676766
BLUME, Igor Marcelo; BRUCH, Kelly Lisandra. O paradoxo do Google: a geração de ganhos de
eficiência e as condutas anticompetitiva. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n.
2, p. 42-66, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1062
4
O CONTROLE DE
CONCENTRAÇÕES EM
PLATAFORMAS DIGITAIS:
UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS
LIMITES E POTENCIALIDADES
DO ART. 88, §7º DA LEI Nº
12.529/2011
1
Merger Control and Digital Platforms: A Critical
Analysis of the Limits and Potentialities of Article
88(7) of Law No. 12,529/2011
Bruno Polonio Renzetti
2
Instituto de Pesquisa e Ensino (Insper) – São Paulo/SP, Brasil
Carolina Saito da Costa
3
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) – São Paulo/SP, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Contexto: Considerando recentes discussões doutrinárias sobre uma possível falha no controle de
concentrações devido aos critérios de notificação obrigatória de atos de concentração, é relevante
investigar a solução proposta pela legislação brasileira, prevista no art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011.
A discussão ganha ainda mais relevância quando se trata de operações envolvendo plataformas
digitais. Movimentos acadêmicos nos últimos anos têm questionado a forma como o direito da
concorrência é aplicado para coibir condutas anticompetitivas perpetradas por plataformas digitais
e também seu crescimento por meio aquisições de concorrentes. O problema se coloca ao se verificar
que muitas das aquisições não passaram pelo crivo das autoridades de defesa da concorrência devido
aos critérios de notificação obrigatória de atos de concentração. O baixo faturamento de empresas-
alvo, em que pese sua relevância no mercado, fizeram com que atos de concentração relevantes não
fossem notificados às autoridades.
Editor responsável: Prof. Dr. Luis Henrique Bertolino Braido, Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4648392251476133. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6085-1446.
1 Recebido em: 31/10/2023 Aceito em: 08/12/2023 Publicado em: 21/12/2023
2 Professor da graduação em direito do Insper, em São Paulo. Doutor em Direito Comercial pela Universidade de
São Paulo, LL.M. pela Yale Law School e Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Graduado em Direito
pela Universidade Federal do Paraná. Membro da Academic Society for Competition Law. Non-Governmental Advisor na
International Competition Network. Aprovado no New York Bar Exam. Advogado em Hapner Kroetz Advogados, em Curitiba.
E-mail: brunopr5@insper.edu.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/0552342887882392
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8249-4451
3 Coordenadora-Geral da divisão de cartéis em licitações da Superintendência-Geral do CADE. Doutoranda em Direito
Econômico pela Universidade de São Paulo, com períodos sanduíches na Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de
Yale e na Faculdade de Direito da Universidade de Georgetown. Mestra em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, onde também se graduou em Direito. E-mail: carolina.saito@usp.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1336448234603755ORCID: http://orcid.org/0009-0006-5777-2249
68
RENZETTI, Bruno Polonio; SAITO, Carolina. O controle de concentrações em plataformas digitais:
uma análise crítica dos limites e potencialidades do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1075
Objetivo: Avaliar se as ferramentas à disposição do Cade são suficientes para lidar com atos de
concentração em mercados digitais que não sejam de notificação obrigatória de acordos com os
critérios do art. 88 e art. 90 da Lei nº 12.529/2011. O artigo estuda como o Cade utiliza a prerrogativa
do art. 88, §7º em casos concretos e qual seria potencialidade de uso para abordar questões relativas
ao controle de estruturas em mercados digitais.
Método: O trabalho foi realizado por meio de revisão bibliográfica da literatura especializada no tema,
análise dos registros de debates legislativos durante o processo de aprovação da Lei nº 12.529/2011 e
coleta de jurisprudência do banco de dados publicamente disponibilizado pelo Cade.
Conclusões: O trabalho conclui que a prerrogativa do art. 88, 7º, tem sido utilizada de maneira
excepcional pelo Cade, em poucas ocasiões. Apesar da pequena amostra de casos, a análise
demonstrou haver uma tendência na aplicação do art. 88, §7º em três situações: (i) conhecimento
de operações notificadas voluntariamente pelas partes e que não preencheram os requisitos legais
de notificação; (ii) determinação de notificação de operações que não preencheram os requisitos
legais de notificação; e (iii) menção ao dispositivo legal como uma forma de salvaguarda da defesa
da concorrência para aprova um ato de concentração. Não foi encontrada utilização do art. 88, §
para analisar atos de concentração relativos a mercados digitais.
