193
EXISTE UM PADRÃO NO
USO DE TRUSTEES PELO
CADE PARA O AUXÍLIO
NO MONITORAMENTO DE
ACORDOS? UMA ANÁLISE A
PARTIR DA VIGÊNCIA DA LEI
Nº 12.529/2011
1
Is there a pattern in Cade’s use of trustees to
assist in monitoring agreements? An analysis
since Law No. 12,529/2011 came into force
Sandra Terepins
2
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) – São Paulo/SP, Brasil
Vinicius Poo Goulart
3
Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito SP) – São Paulo/SP, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Contexto: a implementação de decisões, acordos e compromissos no contexto do controle de
estruturas e de condutas pelas autoridades antitruste tem sido acompanhada por fenômeno crescente,
especialmente no Conselho Administrativo de Defesa Econômica: a utilização de agentes externos,
conhecidos como trustees, para auxiliar no monitoramento e na implementação de remédios. Esses
terceiros desempenham papel fundamental no âmbito do sistema de defesa da concorrência, na
medida em que reduzem ônus regulatório e financeiro das autoridades, garantindo a conformidade
das partes com as obrigações assumidas.
1 Editor responsável: Prof. Dr. Victor Oliveira Fernandes, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Brasília,
DF, Brasil. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5250274768971874. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5431-4142.
Recebido em: 26/04/2024 Aceito em: 19/11/2024 Publicado em: 11/12/2024
2 Mestre em Direito pela Georgetown University de Washington, DC, EUA. Bacharela em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Sócia fundadora do Terepins Advogados, escritório especializado na área de Direito
Concorrencial/Antitruste.
E-mail: sandra@terepins.com.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7364919345760866
ORCID: https://orcid.org/0009-0007-1399-658X
3 Bacharel em Direito pela FGV Direito SP. Foi pesquisador do Núcleo de Direito, Economia e Governança (NuDEG) e
do Núcleo de Pesquisa em Concorrência, Políticas Públicas, Inovação e Tecnologia (COMPPIT) da FGV Direito SP. Advogado em
Terepins Advogados.
E-mail: vp.goulart@outlook.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7318978886824087
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6386-969X
9
194
TEREPINS, Sandra; GOULART, Vinicius Poo. Existe um padrão no uso de trustees pelo Cade para
o auxílio no monitoramento de acordos? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2,
p. 193-211, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1113
Objetivo: a partir da análise e sistematização da evolução da adoção de trustees pelo Conselho
Administrativo de Defesa Econômica a partir da vigência da Lei nº 12.529/2011, este artigo tem como
objetivo, de forma não exaustiva, mas preliminar, explorar se a autoridade concorrencial brasileira
é clara no direcionamento de quando será necessário e pertinente para auxílio no monitoramento
de acordos em controle de concentração e de termos de compromisso de cessação a utilização de
trustees. Mais especificamente, busca-se em geral compreender como se dá a evolução do e se há ou
não um padrão na adoção do instituto pelo Cade, especialmente por meio do exame da natureza dos
remédios negociados nestes documentos e da frequência em que o monitor externo foi demandado
em cada um desses casos.
Método: exploratório e jurisprudencial.
Conclusões: em que pese ser identificada maior frequência na utilização de agentes externos para o
monitoramento de remédios, os resultados encontrados se mostram não conclusivos na medida em
que não há um padrão ou direcionamento claro de quando o uso trustee seria pertinente e necessário,
especialmente em situações envolvendo remédios comportamentais.
Palavras-chave: acordos, Cade; monitoramento; remédios; trustee.
STRUCTURED ABSTRACT
Context: the implementation of decisions, agreements, and commitments in the context of merger
control and conduct investigation by antitrust authorities has been accompanied by a growing
phenomenon, especially at the Administrative Council for Economic Defense – CADE: the use of
external agents, known as trustees, to assist in the monitoring and implementation of remedies.
These third parties play a fundamental role within the antitrust system by reducing the regulatory
and financial burdens on the authorities, ensuring that the parties comply with their commitments.
Objective: based on an analysis of the use of trustees by the Administrative Council for Economic
Defense since Law 12,529/2011 entered into force, this article aims to explore, non-exhaustively,
preliminarily, whether the Brazilian antitrust agency sets clear criteria to define whether trustees are
necessary and relevant to assist the agency in monitoring settlements in cases of both merger control
and investigations. More specifically, this paper seeks to understand how the use of trustees evolved
over time and if there is or not a pattern for the use of such tool by Cade, especially looking into the
nature of negotiated remedies and frequency that this tool has been used in each case.
Method: exploratory and jurisprudential method.
Conclusions: although the use of external agents to monitor remedies appears to be more frequent,
the results found are ambiguous. Sometimes Cade is clear about when a trustee would be relevant
and necessary, sometimes not, especially in situations involving behavioral remedies.
Keywords: agreements; Cade; monitoring; remedies; trustee.
JEL Classification: K21.
195
Sumário: 1. Introdução; 2. O que são trustees?; 3. O uso de trustees pelo
Cade; 3.1 O uso de trustees pelo Cade no controle de estruturas; 3.2 O uso
de trustees pelo Cade no controle de condutas; 4. Considerações Finais;
Referências.
1 INTRODUÇÃO
A implementação de decisões, acordos e compromissos no contexto do controle de estruturas
e de condutas pelas autoridades antitruste tem sido acompanhada por fenômeno crescente: a
utilização de agentes externos, conhecidos como trustees, para auxiliar no monitoramento e na
implementação de remédios (Vassile; Bonnièrs, 2014, n. p.; Brueckner; Hoehn, 2010, p. 73). Esses
terceiros desempenham papel fundamental no âmbito do sistema de defesa da concorrência, na
medida em que reduzem ônus regulatório e financeiro das autoridades, garantindo a conformidade
das partes com as obrigações assumidas (Cade, 2024a, p. 5; Ezrachi; Han, 2015, p. 20; Botteman; Patsa,
2013, p. 372; Brueckner; Hoehn, 2010, p. 73; ICN, 2005, p. 15).
No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) parece recorrer cada vez
mais aos trustees para o monitoramento de acordos em controle de concentração (ACCs) e de Termos
de Compromisso de Cessação (TCCs) (Souza; Mundim; Terepins, 2024; n.p.; Attayde; Sakowski, 2020, p.
64). Esse uso crescente é acompanhado de iniciativas da autarquia para aprimoramento da prática,
em especial por meio da instituição de grupo de trabalho para estudos e pesquisas sobre o uso de
trustees (Cade, 2022) e do lançamento do “Manual para Uso de Trustees” em abril de 2024 (Cade, 2024a).
Apesar de ser possível identificar uso mais frequente de trustees pelo Cade, o que leva a
entender que tem exercido papel relevante no monitoramento de decisões e acordos, estudos sobre
o tema ainda são escassos, principalmente no território nacional. Em geral, a temática é abordada
de modo analítico quando se olha para a utilização de remédios, procurando descrever os diferentes
papéis que o monitor externo pode desempenhar e/ou a quantidade de vezes utilizada até determinado
período (Buaiz Neto et al., 2023; Attayde; Sakowski, 2020; Cabral; Mattos, 2016; Pereira Neto; Azevedo,
2015; Cabral, 2014). Observa-se que o instituto foi tratado de forma mais aprofundada em artigo
recente, no qual se explorou a natureza do vínculo estabelecido entre ele e o Cade (Natividade, 2024).
Diante da incipiência de estudos sobre o tema e buscando contribuir para futuras discussões
e para o constante aperfeiçoamento do monitoramento externo de acordos e de decisões, e a partir
da análise e sistematização da evolução da adoção de trustees pelo Cade a partir da vigência da Lei
nº 12.529/2011, este artigo tem como objetivo, de forma não exaustiva, mas preliminar, explorar se a
autoridade concorrencial brasileira é clara no direcionamento de quando o trustee será necessário e
pertinente para auxílio no monitoramento de ACCs e TCCs. Mais especificamente, busca-se em geral
compreender como se dá a evolução do e se há ou não um padrão na adoção do instituto pelo Cade,
especialmente por meio do exame da natureza dos remédios negociados nestes documentos e da
frequência em que o monitor externo foi demandado em cada um desses casos.
