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ESTIMAÇÃO DE SOBREPREÇO
EM CARTÉIS: O CASO DO
CARTEL DE COMBUSTÍVEIS
NA REGIÃO METROPOLITANA
DE BELO HORIZONTE/MG
1
Estimation of Overpricing in Cartels: The Case
of the Fuel Cartel in the Metropolitan Region of
Belo Horizonte/MG
Guilherme Mendes Resende
2
Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) – Brasília/DF, Brasil
Fabiane Fernandes Hanones Malan
3
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) – Brasília/DF, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Objetivo: este estudo se propõe a estimar o sobrepreço causado pelo cartel de combustíveis na
região metropolitana de Belo Horizonte/MG, condenado pelo Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) em 2019 (Processo Administrativo nº 08700.010769/2014-64), aplicando o método
econométrico diferença em diferenças.
Método: diferença em diferenças. A partir de documentos presentes no processo administrativo do
caso foi possível caracterizar os postos envolvidos na colusão, bem como construir um contrafactual
para estimar o impacto do cartel nos preços de venda da gasolina e do etanol e na margem do
revendedor para ambos os combustíveis, utilizando modelos econométricos por meio do método
diferença em diferenças.
Conclusões: os resultados mostram que diferentes metodologias e estratégias para a escolha
do contrafactual resultam em diferentes estimativas para o sobrepreço. Fazendo uma média
dos sobrepreços encontrados no estudo viu-se que o efeito gerado pelo cartel no mercado de
gasolina foi de um aumento na ordem de R$ 0,0119/litro (ou de 0,52%) sobre o preço de venda e de
aproximadamente R$ 0,0162/litro (ou de 8,52%) na margem de revenda e, no mercado de etanol,
observou-se um impacto de R$ 0,0211/litro (ou de 1,53%) sobre o preço de venda e de R$ 0,0204/
Editor responsável: Prof. Dr. Victor Oliveira Fernandes, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Brasília, DF,
Brasil. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5250274768971874. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5431-4142.
1 Recebido em: 29/01/2024 Aceito em: 05/06/2024 Publicado em: 19/06/2024
2 É PhD em economia pela London School of Economics and Political Science (LSE) e mestre em economia pela UFMG.
Foi economista chefe do Cade entre 2016 e 2023. Atualmente, é Assessor Especial da Presidência do STF e professor no Mestrado
de Economia do IDP.
E-mail: guilherme.resende@stf.jus.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/2284071242212890
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7138-5492
3 Mestre em economia pelo IDP. É especialista em regulação de serviços de transportes aquaviários da ANTAQ e está
cedida ao Cade.
E-mail: fabiane.hanones@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2310-713X
3
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RESENDE, Guilherme Mendes; MALAN, Fabiane Fernandes Hanones. Estimação de sobrepreço
em cartéis: o caso do cartel de combustíveis na região metropolitana de Belo Horizonte/MG.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 55-86, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1084
litro (ou de 15,4%) na margem de revenda. Apesar da dificuldade de mensurar o sobrepreço e, mais
profundamente, os danos gerados, as estimativas contribuem com o debate de ações de reparação
de danos concorrenciais (ARDC), servindo como referencial para demais avaliações sobre política de
defesa da concorrência.
Palavras-chave: prevenção a cartéis; antitruste; sobrepro do cartel; mercado de combustíveis;
diferença em diferenças.
STRUCTURED ABSTRACT
Objective: this study aims to estimate the overprice caused by a fuel cartel in the metropolitan region
of Belo Horizonte/MG, condemned by the Administrative Council for Economic Defense (Cade) in 2019
(Administrative Process n. 08700.010769/2014-64), applying the dierence-in-dierences econometric
method.
Method: dierence-in-dierences. From documents presented in the administrative process of
the case, it was possible to characterize the fuel stations involved in the collusion and to build a
counterfactual to estimate the cartel impact on the sale prices and on the margins of gasoline and
ethanol, using econometric models through the dierence-in-dierences method.
Conclusions: the results show that dierent methodologies and strategies for choosing the
counterfactual result in dierent overcharge estimates. Taking an average of de overprices found in
the study, it was seen that the cartel’s eect on the gasoline market corresponded to an increase in
the order of R$0.0119/liter (or 0.52%) on the sales price and approximately R$0.0162/liter (or 8.52%) in
the resale margin and, in the ethanol market, an impact of R$0.0211/liter (or of 1.53%) was observed on
the sales price and R$ 0.0204/liter (or 15.4%) in the resale margin. Despite the diculty of measuring
the overprice and, more deeply, the damages caused, the estimates contribute to the private actions
for antitrust damages, serving as a reference for other assessments of antitrust policy.