Palavras-chave: atos de concentração; controle de estruturas; mercados digitais; fusões e aquisições;
jurisprudência.
STRUCTURED ABSTRACT
Context: Considering recent academic discussions about a possible flaw in merger control due to
mandatory notification criteria for mergers, it is relevant to investigate the solution proposed by
Brazilian Competition Act, provided for in Article 88(7) of Law No. 12,529/2011. The discussion is even
more relevant when it comes to transactions involving digital platforms. Academic movements in recent
years have questioned how competition law is applied to curb anticompetitive conduct perpetrated
by digital platforms and their growth through the acquisition of competitors. The problem arises
when it is observed that many acquisitions did not undergo scrutiny by competition authorities due
to the mandatory notification criteria for mergers. The low turnover of target companies, despite
their market relevance, resulted in significant mergers not being notified to the authorities.
Objective: Evaluate whether the tools available to Cade are sucient to deal with mergers in digital
markets that are not subject to mandatory notification according to the criteria of Article 88 and
Article 90 of Law No. 12,529/2011. The paper studies how Cade uses the prerogative of Article 88(7)
in specific cases and what the potential use would be to address issues related to merger control in
digital markets.
Method: The work was conducted through a literature review of specialized literature on the subject,
analysis of legislative debates records during the approval process of Law No. 12,529/2011, and the
collection of caselaw from the database publicly available by Cade.
Conclusions: The paper concludes that the prerogative of Article 88(7) has been used exceptionally
by Cade, on few occasions. Despite the small sample of cases, the analysis showed a tendency in the
application of Article 88(7) in three situations: (i) knowledge of transactions voluntarily notified by
the parties that did not meet the legal notification requirements; (ii) determination of notification
69
of transactions that did not meet the legal notification requirements; and (iii) mention of the legal
provision as a safeguard for competition defense to clear a merger. No use of Article 88(7 ) was found
to scrutinize digital mergers.
Keywords: merger control; digital markets; merger and acquisitions; caselaw.
Classicação JEL: K21; L40; G34.
Sumário: 1. Introdução; 2. Histórico Legislativo da Lei
de Defesa da Concorrência; 3. Aplicação do dispositivo
pelo Cade; 3.1 Metodologia da pesquisa; 3.2 Análise dos
resultados; 4. Utilizando o art. 88, §7º para enfrentar
os desaos do mercado digital; Considerações Finais;
Referências.
1. INTRODUÇÃO
A substituição da Lei nº 8.884/1994 pela Lei nº 12.529/2011 marca um momento de afirmação
da disciplina concorrencial no Brasil e da própria autoridade antitruste, representada pelo Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A lei de 2011 impôs mudanças significativas para a defesa
da concorrência no Brasil, buscando equiparar o arcabouço brasileiro de defesa da concorrência às
melhores práticas mundiais, olhando principalmente para as experiências americana e europeia.
Foram diversas as modificações trazidas pela nova legislação concorrencial. Relevante para
o presente trabalho foi a mudança no rito de notificação de atos de concentração: o Brasil passou
a adotar o sistema prévio de notificação, abandonando a análise ex post anteriormente prevista na
Lei nº 8.884/1994.
Para entender a relevância dessa mudança, é importante primeiro esclarecer o que a lei de
2011 determina como critério de notificação de operações. Os artigos 88 e 90 da Lei nº 12.529/2011
estabelecem os requisitos para a notificação obrigatória de atos de concentração. De acordo com
o art. 88, atualizado pela Portaria Interministerial nº 994 de 30 de maio de 2012, são de notificação
obrigatória as operações nas quais um dos grupos econômicos envolvidos tenha registrado
faturamento bruto anual ou volume de negócios no Brasil equivalente ou superior a R$ 750 milhões e
a outra parte, no mínimo, R$ 75 milhões. Além disso, a operação deve se enquadrar em algumas das
hipóteses de negócios jurídicos previstas nos incisos do art. 90 para ser considerada como um ato
de concentração (BRASIL, 2011). Dessa forma, os critérios de notificação dos artigos 88 (faturamento)
e 90 (tipo de operação) são cumulativos: ambos devem estar presentes para que uma operação seja
de notificação obrigatória ao Cade.