Este estudo parte da hipótese de que, ao longo dos anos, o Cade optou por cada vez mais
recorrer a trustees para auxiliá-lo no monitoramento de remédios, seja no âmbito de ACCs, seja no
âmbito de TCCs. Contudo, tê-lo-ia feito sem seguir uma metodologia clara, ora implementando o
monitoramento externo, ora não, mesmo em ocasiões com remédios de natureza/característica
196
TEREPINS, Sandra; GOULART, Vinicius Poo. Existe um padrão no uso de trustees pelo Cade para
o auxílio no monitoramento de acordos? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2,
p. 193-211, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1113
similar. Como consequência, não haveria clareza nos casos que demandam a adoção do instituto,
o que impossibilitaria, à luz da avaliação da jurisprudência da autarquia, constatações precisas de
quando o trustee é pertinente e necessário.
De modo a conduzir o presente estudo, em um primeiro momento, procurou-se listar todos
os ACCs e TCCs firmados pela autoridade desde o início da vigência da Lei nº 12.529/2011 até a última
Sessão Ordinária de Julgamento do Tribunal Administrativo do Cade em 2023. Para tanto, utilizou-se
a base de dados consolidada da autarquia, disponível em: https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/
acordos, na qual são indicados os ACCs e TCCs assinados. Além disso, para confirmar esses dados e
dar maior precisão ao estudo, foi feita pesquisa no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do Cade
por meio da seleção de “Acordo em Controle de Concentrações (ACC)” e “Termo de Compromisso
de Cessação (TCC)” na parte “Tipo do Documento”. Concluída esta etapa, em um segundo momento,
analisou-se de forma manual cada um dos ACCs e TCCs selecionados, extraindo, principalmente, as
seguintes questões: se houve ou não o uso de trustee e, se aplicável, as obrigações por ele assumidas;
a natureza da conduta investigada (no âmbito de TCCs); o remédio implementado e, no âmbito de
ACCs, qual a sua tipologia, isto é, se estrutural ou comportamental.
O presente artigo, seguido desta introdução, divide-se em três seções. Na Seção 2., busca-
se apresentar a figura dos trustees, indicando as diferentes formas que esse agente externo pode
assumir quando do monitoramento de acordos. Na Seção 3., será feita uma análise da atuação do
Cade, desde o início da vigência da Lei nº 12.529/2011 até o final de 2023, quanto à adoção de trustees,
tanto no âmbito do controle de estruturas (Seção 3.1.), como no âmbito do controle de condutas
(Seção 3.2.). Por fim, nas Considerações Finais, é tecida breve conclusão.
2 O QUE SÃO TRUSTEES?
Quando celebra um ACC no âmbito do controle de estruturas (análise de atos de concentração)
ou um TCC no âmbito do controle de condutas (apuração de infrações à ordem econômica), a autoridade
concorrencial brasileira pode demandar que as partes contratem agentes externos para auxiliá-la no
monitoramento da implementação dos remédios negociados (i.e., no caso de ACC, condições para
que a operação em questão possa ser concretizada e, no caso de TCC, compromisso assumido para a
suspensão e posterior arquivamento da investigação da conduta anticompetitiva pelo Cade), ainda
que não previsto em Lei (Cade, 2024a, p. 7; Buaiz Neto; Rebello, 2022, p. 97; Cade, 2018, p. 43).
Esses agentes são genericamente conhecidos como trustees (monitores, auditores externos
ou independentes) e são utilizados pelo Cade e por autoridades concorrenciais em todo o mundo,
como, por exemplo, pela Federal Trade Commission (FTC) e Departamento de Justiça (DoJ) nos Estados
Unidos (United States, 2020), Comissão Europeia (European Union, 2008), Competition Bureau no
Canada (Canada, 2016), Autoritá de la Concurrence na França (France, 2020) e Bundeskartellamt na
Alemanha (Germany, 2017), entre outros.
São responsáveis por diminuir o ônus regulatório e financeiro das autoridades, na medida
em que as auxiliam no monitoramento de obrigações que, muitas vezes, a agência não disporia de
recursos monetários e de pessoal para fazê-lo e que podem demandar conhecimentos específicos
sobre determinado assunto (Cade, 2024a, p. 5; Buaiz Neto; Rebello, 2022, p. 104; Ezrachi; Han, 2015, p.
20; Brueckner; Hoehn, 2010, p. 73; ICN, 2005, p. 15). Os trustees devem ter a expertise e as ferramentas
197
necessárias para auxiliar no monitoramento do cumprimento das obrigações de forma eficiente
(Cade, 2024a, p. 5; France, 2020, p. 107; United Kingdom, 2018, p. 63; Gopal; van Zundert, 2017, n. p.;
Vassile; Bonnièrs, 2014, n.p.; European Union, 2008, n. p.).
Apesar de contratados e remunerados diretamente pelas compromissárias (i.e., pelas partes
que assinaram o ACC ou o TCC), os agentes externos respondem à autoridade antitruste (Cade, 2024,
p. 7; Buaiz Neto; Rebello, 2022, p. 102; Attayde; Sakowski, 2020, p. 64; Natividade, 2024 p. 5; Kurt,
[2024], n. p.). Isso se dá na medida em que sua função é exatamente a de verificar se as partes estão
honrando com as obrigações assumidas e reportar à autoridade pública quaisquer inobservâncias
em relação ao cumprimento do acordo, de modo que esta possa aplicar a devida sanção em caso de
descumprimento
Quando se olha para a prática nacional e internacional, constata-se que, em sua maioria,
trustees são mais frequentemente utilizados no âmbito do controle de estruturas.
No contexto dos ACCs, exercem três tipos de atribuições: monitoramento, desinvestimento e
operação (Cade, 2024a, p. 10; Medrado et al., 2024, p. 91; Cade, 2018, p. 43-45; Cabral; Mattos, 2016, p. 83).
O primeiro, de monitoramento, pode tanto supervisionar a execução de remédios
comportamentais como de remédios estruturais. Quando se está diante de obrigações
comportamentais, as quais se relacionam a “práticas comerciais, financeiras ou econômicas das
partes” (Cade, 2018, p. 12) (e.g., abster-se de ou limitar acordos de exclusividade, implementar
programas de tratamento de informações concorrencialmente sensíveis, implementação de medidas
que limitem eventual tratamento discriminatório e não-isonômico com concorrentes etc.), o trustee
de monitoramento, em especial, elabora relatórios em conformidade com as diretrizes estabelecidas
no ACC, que variam de acordo com a natureza da obrigação comportamental prevista no acordo, e
fornece à autoridade concorrencial as bases para que seja possível concluir pela observância (ou
não) dos remédios pelas compromissárias (Cade, 2018, p. 43).
Já quando em face de remédios estruturais, os quais envolvem a “transmissão definitiva de
direitos e ativos” (Cade, 2018, p. 11), diversas funções podem ser realizadas pelo agente externo de
monitoramento. Por exemplo, verificar se as partes estão cumprindo com as medidas para assegurar
que o ativo desinvestido permaneça economicamente viável e operante durante o período de
desinvestimento, assegurar que as compromissárias efetivamente estejam em busca de potencial
comprador, monitorar se as documentações necessárias para a due dilligence foram entregues à
parte interessada, avaliar as propostas recebidas para o ativo, dentre outras possíveis funções (Cade,
2024, p. 11).
O segundo, trustee de desinvestimento, utilizado no âmbito de remédios estruturais no
caso de ACC, em geral, deverá ser contratado pelas compromissárias caso não consigam, por si sós,
encontrar um comprador para o ativo a ser alienado. Esse tipo de trustee, portanto, deterá o mandato
para alienar os ativos (companhia ou negócio), conforme acordado, podendo participar de todas as
etapas da alienação (busca de potenciais compradores, avaliação de propostas etc.) e assegurando
que o ativo seja desinvestido, exatamente nos termos ajustados (Cade, 2024a, p. 12-13).
O terceiro, trustee de operação, também utilizado no âmbito de obrigações estruturais, deve
gerenciar o negócio a ser desinvestido, assegurando sua independência e competitividade em relação às
compromissárias até que seja finalmente alienado para um terceiro (Cade, 2024a, p. 13; Hoehn, 2021, n.p.).