Keywords: cartel prevention; antitrust; cartel overcharge; fuel market; dierence-in-dierences.
Classificação JEL: L13; L41; K21; L71.
Sumário: 1. Introdução; 2. Revisão da Literatura; 2.1.
Literatura Internacional; 2.2. Literatura Nacional;
2.3. Literatura sobre Cartéis de Combustíveis; 3.
Metodologia; 3.1. Diferença em Diferenças (DiD), 3.2.
Modelo Econométrico; 3.3. Definição do Contrafactual;
3.4. Definição dos Períodos do Cartel; 3.5. Base de Dados;
4. Resultados; 4.1. Gasolina; 4.1.1. Estratégia 1: todos os
postos cartelistas; 4.1.2. Estratégia 2: postos condenados
pelo Cade e que firmaram TCC; 4.2. Etanol; 4.2.1. Estratégia
1: todos os postos cartelistas; 4.2.2. Estratégia 2: postos
condenados pelo Cade e que firmaram TCC; 4.3. Testes de
Robustez; 4.4. Síntese dos Resultados; 5. Considerações
Finais; Referências; Apêndice.
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1. INTRODUÇÃO
Na lei antitruste de diversos países, presume-se que o cartel seja prejudicial aos consumidores,
uma vez que aumenta os preços, reduz a oferta disponível no mercado, a qualidade dos produtos e a
competição, sendo, por essa razão, considerado um ilícito per se por diversas jurisdições. Nessa esteira,
dentro da economia concorrencial, emerge o emprego de análises quantitativas para se estimar o
sobrepreço e os danos ocasionados pelo cartel, valendo-se do pressuposto de que uma dissuasão
eficaz por meio de multas levaria em consideração ao menos os danos causados pelas empresas
que se beneficiaram com o ilícito concorrencial. Nesse contexto, Davis e Garcés (2010) afirmam que a
estimativa de danos tem sido um campo na economia antitruste onde a análise quantitativa tem sido
amplamente utilizada.
No Brasil, a autoridade antitruste, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), é
responsável por defender e fomentar a livre concorrência, punindo e combatendo a prática de cartel,
que é considerada tanto um ilícito administrativo quanto penal (crime), estando os participantes
sujeitos a investigações administrativas e criminais, nos termos da Lei nº 12.529/2011 (“Lei do Cade”)
e da Lei nº 8.137/1990, respectivamente.
A Lei nº 12.529/2011, em seu artigo 37, I, estipula a vantagem auferida como piso da
multa a ser imposta em casos de prática de infração à ordem econômica, quando possível a sua
estimação (BRASIL, 2011). No entanto, o Cade pouco recorre a esse dispositivo da lei ao estabelecer
as penalidades, em razão das dificuldades técnicas no cálculo da vantagem auferida, sendo mais
utilizada a regra de definição de alíquotas (entre 0,1% e 20%) sobre o faturamento bruto da empresa
no ramo de atividade em que aconteceu a infração, obtido no ano anterior à instauração do Processo
Administrativo. Ademais, o cálculo do sobrepreço pode balizar a quantificação dos danos causados
pelo cartel em ações de reparação de danos concorrenciais. Vale destacar que, em 2022, modificações
importantes à Lei nº 12.529/2011 foram realizadas para fomentar ações de reparação de danos por
infrações ao direito da concorrência
4
.
Ensaios de estimativas da vantagem auferida e dos danos incorridos em casos de cartéis
têm sido realizados nos julgamentos recentes do Cade, havendo, no entanto, divergências entre os
membros do Tribunal daquele Conselho sobre o uso dessa estimativa como elemento central da
pena, em razão da alegada insegurança jurídica que diversas e distintas metodologias empregadas
para a sua estimação podem gerar.
Frente ao presente debate, as hipóteses norteadoras desta pesquisa residem no fato de que
os afetados pelo cartel, na esfera cível, podem contabilizar os ganhos obtidos pelas empresas e os
danos que a conduta pode ter causado ao mercado e, assim, processar as partes para reparar os
danos concorrenciais gerados. Subsidiariamente, as melhores práticas internacionais sugerem que o
órgão antitruste aplique multas que considerem em sua dosimetria o sobrepro com as vendas no
ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração.