Ao impor tais filtros para notificação obrigatória de atos de concentração, naturalmente
algumas operações relevantes acabam não sendo analisadas pelo Cade, exatamente por não
atingirem os critérios objetivos estabelecidos pela lei. Visando a manutenção da competência do
Cade para defender a concorrência e, portanto, analisar casos que possam gerar efeitos negativos
aos mercados, mesmo não atingindo os critérios legais de notificação, foi incluído o §7º no art. 88 da
Lei nº 12.529/2011, objeto do presente trabalho.
O texto do §7º dispõe que é facultado ao Cade requerer a submissão de atos de concentração
70
RENZETTI, Bruno Polonio; SAITO, Carolina. O controle de concentrações em plataformas digitais:
uma análise crítica dos limites e potencialidades do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1075
que não se enquadrem nos critérios legais de notificação. Adicionalmente, a fim de garantir segurança
jurídica e estabilidade econômica, a legislação limitou o exercício de tal prerrogativa pelo prazo de
um ano após a consumação da operação, pois não seria razoável manter tal atribuição ao Cade de
maneira ilimitada no tempo. A lei, portanto, confere ao Cade o poder de analisar, em um regime ex
post, atos de concentração que não são de notificação obrigatória, sendo uma exceção ao regime ex
ante inaugurado pela lei de 2011.
Neste trabalho, comentaremos sobre a origem do dispositivo e sua discussão legislativa
durante a gênese da Lei nº 12.529/2011. Em seguida, será analisado o emprego do art. 88, §7º pelo
Cade, bem como o recente debate sobre a utilização do dispositivo para conter abusos de poder
econômico nos mercados digitais. Ao final, será apresentada uma breve conclusão.
2. HISTÓRICO LEGISLATIVO DA LEI DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA
A Lei nº 12.529/2011 percorreu um longo caminho de 7 anos para ser aprovada e teve origem
no Projeto de Lei nº 3.937/2004 (PL/2004)
4
, proposto pelo deputado Carlos Eduardo Cadoca (PMDB/
PE). Tal PL/2004 não buscava a revogação completa da Lei nº 8.884/1994, mas sim a alteração de
alguns de seus dispositivos, destacando-se para o presente trabalho alterações ao então artigo 54,
referente ao controle de estruturas e apreciação de atos de concentração.
Sobre esse tema, o PL/2004 do Deputado Cadoca inovou ao propor o modelo de submissão
prévia dos atos de concentração ao Cade, ou seja, que as partes não poderiam concretizar a operação
antes da decisão final da autoridade de defesa da concorrência. A proposição legislativa original
dispunha que deveriam ser submetidos à apreciação do Cade os atos de concentração em que um
dos grupos envolvidos houvesse registrado no último balanço faturamento bruto anual igual ou
superior a 400 milhões de reais e o outro grupo houvesse registrado faturamento de 30 milhões de
reais. O Cade teria, então, até 90 dias para apreciar o ato após a notificação.
Entretanto, o texto original do PL/2004 não mencionou, em momento algum, a possibilidade
de o Cade requerer a submissão de atos de concentração que não alcançassem os patamares de
faturamento propostos no PL. Essa inserção somente ocorreu com a apresentação do Projeto de Lei
nº 5.877/2005
5
, de iniciativa do Poder Executivo e que foi apensado ao PL/2004 apresentado pelo
Deputado Cadoca.