198
TEREPINS, Sandra; GOULART, Vinicius Poo. Existe um padrão no uso de trustees pelo Cade para
o auxílio no monitoramento de acordos? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2,
p. 193-211, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1113
Há que se observar que, no caso de controle de estruturas (ACCs), os três tipos de trustees
acima (monitoramento, desinvestimento e operação) podem se centrar em uma mesma figura, ou
seja, um único agente pode exercer as três funções, diminuindo eventuais custos financeiros e de
transação associados à contratação de três diferentes agentes pelas compromissárias.
Já no âmbito do controle de condutas, isto é, nos TCCs, o trustee apenas exerce a função de
monitoramento, tendo como objetivo fiscalizar o acompanhamento de remédios comportamentais.
Para tanto, pode elaborar relatórios, fornecer elementos às autoridades referentes ao cumprimento
da obrigação, investigar falhas, bem como reportar denúncias de não observância do acordo que vier
a ter conhecimento durante o exercício de suas funções (Cade, 2024a, p. 10).
3 O USO DE TRUSTEES PELO CADE
Ao longo dos anos, a utilização de trustees pelo Cade passou a ser mais frequente. Essa
tendência levou a agência a adotar algumas iniciativas para aprimorar a prática, buscando trazer
maior eficiência para o monitoramento e consequente cumprimento de remédios estipulados em
ACCs e TCCs.
A primeira dessas iniciativas foi o Guia de Remédios Antitruste, lançado pelo Cade em 2018.
No Guia, foram delineados os diferentes tipos de trustees que podem ser utilizados no âmbito do
controle de estruturas (Cade, 2018, p. 43-46).
Em 2020 e em 2023, o Departamento de Estudos Econômicos do Cade (DEE) lançou dois
documentos de trabalho analisando a jurisprudência da autarquia em relação a remédios antitruste.
Neles, foram disponibilizados dados relevantes referentes ao uso de trustees em ACCs (Attayde, 2023;
Attayde; Sakowski, 2020).
Em 2022, buscando tratar do tema de modo ainda mais aprofundado, o Cade instituiu grupo
de trabalho que teve como objetivo elaborar estudos e pesquisas sobre a adoção de trustees em
acompanhamento de decisões (Cade, 2022). No âmbito desse grupo e em parceria com o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2023, foi contratada consultoria técnica
especializada para desenvolvimento de documento de referência acerca do uso de mandatário em
acordos firmados pelo Cade (Attayde, 2023).
Como resultado desse trabalho, em abril de 2024, a Superintendência-Geral do Cade (SG-Cade)
publicou o “Manual para uso de Trustee” (Cade, 2024a). Elaborado a partir de revisão de precedentes
do Cade e com base em guias de autoridade estrangeiras sobre o tema, o Manual consolida os
procedimentos envolvendo a utilização desses terceiros para o monitoramento de compromissos e
acordos, trazendo maior transparência e agilidade para o processo.
Nele, exploram-se diversos aspectos, tais como os tipos de trustees, o funcionamento do processo
de indicação e eleição, os critérios e requisitos para análise e aprovação desses agentes externos, as
responsabilidades dos trustees durante o monitoramento etc. Além disso, o Manual traz cláusulas padrão
envolvendo o uso de trustees a serem implementadas em TCCs e ACCs firmados pelo Cade e modelo de
instrumento de mandato a ser celebrado entre as compromissárias e o monitor contratado.
As iniciativas acima foram acompanhadas de mudança também na dinâmica interna do Cade
em relação ao monitoramento de decisões, de modo a tornar mais célere e eficiente o processo
199
de fiscalização. A Resolução Cade nº 06/2013, que disciplinava a fiscalização do cumprimento das
decisões, dos compromissos e dos acordos, foi revogada no início de 2024 por meio da publicação da
Resolução Cade nº 35/2024 (Cade, 2013; Cade, 2024b).
Com a vigência da nova norma, mudou-se a competência originária da Procuradoria Federal
Especializada junto ao Cade (ProCade) para emitir a manifestação sobre o cumprimento ou não das
obrigações pelas partes signatárias dos ACCs ou TCCs, que passou a ser da SG-Cade (Cade, 2024b).
A ProCade passa a ser provocada para se manifestar, se necessário, apenas em questões jurídicas.
O Tribunal continua com a prerrogativa de dar a palavra final acerca do cumprimento da decisão,
compromisso ou acordo.
Com base nas medidas acima, nota-se que o Cade tem dado especial atenção para questões
envolvendo monitoramento de remédios e utilização de trustees em ACCs e TCCs. Isso é especialmente
importante para fomentar o aperfeiçoamento da prática. De modo a torná-la cada vez mais eficiente,
uma das formas é olhar para o passado e buscar compreender como foi a experiência até então.
Ao buscar averiguar se o Cade é consistente ou não na aplicação do instituto, em especial, se há
padrão e clareza em relação à pertinência e necessidade de utilização de trustees, a pesquisa de
jurisprudência do Cade entre 2012 (ano de início da vigência da Lei nº 12.529/2011) e 2023, abaixo
apresentada tem exatamente este objetivo.
3.1 O uso de trustees pelo Cade no controle de estruturas
Desde o início da vigência da Lei nº 12.529/2011, é possível notar que o Cade vem utilizando
trustees de forma mais frequente. Entre 2012 e 2023, foram assinados 69 ACCs, dos quais 48 previram
algum tipo de monitoramento externo. Esse número corresponde a 69,57% do total.
Conforme se vê na Figura 1 abaixo, a partir de 2015, o uso de trustees em ACCs se intensificou.
Entre 2015, quando passou a ser mais recorrente nos ACCs, e 2023, trustees foram utilizados em 79,60%
dos casos.
Gráfico 1 — ACCs assinados X utilização de trustees (2012 – 2023)
Fonte: elaboração própria a partir de dados do Cade.
200
TEREPINS, Sandra; GOULART, Vinicius Poo. Existe um padrão no uso de trustees pelo Cade para
o auxílio no monitoramento de acordos? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2,
p. 193-211, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1113
Ainda que os números acima sejam também afetados pelo movimento de concentrações
de mercado e análise de operações mais ou menos complexas em dado período, eles indicam que
o Cade tem concluído pela necessidade mais frequente de uso de terceiros em sua atividade de
monitoramento.
4
Como apontado na Seção 2., são três os tipos de trustees que podem estar presentes em
um ACC: monitoramento, desinvestimento e de operação. Da Figura 2 abaixo, extrai-se que 100% dos
ACCs que requereram a utilização de algum trustee designaram o de monitoramento, 22,92% o de
desinvestimento, e 16,67% o de operação.
Gráfico 2 — Tipos de trustees em ACCs (2012 – 2023)
Fonte: elaboração própria a partir de dados do Cade.
Nota-se que 50 do total de 69 ACCs assinados previram algum tipo de remédio comportamental
e, desses 50, 34 utilizaram trustees de monitoramento, o que indica que o Cade tem sentido cada vez
mais necessidade de contar com auxílio externo para tanto. Nesses casos, os remédios comportamentais
adotados foram além de obrigações negativas (i.e., de não fazer), e estabeleceram às compromissárias
deveres mais detalhados, para os quais outros critérios deveriam ser seguidos de modo que o ACC fosse
cumprido pelas compromissárias. Em qualquer hipótese, não é possível reconhecer padronização no uso
de trustees em ACCs com remédios comportamentais, dado que há discrepâncias quando se aprofunda
a análise da utilização do instituto considerando frequência e tipos das obrigações negociadas.
Os tipos de obrigações sujeitas a monitoramento de terceiros nem sempre foram uniformes.
Até 2015, foram identificados ACCs que incluíam obrigações de determinada natureza que, quando
inseridas em ACCs futuros, sujeitariam às partes a esse monitoramento complementar. Ou seja, após
2015, o Cade passou a utilizar agente externo para o monitoramento do remédio em obrigações para as
quais antes não o utilizava.
4 Ainda que não seja o escopo deste trabalho, especula-se que esse aumento no uso de trustees possa ser decorrente
de fatores como crescente sofisticação dos remédios negociados e da alocação mais eficiente dos recursos internos do Cade.
201
Como exemplo dessas obrigações, estão os remédios comportamentais de não
compartilhamento ou acesso a informações confidenciais ou concorrencialmente sensíveis,
5
-
6
de
fornecimento de produtos para agentes verticalmente integrados no mercado, de não-discriminação
e recusa de venda,
7
e de limitação de capacidade operacional.