Assim, o presente estudo foi desenvolvido com vistas a aplicar metodologia econométrica
específica - diferença em diferenças (dierence in dierences – DiD) a fim de calcular a diferença entre
4 Por exemplo, as inovações trazidas em lei estabelecem indenização em dobro pelos danos causados pela conduta,
traz ainda dispositivos regulando o marco inicial para contagem da prescrição, bem como determina que o réu tem o ônus de
provar que o autor repassou o prejuízo a terceiros (pass-on defense) caso alegue isso em sua defesa.
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RESENDE, Guilherme Mendes; MALAN, Fabiane Fernandes Hanones. Estimação de sobrepreço
em cartéis: o caso do cartel de combustíveis na região metropolitana de Belo Horizonte/MG.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 55-86, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1084
o preço cobrado em um ambiente com cartel e o respectivo preço que deveria ser cobrado em um
ambiente (em tese) competitivo, a partir da definição do contrafactual, que refletiria o ambiente sem
o cartel. Para tanto, o estudo usou como base o caso de um cartel condenado pelo Cade no setor de
varejo de combustíveis automotivos, segmento estratégico economicamente para o país e com alto
número de denúncias de cartéis.
Dessa forma, avalia-se aqui o sobrepreço gerado no caso do cartel nos mercados de
distribuição e revenda de combustíveis na região metropolitana de Belo Horizonte e municípios
vizinhos, em Minas Gerais (MG), nos anos de 2007 e 2008, condenado pelo Cade em 2019 (Processo
Administrativo nº 08700.010769/2014-64). Tratou-se de um cartel clássico (hardcore)
5
em uma das
regiões metropolitanas mais populosas do Brasil
6
, tendo sido caracterizado pela combinação de
preços entre os postos revendedores, bem como pela atuação das distribuidoras na prática de
influência à adoção de comportamento uniforme por revendedores e pelo apoio de diretores do
sindicato de revendedores local (Minaspetro). Além da combinação de preços de revenda para os
consumidores finais, o cartel também contava com mecanismos de monitoramento e punição aos
postos que não praticassem o acordo.
O processo foi instaurado, originalmente, em maio de 2007, pela antiga Secretaria de Direito
Econômico (SDE), a partir de representação recebida da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP), reportando súbito e inexplicável aumento de preços no mercado de revenda
de gasolina comum na região em março de 2007. Em 10/04/2019, o Tribunal do Cade condenou 27
postos de gasolina, duas distribuidoras e 12 pessoas físicas por prática de cartel e outras infrações à
ordem econômica, aplicando, ao todo, multas na ordem de R$ 156,9 milhões, conforme consulta aos
autos do Processo Administrativo nº 08700.010769/2014-64 do Cade (BRASIL, 2019a).
O estudo está dividido em 5 partes. Além desta seção introdutória, em que é feito um
histórico e uma contextualização do assunto, a segunda seção apresenta um referencial teórico e
uma revisão da literatura sobre os estudos já realizados nacionalmente e internacionalmente sobre
estimação de sobrepreço e danos em condutas anticompetitivas, sob o ponto de vista de avaliação
de política da concorrência. Na terceira seção são descritas a metodologia, a caracterização do cartel
e a base de dados e as estatísticas empregadas no estudo. Na quarta seção, reportam-se e analisam-
se os resultados das estimativas de sobrepreço encontradas. A quinta seção conclui o trabalho e tece
algumas considerações que podem agregar no debate acerca de estimação de sobrepreço em cartéis,
bem como dos danos gerados por condutas anticompetitivas.
2. REVISÃO DA LITERATURA
A literatura sobre estimação de sobrepreço e danos em condutas anticompetitivas traz uma
abordagem sobre o efeito dissuasório das multas dos cartéis. Seixas e Lucinda (2019) elucidam que
um ponto de partida para calcular os danos de um cartel seria calcular a diferença estimada entre o
5 Cartel hardcore, segundo o Guia “Dosimetria de multas de cartel” do Cade são aqueles acordos ou trocas de
informação relacionados a preços, divisão geográfica, de share ou de clientes, que tenham mecanismos de monitoramento/
punição de desvio (institucionalidade) e (intenção de) perenidade. Segundo aquele Guia, o cartel hardcore é reconhecidamente
a conduta concorrencial que gera mais impactos negativos para a sociedade (BRASIL, 2023).