O PL/2005 do Executivo possuía um escopo muito mais amplo do que o PL/2004 originário
na Câmara dos Deputados, propondo uma reformulação completa do Sistema Brasileiro de Defesa
da Concorrência (SBDC). Entre tais reformulações estava também a mudança para o regime prévio
de análise de atos de concentrações, com algumas alterações em relação aos critérios postos pelo
PL/2004 do Deputado Cadoca. Importante aqui, entretanto, é o fato de que o PL/2005 do Executivo
incluiu a possibilidade de análise pelo Cade de atos de concentração que não preenchessem os
critérios de notificação obrigatória. O art. 89, §7º, do PL nº 5.877/2005 assim dispunha: “É facultado
ao Cade, no prazo de um ano a contar da respectiva data de consumação, requerer a submissão dos
4 Os detalhes sobre a tramitação do referido PL/2004 podem ser encontrados no site da Câmara dos Deputados (BRA-
SIL, 2004).
5 Os detalhes sobre a tramitação do referido PL/2005 podem ser encontrados no site da Câmara dos Deputados
(BRASIL, 2005).
71
atos de concentração que não se enquadrem no disposto neste artigo” (BRASIL, 2005).
A relatoria dos Projetos de Lei ficou a cargo do então Deputado Ciro Gomes. Em seu longo
parecer, de 31 de outubro de 2007, o Relator fez detalhada incursão acerca das mudanças no SBDC.
Sobre os atos de concentração, por exemplo, adotou a propositura do Deputado Cadoca, a qual
estabelecia valores mais altos de faturamento para submissão obrigatória. Todavia, o Deputado Ciro
Gomes também adotou a previsão mencionada acima, presente no art. 89, §7º, do PL/2005 oriundo
do Poder Executivo. Em seu relatório, o Relator asseverou o seguinte:
uma salvaguarda importante, que mantivemos no Substitutivo, que faculta ao
Cade, no prazo de um ano a contar da respectiva data de consumação, requerer
a submissão dos atos de concentração que não se enquadrem nos critérios de
faturamento. Este dispositivo cumpre um papel importante no sentido de viabilizar
uma exigência mais parcimoniosa de submissões. Em tese, apesar de o poder de
mercado estar usualmente associado positivamente com o tamanho da empresa, tal
correlação não é perfeita. Toda fusão pode gerar um efeito anticompetitivo, mesmo
com faturamentos pequenos, dado que os mercados relevantes podem ser regionais
ou locais. A obrigação de noticar, no entanto, não pode ser para todas as fusões
sob pena de sobrecarregar em demasia a autoridade antitruste. Daí a existência
de parâmetros de faturamento tal como discutido nos parágrafos anteriores. A
solicitação de submissão de atos fora do enquadramento preencheria esta lacuna de
atos praticados por empresas menores, mais ainda sim com efeitos relevantes sobre
a concorrência (GOMES, 2007, p. 52).
Esta simples passagem na justificativa do relatório apresentado pelo Deputado Ciro Gomes
nos proporciona algumas pistas do que estava na mente do legislador ao incluir tal previsão legislativa.
Primeiro, percebe-se a preocupação com a não submissão excessiva (“parcimoniosa”) de atos
de concentração ao Cade. Analisando a situação do Cade na época do relatório, ilustrado no quadro
abaixo, verifica-se que o julgamento de atos de concentração ocupava uma grande parte da atividade
da autoridade - cerca de 75% dos processos julgados -, porém poucas operações eram vistas como
preocupantes - aproximadamente 75% das operações foram analisadas pelo rito sumário e mais
de 90% foram aprovadas sem restrições. Acredita-se que esse contexto motivou a preocupação do
legislador em criar mecanismos que não abarrotassem o órgão de defesa da concorrência com casos
de baixa ou nenhuma relevância concorrencial
6
.
6 “A reestruturação do SBDC sempre foi defendida como uma forma de reduzir tempo de análises e de aumentar a
eficiência nas decisões. Além disso, a nova lei estabeleceu filtros mais elevados para a obrigatoriedade de submissão de atos
de concentração ao crivo do Cade, o que contribui para concentrar o foco de atuação da autarquia nos principais casos. A
atualização dos critérios que obrigam um negócio a ser submetido ao Cade ajudou a reduzir o grande número de operações
que anteriormente passava pelo SBDC e superlotava a estrutura de análise” (CARVALHO; RAGAZZO, 2013, p. 157).