8
A partir de 2015, nota-se uma mudança nos tipos de obrigações não sujeitas à monitoramento
externo, tais como celebração de contrato de licenciamento de marca para concorrente de modo a
incrementar a competição no setor,
9
não participação em atos de concentração em determinados
mercados e/ou a submissão ao Cade de atos de concentração ainda que os critérios legais de faturamento
não sejam alcançados,
10
suspensão no uso de marca por determinado período,
11
cumprimento de
medidas de governança (e.g., abstenção de voto em assembleia/conselhos de administração e fiscal,
impossibilidade de firmar acordo de acionistas, não exercer determinado direito de voto).
12
-
13
De qualquer forma, também nesse período, verificou-se a assinatura de ACC que envolvia tipos
de obrigações que, em geral, haviam demandado o monitoramento por trusteese.g., obrigações de
não discriminação - mas que, naquele caso, essa figura não foi utilizada, tendo sido considerado
suficientes a apresentação de relatórios pelas partes, a possibilidade do Cade solicitar informações
a qualquer tempo e a política portas abertas (open door policy).
14
5 Todos os processos do Cade mencionados neste artigo podem ser acessados em: https://tinyurl.com/y7obr4z5.
6 Atos de Concentração (ACs) nº 08700.002191/2015-53 (Telefônica Brasil S.A., Telefônica S.A., GVT Participações S.A. e
Vivendi S.A.), que consistia na aquisição, pela Telefônica Brasil S.A., da totalidade das ações de emissão da GVT Participações
S.A., e nº 08700.002190/2015-17 (Telefônica Brasil S.A., Telefónica S.A., GVT Participações S.A. e Vivendi S.A.), que tratava da cisão
da Telco S.p.A.
7 AC nº 08700.000344/2014-47 (Bromisa Indústria e Comercial Ltda., ICL Brasil Ltda. e Vale Fertilizantes S.A.), que dizia
respeito à dissolução de joint venture (Fosbrasil S.A.) entre os Grupos Israel Corporation e Vale.
8 ACs nº 08700.005447/2013-12 (Anhanguera Educacional Participações S.A. e Kroton Educacional S.A.), que consistia na
combinação de negócios entre Anhanguera Educacional Participações S.A. e Kroton Educacional S.A., e nº 08700.009198/2013-
34 (Estácio Participações S.A. e TCA Investimento em Participações Ltda.), que tratava da aquisição, pela Estácio Participações
S.A., da totalidade das quotas representativas do capital social da TCA Investimento em Participações Ltda., controladora da
UNISEB.
9 AC nº 08700.001128/2023-18 (Lactalis do Brasil – Comércio, Importação e Exportação de Laticínios Ltda., Dairy
Partners Americas Brasil Ltda. e Dairy Partners Americas Nordeste - Produtos Alimentícios Ltda.).
10 E.g., ACs nº 08700.001227/2020-49 (Prosegur Brasil Transportadora de Valores e Segurança S. A. e SACEL Serviços
de Vigilância e Transporte de Valores – Eireli); nº 08700.001692/2019-46 (Brink’s Segurança e Transporte de Valores Ltda. e
Tecnoguarda Vigilância e Transporte de Valores Ltda.); nº 08700.005972/2018-42 (SM Empreendimentos Farmacêuticos Ltda., All
Chemistry do Brasil Ltda.).
11 AC nº 08700.010394/2014-32 (Goiás Verde Alimentos Ltda. e Brasfrigo Alimentos Ltda.).
12 Vide ACs nº 08700.002191/2015-53 (Telefônica Brasil S.A., Telefónica S.A., GVT Participações S.A. e Vivendi S.A.) e nº
08700.002190/2015-17 (Telefônica Brasil S.A., Telefónica S.A., GVT Participações S.A. e Vivendi S.A.).
13 Apesar de não ser escopo deste trabalho, parece-nos que, nesses casos, apesar de eventual adoção de trustees
poder em última linha beneficiar o Cade por meio de relatório de terceiro especializado, o ônus financeiro imposto às
compromissárias superaria tais benefícios. Isso se daria na medida em que se entende que essas obrigações podem ser
facilmente monitoradas apenas e diretamente pelo Cade por meio da apresentação, pelas compromissárias, de relatórios e/
ou contratos que decorreram das obrigações negociadas. Trata-se de hipótese a ser estudada no futuro no âmbito de outros
trabalhos.
14 Nesse sentido, nota-se ACC assinado no âmbito do AC nº 08700.009574/2022-81 (TV SBT Canal 4 de São Paulo S.A.,
Rádio e Televisão Record S.A., TV Ômega Ltda. e Simba Content - Intermediação e Agenciamento de Conteúdos Ltda.), por meio
do qual foram assumidas diversas obrigações, dentre elas, a de seguir determinadas e diferentes formas de cobranças para
grandes, médias e pequenas operadoras e atuar conforme certas regras em relação a pequenas operadoras. O referido Ato de
Concentração diz respeito à continuidade de joint venture denominada Simba e constituída entre TVSBT Canal 4 de São Paulo
S.A., Rádio e Televisão Record S.A. e TV Ômega Ltda. A Simba tem como atividade, em especial, a (i) criação, produção e geração
de conteúdo audiovisual; (ii) intermediação e agenciamento de conteúdo destinado à televisão por assinatura; (iii) prestação
de serviços de assessoria de marketing e vendas em geral de material e espaço publicitário; (iv) representação publicitária e/
ou venda de publicidade para canais; e (v) intermediação e representação para distribuição e venda de sinais de televisão.
202
TEREPINS, Sandra; GOULART, Vinicius Poo. Existe um padrão no uso de trustees pelo Cade para
o auxílio no monitoramento de acordos? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2,
p. 193-211, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1113
Apesar de poder ser percebida maior frequência na utilização de agentes externos para o
monitoramento de remédios comportamentais, não é possível estabelecer um padrão claro entre
tipos de obrigações estipuladas pelo Cade e a necessidade e pertinência de utilização de trustees.
Isso é especialmente verdade na medida em que, para obrigações com características similares,
verificou-se situações nas quais o trustee foi demandando ou não.
Em relação aos remédios estruturais, foram determinados em 33 do total de 69 ACCs. Desse
grupo, 24 previram algum tipo trustee, sendo, em 11 deles trustees de desinvestimento e, em 8, trustees
de operação.
Note-se que, na maioria dos precedentes analisados, o tipo de ativo a ser desinvestido pelas
compromissárias para os quais se entendeu necessária a previsão de algum monitor externo era o
operacional, agregando bens tangíveis e intangíveis, móveis e imóveis.
15
Contudo, foram identificadas
ocasiões nas quais, mesmo os ativos a serem alienados tendo características similares aos casos
acima, não se designou qualquer tipo de monitoramento externo.
16
Esses casos ocorreram nos dois
anos iniciais do período analisado.
Em geral, durante todo o período analisado, verificou-se que remédios estruturais que não
requereram trustees estavam atrelados a desinvestimento de contratos, venda de ações e extinção
de consórcio, para os quais o Cade entendeu que o cumprimento poderia ser verificado por meio de
relatórios e contratos.
17
Especificamente tratando sobre os trustees de desinvestimento, foram previstos para
serem utilizados, em sua grande maioria, quando as partes não obtiverem sucesso de realizar o
desinvestimento do ativo por conta própria ou quando o Cade não aprovar a alienação conforme
apresentado pelas compromissárias.
18
Embora exceção, houve ocasião que desviou do padrão, sendo
previsto seu uso desde a celebração do ACC com o Cade.
19
Ademais, foram requeridos, em especial,
quando o negócio desinvestido envolve ativo operacional, agregando bens tangíveis e intangíveis,
móveis e imóveis, exigindo relativamente mais cuidados na alienação.
20
Quando se analisa os ACCs que adotaram trustees de operação, percebe-se que não são
identificados precedentes em que tenha sido requerido esse tipo de trustee sem que tenha sido
determinado trustee de desinvestimento. Em todos os 8 casos em que se fizeram presentes, a função
15 Por exemplo, ACs nº 08700.005053/2021-74 (Empreendimentos Pague Menos S.A, Ipiranga Produtos de Petróleo S.A,
e Imifarma Produtos Farmacêuticos e Cosméticos S.A); nº 08700.003654/2021-42 (Atacadão S.A. e Grupo BIG Brasil S.A.); nº
08700.000726/2021-08 (TIM S.A., Claro S.A., Telefônica Brasil S.A. e Oi S.A.); nº 08700.000149/2021-46 (Localiza Rent a Car S.A. e
Companhia de Locação das Américas).