6 Conforme Barros (2021), em julho de 2021, a região metropolitana de Belo Horizonte possuía 6,04 milhões de
habitantes, ficando atrás do Rio de Janeiro (13,19 milhões) e de São Paulo (22,04 milhões).
59
preço pago pelos consumidores durante a prática anticompetitiva e um preço contrafactual que seria
cobrado em um cenário sem o cartel. No entanto, como esse pro no contrafactual não é observado,
os autores indicam a necessidade de se estimar esse preço, a partir de metodologias econométricas.
Segundo Connor (2008), na prática, o sobrepreço (price overcharge) sobre os consumidores
em mercados afetados pelo cartel representa a principal medida do dano econômico e a sua apuração
pode ser dada pelo cálculo da diferença entre o preço fixado no período do cartel e o preço que seria
cobrado em uma situação sem o cartel (chamado de but for price ou pro no contrafactual), que é
obtido por meio de modelos econométricos.
Nesta seção, serão abordados alguns estudos da literatura internacional e nacional que
utilizam diferentes metodologias para a estimativa de sobrepro em casos condenados por cartel,
contribuindo para o debate de se as multas aplicadas às firmas condizem com o valor do sobrepreço
de cartel. Primeiramente, é feita uma revisão da literatura internacional a respeito de casos
documentados de cartéis internacionais, que empregaram metodologias econométricas para estimar
o sobrepreço gerado pelo ilícito concorrencial. Na sequência, são abordados os estudos nacionais que
trataram de estimativa de sobrepreços em cartéis condenados pela autoridade antitruste brasileira,
o Cade. Por fim, são abordados estudos que tratam de casos documentados de cartéis de revenda de
combustíveis.
2.1. Literatura Internacional
Na literatura internacional, alguns estudos trazem um referencial de como a estimação de
danos é realizada em outros países e quais são os patamares de sobrepreço encontrados em outras
jurisdições. Lande e Connor (2005) contribuem com o tema ao analisarem cerca de 200 estudos sobre
cartéis em diversos países, contendo 674 observações de sobrepreços médios. Os autores encontraram
o valor médio de 25% para todos os tipos de cartéis em todos os períodos (17% a 19% para cartéis
domésticos e 30% a 33% para cartéis internacionais).
Connor e Bolotova (2006), por sua vez, analisam uma amostra de mais de 800 observações de
casos de cartéis de diversos mercados e que usaram diferentes métodos para o cálculo do sobrepreço,
concluindo que o valor médio dessa sobretaxa seria de 29% e que conluios que atingem altos níveis
de eficácia (ou seja, longevidade, estabilidade e cobranças excessivas) gerariam grandes perdas ao
bem-estar dos consumidores.
Já o estudo de Connor (2014) trouxe 2.041 estimativas de sobrepreços em cartéis hard core
em várias jurisdições, analisando mais de 700 estudos publicados e decisões judiciais, chegando aos
seguintes percentuais medianos de sobre¬preço, conforme Quadro 1 abaixo extraída de Brasil (2016a):
60
RESENDE, Guilherme Mendes; MALAN, Fabiane Fernandes Hanones. Estimação de sobrepreço
em cartéis: o caso do cartel de combustíveis na região metropolitana de Belo Horizonte/MG.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 55-86, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1084
Quadro 1 - Mediana de Episódios de Sobrepreço, por Período e Tipo
Fonte: Brasil (2016a).
Ainda sobre o benchmarking internacional de taxas de sobrepreços, Ivaldi, Khimich e Jenny
(2014) analisaram 249 cartéis em 22 países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil, entre os anos 1995
e 2013. Os autores construíram uma base de dados conforme informações contidas de sobrepreço já
calculados e, para os casos que não continham cálculo de sobrepreço, estimaram os valores com base
em modelos econométricos. Os autores encontraram um sobrepreço médio de 20,11% para os países
em desenvolvimento, o que seria similar ao sobrepreço médio encontrado na literatura internacional
para os países desenvolvidos (19% para os Estados Unidos e 20% para a União Europeia).
