in merger control due to
mandatory notification criteria for mergers, it is relevant to investigate the solution proposed by
Brazilian Competition Act, provided for in Article 88(7) of Law No. 12,529/2011. The discussion is even
more relevant when it comes to transactions involving digital platforms. Academic movements in recent
years have questioned how competition law is applied to curb anticompetitive conduct perpetrated
by digital platforms and their growth through the acquisition of competitors. The problem arises
when it is observed that many acquisitions did not undergo scrutiny by competition authorities due
to the mandatory notification criteria for mergers. The low turnover of target companies, despite
their market relevance, resulted in significant mergers not being notified to the authorities.
Objective: Evaluate whether the tools available to Cade are sucient to deal with mergers in digital
markets that are not subject to mandatory notification according to the criteria of Article 88 and
Article 90 of Law No. 12,529/2011. The paper studies how Cade uses the prerogative of Article 88(7)
in specific cases and what the potential use would be to address issues related to merger control in
digital markets.
Method: The work was conducted through a literature review of specialized literature on the subject,
analysis of legislative debates records during the approval process of Law No. 12,529/2011, and the
collection of caselaw from the database publicly available by Cade.
Conclusions: The paper concludes that the prerogative of Article 88(7) has been used exceptionally
by Cade, on few occasions. Despite the small sample of cases, the analysis showed a tendency in the
application of Article 88(7) in three situations: (i) knowledge of transactions voluntarily notified by
the parties that did not meet the legal notification requirements; (ii) determination of notification
69
of transactions that did not meet the legal notification requirements; and (iii) mention of the legal
provision as a safeguard for competition defense to clear a merger. No use of Article 88(7 ) was found
to scrutinize digital mergers.
Keywords: merger control; digital markets; merger and acquisitions; caselaw.
Classicação JEL: K21; L40; G34.
Sumário: 1. Introdução; 2. Histórico Legislativo da Lei
de Defesa da Concorrência; 3. Aplicação do dispositivo
pelo Cade; 3.1 Metodologia da pesquisa; 3.2 Análise dos
resultados; 4. Utilizando o art. 88, §7º para enfrentar
os desaos do mercado digital; Considerações Finais;
Referências.
1. INTRODUÇÃO
A substituição da Lei nº 8.884/1994 pela Lei nº 12.529/2011 marca um momento de afirmação
da disciplina concorrencial no Brasil e da própria autoridade antitruste, representada pelo Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A lei de 2011 impôs mudanças significativas para a defesa
da concorrência no Brasil, buscando equiparar o arcabouço brasileiro de defesa da concorrência às
melhores práticas mundiais, olhando principalmente para as experiências americana e europeia.
Foram diversas as modificações trazidas pela nova legislação concorrencial. Relevante para
o presente trabalho foi a mudança no rito de notificação de atos de concentração: o Brasil passou
a adotar o sistema prévio de notificação, abandonando a análise ex post anteriormente prevista na
Lei nº 8.884/1994.
Para entender a relevância dessa mudança, é importante primeiro esclarecer o que a lei de
2011 determina como critério de notificação de operações. Os artigos 88 e 90 da Lei nº 12.529/2011
estabelecem os requisitos para a notificação obrigatória de atos de concentração. De acordo com
o art. 88, atualizado pela Portaria Interministerial nº 994 de 30 de maio de 2012, são de notificação
obrigatória as operações nas quais um dos grupos econômicos envolvidos tenha registrado
faturamento bruto anual ou volume de negócios no Brasil equivalente ou superior a R$ 750 milhões e
a outra parte, no mínimo, R$ 75 milhões. Além disso, a operação deve se enquadrar em algumas das
hipóteses de negócios jurídicos previstas nos incisos do art. 90 para ser considerada como um ato
de concentração (BRASIL, 2011). Dessa forma, os critérios de notificação dos artigos 88 (faturamento)
e 90 (tipo de operação) são cumulativos: ambos devem estar presentes para que uma operação seja
de notificação obrigatória ao Cade.
Ao impor tais filtros para notificação obrigatória de atos de concentração, naturalmente
algumas operações relevantes acabam não sendo analisadas pelo Cade, exatamente por não
atingirem os critérios objetivos estabelecidos pela lei. Visando a manutenção da competência do
Cade para defender a concorrência e, portanto, analisar casos que possam gerar efeitos negativos
aos mercados, mesmo não atingindo os critérios legais de notificação, foi incluído o §7º no art. 88 da
Lei nº 12.529/2011, objeto do presente trabalho.
O texto do §7º dispõe que é facultado ao Cade requerer a submissão de atos de concentração
70
RENZETTI, Bruno Polonio; SAITO, Carolina. O controle de concentrações em plataformas digitais:
uma análise crítica dos limites e potencialidades do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1075
que não se enquadrem nos critérios legais de notificação. Adicionalmente, a fim de garantir segurança
jurídica e estabilidade econômica, a legislação limitou o exercício de tal prerrogativa pelo prazo de
um ano após a consumação da operação, pois não seria razoável manter tal atribuição ao Cade de
maneira ilimitada no tempo. A lei, portanto, confere ao Cade o poder de analisar, em um regime ex
post, atos de concentração que não são de notificação obrigatória, sendo uma exceção ao regime ex
ante inaugurado pela lei de 2011.
Neste trabalho, comentaremos sobre a origem do dispositivo e sua discussão legislativa
durante a gênese da Lei nº 12.529/2011. Em seguida, será analisado o emprego do art. 88, §7º pelo
Cade, bem como o recente debate sobre a utilização do dispositivo para conter abusos de poder
econômico nos mercados digitais. Ao final, será apresentada uma breve conclusão.
2. HISTÓRICO LEGISLATIVO DA LEI DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA
A Lei nº 12.529/2011 percorreu um longo caminho de 7 anos para ser aprovada e teve origem
no Projeto de Lei nº 3.937/2004 (PL/2004)
4
, proposto pelo deputado Carlos Eduardo Cadoca (PMDB/
PE). Tal PL/2004 não buscava a revogação completa da Lei nº 8.884/1994, mas sim a alteração de
alguns de seus dispositivos, destacando-se para o presente trabalho alterações ao então artigo 54,
referente ao controle de estruturas e apreciação de atos de concentração.
Sobre esse tema, o PL/2004 do Deputado Cadoca inovou ao propor o modelo de submissão
prévia dos atos de concentração ao Cade, ou seja, que as partes não poderiam concretizar a operação
antes da decisão final da autoridade de defesa da concorrência. A proposição legislativa original
dispunha que deveriam ser submetidos à apreciação do Cade os atos de concentração em que um
dos grupos envolvidos houvesse registrado no último balanço faturamento bruto anual igual ou
superior a 400 milhões de reais e o outro grupo houvesse registrado faturamento de 30 milhões de
reais. O Cade teria, então, até 90 dias para apreciar o ato após a notificação.