72
RENZETTI, Bruno Polonio; SAITO, Carolina. O controle de concentrações em plataformas digitais:
uma análise crítica dos limites e potencialidades do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1075
Quadro 1 – Atos de Concentração julgados entre 2004 e 2007
Ano ACs % julgados Sumário Não Sumário Sem restrição
2004 651 83,25% 71,01% 28,99% 88,17%
2005 497 74,62% 75,86% 24,14% 90,31%
2006 402 79,3% 75,12% 24,88% 94,88%
2007 563 80,54% 76% 24% 93%
Fonte: Relatórios de Gestão - Cade – 2004-2007
7
Segundo, o legislador também se manteve atento a não excluir, de maneira peremptória e
permanente, a apreciação de atos de concentração que não se encaixassem nos critérios de faturamento
- e estabelecer tais critérios é tarefa custosa
8
. A preocupação aqui é clara: manter no radar os efeitos
anticompetitivos perpetrados pela participação de empresas menores em atos de concentração.
É naturalmente impossível que uma autoridade da concorrência se ocupe de analisar toda e
qualquer operação entre agentes econômicos. Isto criaria um alto custo para o funcionamento dos
mercados e um excesso de carga de trabalho para a autoridade, que se veria obrigada a lidar com
casos com pouca ou nenhuma relevância. A escolha de um parâmetro – ou filtro – para decidir quais
casos devem ser submetidos à análise da autoridade da concorrência busca, assim, selecionar quais
casos devem ser investigados. A principal vantagem de parâmetros postos pela lei é a segurança
jurídica; por outro lado, os filtros são de difícil atualização e, por vezes, imprecisos (PODSZUN, 2023).
Após a entrada em vigor da Lei nº 12.529/2011 houve, de fato, uma redução do número de
atos de concentração de notificação obrigatória perante o Cade, principalmente nos primeiros anos
de vigência da lei. Isso ocorreu devido aos novos critérios de notificação, notadamente os valores
de faturamento mais altos e a necessidade de se levar em consideração o faturamento de ambas os
grupos econômicos envolvidos na operação, não somente de um deles. Entretanto, a partir de 2017,
verifica-se crescimento constante do número de atos de concentração analisados pelo Cade:
7 Relatório de Gestão do Cade, referente aos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007. Disponível em: https://www.gov.br/cade/
pt-br/acesso-a-informacao/auditoria/exercicio_2018_1995.
8 "O estabelecimento desse novo critério visa tentar evitar que negócios jurídicos irrelevantes sob o ponto de vista
concorrencial sejam submetidos ao controle do Cade, em razão exclusivamente do faturamento de um dos grupos econômicos
envolvidos. [...] Tarefa complexa é afirmar qual deveria ser o exato valor para cada um dos índices de jurisdição do Cade. [...]
Não resta dúvida de que o número de atos de concentração inaptos a gerar efeitos negativos à concorrência tende a diminuir
com os novos patamares estabelecidos pela Lei 12.529/2011. Contudo, mensurar essa redação é tarefa inglória; tal exercício
precisa levar em conta a intensidade futura da atividade econômica, cálculo bastante complexo até mesmo para os mais
experientes economistas" (CORDOVIL
et al., 2012, p. 198-199).
73
Gráfico 1 – Atos de concetração julgados entre 2015 e 2022
Fonte: Cade em Números
Percebe-se, assim, que desde 2017 a Lei nº 12.529/2011 não cumpre com os objetivos
buscados pelo legislador. Notadamente, o Cade experimenta um aumento constante do número
de atos de concentração analisados, ao contrário do que se esperava com a introdução dos novos
critérios de faturamento.
Uma das possíveis justificativas para este fenômeno seria a desatualização dos valores de
faturamento previstos no art. 88 da Lei de Defesa da Concorrência. A última vez que valores foram
atualizados foi em 2012, instituindo os atuais parâmetros de 750 e 75 milhões. Desde então, mais
de dez anos de vigência da lei se passaram e não houve nem mesmo atualização dos valores pela
inflação. É razoável cogitar uma correlação entre o aumento de atos de concetração julgados e a
ausência de atualização dos valores
9
.