As observações de sobrepreços médios trazidas pela literatura empírica contribuem para
os futuros estudos de caso sobre o tema. No entanto, Davis e Garcés (2010) argumentam que a
quantificação dos danos e estimativas de sobrepreço ensejam uma análise qualitativa de cada caso
em questão, a fim de justificar a metodologia e especificações escolhidas. Os autores abordam alguns
métodos quantitativos para estimar danos em cartéis e relatam dificuldades geralmente enfrentadas,
que muitas vezes estão atreladas à definição do contrafactual para se estimar o preço que teria
prevalecido na ausência do cartel e, consequentemente, o sobrepreço. Segundo os autores, definir
o período do cartel também é um elemento importante para se estimar os danos, que pode ser
dado pelas evidências documentais, mas também utilizando evidências de quebras estruturais
inexplicáveis nos padrões de preços.
Em um caso prático, Laitenberger e Smuda (2013) usam dados de painel do consumidor para
calcular os danos sofridos pelos consumidores alemães devido a um cartel de detergentes, que
ocorreu entre 2002 e 2005 em oito países europeus. Os autores aplicaram as estimativas do antes e
depois (before and ater) e de diferença em diferenças e encontraram sobrepreços médios entre 6,7%
e 6,9% e um dano geral ao consumidor de cerca de 13,2 milhões de euros no período de julho de 2004
a março de 2005.
Em pesquisa mais recente, Tsay (2021), a partir de dados contidos em Connor (1998), combinou
modelos econométricos para estimar o sobrepreço gerado no caso do cartel do ácido cítrico que
envolveu as quatro maiores fabricantes do mundo na década de 1990. O autor estimou um sobrepro
de 21,17% naquele cartel.
61
Clark e Houde (2013), ao estudarem o funcionamento de cartéis de revenda de combustível
no Canadá, também abordaram modelos de diferenciação de demanda derivada de medidas de
distância. Segundo os autores, a estratégia de preços uniformes em cartéis de revenda de combustível
está ligada à localização dos membros, dada à incapacidade de controlar onde os consumidores
compram o produto.
2.2 Literatura Nacional
No Brasil, Lucinda e Seixas (2016) estimaram o dano para o caso do “Cartel de Peróxidos”,
condenado pelo Cade em 2012, por um ilícito que durou de 1995 a 2004. Para tanto, os autores
utilizaram três metodologias distintas: i) séries temporais, ii) diferença em diferenças e iii) modelos
estruturais. No modelo de séries temporais, os resultados das estimativas indicaram uma redução
de preços após o término do cartel entre 15,5% e 22%, a depender do mês escolhido para a data final
do cartel. No caso do modelo estrutural, o sobrepreço médio ficou em torno de 9,3%. A partir dessas
estimativas, encontraram-se valores de dano em escala próxima ao valor da multa aplicada pelo
Cade, concluindo que as multas teriam atingido o objetivo apenas de recuperar os prejuízos causados
pelo cartel, sem, no entanto, contemplar o segundo objetivo que seria da prevenção.
Carrasco, Mello, Rigato (2018), por sua vez, analisaram o “Cartel dos Gases Medicinais” que
ocorreu nos anos 2000 no mercado de gases medicinais brasileiro. O estudo, a partir de uma análise
econométrica, fez uso de uma variação exógena (que foram as datas do início das investigações e
dos mandados de busca e apreensão) para estimar o sobrepreço do cartel, cujo percentual mínimo
ou limite inferior seria de 33,5%.
No estudo de Schmidt (2018), analisou-se o caso do “Cartel de gás liquefeito de petróleo
- GLP no Pará, utilizando-se um modelo de diferença em diferenças para calcular os sobrepreços
gerados pelo cartel e, posteriormente, a vantagem auferida. A autora estimou sobrepreços entre 4%
e 8% e estimou um dano gerado pelo cartel de aproximadamente R$ 67,5 milhões.
Afonso e Féres (2017) também analisaram aquele mesmo cartel, a partir de diferentes
metodologias de cálculo de dano. Os autores estimaram os sobrepreços desse cartel através dos
métodos de regressão multivariada antes e depois e de diferença em diferenças, alterando o grupo
de controle usado pela ex-conselheira do Cade, Cristiane Alkmin, no Processo Administrativo nº
08012.002568/2005-51
7
, obtendo resultados que sugerem que os danos estimados seriam sensíveis à
metodologia escolhida, com os sobrepreços estimados variando entre 10% e 13% (quando utilizado o
método antes e depois) e entre 15,97% e 16,96% (quando utilizado o método diferença em diferenças).