Entretanto, o texto original do PL/2004 não mencionou, em momento algum, a possibilidade
de o Cade requerer a submissão de atos de concentração que não alcançassem os patamares de
faturamento propostos no PL. Essa inserção somente ocorreu com a apresentação do Projeto de Lei
nº 5.877/2005
5
, de iniciativa do Poder Executivo e que foi apensado ao PL/2004 apresentado pelo
Deputado Cadoca.
O PL/2005 do Executivo possuía um escopo muito mais amplo do que o PL/2004 originário
na Câmara dos Deputados, propondo uma reformulação completa do Sistema Brasileiro de Defesa
da Concorrência (SBDC). Entre tais reformulações estava também a mudança para o regime prévio
de análise de atos de concentrações, com algumas alterações em relação aos critérios postos pelo
PL/2004 do Deputado Cadoca. Importante aqui, entretanto, é o fato de que o PL/2005 do Executivo
incluiu a possibilidade de análise pelo Cade de atos de concentração que não preenchessem os
critérios de notificação obrigatória. O art. 89, §7º, do PL nº 5.877/2005 assim dispunha: “É facultado
ao Cade, no prazo de um ano a contar da respectiva data de consumação, requerer a submissão dos
4 Os detalhes sobre a tramitação do referido PL/2004 podem ser encontrados no site da Câmara dos Deputados (BRA-
SIL, 2004).
5 Os detalhes sobre a tramitação do referido PL/2005 podem ser encontrados no site da Câmara dos Deputados
(BRASIL, 2005).
71
atos de concentração que não se enquadrem no disposto neste artigo” (BRASIL, 2005).
A relatoria dos Projetos de Lei ficou a cargo do então Deputado Ciro Gomes. Em seu longo
parecer, de 31 de outubro de 2007, o Relator fez detalhada incursão acerca das mudanças no SBDC.
Sobre os atos de concentração, por exemplo, adotou a propositura do Deputado Cadoca, a qual
estabelecia valores mais altos de faturamento para submissão obrigatória. Todavia, o Deputado Ciro
Gomes também adotou a previsão mencionada acima, presente no art. 89, §7º, do PL/2005 oriundo
do Poder Executivo. Em seu relatório, o Relator asseverou o seguinte:
uma salvaguarda importante, que mantivemos no Substitutivo, que faculta ao
Cade, no prazo de um ano a contar da respectiva data de consumação, requerer
a submissão dos atos de concentração que não se enquadrem nos critérios de
faturamento. Este dispositivo cumpre um papel importante no sentido de viabilizar
uma exigência mais parcimoniosa de submissões. Em tese, apesar de o poder de
mercado estar usualmente associado positivamente com o tamanho da empresa, tal
correlação não é perfeita. Toda fusão pode gerar um efeito anticompetitivo, mesmo
com faturamentos pequenos, dado que os mercados relevantes podem ser regionais
ou locais. A obrigação de noticar, no entanto, não pode ser para todas as fusões
sob pena de sobrecarregar em demasia a autoridade antitruste. Daí a existência
de parâmetros de faturamento tal como discutido nos parágrafos anteriores. A
solicitação de submissão de atos fora do enquadramento preencheria esta lacuna de
atos praticados por empresas menores, mais ainda sim com efeitos relevantes sobre
a concorrência (GOMES, 2007, p. 52).
Esta simples passagem na justificativa do relatório apresentado pelo Deputado Ciro Gomes
nos proporciona algumas pistas do que estava na mente do legislador ao incluir tal previsão legislativa.
Primeiro, percebe-se a preocupação com a não submissão excessiva (“parcimoniosa”) de atos
de concentração ao Cade. Analisando a situação do Cade na época do relatório, ilustrado no quadro
abaixo, verifica-se que o julgamento de atos de concentração ocupava uma grande parte da atividade
da autoridade - cerca de 75% dos processos julgados -, porém poucas operações eram vistas como
preocupantes - aproximadamente 75% das operações foram analisadas pelo rito sumário e mais
de 90% foram aprovadas sem restrições. Acredita-se que esse contexto motivou a preocupação do
legislador em criar mecanismos que não abarrotassem o órgão de defesa da concorrência com casos
de baixa ou nenhuma relevância concorrencial
6
.
6 “A reestruturação do SBDC sempre foi defendida como uma forma de reduzir tempo de análises e de aumentar a
eficiência nas decisões. Além disso, a nova lei estabeleceu filtros mais elevados para a obrigatoriedade de submissão de atos
de concentração ao crivo do Cade, o que contribui para concentrar o foco de atuação da autarquia nos principais casos. A
atualização dos critérios que obrigam um negócio a ser submetido ao Cade ajudou a reduzir o grande número de operações
que anteriormente passava pelo SBDC e superlotava a estrutura de análise” (CARVALHO; RAGAZZO, 2013, p. 157).
72
RENZETTI, Bruno Polonio; SAITO, Carolina. O controle de concentrações em plataformas digitais:
uma análise crítica dos limites e potencialidades do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1075
Quadro 1 – Atos de Concentração julgados entre 2004 e 2007
Ano ACs % julgados Sumário Não Sumário Sem restrição
2004 651 83,25% 71,01% 28,99% 88,17%
2005 497 74,62% 75,86% 24,14% 90,31%
2006 402 79,3% 75,12% 24,88% 94,88%
2007 563 80,54% 76% 24% 93%
Fonte: Relatórios de Gestão - Cade – 2004-2007
7
Segundo, o legislador também se manteve atento a não excluir, de maneira peremptória e
permanente, a apreciação de atos de concentração que não se encaixassem nos critérios de faturamento
- e estabelecer tais critérios é tarefa custosa
8
. A preocupação aqui é clara: manter no radar os efeitos
anticompetitivos perpetrados pela participação de empresas menores em atos de concentração.
É naturalmente impossível que uma autoridade da concorrência se ocupe de analisar toda e
qualquer operação entre agentes econômicos. Isto criaria um alto custo para o funcionamento dos
mercados e um excesso de carga de trabalho para a autoridade, que se veria obrigada a lidar com
casos com pouca ou nenhuma relevância. A escolha de um parâmetro – ou filtro – para decidir quais
casos devem ser submetidos à análise da autoridade da concorrência busca, assim, selecionar quais
casos devem ser investigados. A principal vantagem de parâmetros postos pela lei é a segurança
jurídica; por outro lado, os filtros são de difícil atualização e, por vezes, imprecisos (PODSZUN, 2023).
Após a entrada em vigor da Lei nº 12.529/2011 houve, de fato, uma redução do número de
atos de concentração de notificação obrigatória perante o Cade, principalmente nos primeiros anos
de vigência da lei. Isso ocorreu devido aos novos critérios de notificação, notadamente os valores
de faturamento mais altos e a necessidade de se levar em consideração o faturamento de ambas os
grupos econômicos envolvidos na operação, não somente de um deles. Entretanto, a partir de 2017,
verifica-se crescimento constante do número de atos de concentração analisados pelo Cade:
7 Relatório de Gestão do Cade, referente aos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007. Disponível em: https://www.gov.br/cade/
pt-br/acesso-a-informacao/auditoria/exercicio_2018_1995.
