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RENZETTI, Bruno Polonio; SAITO, Carolina. O controle de concentrações em plataformas digitais:
uma análise crítica dos limites e potencialidades do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 2, p. 67-86, 2023.
https://doi.org/10.52896/rdc.v11i2.1075
superar a presunção legal
10
. Por outro lado, pode-se dizer que a lei também criou uma presunção
relativa de ausência de efeitos anticompetitivos para atos de concentração abaixo dos critérios de
faturamento, dado que sua notificação não é obrigatória. Diz-se relativa pois a possibilidade de o
Cade requerer a submissão de qualquer operação, em até um ano, opera como um elemento de
superação da ideia de que operações envolvendo partes com faturamento abaixo dos parâmetros de
notificação seriam pró-competitivas.
Importante notar outra mudança da Lei nº 12.529/2011 em relação à Lei nº 8.884/1994: a
exclusão da participação de mercado como um critério para submissão obrigatória dos atos de
concentração. O relatório do Deputado Ciro Gomes esclarece que a correlação entre tamanho e
poder de mercado não é perfeita. Dessa forma, a exclusão do critério de participação de mercado foi
bem-vinda. Da mesma forma, ao analisarmos o art. 88, §7º, abriu-se ao Cade um novo mecanismo
para avaliar atos de concentrações de notificação não-obrigatória, ainda que o faturamento - e a
participação de mercado - sejam reduzidos.
Apesar de não ser objeto do relatório do Deputado Ciro Gomes, é importante esclarecer que
o texto do art. 89, §7º do PL/2005 também facultou ao Cade a análise de negócio jurídico que não se
enquadrava nas operações descritas pela lei como ato de concentração. Isso porque, o seu texto dizia
que o Cade poderia requerer a notificação de operações “que não se enquadrem no disposto neste
artigo” e o art. 91 previa os tipos de negócios jurídicos que seriam considerados atos de concentração
“para os efeitos do art. 89”. Esse entendimento, inclusive, foi adotado pelo Cade ao discorrer sobre a
aplicação do art. 88, §7º da Lei nº 12.529/2011 - que adotou em sua integralidade os termos do art. 89,
§7º do PL/2005, como será detalhado no próximo capítulo do presente trabalho.
A arqueologia jurídica da Lei nº 12.529/2011 não nos proporciona muitas pistas sobre a
motivação legislativa por trás do art. 88, §7º. Há somente um parágrafo sobre o tema no relatório
do Deputado Ciro Gomes. Entretanto, ainda que as menções sejam esparsas, nota-se que o objetivo
principal do dispositivo era não criar um safe-harbour para operações abaixo dos critérios de
notificação. É possível que operações que não apresentem preocupações concorrenciais em sua
gênese venham a se provar como problemáticas nos meses seguintes à sua consumação. O legislador
tomou o cuidado de reservar ao Cade, respeitando a segurança jurídica, a possibilidade de analisar
qualquer operação em até um ano após sua data de consumação.
3. APLICAÇÃO DO DISPOSITIVO PELO CADE
Nesse capítulo, será analisado como o Cade aplicou e aplica o dispositivo do art. 88, §7º, em
sua jurisprudência.
10 Escrevendo em 2014, Paula Forgioni critica as raras ocasiões em que um ato de concentração é bloqueada: “No Brasil,
nos últimos anos, foram autorizadas operações que geraram elevado grau de concentração no mercado e, consequentemente,
descrença da população em relação à atuação do CADE. Também por aqui, embora muitos recursos sejam canalizados para as
análises dos atos de concentração, julga-se que poucos deles podem gerar problemas concorrenciais e, quando ocorrem essas
hipóteses, são celebrados acordos com a Administração para viabilizar a aprovação sem grandes modificações nos planos
originais das empresas.” (FORGIONI, 2014, p. 429).