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RESENDE, Guilherme Mendes; MALAN, Fabiane Fernandes Hanones. Estimação de sobrepreço
em cartéis: o caso do cartel de combustíveis na região metropolitana de Belo Horizonte/MG.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 1, p. 55-86, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i1.1084
o preço cobrado em um ambiente com cartel e o respectivo preço que deveria ser cobrado em um
ambiente (em tese) competitivo, a partir da definição do contrafactual, que refletiria o ambiente sem
o cartel. Para tanto, o estudo usou como base o caso de um cartel condenado pelo Cade no setor de
varejo de combustíveis automotivos, segmento estratégico economicamente para o país e com alto
número de denúncias de cartéis.
Dessa forma, avalia-se aqui o sobrepreço gerado no caso do cartel nos mercados de
distribuição e revenda de combustíveis na região metropolitana de Belo Horizonte e municípios
vizinhos, em Minas Gerais (MG), nos anos de 2007 e 2008, condenado pelo Cade em 2019 (Processo
Administrativo nº 08700.010769/2014-64). Tratou-se de um cartel clássico (hardcore)
5
em uma das
regiões metropolitanas mais populosas do Brasil
6
, tendo sido caracterizado pela combinação de
preços entre os postos revendedores, bem como pela atuação das distribuidoras na prática de
influência à adoção de comportamento uniforme por revendedores e pelo apoio de diretores do
sindicato de revendedores local (Minaspetro). Além da combinação de preços de revenda para os
consumidores finais, o cartel também contava com mecanismos de monitoramento e punição aos
postos que não praticassem o acordo.
O processo foi instaurado, originalmente, em maio de 2007, pela antiga Secretaria de Direito
Econômico (SDE), a partir de representação recebida da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP), reportando súbito e inexplicável aumento de preços no mercado de revenda
de gasolina comum na região em março de 2007. Em 10/04/2019, o Tribunal do Cade condenou 27
postos de gasolina, duas distribuidoras e 12 pessoas físicas por prática de cartel e outras infrações à
ordem econômica, aplicando, ao todo, multas na ordem de R$ 156,9 milhões, conforme consulta aos
autos do Processo Administrativo nº 08700.010769/2014-64 do Cade (BRASIL, 2019a).
O estudo está dividido em 5 partes. Além desta seção introdutória, em que é feito um
histórico e uma contextualização do assunto, a segunda seção apresenta um referencial teórico e
uma revisão da literatura sobre os estudos já realizados nacionalmente e internacionalmente sobre
estimação de sobrepreço e danos em condutas anticompetitivas, sob o ponto de vista de avaliação
de política da concorrência. Na terceira seção são descritas a metodologia, a caracterização do cartel
e a base de dados e as estatísticas empregadas no estudo. Na quarta seção, reportam-se e analisam-
se os resultados das estimativas de sobrepreço encontradas. A quinta seção conclui o trabalho e tece
algumas considerações que podem agregar no debate acerca de estimação de sobrepreço em cartéis,
bem como dos danos gerados por condutas anticompetitivas.
2. REVISÃO DA LITERATURA
A literatura sobre estimação de sobrepreço e danos em condutas anticompetitivas traz uma
abordagem sobre o efeito dissuasório das multas dos cartéis. Seixas e Lucinda (2019) elucidam que
um ponto de partida para calcular os danos de um cartel seria calcular a diferença estimada entre o
5 Cartel hardcore, segundo o Guia “Dosimetria de multas de cartel” do Cade são aqueles acordos ou trocas de
informação relacionados a preços, divisão geográfica, de share ou de clientes, que tenham mecanismos de monitoramento/
punição de desvio (institucionalidade) e (intenção de) perenidade. Segundo aquele Guia, o cartel hardcore é reconhecidamente
a conduta concorrencial que gera mais impactos negativos para a sociedade (BRASIL, 2023).
6 Conforme Barros (2021), em julho de 2021, a região metropolitana de Belo Horizonte possuía 6,04 milhões de
habitantes, ficando atrás do Rio de Janeiro (13,19 milhões) e de São Paulo (22,04 milhões).