8 "O estabelecimento desse novo critério visa tentar evitar que negócios jurídicos irrelevantes sob o ponto de vista
concorrencial sejam submetidos ao controle do Cade, em razão exclusivamente do faturamento de um dos grupos econômicos
envolvidos. [...] Tarefa complexa é afirmar qual deveria ser o exato valor para cada um dos índices de jurisdição do Cade. [...]
Não resta dúvida de que o número de atos de concentração inaptos a gerar efeitos negativos à concorrência tende a diminuir
com os novos patamares estabelecidos pela Lei 12.529/2011. Contudo, mensurar essa redação é tarefa inglória; tal exercício
precisa levar em conta a intensidade futura da atividade econômica, cálculo bastante complexo até mesmo para os mais
experientes economistas" (CORDOVIL
et al., 2012, p. 198-199).
73
Gráfico 1 – Atos de concetração julgados entre 2015 e 2022
Fonte: Cade em Números
Percebe-se, assim, que desde 2017 a Lei nº 12.529/2011 não cumpre com os objetivos
buscados pelo legislador. Notadamente, o Cade experimenta um aumento constante do número
de atos de concentração analisados, ao contrário do que se esperava com a introdução dos novos
critérios de faturamento.
Uma das possíveis justificativas para este fenômeno seria a desatualização dos valores de
faturamento previstos no art. 88 da Lei de Defesa da Concorrência. A última vez que valores foram
atualizados foi em 2012, instituindo os atuais parâmetros de 750 e 75 milhões. Desde então, mais
de dez anos de vigência da lei se passaram e não houve nem mesmo atualização dos valores pela
inflação. É razoável cogitar uma correlação entre o aumento de atos de concetração julgados e a
ausência de atualização dos valores
9
.
A conclusão que se tira a partir da existência dos critérios de faturamento, tanto na antiga
Lei nº 8.884/1994 quanto na Lei nº 12.529/2011, resultado dos projetos de lei aqui em comento, cria
uma presunção relativa (juris tantum) de efeitos anticompetitivos no mercado. Tanto é assim que,
ao submeterem atos de concentração ao crivo do Cade, as empresas envolvidas devem demonstrar
a ausência de efeitos anticompetitivos e a presença de eficiências oriundas da operação, a fim de
9 “[...] a atualização periódica do valor mínimo de faturamento por meio da correção monetária é crucial para manter a
relevância e a eficácia desse critério como uma ferramento de controle da concentração de mercado e defesa da concorrência.
Ao considerar a inflação e as mudanças econômicas, garante-se que o limite estabelecido seja justo, adequado e proporcional
ao momento em que os atos de concetração são realizados. Ademais, a correção monetária é uma prática comum e amplamen-
te adotada em diversas áreas regulatórias e tributárias, justamente para evitar distorções e assegurar que valores e critérios
se mantenham alinhados à realidade econômica.” (BAGNOLI et al., 2023, p. 21).
74
RENZETTI, Bruno Polonio; SAITO, Carolina. O controle de concentrações em plataformas digitais:
uma análise crítica dos limites e potencialidades do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1075
superar a presunção legal
10
. Por outro lado, pode-se dizer que a lei também criou uma presunção
relativa de ausência de efeitos anticompetitivos para atos de concentração abaixo dos critérios de
faturamento, dado que sua notificação não é obrigatória. Diz-se relativa pois a possibilidade de o
Cade requerer a submissão de qualquer operação, em até um ano, opera como um elemento de
superação da ideia de que operações envolvendo partes com faturamento abaixo dos parâmetros de
notificação seriam pró-competitivas.
Importante notar outra mudança da Lei nº 12.529/2011 em relação à Lei nº 8.884/1994: a
exclusão da participação de mercado como um critério para submissão obrigatória dos atos de
concentração. O relatório do Deputado Ciro Gomes esclarece que a correlação entre tamanho e
poder de mercado não é perfeita. Dessa forma, a exclusão do critério de participação de mercado foi
bem-vinda. Da mesma forma, ao analisarmos o art. 88, §7º, abriu-se ao Cade um novo mecanismo
para avaliar atos de concentrações de notificação não-obrigatória, ainda que o faturamento - e a
participação de mercado - sejam reduzidos.
Apesar de não ser objeto do relatório do Deputado Ciro Gomes, é importante esclarecer que
o texto do art. 89, §7º do PL/2005 também facultou ao Cade a análise de negócio jurídico que não se
enquadrava nas operações descritas pela lei como ato de concentração. Isso porque, o seu texto dizia
que o Cade poderia requerer a notificação de operações “que não se enquadrem no disposto neste
artigo” e o art. 91 previa os tipos de negócios jurídicos que seriam considerados atos de concentração
“para os efeitos do art. 89”. Esse entendimento, inclusive, foi adotado pelo Cade ao discorrer sobre a
aplicação do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011 - que adotou em sua integralidade os termos do art. 89,
§7º do PL/2005, como será detalhado no próximo capítulo do presente trabalho.
A arqueologia jurídica da Lei nº 12.529/2011 não nos proporciona muitas pistas sobre a
motivação legislativa por trás do art. 88, §7º. Há somente um parágrafo sobre o tema no relatório
do Deputado Ciro Gomes. Entretanto, ainda que as menções sejam esparsas, nota-se que o objetivo
principal do dispositivo era não criar um safe-harbour para operações abaixo dos critérios de
notificação. É possível que operações que não apresentem preocupações concorrenciais em sua
gênese venham a se provar como problemáticas nos meses seguintes à sua consumação. O legislador
tomou o cuidado de reservar ao Cade, respeitando a segurança jurídica, a possibilidade de analisar
qualquer operação em até um ano após sua data de consumação.
3. APLICAÇÃO DO DISPOSITIVO PELO CADE
Nesse capítulo, será analisado como o Cade aplicou e aplica o dispositivo do art. 88, §7º, em
sua jurisprudência.
10 Escrevendo em 2014, Paula Forgioni critica as raras ocasiões em que um ato de concentração é bloqueada: “No Brasil,
nos últimos anos, foram autorizadas operações que geraram elevado grau de concentração no mercado e, consequentemente,
descrença da população em relação à atuação do CADE. Também por aqui, embora muitos recursos sejam canalizados para as
análises dos atos de concentração, julga-se que poucos deles podem gerar problemas concorrenciais e, quando ocorrem essas
hipóteses, são celebrados acordos com a Administração para viabilizar a aprovação sem grandes modificações nos planos
originais das empresas.” (FORGIONI, 2014, p. 429).
75
3.1 Metodologia da pesquisa
A pesquisa de jurisprudência analisou os documentos decisórios proferidos pelo Cade nos
quais o dispositivo em questão (art. 88, §7º) foi aplicado. O conjunto de processos descritos neste item
foi definido de acordo com a seguinte metodologia. Em um primeiro momento, foi realizada pesquisa
processual no Sistema Eletrônico de Informações (SEI), selecionado o item “Finalístico: Apuração
de Ato de Concentração” do critério de busca “Tipo de Processo. Dos resultados gerados, foram
considerados apenas os Procedimentos Administrativos para Apuração de Atos de Concentração
(APACs) com data superior a 2012, tendo em vista a entrada em vigor da Lei nº 12.529/2011 apenas
no referido ano, e até outubro de 2023, data em que foi realizada a pesquisa empírica do presente
trabalho. Foram analisados os conteúdos das notas técnicas da Superintendência-Geral do Cade
(SG/Cade) e/ou dos votos do Tribunal do Cade - documentos decisórios - para excluir os APACs que
discutiam os termos do art. 88, §3º, ou seja, aqueles que analisaram atos de concentração que foram
concretizados antes da decisão final do Cade - supostas práticas de gun jumping.