16 ACs nº 08700.010688/2013-83 (JBS S.A. Rodopa Indústria e Comércio de Alimentos Ltda. e Fonte Empreendimentos
e Participações Ltda.), que dizia respeito à aquisição, pela JBS S.A., de 3 (três) unidades de abate e desossa de propriedade da
Rodopa Indústria e Comércio de Alimentos Ltda. e da Forte Empreendimentos e Participações Ltda., e nº 08700.005447/2013-12
(Anhanguera Educacional Participações S.A. e Kroton Educacional S.A.).
17 Vide, ACs nº 08700.005598/2020-08 (White Martins Gases Industriais Ltda. e Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras);
nº 08700.002569/2020-86 (Tupy S.A. e Teksid S.p.A.); nº 08700.002191/2015-53 (Telefônica Brasil S.A., Telefónica S.A., GVT
Participações S.A. e Vivendi S.A.) e nº 08700.002190/2015-17 (Telefônica Brasil S.A., Telefónica S.A., GVT Participações S.A. e
Vivendi S.A.).
18 E.g., ACs nº 08700.000149/2021-46 (Localiza Rent a Car S.A. e Companhia de Locação das Américas); nº
08700.003307/2020-39 (Danfoss S/A e Eaton Corporation PLC.); nº 08700.000827/2020-90 (Copagaz S.A., Itaúsa S.A., Nacional Gás
Ltda., Fogás Ltda. e Liquigás S.A.).
19 Por exemplo, ACC firmado na 138ª Sessão Ordinária de Julgamento do Tribunal do Cade no âmbito do AC nº
08700.004494/2018-53 (The Walt Disney Company Ltda. e Twenty-First Century Fox, Inc.).
20 Nesse sentido,
203
designada ao trustee de operação foi a mesma, qual seja, a de gerenciar o ativo a ser desinvestido.
21
Especificamente em relação a essa função desempenhada pelo monitor externo, portanto,
nota-se que o Cade é claro quando esse tipo de monitor externo será necessário e pertinente, em
específico, quando houver previsão de trustee de desinvestimento e a necessidade de gerir o ativo de
modo a garantir a independência deste em relação às compromissárias.
3.2 O uso de trustees pelo Cade no controle de condutas
Desde o início da vigência da Lei nº 12.529/2011 até final de 2023, o Cade assinou, ao todo,
427 TCCs. Desse montante, 269 dos casos são relacionados a cartéis (63% do total). Como se extrai do
Gráfico 4 abaixo, dentre esses 269 TCCs, trustees foram utilizados 17 vezes.
22
Gráfico 3 — TCCs em cartéis e utilização de trustees (2012 – 2023)
Fonte: elaboração própria a partir de dados do Cade.
Nessas 17 ocasiões, todas as quais se inserem no âmbito da Operação Lava Jato,
23
as
compromissárias assumiram a obrigação de implementar e manter programa de integridade
concorrencial. De acordo com o Cade, o compromisso teria como objetivo permitir melhor
21 Os oito casos são: ACs nº 08700.003307/2020-39 (Danfoss S/A e Eaton Corporation PLC); nº 08700.000827/2020-90
(Copagaz S.A., Itaúsa S.A., Nacional Gás Ltda., Fogás Ltda. e Liquigás S.A.); nº 08700.001206/2019-90 (GlaxoSmithKline plc. e
Pfizer Inc.); nº 08700.004494/2018-53 (The Walt Disney Company Ltda. e Twenty-First Century Fox, Inc.) (ACC julgado na 138ª
Sessão Ordinária de Julgamento do Tribunal do Cade); nº 08700.007777/2017-76 (Praxair, Inc. e Linde AG); 08700.005937/2016-61
(The Dow Chemical Company, E.I Du Pont de Nemours and Company); nº 08700.008607/2014-66 (GlaxoSmithKline PLC. e Novartis
AG.); e nº 08700.004185/2014-50 (Continental Aktiengesellschat e Veyance Technologies, Inc.).
22 E.g., Requerimentos de TCC nº 08700.001276/2020-81 (Coesa S.A. e José Carlos Varjão); nº 08700.006653/2020-79
(Coesa S.A., Reginaldo Assunção Silva e Mário Sérgio Mafra Guedes); nº 08700.003450/2019-97 (CNO S.A., Benedicto Barbosa da
Silva Júnior e Sérgio Luiz Neves); e nº 08700.001449/2021-42 (CNO S.A., Renato Augusto Rodrigues e Heitor Luiz Vallez Junior).
23 Para informações sobre a Operação Lava Jato, vide Caso [...] (2022).
204
TEREPINS, Sandra; GOULART, Vinicius Poo. Existe um padrão no uso de trustees pelo Cade para
o auxílio no monitoramento de acordos? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2,
p. 193-211, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1113
gerenciamento e mitigação de riscos anticompetitivos, reduzindo a incidência de condutas lesivas ao
ambiente concorrencial.
24
Aos signatários, foi concedido desconto de 4% da multa a ser aplicada como
forma de incentivo para implementação e manutenção da política de compliance.
25
De modo a verificar
o cumprimento dessa obrigação, as empresas deveriam apresentar relatórios de monitoramento
referentes ao progresso e à implementação do programa, os quais seriam acompanhados de
parecer de profissional externo à compromissária, o qual, por sua vez, seria por elas contratados e
remunerados.
Ao longo desses anos, são identificados outros casos de condutas colusivas nos quais
igualmente se previu a necessidade de instituição de programa de compliance, além do pagamento
de contribuição pecuniária.
26
Nessas ocasiões, o Cade reconheceu que a medida serviria de elemento
pedagógico e como uma forma de desincentivar condutas anticompetitivas.
27
Contudo, não determinou
a contratação de monitoramento externo para aferir o cumprimento ou não da implementação de
programa de compliance.
Quando são analisadas as condutas unilaterais, percebe-se que, ao todo, o Cade firmou 130
TCCs,
28
tendo utilizado trustees em 16 deles, isto é, em 12,30% dos casos. O Gráfico 4 abaixo demonstra
que a incidência de trustees no controle de condutas dessa natureza passou a ser maior a partir de
2018, com o período de 2018-2023 concentrando 81,25% dos casos.
24 E.g., Nota Técnica da Superintendência-Geral do Cade nos Requerimentos de TCC nº 08700.001276/2020-81 (Coesa
S.A. e José Carlos Varjão); nº 08700.006653/2020-79 (Coesa S.A., Reginaldo Assunção Silva e Mário Sérgio Mafra Guedes); nº
08700.003450/2019-97 (CNO S.A., Benedicto Barbosa da Silva Júnior e Sérgio Luiz Neves); nº 08700.001449/2021-42 (CNO S.A.,
Renato Augusto Rodrigues e Heitor Luiz Vallez Junior); nº 08700.004159/2017-74 (Carioca Christiani-Nielsen Engenharia S.A.,
Ricardo Pernambuco B. Júnior, Roberto D’Andrea Vairo, Rodolfo Mantuano e Roque Manoel Meliande); e nº 08700.004419/2017-
10 (Construtora OAS S.A., Marcelo Duarte Ribeiro e Reginaldo Assunção Silva).
25 Em voto vencido, a Conselheira Cristiane Schmidt e o Conselheiro João Paulo de Resende entenderam de forma
diferente à Superintendência-Geral do Cade e alegaram que a concessão de desconto a partir da implementação de programa de
compliance pelas compromissárias seria como se o Estado estivesse premiando quem resolvesse ‘colocar ordem na sua própria
casa´ (...). não sendo função do CADE fomentar sua adoção por meio de redução da sanção pecuniária” e um incentivo para “a
criação de programas ´de fachada´ apenas para a obtenção do desconto, gerando, possivelmente, um incentivo perverso para
as empresas, respectivamente. Vide, por exemplo, voto dos r. Conselheiros nos Requerimentos de TCC nº 08700.004337/2016-
86 (Construtora Norberto Odebrecht S.A, João Antônio Pacífico Ferreira, Márcio Faria da Silva, Marco Antônio Duran, Paulo
Falcão Corrêa Lima Filho, Augusto Rodrigues e Rogério Santos de Araújo); nº 08700.004341/2016-44 (Construtora Norberto
Odebrecht S.A., Adolfo de Aguiar Braid, Fábio Andreani Gandolgo e Henrique Pessoa Mendes Neto); e nº 08700.005078/2016-19
(Construtora Norberto Odebrecht S.A., João Antônio Pacífico Ferreira, Pedro Augusto Carneiro Leão Neto e Ricardo Roth Ferraz
de Oliveira).
