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SOUZA, Danielle Kineipp de; CRAVEIRO, Priscilla. Novos desafios, novos remédios: as obrigações
negociadas pelo Cade nos TCCs celebrados com Gympass e iFood em investigações envolvendo
acordos de exclusividade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 228-246,
2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1080
ou menor grau pela exclusividade, nos casos em análise –, do lado dos usuários finais (empresas que
buscam ofertar opções de academias a seus funcionários e consumidores de refeições) parece haver
uma inclinação ao singlehoming
19
.
Há também nesses mercados uma dinamicidade muito grande, de modo que inovações são
trazidas aos serviços ofertados com grande frequência. A elevada capacidade de coleta, armazenamento
e processamento de dados subsidia o direcionamento de produtos e serviços para usuários nos
distintos lados da plataforma (FERNANDES, 2022), o que acaba por prover vantagem competitiva aos
que dominam o mercado, especialmente empresas incumbentes, num efeito denominado feedback
loop (OCDE, 2021, p. 15). Dadas as suas especificidades, competição por ecossistemas e uma tendência
à monopolização (tipping) também podem ser observados (BRASIL, 2020a).
Outras semelhanças podem ser apontadas. As duas plataformas foram first-movers, o que
lhes deu a oportunidade de conformar portfólios de parceiros consideravelmente maiores e, por
vezes, mais interessantes do que os de seus concorrentes. Essa vantagem do pioneiro, associada a
uma série de aquisições de concorrentes e/ou empresas com atuação em negócios complementares,
possibilitou a dominância de seus respectivos mercados. Estimou-se, durante as investigações, que
tanto o iFood quanto a Gympass detinham mais de 80% de market share
20
.
Ademais, ambas empresas adotaram, de maneira ampla, a política de exclusividade, com
a justificativa de que seria necessária para viabilizar investimentos contínuos nos parceiros. De
acordo com a instrução processual, a Gympass exigia exclusividade de todas as academias parceiras,
independentemente de investimentos, em contratos com prazos de duração indeterminados
21
. O
iFood, por sua vez, teria exclusividade absoluta com 41% e forte dominância em 18,8% das redes
com 15 ou mais restaurantes no Brasil
22
, considerados os parceiros mais relevantes em termos de
faturamento e atração de usuários. Seus contratos tinham prazo determinado, possibilidade de
renovação e previsão de multa por rescisão
23
.
Forgioni (2016) alude ao caso Michelin I, em que a Comissão Europeia entendeu que agentes
em posição de domínio em seus respectivos mercados possuem responsabilidades especiais e estão
sujeitos a maior escrutínio da autoridade da concorrência. Isso porque (i) a concorrência nesses
mercados já se encontra reduzida pela própria existência de empresas com posição dominante
e (ii) as ações de players dominantes têm maior potencial lesivo ao mercado do que aquelas
empreendidas por empresas menores. Em mercados digitais, isso se mostra ainda mais relevante:
players dominantes - como iFood e Gympass - podem alavancar-se em suas externalidades de rede
e distorcer a competição por meio de práticas que restringem o acesso de concorrentes e reduzem
transações econômicas, como os acordos de exclusividade.
Nesse espírito, antes de negociar os TCCs, o Cade adotou medidas preventivas em ambas
19 No caso do iFood, por exemplo, Nota Técnica da Tendências Consultoria Integrada, de 22/08/2022, acostada aos
autos pelo Rappi, revelou que 48% dos entrevistados costumam usar só um aplicativo de delivery e 93% utilizam mais o iFood
(Nota Técnica da Tendências Consultoria Integrada. Inquérito Administrativo nº 08700.004588/2020-47, p. 3).
20 Nota Técnica nº 14/2021/GAB-SG/SG/CADE. Inquérito Administrativo nº 08700.004136/2020-65.
21 Nota Técnica nº 39/2022/CGAA1/SGA1/SG/CADE. Requerimento de TCC nº 08700.006611/2021-19.
22 Ver manifestação do Rappi, de 17/11/2022, IA nº 08700.004588/2020-47 (p. 3), em que apresenta achados de estudo
conduzido no mercado de redes de food service.
23 Ver voto vogal do Cons. Victor Oliveira Fernandes, em que afirma que “um importante indício do efeito lesivo dos
acordos de exclusividade do iFood verificado ao longo do IA é o seu significativo grau de cobertura” (Requerimento de TCC nº
08700.005597/2022-17, §39).