Em um segundo momento, foi realizada pesquisa na ferramenta “Busca de Jurisprudência”
considerando a Palavras-chave “§7º”. Dos resultados gerados, foram analisados os processos em que
houve a menção ao art. 88, §7º e selecionados apenas aqueles em que o Cade aplicou o dispositivo
para requerer a notificação de uma operação ou durante a análise de uma operação notificada.
Por fim, também foram considerados processos foram mencionados nos documentos decisórios dos
casos previamente selecionados e que utilizaram o art. 88, §7º, para garantir a completude da base
de dados de análise.
Considerando esses critérios, foram encontrados sete casos em que houve a análise de
operações pelo Cade com base no art. 88, §7º, sendo eles:
Quadro 2 – APACs ou ACs do art. 88, §7º
Número do Processo Partes Envolvidas Nomenclatura do Caso
08700.006497/2014-06 Greca Distribuidora de Asfaltos Ltda., Betunel Indústria e
Comércio Ltda. e Centro Oeste Asfaltos Ltda.
AC Greca / Betunel /
Centro Oeste
08700.009828/2015-32
11
Guerbert Produtos Radiológicos Ltda. e Mallinckrodt do
Brasil
APAC Guerbert /
Mallinkcrodt
08700.006355/2017-83 SM Empreendimentos Farmacêuticos S.A. e All Chemistry
do Brasil Ltda.
APAC SM / All Chemistry
08700.005079/2019-06 Sacel-Serviços de Vigilância e Transporte de Valores Eireli
e Prosegur Brasil Transportadora de Valores e Segurança
S.A.
APAC Sacel / Prosegur
08700.003903/2020-19 Fleury S.A., Sabin Medicina Diagnóstica S.A. e Wang &
Andrade Informática, Comércio e Serviço Ltda.
AC Fleury / Sabin /
Wang & Andrade
08700.006454/2023-11 Connexio Participações Ltda. e Schwabe International SE AC Schwabe/Herbarium
08700.004240/2023-01 MM Turismo & Viagens S/A; 123 Viagens e Turismo Ltda. APAC 123/MaxMilhas
Fonte: Sistema de Busca de Jurisprudência do Cade.
11 Importante esclarecer que o APAC tramitou com acesso restrito ao Cade e às partes. Por isso foram utilizadas as
informações fornecidas no AC nº 08700.005959/2016-21.
76
RENZETTI, Bruno Polonio; SAITO, Carolina. O controle de concentrações em plataformas digitais:
uma análise crítica dos limites e potencialidades do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1075
Além desses casos, a busca resultou em oito outros em que houve um debate ou menção
interessante ao art. 88, §7º, que também serão analisados no presente trabalho, sendo eles:
Quadro 3 – Processo com discussão sobre o art. 88, §
Número do Processo Partes Envolvidas Nomenclatura do Caso
08700.000258/2015-15 Procuradoria da República no Distrito Federal /
Ministério Público Federal; Instituto Brasileiro de Estudo
e Defesa das Relações de Consumo (IBEDEC); Carrefour
Com. Ind. Ltda. e BRF S.A.
APAC Procuradoria /
IBEDEC / Carrefour / BRF
08700.000478/2016-20 Azul S.A. e Hainan Airlines Co., Ltd. AC Azul / Hainan
08700.005265/2017-75 Delta Air Lines Inc. e Air France - KLM AC Delta / Air France
08700.002529/2017-39 TAM Linhas Aéreas S.A. e Qatar Airways Q.C.S.C. AC TAM / Qatar
08700.005210/2018-46 Sma Automóveis Ltda.; Karlos Cesar Fernandes; Kenya
Camila Fernandes Beltrão; e Nilson Barbosa Machado
AC Sma / Grupo Enzo
08700.001565/2018-66 Mitsui O.S.K. Lines, Ltd. e Nippon Yusen Kabushiki Kaish AC Mitsui / Nippon
08700.003855/2020-69 BRF S.A. e Upfield Brasil Holding Ltda. AC BRF / Upfield
08700.001197/2022-32 Cattalini Terminais Marítimos S/A e União Vopak
Armazéns Gerais Ltda.
AC Terminais
Fonte: Sistema de Busca de Jurisprudência do Cade.
3.2. Análise dos resultados
Apesar da pequena amostra de casos que formou a base de dados para a pesquisa, a
análise dos processos selecionados demonstrou haver uma tendência na aplicação do art. 88, §
pelo Cade, que foram classificadas em três padrões de aplicação do dispositivo: (i) conhecimento de
operações notificadas voluntariamente pelas partes e que não preencheram os requisitos legais de
notificação; (ii) determinação de notificação de operações que não preencheram os requisitos legais
de notificação; e (iii) menção ao dispositivo legal como uma forma de salvaguarda da defesa da
concorrência para aprovar uma operação.
O primeiro caso em que foi identificada a aplicação do art. 88, §7º foi o AC Grega / Betunel /
Centro Oeste. As partes decidiram notificar a operação ad cautelam, argumentando que nenhum dos
grupos econômicos envolvidos havia registrado faturamento igual ou superior aos requisitos legais.
Apesar de reconhecer o não preenchimento do requisito de faturamento, a SG/Cade conheceu a
operação com base no art. 88, §7º, por ter realizado análises concorrenciais não triviais decorrentes
da participação de mercado razoavelmente elevada das partes.
A tendência de aplicar o dispositivo para conhecer operações apenas em casos em que
há preocupações concorrenciais foi reforçada na análise do AC Azul / Hainan. Assim como no caso
anterior, a operação foi notificada pelas partes ad cautelam e a SG/Cade reconheceu que um dos
grupos econômicos envolvidos na operação (Grupo HNA) não teria alcançado o critério legal de
faturamento para que a operação fosse de notificação obrigatória
12
. Porém, diferentemente do AC
12 A relação societária entre Azul e HNA foi objeto de novas considerações pelo Cade durante a análise do Ato de
Concentração n. 08700.004105/2017-17, referente à alienação da participação da Odebrecht Transports na Rio de Janeiro
77
Grega / Betunel / Centro Oeste, a SG/Cade entendeu que a operação entre Azul e Hainan não gerava
problemas concorrenciais e, por isso, não conheceu a operação e afastou a faculdade de aplicação
do art. 88, §7º.