26 Em geral, essas condutas estavam atreladas à troca de informações concorrencialmente sensíveis e influência de
conduta uniforme.
27 Vide, por exemplo, Requerimentos de TCC nº 08700.001017/2022-12 (Stryker do Brasil Ltda., Manuela Pepino Figueiredo,
Sandra Ristori e Zélia Felipe Sacchielle); nº 08700.002471/2021-18 (Olympus Optical do Brasil Ltda., Ângela de Souza Bulotas,
Dalila Barbara Mendes, Marcia Cristina Rodrigues de Carvalho, Marisa Frare Fonseca); nº 08700.002147/2021-91 (Perkinelmer do
Brasil Ltda., Andrea Shimada, Aline Silva, Luiz Fornelli e Ricardo Broietti); nº 08700.000763/2021-16 (Cooperativa dos Ortopedistas
com Atuação em Cirurgia do Quadril da Bahia); nº 08700.000768/2021-31 (Cooperativa de Trabalho dos Mastologistas da Bahia);
nº 08700.000770/2021-18 (Cooperativa dos Ortopedistas com Atuação em Cirurgia do Joelho da Bahia); nº 08700.000766/2021-41
(Cooperativa dos Ortopedistas com Atuação em Cirurgia de Ombro e Cotovelo da Bahia).
28 Foram desconsiderados os casos nos quais o TCC estava em acesso restrito ou nos quais não foi possível acesso aos
autos.
205
Gráfico 4 — TCCs em condutas unilaterais e utilização de trustees (2012 – 2023)
Fonte: elaboração própria a partir de dados do Cade.
Olhando para a proporção entre o número de TCCs com trustees e o número de TCCs em
condutas unilaterais em cada um dos anos acima, apesar de haver certa oscilação nos percentuais,
é possível verificar evolução significativa no uso de monitores externos. Por exemplo, em 2013, 2015
e 2017, tal proporção foi de 2,22%, 6,67% e 5%, respectivamente; já em 2018, 2019, 2022 e 2023, os
números subiram para 45,45%, 100%, 16,67% e 50%.
Dos casos de condutas unilaterais analisados com TCCs assinados, constatou-se que em 20,76%
deles foram estabelecidas somente obrigações de abstenção de praticar a conduta investigada no
processo e de contribuição pecuniária. Uniformemente, em nenhuma das ocasiões, foi utilizado trustee.
29
Em relação aos TCCs sujeitos ao monitoramento, em geral, as obrigações versaram sobre
delimitação de parâmetros máximos para firmar cláusulas/acordos de exclusividade (percentual
de área/volume abrangido pela exclusividade),
30
cumprimento de determinadas obrigações na
contratação de exclusividade (e.g., limitação de prazo, abrangência da multa por rescisão, período
de quarentena etc.),
31
não imposição de cláusula de paridade de tarifas (most favoured nation),
32
tratamento isonômico e não-discriminatório com empresas verticalmente relacionadas,
33
alienação
29 Tendo em vista que esses tipos de compromissos podem não implicar medidas sofisticadas de monitoramento (se
não solicitado envio de documentos comprobatórios ou adoção de medidas específicas internas na compromissária) e que
a confirmação do pagamento da contribuição pode ser feita mediante simples apresentação de comprovante, entende-se
acertada opção por não requerer a contratação de trustee pela compromissária em casos desse tipo ou mesmo a submissão
de relatórios periódicos pelas partes.
30 Por exemplo, Requerimentos de TCC nº 08700.006166/2023-59 (Ambev S/A.) e nº 08700.005597/2022-17 (iFood.com
Agência de Restaurantes Online S.A.).
31 Idem.
32 Requerimento de TCC nº 08700.006611/2021-19 (GPBR Participações Ltda.).
33 Requerimentos de TCC nº 08700.000390/2023-37 (RJ Participações S/A.) e nº 08700.003133/2019-71 (Petróleo Brasileiro
S.A.).
206
TEREPINS, Sandra; GOULART, Vinicius Poo. Existe um padrão no uso de trustees pelo Cade para
o auxílio no monitoramento de acordos? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2,
p. 193-211, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1113
de ativos e participações societárias,
34
implementação de política comercial e de descontos,
35
estabelecimento de procedimentos prévio à propositura de ações judiciais (em caso de sham
litigation)
36
etc. Note-se que essas obrigações não foram impostas sozinhas, mas cumuladas com
outras às quais as signatárias estavam sujeitas.
A partir da análise da natureza desses remédios, nota-se que o trustee foi designado para
o monitoramento de obrigações mais complexas e cumuladas, com deveres detalhados e exigindo
forma de comprovação que possivelmente demandaria tempo e custo de análise excessivos se o
monitoramento fosse realizado unicamente pelo Cade. A despeito disso, tendo em vista que os
TCCs buscavam mitigar riscos advindos de condutas anticompetitivas de diferentes naturezas,
além de atender especificidades de cada caso, percebe-se que as obrigações impostas - tanto às
compromissárias, como aos monitores externos - variaram significativamente caso a caso.
Em 67,69% dos casos, ao não designar trustee, o Cade pareceu entender que as obrigações
firmadas nos TCCs poderiam ser suficientemente endereçadas por meio da apresentação de relatórios
pela própria signatária. Como exemplo dessas obrigações, estão os compromissos de se abster de
colocar determinadas cláusulas em contratos com fornecedores/clientes,
37
de modificar resolução
interna para alterar ou retirar determinadas cláusulas,
38
de encerrar relação contratual,
39
de divulgar
termos do TCC ao mercado,
40
, de cessar obrigações de unimilitância etc.
41
Contrastando o tipo das obrigações nessas duas situações, nota-se que, diversamente
do ocorrido nos casos que demandaram trustees, os remédios implementados nos TCCs que não
previram monitoramento externo estavam geralmente ligados a obrigações de fazer e não fazer mais
simples, menos detalhadas e que possivelmente poderiam ser endereçadas e verificadas de maneira
ágil pelo Cade, exigindo gastos de tempo e custo menores quando comparadas com as anteriores.
Apesar de possível estabelecer certo parâmetro para os casos que previram a necessidade
de trustees, dentre os 130 TCCs, foram identificadas 4 situações nas quais obrigações mais complexas
foram implementadas – e que possivelmente exigiriam monitoramento mais detalhado –, mas que
não houve a previsão de trustee para auxiliar o Cade. Nestes precedentes, as condutas potencialmente
anticompetitivas versavam sobre recusa de contratar e acordos de exclusividade, para as quais, em
outros TCCs que determinaram obrigações similares, foi requerido trustee de monitoramento.
O primeiro e o segundo TCCs tinham a exclusividade como conduta relacionada e foram
assinados em 2012 e 2013, quando a experiência do Cade com trustees era bastante incipiente.
42
As
34 Requerimentos de TCC nº 08700.003133/2019-71 (Petróleo Brasileiro S.A.) e nº 08700.003136/2019-12 (Petróleo
Brasileiro S.A.).
35 Requerimento de TCC nº 08700.003188/2018-08 (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT)).
36 Idem.
37 Requerimentos de TCC nº 08700.005902/2017-11 (Decolar.com Ltda.) e nº 08700.006233/2017-97 (Expedia INC).
38 Requerimento de TCC nº 08700.005133/2017-43 (Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci); Conselho
Regional dos Corretores de Imóveis do Estado do Rio Grande do Sul; Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do Estado
do Paraná e outros).
39 Requerimento de TCC nº 08700.005226/2017-78 (Petrobrás Distribuidora S.A.).
40 Requerimento de TCC nº 08700.003364/2016-31 (North Empreendimentos Ltda.)
41 Requerimentos de TCC nº 08700.003960/2012-98 (Cooperativa dos Ortopedistas e Traumatologistas do Triângulo
Mineiro); nº 08700.002462/2013-17 (Unimed Frutal (Cooperativa de Trabalho e Serviços Médico)); e nº 08700.002371/2013-73
(Unimed Sertãozinho (Cooperativa de Trabalho Médico)).