A partir dessas estimativas de sobrepreço, os autores refizeram o cálculo do dano realizado por Alkmin
e estimaram danos na ordem de R$ 1 bilhão, a partir do modelo antes e depois, e de R$ 1,2 bilhão, a
partir de um modelo de diferença em diferenças.
7 No caso do “Cartel de GLP no estado do Pará” a ex-conselheira Cristiane Alkmin Schmidt utilizou como grupos de
controle dois critérios de seleção: i) estados que tinham preços mais competitivos ao comparar o preço médio do GLP de cada
estado com o HHI (indicador do grau de concorrência), escolhendo os estados RJ, AL, SP e MG e ii) todos os estados do Brasil
onde não houve condenação de cartéis no período da conduta (BRASIL, 2016a). Afonso e Féres (2017), por sua vez, realizaram
testes de tendência comum entre os estados para utilização como grupo de controle.
62
RESENDE, Guilherme Mendes; MALAN, Fabiane Fernandes Hanones. Estimação de sobrepreço
em cartéis: o caso do cartel de combustíveis na região metropolitana de Belo Horizonte/MG.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 55-86, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1084
Nessa mesma esteira, Resende, Motta e Lima (2019) estudaram o benefício gerado pelo
combate ao “Cartel de pedras britadas, que ocorreu na região metropolitana de São Paulo entre
janeiro de 2003 e setembro de 2013. Os autores utilizaram como base a metodologia proposta
pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que traz um guia de
referência sobre avaliações ex post de decisões de fiscalização de agências de concorrência, bem
como estimações utilizando o método diferença em diferenças (OECD, 2016). O estudo conclui que o
sobrepreço no cartel das britas variou entre 6,12% e 10,69% e que os benefícios da cessação do cartel,
utilizando um período de 6 anos, variaram entre R$ 348,60 milhões e R$ 608,91 milhões.
2.3 Literatura sobre Cartéis de Combustíveis
No setor de combustíveis, Erutku e Hildebrand (2010) analisaram o cartel de revenda de
gasolina em Sherbrooke, na província de Québec (Canadá), utilizando o método econométrico de
diferenças em diferenças, com Sherbrooke sendo o grupo de tratamento e Montreal e a cidade
de Québec como grupo de controle (contrafactual). Os resultados do estudo demonstram que a
investigação do cartel, em maio de 2006, desencadeou em uma queda no preço do combustível em
Sherbrooke estatisticamente significativa de US$ 1,75 centavos por litro. Considerando que no ano
anterior (maio de 2005 a maio de 2006) teria sido observada uma venda de aproximadamente 135
milhões de litros de gasolina naquela cidade, concluiu-se que o conluio teria gerado danos de mais de
US$ 2 milhões durante o ano anterior ao anúncio da investigação pela agência antitruste do Canadá.
Cuiabano (2018) analisou um caso concreto julgado pelo Cade, o “Cartel de postos de gasolina
em Londrina” em 2007. Para estimar a vantagem auferida pelos cartelistas e os danos, a autora utilizou
tanto uma equação reduzida quanto um modelo estrutural de demanda e oferta. Os resultados do
estudo mostraram que o sobrepreço gerado pelo cartel foi em torno de 4,6% a 6,6% no mercado de
gasolina e de até 12% no mercado de etanol. Com relação ao objetivo de avaliar os efeitos da política
de concorrência, comparando o montante do dano estimado com as multas aplicadas, concluiu-se
que as multas impostas pelo Cade estariam alinhadas com esse objetivo.
Motta e Resende (2019) também analisaram um caso de ilícito no mercado de varejo de
combustíveis analisado pelo Cade, mais especificamente, o caso do cartel no Distrito Federal (DF).
Os autores trataram de mensurar os benefícios do combate àquele cartel para os consumidores de
gasolina no DF, a partir de estimações de valores de sobrepro, definições do volume e da duração do
cartel. Como contrafactual, o estudo se baseou na comparação dos preços observados no DF com os
preços de um município próximo, Anápolis (GO), bem como de capitais estaduais com características
semelhantes e que não apresentassem registro de condenação por cartel
8
. Utilizando os métodos de
diferença em diferenças e de controle sintético, o estudo estimou um sobrepreço médio entre 4,66%
e 8,09%, bem como um benefício da atuação do Cade na ordem de R$ 206 milhões a R$ 358 milhões
(sob a hipótese de que o cartel teria duração de apenas 1 ano, caso não houvesse intervenção do
Cade) e de R$ 1,24 bilhão e R$ 2,15 bilhões (ao considerar uma duração hipotética do cartel de 6 anos).