O último caso em que foi identificada a aplicação do art. 88, §7º em sede de operação
notificada pelas partes, foi o AC Fleury / Sabin / Wang & Andrade. A notificação da operação pelas
partes não foi feita com pedido de não conhecimento ou no espírito de cautela. Apesar disso, a
SG/Cade entendeu que a operação não seria de notificação obrigatória, em decorrência do não
preenchimento do critério de faturamento. Segundo a Superintendência
13
, a análise dos faturamentos
deveria ser feita com base em pólos das partes da operação, ou seja, considerando o grupo de
compradores de um lado e o grupo de vendedores de outro. Nesse sentido, apesar de Fleury e Sabin
terem atingido o critério de faturamento (R$750 milhões), o grupo do vendedor Wang & Andrade não
atingiu o critério de faturamento (R$75 milhões) e, por isso, a SG/Cade entendeu que a operação
não seria de notificação obrigatória. Ainda assim, a Superintendência decidiu pelo conhecimento
da operação com base no art. 88, §7º, em decorrência da necessidade de análise mais detalhada da
operação por gerar potenciais efeitos anticompetitivos.
A segunda tendência de adoção do art. 88, §7º pelo Cade teve sua delimitação estabelecida
por um caso em que o dispositivo não foi aplicado, o APAC Procuradoria / IBEDEC / Carrefour / BRF.
Após analisar as denúncias da Procuradoria e do IBEDEC em relação a aquisições de participação
minoritária por parte do Grupo O3 FIM Total Return nos capitais sociais do Atacadão S.A. e do Carrefour
S.A., a SG/Cade entendeu que tais operações não eram de notificação obrigatória, pois um dos grupos
econômicos envolvidos na operação não atingiu o critério legal de faturamento. Além disso, entendeu
que a operação de aquisição de participação minoritária de 3% do Sr. Abílio Diniz na BRF também
não seria de notificação obrigatória, pois não atingiria os critérios estabelecidos na Resolução Cade
nº 2/2012 que trata sobre aquisição de participação societária. Interessante notar que não houve o
preenchimento de dois critérios de notificação, tanto o critério de faturamento (art. 88), quanto o
critério de tipo de operação (art. 90, complementado pela Resolução Cade nº 2/2012) (BRASIL, 2012).
Quanto à necessidade de requerer a notificação de operações com base no art. 88, §7º, a SG/
Cade fez questão de declarar que se trata de “um expediente absolutamente excepcional [...] que deve
ser utilizado com parcimônia, apenas naqueles casos que efetivamente denotem uma possibilidade
razoável de perigo concorrencial, derivada especificamente da transação a ser analisada”.
A concepção de excepcionalidade de análise de operações que não são de notificação
obrigatória com base no art. 88, §7º foi tomada à risca pelo Cade e o dispositivo foi aplicado em apenas
três casos. O primeiro deles foi o APAC Guerbert / Mallinkcrodt. Após receber denúncia de terceiros
(GE Healthcare do Brasil Comércio e Serviços para Equipamentos Médico-Hospitalares Ltda. e de uma
pessoa física), a SG/Cade concluiu que as partes não atingiram os critérios legais de faturamento.
Porém, por entender que as participações de mercado das partes poderiam chegar a 2/3 do mercado
e que a operação poderia gerar efeitos anticompetitivos a agentes privados e público (Sistema Único
Aeroportos S/A, sócia majoritária da concessionária responsável pela administração e operação do Aeroporto do Galeão.
Nesse caso, o Cade estava preocupado em eventual integração vertical entre as atividades de transporte aéreo desenvolvidas
pela Azul e as atividades de infraestrutura aeroportuária que passariam a ser desenvolvidas pela HNA no Galeão. Sobre o tema,
vide Renzetti (2019).
13 Reforçando entendimento que já havia sido proferido nos Atos de Concentração nº 08700.000258/2013-53,
08700.000478/2016-20, 08700.005587/2016-33 e que foi repetido no Ato de Concentração nº 08700.004992/2022-82.
78
RENZETTI, Bruno Polonio; SAITO, Carolina. O controle de concentrações em plataformas digitais:
uma análise crítica dos limites e potencialidades do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1075
de Saúde - SUS), foi ordenada a notificação da operação fundamentada nos termos do art. 88, §7º.
Alguns anos depois, o Cade ordenou a notificação de outra operação com base no mesmo
dispositivo legal. Foi a operação entre as empresas SM e All Chemistry, após análise de denúncia feita
pelo Sr. Cesar Mesquita de Oliveira no Clique Denúncia sobre a ocorrência da operação. A SG/Cade
reconheceu que as partes não atingiram os critérios de faturamento previstos na lei. Porém, tanto a
SG/Cade quanto o Tribunal entenderam que a operação estava situada em um contexto de sucessivas
aquisições realizadas pela SM que levaram o grupo a obter uma expressiva participação de mercado,
podendo gerar impactos negativos à concorrência. Por isso foi ordenada a notificação da operação,
com base no art. 88, §7º.
O terceiro caso em que foi verificada a determinação de notificação de operação pelo Cade
com base no dispositivo foi no APAC Sacel / Prosegur. O APAC foi iniciado para analisar informação
fornecida por terceiro (TecBan), em sede de notificação de outra operação notificada ao Cade
(AC 08700.003244/2019-87), sobre operações realizadas pelas partes nos últimos 15 anos. A SG/
Cade verificou que a operação entre Sacel e Prosegur não havia sido notificada e abriu ex ofcio o
APAC para investigá-la. A SG/ Cade reconheceu que um dos grupos não teria atingido o critério de
faturamento previsto na lei. Porém, tanto a SG/ Cade quanto o Tribunal reconheceram que a operação
se enquadrava em um contexto de concentração do mercado de transporte e custódia de valores, além
de entender ser importante averiguar queixas de clientes quanto à ausência de rivalidade no setor.
A SG/Cade também entendeu que a operação resultaria em um relevante incremento na participação
de mercado das partes e, portanto, ordenou a notificação da operação nos termos do art. 88, §7º.
A excepcionalidade da aplicação do dispositivo foi reforçada pelo Tribunal do Cade, conforme
trechos do voto-relator:
[...] a aplicação de tal dispositivo consiste em uma discricionariedade da autoridade
que, a partir de uma análise de conveniência e oportunidade, vericará se
existem fundamentos para requerer a submissão de operações de noticação não
obrigatória ao CADE. Ressalto, quanto a este ponto, que o CADE tem feito uso de tal
competência de maneira excepcional e cautelosa, uma vez que, em um universo de
aproximadamente 3.034 operações analisadas desde a entrada em vigor da Lei
12.529/11, o presente APAC seria apenas o quarto processo em que a prerrogativa do
art. 88, §7º estaria sendo utilizada. Trata-se, assim, de um número irrisório para o
controle de concentrações, que sinaliza um caráter de excepcionalidade na utilização
do art. 88, §7º e, consequentemente, evidencia que o controle de concentrações no
Brasil está sendo devidamente empregado pelo CADE (BRASIL, 2020).