42 Requerimentos de TCC nº 08700.005949/2012-62 (Philip Morris Brasil Indústria e Comércio Ltda.) e nº
207
compromissárias se comprometeram a se abster de praticar qualquer conduta que tivesse por objetivo
ou efeito impedir o estabelecimento verticalmente relacionado de vender e/ou expor produto de
empresa concorrente. Nos pontos de venda, deveria ser permitido, por exemplo, a exposição de
produtos de marcas concorrentes em displays das compromissárias. Para verificar o cumprimento
dos remédios negociados, foram requeridos relatórios emitidos pelas compromissárias. Atualmente,
nota-se que obrigações de natureza similar às assumidas nestas ocasiões, i.e., envolvendo a cessação
de práticas de exclusividade, tem sido sujeitas ao monitoramento por trustees.
43
O terceiro caso, cujo TCC foi firmado em 2017, versava sobre recusa de contratar, além de
discriminação.
44
Com a assinatura do termo, as compromissárias garantiram não estabelecer qualquer
relação de exclusividade que inviabilizasse atuação de empresas fora de seu grupo econômico e a
adotarem tratamento não-discriminatório com contratantes horizontal ou verticalmente relacionadas.
Para atestar o cumprimento dessas obrigações, foi solicitada a elaboração de relatórios. Porém, no
TCC, previu-se que, em caso de ser constatada a impossibilidade de emissão do referido relatório,
deveria ser contratada consultoria ou empresa independente de reputação internacionalmente
reconhecida para emiti-lo e verificar a implementação do remédio pelas signatárias.
O quarto e último TCC foi firmado em 2023 e se relaciona a processo administrativo iniciado em
2018 envolvendo conduta de recusa de contratar.
45
Na ocasião, as signatárias assumiram obrigações
de não implementar cláusulas de exclusividade, de adotar tratamento não-discriminatório e
isonômico com contratantes, bem como de implementar determinadas medidas para mitigar acesso
a informações concorrencialmente sensíveis. Note-se que essas obrigações já haviam sido assumidas
pelas mesmas compromissárias quando da assinatura de ACC com CADE em 2022 para aprovação de
ato de concentração.
46
Conforme se extrai dos autos do requerimento de TCC, parte dos compromissos
constantes no ACC estavam relacionadas à cessação de condutas que estavam sendo investigadas
no processo administrativo de 2018.
47
O ACC previu a monitoramento por trustees, o que não foi
requerido no âmbito do TCC, possivelmente para evitar duplicidade de custos e esforços tanto da
autoridade como das compromissárias.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao reduzirem o ônus regulatório e financeiro das autoridades, garantindo a conformidade das
partes com as obrigações assumidas, trustees podem exercer papel relevante no âmbito do sistema
de defesa da concorrência.
A despeito disso, estudos sobre o tema são ainda incipientes no Brasil, sendo geralmente
limitados à descrição breve de possíveis papéis que o monitor externo pode desempenhar e a
08700.002004/2012-99 (Souza Cruz S.A.).
43 Requerimento de TCC nº 08700.006166/2023-59 (Ambev S/A.); nº 08700.005597/2022-17 (iFood.com Agência de
Restaurantes Online S.A.); nº 08700.006611/2021-19 (GPBR Participações Ltda.); e nº 08700.004578/2015-44 (Companhia de
Bebidas das Américas – AMBEV).
44 Requerimento de TCC nº 08700.001844/2017-49 (Banco Itaú Unibanco S.A. e Hipercard Banco Múltiplo S.A.).
45 Requerimento de TCC nº 08700.003919/2023-74 (J3 Participações Ltda. e Bus Serviços de Agendamento S.A.).
46 Vide AC nº 08700.004426/2020-17 (Bus Serviços de Agendamento S.A. e J3 Participações Ltda.)
47 Vide Nota Técnica da SG-Cade no Requerimento de TCC nº 08700.003919/2023-74 (Compromissárias: Bus Serviços de
Agendamento S.A. e J3 Participações Ltda.)
208
TEREPINS, Sandra; GOULART, Vinicius Poo. Existe um padrão no uso de trustees pelo Cade para
o auxílio no monitoramento de acordos? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2,
p. 193-211, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1113
quantidade de vezes que foram utilizados até certo período.
Nesse contexto, a partir da análise da natureza dos remédios negociados nos ACCs e nos TCCs
e da quantidade de vezes em que o monitor externo foi demandado em cada um desses casos, este
estudo procurou compreender como se deu a evolução e se haveria ou não um padrão na adoção do
instituto pelo Cade.
Testou-se, como hipótese que, ao longo dos anos, o Cade teria optado por recorrer mais
frequentemente aos trustees para auxiliá-lo no monitoramento de acordos. Porém, tê-lo-ia feito sem
ter estabelecido uma metodologia clara, vezes implementando o monitoramento externo, vezes não,
mesmo em ocasiões com remédios de natureza e característica similares. O resultado disso teria
sido, portanto, a falta de clareza nos casos que demandaram a adoção do instituto, impossibilitando,
exclusivamente à luz da avaliação da jurisprudência da autarquia, constatações precisas de quando
o trustee seria pertinente e necessário.
Ao longo do estudo, verificou-se, de modo geral, que a quantidade de vezes que os trustees
foram demandados foi crescendo ao longo dos anos, evidenciando a importância da prática para o Cade.
No caso de ACCs que contemplaram remédios comportamentais e utilizaram trustees de
monitoramento, não foi possível enxergar padrão no uso de trustees, ainda que tenham sido utilizados
em casos de remédios relativamente mais complexos. Isso porque, identificou-se precedentes que
incluíam obrigações de determinada natureza que, em certas ocasiões, não demandaram trustees,
mas, em outras, sim.
Já para os remédios estruturais, em geral, trustees foram designados quando o ativo envolvido
era operacional, agregando bens tangíveis e intangíveis, móveis e imóveis. De qualquer forma, o uso
não foi uniforme no período estudado, sendo menos recorrente no início.
Especificamente tratando sobre os trustees de desinvestimento, somente um dos casos fugiu
do padrão, que não teve incidência prevista apenas para quando as partes não obtivessem sucesso
em desinvestir o ativo por conta própria ou quando o Cade não aprovasse a alienação confirme
apresentado pelas compromissárias, mas desde a celebração do ACC.
Por sua vez, trustees de operação estiveram sempre cumulados com o trustee de
desinvestimento e tiveram como função a de gerenciar o ativo a ser desinvestido.
No controle de condutas, diferentemente dos casos de TCCs envolvendo a Operação Lava
Jato, em que a auditoria externa do remédio envolvendo programa de compliance foi considerada
mandatória, foram identificados outros casos de condutas colusivas nas quais igualmente se previu
a necessidade de instituição de programa de compliance, mas para os quais não foi determinada a
contratação de monitoramento por terceiro.
Analisando as condutas unilaterais, constata-se que o trustee foi designado para o
monitoramento de TCCs com obrigações mais complexas, com deveres detalhados. Apesar disso,
ainda assim, foram identificadas situações nas quais remédios com maior complexidade foram
implementados, não havendo a previsão de trustee para auxiliar o Cade, mas, em outros TCCs que
determinaram obrigações similares, foi requerido trustee de monitoramento.
Em vista do exposto, em que pese poder ser percebida maior frequência na utilização
de agentes externos para o monitoramento de remédios, os resultados encontrados se mostram
209
ambíguos, ora com o Cade sendo claro em quando o trustee seria pertinente e necessário, ora não,
especialmente naquelas situações envolvendo remédios comportamentais.
REFERÊNCIAS
ATTAYDE, Maria Cristina de Souza Leão. Documento de Trabalho nº 003/2023: Monitoramento de
Remédios Antitruste; uma análise da jurisprudência do Cade. Brasília, DF: Conselho Administrativo de
Defesa Econômica, 2023. Disponível em: https://tinyurl.com/2ayhjosh. Acesso em: 26 jul. 2024.
ATTAYDE, Maria Cristina de Souza Leão; SAKOWSKI, Patrícia Alessandra Morita. Documento de Trabalho
nº 002/2020: Remédios antitruste no Cade: uma análise da jurisprudência. Brasília, DF: Conselho
Administrativo de Defesa Econômica, 2020. Disponível em: https://tinyurl.com/24mcvdbb. Acesso em:
26 jul. 2024.