A conclusão que se tira a partir da existência dos critérios de faturamento, tanto na antiga
Lei nº 8.884/1994 quanto na Lei nº 12.529/2011, resultado dos projetos de lei aqui em comento, cria
uma presunção relativa (juris tantum) de efeitos anticompetitivos no mercado. Tanto é assim que,
ao submeterem atos de concentração ao crivo do Cade, as empresas envolvidas devem demonstrar
a ausência de efeitos anticompetitivos e a presença de eficiências oriundas da operação, a fim de
9 “[...] a atualização periódica do valor mínimo de faturamento por meio da correção monetária é crucial para manter a
relevância e a eficácia desse critério como uma ferramento de controle da concentração de mercado e defesa da concorrência.
Ao considerar a inflação e as mudanças econômicas, garante-se que o limite estabelecido seja justo, adequado e proporcional
ao momento em que os atos de concetração são realizados. Ademais, a correção monetária é uma prática comum e amplamen-
te adotada em diversas áreas regulatórias e tributárias, justamente para evitar distorções e assegurar que valores e critérios
se mantenham alinhados à realidade econômica.” (BAGNOLI et al., 2023, p. 21).
74
RENZETTI, Bruno Polonio; SAITO, Carolina. O controle de concentrações em plataformas digitais:
uma análise crítica dos limites e potencialidades do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1075
superar a presunção legal
10
. Por outro lado, pode-se dizer que a lei também criou uma presunção
relativa de ausência de efeitos anticompetitivos para atos de concentração abaixo dos critérios de
faturamento, dado que sua notificação não é obrigatória. Diz-se relativa pois a possibilidade de o
Cade requerer a submissão de qualquer operação, em até um ano, opera como um elemento de
superação da ideia de que operações envolvendo partes com faturamento abaixo dos parâmetros de
notificação seriam pró-competitivas.
Importante notar outra mudança da Lei nº 12.529/2011 em relação à Lei nº 8.884/1994: a
exclusão da participação de mercado como um critério para submissão obrigatória dos atos de
concentração. O relatório do Deputado Ciro Gomes esclarece que a correlação entre tamanho e
poder de mercado não é perfeita. Dessa forma, a exclusão do critério de participação de mercado foi
bem-vinda. Da mesma forma, ao analisarmos o art. 88, §7º, abriu-se ao Cade um novo mecanismo
para avaliar atos de concentrações de notificação não-obrigatória, ainda que o faturamento - e a
participação de mercado - sejam reduzidos.
Apesar de não ser objeto do relatório do Deputado Ciro Gomes, é importante esclarecer que
o texto do art. 89, §7º do PL/2005 também facultou ao Cade a análise de negócio jurídico que não se
enquadrava nas operações descritas pela lei como ato de concentração. Isso porque, o seu texto dizia
que o Cade poderia requerer a notificação de operações “que não se enquadrem no disposto neste
artigo” e o art. 91 previa os tipos de negócios jurídicos que seriam considerados atos de concentração
“para os efeitos do art. 89”. Esse entendimento, inclusive, foi adotado pelo Cade ao discorrer sobre a
aplicação do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011 - que adotou em sua integralidade os termos do art. 89,
§7º do PL/2005, como será detalhado no próximo capítulo do presente trabalho.
A arqueologia jurídica da Lei nº 12.529/2011 não nos proporciona muitas pistas sobre a
motivação legislativa por trás do art. 88, §7º. Há somente um parágrafo sobre o tema no relatório
do Deputado Ciro Gomes. Entretanto, ainda que as menções sejam esparsas, nota-se que o objetivo
principal do dispositivo era não criar um safe-harbour para operações abaixo dos critérios de
notificação. É possível que operações que não apresentem preocupações concorrenciais em sua
gênese venham a se provar como problemáticas nos meses seguintes à sua consumação. O legislador
tomou o cuidado de reservar ao Cade, respeitando a segurança jurídica, a possibilidade de analisar
qualquer operação em até um ano após sua data de consumação.
3. APLICAÇÃO DO DISPOSITIVO PELO CADE
Nesse capítulo, será analisado como o Cade aplicou e aplica o dispositivo do art. 88, §7º, em
sua jurisprudência.