O quarto caso em que houve a notificação de operação por pedido do Cade teve início
em julho de 2023, quando a SG/ Cade enviou ofício
14
à Herbarium, utilizando-se da prerrogativa
estabelecida no art. 88, § 7º. Tal iniciativa decorreu do conhecimento da SG/ Cade de nota divulgada
no site da própria empresa, alegando que estaria firmando uma joint-venture com a Schwabe para
o lançamento de uma nova farmacêutica no Brasil. Esse caso se destaca por ser decorrente do
envio direto de ofício do Cade à uma das partes, sem ter recebido uma denúncia ou realizado uma
investigação prévia em sede de APAC.
14 Ofício nº 6430/2023 (SEI 1255988), nos autos do Processo de acompanhamento de mercado nº 08700.004863/2023-75.
79
As partes, então, notificaram a operação ao Cade em setembro de 2023, unicamente em
decorrência do ofício previamente mencionado. Segundo elas, os grupos econômicos envolvidos não
teriam atingido, cumulativamente, os valores mínimos de faturamento previstos em lei, sendo ambos
acima de R$ 75 milhões, mas nenhum deles acima de R$ 750 milhões.
A operação foi analisada pelo rito sumário e aprovada sem restrições, em decorrência da
baixa participação de mercado com sobreposição horizontal.
Mais recentemente, na análise do APAC 123/MaxMilhas, a SG/ Cade voltou a se debruçar
de maneira mais detalhada sobre a prerrogativa do art. 88, §7º. Na ocasião, o caso versava sobre
a aquisição, pelo grupo econômico da 123 Milhas, de 100% das ações que compunham o capital
social da MaxMilhas. Entretanto, dado que os grupos econômicos não preenchiam os critérios de
faturamento previstos no art. 88, o ato de concentração não foi notificado ao Cade. Em agosto de
2023, a SG/Cade instaurou APAC
15
para investigar a operação.
Após o envio de ofícios às partes envolvidas na operação, a SG/Cade emitiu a Nota Técnica
nº 25/2023/SG-TRIAGEM AC/SGA1/SG/CADE, com sua análise sobre o caso. Na análise de mercado
relevante, a SG/Cade esclareceu que os grupos econômicos possuiam atuação conjunta no segmento
de intermediação de viagens onlines (conhecido como mercados OTAs – online travel agency).
Nesse mercado, de acordo com as Representadas, haveria baixa concentração no mercado de OTAs
resultante da operação.
Todavia, a SG/Cade buscou definir mercados mais restritos, como o mercado de venda de
passagens e diárias e o mercado de intermediação de venda de milhas. Nesse cenário, 123 Milhas,
HotMilhas e MaxMilhas seriam os principais agentes econômicos do setor. Elencando preocupações
com o poder de mercado
16
das partes no mercado de intermediação de venda de milhas, a SG/Cade
opinou pela necessidade de apresentação da operação, com base no art. 88, §7º.
O APAC subiu ao Tribunal e foi analisado durante a 222ª Sessão Ordinária de Julgamento,
ocorrida em 25 de outubro de 2023. Na ocasião, o Conselheiro Gustavo Augusto, relator do caso,
corroborou a conclusão da SG/Cade. De acordo com o relator, para se utilizar do art 88, §7º, deve
haver uma “plausibilidade de risco concorrencial, o que estaria presente na operação envolvendo
123 Milhas e MaxMilhas. O voto do relator foi acompanhado pelo restante do Tribunal do Cade,
determinando a notificação da operação em até 30 dias, a contar da data da publicação no Diário
Oficial da União da ata da sessão
17
.
Por fim, durante a pesquisa de jurisprudência, percebeu-se uma terceira tendência na
utilização do art. 88, §7º pelo Cade, como uma forma de salvaguardar a sua atuação como defensor
da concorrência em casos de aprovação ou de não conhecimento de operações.
15 Despacho SG nº 1103/2023.
16 “Como visto nas matérias exemplificativas expostas acima, assim como nos dados acima referenciados, depreende-se
que as duas empresas podem ser fortes atuantes em um possível mercado relevante de aquisição de milhas, sendo indicativas
de que as empresas podem ser detentoras de poder de mercado, de forma que esta SG entende oportuno e conveniente
apurar a presença das Representadas nesse possível mercado, demandando a submissão da operação, portanto, para que seja
realizada uma análise concorrencial mais aprofundada do mesmo de forma a se poder entender melhor seu funcionamento e
a garantir a atuação deste Conselho caso se vislumbrem possíveis danos à concorrência neste segmento” (BRASIL, 2023a).
17 No momento da redação deste artigo, a versão pública do voto do Conselheiro-Relator ainda não estava disponível
nos autos, de forma que a exposição oral do Conselheiro-Relator durante a 222ª Sessão de Julgamento do Cade embasou os
comentários sobre sua análise do caso envolvendo 123 Milhas e MaxMilhas.
80
RENZETTI, Bruno Polonio; SAITO, Carolina. O controle de concentrações em plataformas digitais:
uma análise crítica dos limites e potencialidades do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1075
Foram verificados três casos em que o dispositivo foi mencionado como forma de fundamentar
a aprovação de operações. No AC Sma / Grupo Enzo a SG/ Cade fez questão de incluir em sua
decisão a recomendação de notificação de futuras operações envolvendo o Grupo Enzo, mesmo se
não atingissem os critérios legais de faturamento. A SG/ Cade esclareceu que o Grupo Enzo havia
atingido significativas participações em certos mercados, em decorrência de sucessivas aquisições de
ativos que ocorreram entre os anos de 2012 e 2016. Durante investigação anterior o Cade reconheceu
que o Grupo Enzo atingiu o critério legal de faturamento apenas após 2014 e, inclusive, algumas
operações foram Cade após requisição do Cade em análise de prática de gun jumping (BRASIL, 2018).
A SG/Cade, então, valeu-se dos termos do art. 88, §7º para reforçar seu mandato de defensor da
concorrência, passando a mensagem de que as partes deveriam notificar as futuras operações, caso
contrário, o Cade poderia utilizar da sua faculdade de pedir para vê-las, mesmo se os critérios de
notificação não fossem atingidos.
O segundo caso em que o dispositivo em questão foi mencionado para aprovar uma operação
foi o AC BRF / Upfield. Em relação à futura execução dos termos contratuais da operação da forma
como foi notificada, um dos Conselheiros do Cade argumentou que “a autoridade deve presumir
que as disposições contratuais serão executadas conforme estipulado no instrumento contratual”
(BRASIL, 2021). Porém, caso na prática fosse verificada uma dinâmica distinta daquela apresentada ao
Cade, a autoridade poderia apurar eventual infração à ordem econômica (art. 36), ou ainda requerer
a submissão de ato Cade concentração, utilizando o art. 88, §7º para fundamentar essa segunda
salvaguarda do Cade.
O terceiro – e mais recente - caso foi o AC Terminais, envolvendo a Cattalini Terminais
Marítimos S/A e União Vopak Armazéns Gerais Ltda. O caso dizia respeito à aquisição pela Cattalini de
um conjunto de imóveis da União Vopak, composto por um terminal de armazenamento de granéis
líquidos, um estacionamento e dezoito lotes, todos no porto de Paranaguá, no estado do Paraná.