8 Os autores também realizaram testes de tendência comum com o mercado do DF para definição de quais mercados
seriam mais apropriados para a análise.
63
3. METODOLOGIA
A revisão da literatura apresenta, de maneira geral, várias metodologias para estimação de
sobrepreço em cartéis, a partir da escolha de um contrafactual. É possível observar que as abordagens
econométricas utilizadas partem do pressuposto de que a atuação do cartel afeta a variável de
interesse (o preço). Para tanto, o modelo utilizado para estimar essa variação dos preços precisa
identificar os momentos de início e fim da atividade do cartel ao longo do tempo, bem como definir
dois cenários: o competitivo e o de conluio.
Esta seção trata de descrever a metodologia empregada no estudo, a caracterização do cartel
e a base de dados e as estatísticas utilizadas para estimar o sobrepro do cartel de combustíveis na
região metropolitana de BH.
3.1. Diferença em Diferenças (DiD)
Como visto na seção anterior, o cálculo do sobrepreço pode ser dado pela diferença entre o
preço fixado no período do cartel e o preço no contrafactual. Para tanto, é necessário estimar o preço
que teria ocorrido na ausência do cartel durante o período da conduta (but for price) (CONNOR, 2008).
É necessário, portanto, construir um cenário que represente o mercado de distribuição e
revenda de combustíveis na região metropolitana de Belo Horizonte/MG na ausência do conluio, ou
seja, definir um contrafactual. Propõe-se, portanto, a utilização do método diferenças em diferenças
(DiD), que leva em consideração mercados não afetados pelo cartel que podem ser usados como
grupo de controle na análise.
A opção por adotar o método DiD pode ser motivada por diversos fatores. Nesta técnica, o
estimador DiD compara o que acontece com o grupo afetado pelo cartel (grupo de tratamento) e o
grupo que não foi afetado (grupo de controle) antes e depois do cartel e, ao usar o grupo de controle,
o estimador remove o efeito de quaisquer mudanças que afetem tanto o grupo de controle quanto o
de tratamento.
Na prática, o estimador DiD utilizado aqui visa controlar o que teria acontecido sem a
infração, examinando o que mudou ao longo do tempo para o mercado com infração e o mercado
sem infração, seguido de uma comparação dessas diferenças (OXERA, 2009).
A OECD (2016) explica que o efeito da decisão de intervenção do ilícito é dado pela diferença
entre: i) a diferença média entre o comportamento do grupo tratado, antes e depois do tratamento e
ii) a diferença média entre o comportamento do grupo de controle, antes e depois da intervenção. O
Gráfico 1, adaptado por Motta e Resende (2019) do estudo da OECD (2016), exemplifica o racional da
metodologia diferença em diferenças:
64
RESENDE, Guilherme Mendes; MALAN, Fabiane Fernandes Hanones. Estimação de sobrepreço
em cartéis: o caso do cartel de combustíveis na região metropolitana de Belo Horizonte/MG.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 55-86, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1084
Gráco1 - O estimador DiD
Fonte: Motta e Resende (2019, p. 12).
Segundo Maier-Rigaud e Sudaric (2019), a validade da abordagem DiD varia, em certo grau,
de acordo com a disponibilidade de um mercado adequado de comparação. Segundo os autores,
esse método baseia-se na suposição de que, na ausência do cartel, tanto o mercado de comparação
(grupo de controle) como o mercado cartelizado (grupo de tratamento) teria evoluído de acordo com
uma tendência comum, o que equivaleria a dizer que inexiste diferença no desenvolvimento dos
dois mercados ao longo do tempo, exceto pela existência de um cartel em um deles. Dessa forma, as
mudanças em ambos os mercados que não estão relacionadas com o cartel são da mesma ordem de
grandeza.
Essa hipótese é conhecida na literatura econômica como tendências paralelas. Entretanto,
vale destacar o levantamento realizado por Roth et al. (2023), que destacou que trabalhos recentes
têm considerado a possibilidade de violação da suposição de tendências paralelas. Segundo o
referido autor, há um conjunto de estudos que considera o cenário no qual tendências paralelas são
mantidas apenas condicionadas a covariáveis observadas e propõem novos estimadores que são
válidos sob uma suposição de tendências paralelas condicionais. Dessa forma, a utilização de efeitos
fixos (nas análises de robustez na seção de resultados) busca mitigar o problema de violação da
suposição de tendências paralelas.