10 Escrevendo em 2014, Paula Forgioni critica as raras ocasiões em que um ato de concentração é bloqueada: “No Brasil,
nos últimos anos, foram autorizadas operações que geraram elevado grau de concentração no mercado e, consequentemente,
descrença da população em relação à atuação do CADE. Também por aqui, embora muitos recursos sejam canalizados para as
análises dos atos de concentração, julga-se que poucos deles podem gerar problemas concorrenciais e, quando ocorrem essas
hipóteses, são celebrados acordos com a Administração para viabilizar a aprovação sem grandes modificações nos planos
originais das empresas.” (FORGIONI, 2014, p. 429).
75
3.1 Metodologia da pesquisa
A pesquisa de jurisprudência analisou os documentos decisórios proferidos pelo Cade nos
quais o dispositivo em questão (art. 88, §7º) foi aplicado. O conjunto de processos descritos neste item
foi definido de acordo com a seguinte metodologia. Em um primeiro momento, foi realizada pesquisa
processual no Sistema Eletrônico de Informações (SEI), selecionado o item “Finalístico: Apuração
de Ato de Concentração” do critério de busca “Tipo de Processo. Dos resultados gerados, foram
considerados apenas os Procedimentos Administrativos para Apuração de Atos de Concentração
(APACs) com data superior a 2012, tendo em vista a entrada em vigor da Lei nº 12.529/2011 apenas
no referido ano, e até outubro de 2023, data em que foi realizada a pesquisa empírica do presente
trabalho. Foram analisados os conteúdos das notas técnicas da Superintendência-Geral do Cade
(SG/Cade) e/ou dos votos do Tribunal do Cade - documentos decisórios - para excluir os APACs que
discutiam os termos do art. 88, §3º, ou seja, aqueles que analisaram atos de concentração que foram
concretizados antes da decisão final do Cade - supostas práticas de gun jumping.
Em um segundo momento, foi realizada pesquisa na ferramenta “Busca de Jurisprudência”
considerando a Palavras-chave “§7º”. Dos resultados gerados, foram analisados os processos em que
houve a menção ao art. 88, §7º e selecionados apenas aqueles em que o Cade aplicou o dispositivo
para requerer a notificação de uma operação ou durante a análise de uma operação notificada.
Por fim, também foram considerados processos foram mencionados nos documentos decisórios dos
casos previamente selecionados e que utilizaram o art. 88, §7º, para garantir a completude da base
de dados de análise.
Considerando esses critérios, foram encontrados sete casos em que houve a análise de
operações pelo Cade com base no art. 88, §7º, sendo eles:
Quadro 2 – APACs ou ACs do art. 88, §7º
Número do Processo Partes Envolvidas Nomenclatura do Caso
08700.006497/2014-06 Greca Distribuidora de Asfaltos Ltda., Betunel Indústria e
Comércio Ltda. e Centro Oeste Asfaltos Ltda.
AC Greca / Betunel /
Centro Oeste
08700.009828/2015-32
11
Guerbert Produtos Radiológicos Ltda. e Mallinckrodt do
Brasil
APAC Guerbert /
Mallinkcrodt
08700.006355/2017-83 SM Empreendimentos Farmacêuticos S.A. e All Chemistry
do Brasil Ltda.
APAC SM / All Chemistry
08700.005079/2019-06 Sacel-Serviços de Vigilância e Transporte de Valores Eireli
e Prosegur Brasil Transportadora de Valores e Segurança
S.A.
APAC Sacel / Prosegur
08700.003903/2020-19 Fleury S.A., Sabin Medicina Diagnóstica S.A. e Wang &
Andrade Informática, Comércio e Serviço Ltda.
AC Fleury / Sabin /
Wang & Andrade
08700.006454/2023-11 Connexio Participações Ltda. e Schwabe International SE AC Schwabe/Herbarium
08700.004240/2023-01 MM Turismo & Viagens S/A; 123 Viagens e Turismo Ltda. APAC 123/MaxMilhas
Fonte: Sistema de Busca de Jurisprudência do Cade.
11 Importante esclarecer que o APAC tramitou com acesso restrito ao Cade e às partes. Por isso foram utilizadas as
informações fornecidas no AC nº 08700.005959/2016-21.