Relevante para o presente artigo foi a discussão trazida pelo Conselheiro-Relator
Victor Fernandes sobre uma suposta estratégia de aquisição sucessiva de terrenos residenciais
e familiares pela Cattalini no porto de Paranaguá, passando abaixo dos critérios de notificação
obrigatória de um ato de concentração pelo Cade, prejudicando a análise da autoridade sobre a
verdadeira dinâmica competitiva do mercado. Em seu voto, Fernandes reitera a disposição do art. 88,
§7º, como uma possibilidade de reforçar o controle de estruturas pelo Cade:
319. Ocorre que, para a discricionariedade prevista no art 88, §7º, da Lei 12.529/2011
possa ser plenamente exercida pelo Cade, é fundamental que os agentes econômicos
sejam submetidos a algum tipo de obrigação de comunicação de aquisições à
autoridade antitruste. Caso contrário, os elevados custos de monitoramento e a
dependência de atuação ex ofcio da autoridade poderia comprometer a ecácia do
dispositivo (BRASIL, 2023b).
A decisão do AC Terminais é particularmente interessante pois, levando em
consideração as preocupações levantadas por Fernandes no que se referia às diversas aquisições
realizadas pela Cattalini, a empresa assumiu o compromisso de comunicar
18
ao Cade a compra de
imóveis, na Zona Portuária de Paranaguá, pelos três anos seguintes à operação. Tem-se, assim,
18 Importante notar que a mera comunicação ao Cade não significa que o ato de concentração deverá ser formalmente
notificado.
81
uma forma consensual de utilização do §7º para o maior enforcement do controle de estruturas,
promovendo um acompanhamento de mercado mais próximo pelo Cade.
Já nos casos em que a SG/Cade decidiu pelo não conhecimento (AC Delta / Air France, AC
TAM / Qatar
19
, AC Mitsui / Nippon), o art. 88, §7º foi utilizado para reforçar que a autoridade estaria
atenta aos mercados. Em outras palavras, apesar de aquele tipo de contrato não estar enquadrado
nos requisitos legais de notificação obrigatória, o Cade reforçou que, ainda assim, poderia exercer
seu mandato de defesa da concorrência, caso vislumbrasse alguma potencialidade anticompetitiva
de contrato parecido. É interessante notar que, assim como verificado no APAC Procuradoria /
IBEDEC / Carrefour / BRF, esses casos não preencheram o requisito legal de notificação referente
ao tipo de operação e não ao faturamento das partes, critério verificado nos demais casos
apresentados neste item.
4. UTILIZANDO O ART. 88, §7º PARA ENFRENTAR OS DESAFIOS DO MERCADO
DIGITAL
O art. 88, §7º, da Lei de Defesa da Concorrência não chamou muito a atenção da doutrina e
prática concorrencial nos primeiros anos de vigência da lei. Como demonstrando na seção prévia,
o número de casos em que o Cade atuou com base no mencionado dispositivo é bastante exíguo.
Talvez mais importante sejam as menções quanto ao caráter excepcional do dispositivo, reforçando
a noção de aplicação atípica da previsão legal. São curtas e tímidas as menções a tal faculdade do
Cade prevista no art. 88, §7º na doutrina (PROENÇA; MISALE, 2021).
Recentemente, houve um renascimento do interesse quanto ao potencial de utilização da
prerrogativa contida no art. 88, §7º. Movimentos acadêmicos, capitaneados pelos Estados Unidos,
passaram a questionar o protagonismo de plataformas digitais na economia mundial, indagando
acerca de qual seria a função do direito da concorrência para coibir condutas anticompetitivas e
o crescimento das companhias por meio de intensas aquisições de concorrentes (CUNNINGHAM;
EDERER; MA, 2021; HEMPHILL; WU, 2020). Tais aquisições, em diversas ocasiões, não passavam pelo
crivo das autoridades de defesa da concorrência, em decorrência do baixo faturamento das empresas-
alvo da operação
20
.
A aquisição do Instagram pelo Facebook em 2012 talvez seja o melhor exemplo de operação
nesta categoria, em que autoridades de defesa da concorrência declinaram em prosseguir com uma
investigação mais detalhada do ato de concentração
21
. Todavia, após a concretização da operação,
novas informações vieram à tona acerca da intenção do Facebook em “controlar” um concorrente por
meio de sua compra (FTC ALLEGES..., 2021).
19 Ressalta-se que o AC Latam / Qatar tinha como objeto contrato de codesharing, que era de notificação obrigatória
durante a vigência da Lei nº 8.884/1994 e nos termos da Resolução Cade nº 10/2014, inclusive sendo uma das razões para
aplicação de multa por gun jumping (BRASIL, 2016).
20 “A ausência de notificação de operações relevantes devido ao critério do faturamento não é exclusividade de atos
de concentração envolvendo plataformas digitais. Todavia, os impactos concorrenciais de operações em mercados digitais são
maiores, dada a sua rápida inovação e expansão.” (RENZETTI, 2023, p. 168).
21 Roberto Pfeier utiliza o exemplo da operação entre Facebook e WhatsApp para ilustrar um ato de concentração que
deveria ter sido avaliado pelo Cade, mas não o foi devido aos critérios de faturamento. De acordo com o autor, há maior preva-
lência de pontos-cegos na análise de atos de concentração em mercados digitais devido à característica de intenso dinamismo
e crescimento das companhias no cenário digital (PFEIFFER, 2019, p. 66-67).
82
RENZETTI, Bruno Polonio; SAITO, Carolina. O controle de concentrações em plataformas digitais:
uma análise crítica dos limites e potencialidades do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1075
A discussão passou, então, a orbitar em torno de como as autoridades da concorrência
poderiam melhor “capturar” as operações que teoricamente não apresentavam maiores preocupações
concorrenciais. Estudos e relatórios foram produzidos por autoridades da concorrência e grupos de
acadêmicos para mapear e propor soluções para os desafios postos pela economia digital. Entre eles,
o maior controle de atos de concentração.
São diversos os desafios impostos no controle de estruturas. Considerando que os principais
critérios de notificação obrigatória de atos de concentração - no Brasil e no mundo - estão intrinsecamente
relacionados ao faturamento, companhias da economia digital que oferecem seus produtos a preço
zero representam um novo paradigma a ser enfrentado pelas autoridades da concorrência
22
.
Além disso, companhias com grande número de usuários e intensa coleta de dados, mas com
faturamento abaixo dos critérios de notificação também impõem a necessidade de pensar em novas
maneiras de avaliar as operações (BUENO; PAIXÃO, 2020, p. 274).
Nesse cenário, a utilização atual do art. 88, §7º pode ser vista como uma possível saída para
os obstáculos acima elencados, sem a necessidade de alterações legislativas. Ao lançar mão de sua
prerrogativa lá elencada, o Cade poderia promover uma análise ex post dos atos de concentração que
acabam se desdobrando com efeitos anticompetitivos. Todavia, como demonstrado acima, o Cade
tem utilizado esta prerrogativa de forma bastante acanhada. A previsão legal é sim um mecanismo
capaz de atender a parte desses objetivos, mas não produz a eficácia necessária, justamente por ser
apenas uma faculdade relegada à discricionariedade da autoridade. Dessa forma, entendemos que
mecanismos adicionais são necessários para abordar os desafios postos pelos atos de concentração
envolvendo plataformas digitais, principalmente aquelas realizadas por líderes de mercado que
adquirem potenciais concorrentes
23
, inclusive incrementando a aplicação do referido dispositivo legal.