De acordo com Davis e Garcés (2010), a equação matemática do método diferença em
diferenças pode ser feita por meio de um modelo de efeitos fixos do seguinte tipo:
𝑦
𝑖𝑡
= 𝛼
𝑖
+ 𝜏
𝑡
+ 𝛿𝑑
𝑖𝑡
+ 𝜀
𝑖
onde: 𝑑
𝑖𝑡
representa uma variável binária que assume valor 1 se a unidade i pertence ao grupo
de tratamento após 𝑡𝑡, sendo 𝑡∗ a data do tratamento e o valor 0, caso contrário. O parâmetro 𝛿
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estimado, por sua vez, representará o efeito do tratamento. Aplicando um operador de diferenças no
tempo, do tipo ∆𝑥
𝑖𝑡
= 𝑥
𝑖𝑡
− 𝑥
𝑖𝑡
−1, tem-se a seguinte equação, uma vez que ∆𝛼
𝑖
= 0:
∆𝑦
𝑖𝑡
= ∆𝜏
𝑡
+ ∆𝛿𝑑
𝑖𝑡
+ ∆𝜀
𝑖
Considerando a diferença entre o grupo de controle e o grupo de tratamento e, supondo
que i está no grupo de controle e j no grupo de tratamento, tem-se a seguinte equação, uma vez que
∆𝜏
𝑡
− ∆𝜏
𝑡
= 0 e ∆𝑑
𝑖𝑡
= 0:
∆𝑦
𝑗𝑡
− ∆𝑦
𝑖𝑡
= 𝛿∆𝑑
𝑗𝑡
+ (∆𝜀
𝑗𝑡
− ∆𝜀
𝑖𝑡
)
onde ∆𝑑
𝑗𝑡*
= 1.
Nesse modelo de diferenças em diferenças a tendência comum entre os dois grupos é
eliminada e os efeitos fixos de tempo e grupo são extraídos. Assim, pode-se estimar o parâmetro 𝛿
(chamado de “efeito do tratamento”), que, no presente caso, representa a variação de preços com o
cartel.
3.2. Modelo Econométrico
Trata-se, portanto, de uma pesquisa quase-experimental, que consiste na estimativa do
sobrepreço a partir de estratégias que adotam o estimador DiD. Estima-se a seguinte regressão no
método diferença em diferenças, usando a definição constante em Davis e Garcés (2010):
𝑃_𝑉
𝑖t
= 𝛼 + 𝛿
1
CARTEL
𝑡
+ 𝛿
2
𝑇
𝑖
+ 𝛿
3
𝑇
𝑖
CARTEL
𝑡
+ 𝑒
𝑖t
Onde 𝑃_𝑉
𝑖t
representa a variável estudada, que pode ser o preço de venda do combustível ou
a margem do revendedor com o combustível; o coeficiente 𝛼 representa o termo constante; 𝛿
1
mede
o impacto de se estar no grupo de tratamento (cartelistas) sobre a variável estudada; CARTEL
𝑡
uma
variável dummy que indica 1 para o mercado com cartel (grupo de tratamento) e 0 para o mercado
de comparação (grupo de controle); 𝛿
2
mede o impacto de se estar no período do cartel sobre a
variável estudada; 𝑇
𝑖
é uma variável dummy que indica 1 (um) para o período do cartel (ou após a
data inicial do cartel) e 0 (zero), caso contrário; 𝛿
3
representa o coeficiente de interesse - o estimador
DiD, que capta o impacto do cartel sobre o preço de venda ou sobre a margem do combustível no
grupo de tratamento vis-à-vis no grupo de controle e; 𝑒
𝑖t
representa o termo de erro (variáveis não
observáveis).
Assume-se que variáveis não afetadas pelo tratamento, como preço de compra do combustível,
ICMS etc., já estariam refletidas no preço de revenda do combustível ou na margem do revendedor, de
forma que essas variáveis não devem afetar substancialmente as estimativas, razão pela qual não foi
inserida ao modelo uma matriz de covariáveis utilizadas de controle.
Vale ressaltar que, adicionalmente à especificação padrão descrita acima, na seção de
robustez dos resultados foram realizadas estimações controlando por variáveis dummies de tempo
(mês e ano) e de município (Belo Horizonte, Betim e Contagem), controlando as características