Primeiro, seria saudável que o Cade editasse um novo guia para análise de atos de
concentração envolvendo plataformas digitais. Tal guia traria novos parâmetros para análise de
atos de concentração no ambiente digital, levando em consideração as peculiaridades do setor. É
importante que a autoridade da concorrência passe a ter uma visão mais ampla do espaço e das
dinâmicas de concorrência e inovação. A mera avaliação com base em eficiências apresentadas na
estrutura de mercado da época pode não ser mais suficiente para efetivamente identificar os riscos
concorrenciais. Além de aprimorar a análise das operações que são de notificação obrigatória, a
profundidade e clareza sobre a análise das operações em mercados digitais estabelecidas em um
novo guia facilitam a utilização do art. 88, §7º, pois a autoridade passa a estar mais capacitada e
possui justificativas mais robustas para requerer a notificação de uma operação que não atinge os
22 A centralidade quase absoluta da teoria de preços, no entanto, suscita dificuldades consideráveis para a aplicação
de conceitos-chave da literatura antitruste às plataformas digitais. Os modelos de negócios usualmente operam a preço zero,
pois o usuário final que acessa plataformas como ferramentas de buscas online, redes sociais e muitas outras, não remunera
o intermediário com pagamentos diretos em dinheiro. Ao analisar condutas de plataformas digitais, torna-se extremamente
dif[icil enquadrar a relação usuário-plataforma nos cânones das relações de mercado tradicionalmente tuteladas pela
legislação antitruste. Essa problemática escancara que a tradiação do direito antitruste, at[e aqui, não se baseou em uma
definição jurídica abstrata de mercado e tem se tornado extremamente dependente da referida metodologia de preços”
(FERNANDES, 2022, p. 172).
23 Além de aquisições de concorrentes horizontais, que atuam em um mesmo mercado relevante, o protagonismo de
plataformas digitais também traz desafios quanto a integrações verticais e atos de concentração com efeitos conglomerados,
indo além da mera relação horizontal entre agentes econômicos. Literatura mais recente tem prestado bastante atenção no
fenômeno da criação de ecossistemas digitais, a partir de relações complementares entre plataformas que não necessariamente
seriam concorrentes (JACOBIDES; LIANOS, 2021, p. 1199-1229).
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critérios de notificação obrigatória.
Segundo, a fim de combater o déficit de aplicação da prerrogativa do art. 88, §7º, o Cade poderia
requerer que todas as operações levadas a cabo por certos agentes econômicos fossem informadas
à autoridade antitruste, ainda que não alcançassem os critérios de faturamento do art. 88. Caso o
Cade entenda que uma avaliação mais detalhada seja necessária, poderia requerer a notificação da
operação nos termos do art. 88, §7º. Esta solução não necessitaria de mudança legislativa.
Por exemplo, tal solução poderia ser concretizada como um remédio imposto em um ato de
concentração específico, exigindo que todo e qualquer ato de concentração apresentado pela parte
comprado se tornasse de notificação obrigatória ao Cade, mesmo que não atingisse os critérios de
faturamento. Tal solução já foi aplicada, de certa forma, pelo Cade durante a análise do AC Terminais,
já mencionado neste texto.
Terceiro, seria interessante que o Cade ajustasse a análise ex post de atos de concentração, a
fim de minimizar efeitos anticompetitivos que podem surgir de atos de concentração que não sejam de
notificação obrigatória. Uma possível solução seria ampliar a atuação atual do Departamento de Estudos
Econômicos (DEE/Cade) de monitoramento e estudos de mercados. A coleta de informações poderia
ocorrer por meio do envio de ofícios aos agentes econômicos, questionando sobre o funcionamento
do mercado e, principalmente, sobre as operações realizadas por agentes relevantes nos últimos anos
e meses. Ao realizar rotineiramente procedimentos de estudos em mercados da economia digital,
particularmente naqueles que já se apresentam com um nível elevado de concentração, o Cade
ganharia conhecimento sobre a estrutura dos mercados e as dinâmicas dos agentes, bem como estaria
atento à realização de operações que podem ser notificadas com base no art. 88 §7º.
Importante ressaltar aqui que não argumentamos que tais operações devam necessariamente
ser bloqueadas pela autoridade da concorrência. A intenção é demonstrar a necessidade de
atualização e adaptação do controle de estruturas por parte do Cade, especialmente quando levamos
em consideração o parco uso da prerrogativa do art. 88, §7º. O Cade possui instrumentos disponíveis
para conduzir um controle de estruturas mais detalhado e eficaz, principalmente com relação aos
casos que não são de notificação obrigatória, mas envolvem agentes econômicos detentores de
poder de econômico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme apresentado pela pesquisa empírica, o artigo 88, §7º tem sido pouco utilizado pelo
Cade para analisar operações ex post. Ainda que se concorde que é uma ferramenta que deve ser
utilizada de forma excepcional, demonstramos que há espaço para aprimoramento na sua aplicação,
principalmente como uma ferramenta de auxiliar a atuação do Cade em mercados digitais.
Autoridades de diversas jurisdições têm enfrentado pontos de inflexão sobre como deve
ser o controle de estruturas frente aos desafios impostos por plataformas digitais. O Cade não
deve se manter alheio a tais discussões, mas também não deve simplesmente transplantar práticas
estrangeiras. A reflexão deve também olhar para a dinâmica interna dos mercados brasileiros e os
dispositivos que estão à disposição da autoridade de defesa da concorrência.
Caso se deseje evitar soluções de lege ferenda, que naturalmente demandariam discussões
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RENZETTI, Bruno Polonio; SAITO, Carolina. O controle de concentrações em plataformas digitais:
uma análise crítica dos limites e potencialidades do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1075
legislativas mais longas, apresentamos propostas que poderiam ser implementadas imediatamente
pelo Cade para lidar com esses novos desafios e aprimorar a utilização do art. 88, §7º. A imposição da
obrigação de um agente econômico dominante de notificar todas suas aquisições e a realização de
estudos de mercado são inovações que poderiam ser implementadas pelo Cade sem a necessidade
de alterações legislativas.
Após dez anos de vigência da Lei nº 12.529/2011, é fundamental perscrutar sobre sua
aplicação, êxitos e deficiências. Aqui, temos que o art. 88, §7º, foi redigido pelo legislador originário
como uma forma de evitar que atos de concentração relevantes, mas abaixo dos critérios de
faturamento, também pudessem ser analisados pelo Cade. Todavia, tal dispositivo parece ter sido
esquecido pela prática antitruste. Nos próximos dez anos de aplicação da lei, espera-se que os
responsáveis compreendam o potencial do instrumento que possuem em mãos, conforme sugestões
iniciais deste trabalho.
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