ATTAYDE, Maria Cristina de Souza Leão; SAKOWSKI, Patrícia Alessandra Morita. Remédios antitruste
em atos de concentração: análise da jurisprudência do Cade de 2014 a 2019. In: RESENDE, Guilherme
Mendes; SACCARO JUNIOR, Nilo Luiz; MENDONÇA, Mario Jorge (ed.). Avaliação de Políticas Públicas no
Brasil: uma análise das políticas de defesa da concorrência. Rio de Janeiro: Ipea, 2020. p. 51-78.
BOTTEMAN, Yves; PATSA, Agapi. Towards a more sustainable use of commitment decisions in Article
102 TFEU cases. Journal of Antitrust Enforcement, [s. l.], v. 1, n. 2, p. 347-374, ago. 2013. DOI: https://doi.
org/10.1093/jaenfo/jnt009. Disponível em: https://tinyurl.com/28lgz4c5. Acesso em: 20 jul. 2024.
BRUECKNER, Jonas S.; HOEHN, Thomas. Monitoring compliance with merger remedies: the role of the
monitoring trustee. Competition Law International, [s. l.], v. 6, n. 2, p. 73-80, 2010.
BUAIZ NETO, José Alexandre et al. Uncovering the diferences among compliance ocers, corporate
monitors and trustees under antitrust and anti-corruption laws. Competition Policy International, [s.
l.], 14 fev. 2023. Disponível em: https://tinyurl.com/2yf3me8l. Acesso em: 23 jul. 2024.
BUAIZ NETO, José Alexandre; REBELLO, Daniel Costa. Brasil: Quando a Monitoria é Indicada e Qual a
Expectativa da Autoridade? Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE. In: MICHELONI,
Elida; LADEIA, Giuliana; MANTOAN, Marina (org.). Monitoria de Programa de Compliance no Brasil.
Leme: Mizuno, 2022. p. 96-110.
CABRAL, Patrícia Semensato. Remédios em atos de concentração: uma análise da prática do CADE. In:
IX PRÊMIO SEAE em defesa da concorrência e regulação da atividade econômica. Brasília: Escola de
Administração Fazendária (Esaf), 2014. Disponível em: http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/5410.
Acesso em: 23 jul. 2024.
CABRAL, Patricia Semensato; MATTOS, César. Remédios em atos de concentração: teoria e prática do
Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 4, n. 1, p. 57-94, maio 2016. Disponível em: https://
tinyurl.com/2xkhggx. Acesso em: 23 jul. 2024.
CANADA. Competition Bureau. Competition Bureau Merges Consent Agreement Template. Quebec:
Competition Bureau, 2016. Disponível em: https://tinyurl.com/2xqhj2xk. Acesso em: 26 jul. 2024.
CASO Lava Jato. Ministério Público Federal, Brasília, 2022. Disponível em: https://tinyurl.com/2bpga8th.
Acesso em: 26 jul. 2024.
210
TEREPINS, Sandra; GOULART, Vinicius Poo. Existe um padrão no uso de trustees pelo Cade para
o auxílio no monitoramento de acordos? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2,
p. 193-211, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1113
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (Cade). Guia de Remédios Antitruste. Brasília,
DF: Conselho Administrativo de Defesa Econômica, 2018. Disponível em: https://tinyurl.com/224ydtsr.
Acesso em: 1 abr. 2024.
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (Cade). Manual para uso de Trustee pelo Cade.
Brasília: Conselho Administrativo de Defesa Econômica, 2024a. Disponível em: https://tinyurl.
com/2d76pn9y. Acesso em: 23 jul. 2024.
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (Cade). Portaria Cade nº 437, de 18 de outubro de
2022. Institui o Grupo de Trabalho para elaborar estudos e pesquisas sobre a utilização de cláusulas
arbitrais e trustees em sede de acompanhamento de decisão no âmbito do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica, abrangendo Acordos de Concentração Econômica (ACCs) e Termos de Compromisso
de Cessação (TCCs).Brasília, DF: Conselho Administrativo de Defesa Econômica, 2022. Disponível em:
https://tinyurl.com/2yuljqd6. Acesso em: 23 jul. 2024.
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (Cade). Resolução nº 6, de 03 de abril de 2013.
Disciplina a fiscalização do cumprimento das decisões, dos compromissos e dos acordos de que
trata o artigo 52 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Brasília, DF: Conselho Administrativo de
Defesa Econômica, 2013. Disponível em: https://tinyurl.com/2bpga8th. Acesso em: 26 jul. 2024.
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (Cade). Resolução Cade nº 35, de 06 de março
de 2024. Disciplina o procedimento a ser adotado nos processos de fiscalização do cumprimento das
decisões, compromissos e acordos aprovados pelo Tribunal Administrativo do Cade, nos termos do
art. 52 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Brasília, DF: Conselho Administrativo de Defesa
Econômica, 2024b. Disponível em: https://tinyurl.com/297c63b4. Acesso em: 20 jul. 2024.
GERMANY. Bundeskartellamt. Guidance on Remedies in Merger Control. Bonn: Bundeskartellamt, 2017.
Disponível em: https://tinyurl.com/2b76kqlp. Acesso em: 26 jul. 2024.
EUROPEAN UNION. European Commission. Commision notice on remedies acceptable under Council
Regulation (EC) No 139/2004 and under Commission Regulation (EC) No 802/2004. Ocial Journal of
the European Union, [s. l.], 2008. Disponível em: https://tinyurl.com/22ksqgrt. Acesso em: 26 jul. 2024.
EZRACHI, Ariel; HAN, Wei. Merger Remedies: The Chinese Experience. Journal of Antitrust Enforcement, [s.
l.], v. 3, n. supl. 1, p. 69-91, out. 2015. Disponível em: https://tinyurl.com/27yhbkfd. Acesso em: 26 jul. 2024.
FRANCE. Autorité de la concurrence. Merger Controle Guidelines of the Autorité de la concurrence. Paris:
Autorité de la concurrence, 2020. Disponível em: https://tinyurl.com/26tjeht2. Acesso em: 26 jul. 2024.
GOPAL, Nasoul; VAN ZUNDERT, Michel. UK: Role of trustees in the merger control regime. Concurrences,
Paris, 2017. Disponível em: https://tinyurl.com/25yaxv32. Acesso em: 23 jul. 2024.
HOEHN, Thomas. Trustees in mergers: an overview of EU and national case law. Concurrences, Paris,
19 ago. 2021. Disponível em: https://tinyurl.com/2684c9pk. Acesso em: 26 jul. 2024.
INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK (ICN). Merger Remedies Review Project: Report for the fourth
annual conference. Bonn: International Competition Network, 2005. Disponível em: https://tinyurl.
com/2727y7bh. Acesso em: 26 jul. 2024.
KURT, Ayberk. Trustee (Mergers). In: HEALEY, Deborah et al. (ed.). The Competition Law Dictionary.
Paris: Concurrences, [2024]. Disponível em: https://tinyurl.com/28h89y9w. Acesso em: 26 jul. 2024.
211
MEDRADO, Renê et al. Compromissos de preços e trustees em Defesa Comercial: uma proposta possível
para solução de um problema concreto no fluxo de comércio internacional. Revista de Direito do
Comércio Internacional, São Paulo, v. 6, p. 77-108, 2024. Disponível em: https://tinyurl.com/26ldq3lq.
Acesso em: 26 jul. 2024.
NATIVIDADE, João Pedro Kostin F de. A natureza do vínculo estabelecido entre o Cade e o trustee no
direito concorrencial. Revista do IBRAC, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 72-90, 2024. Disponível em: https://
tinyurl.com/25xcau3o. Acesso em: 26 jul. 2024.
PEREIRA NETO, Caio Mario da Silva; AZEVEDO, Paulo Furquim. Remédios no âmbito de Acordos em
Controle de Concentração (ACCs): um balanço dos primeiros anos da Lei 12.529/2011. In: CARVALHO,
Vinícius Marques (org.). A Lei 12529/2011 e a Nova Política de Defesa da Concorrência. São Paulo:
Singular, 2015.
SOUZA, Alexandre Barreto de Souza; MUNDIM, Felipe; TEREPINS, Sandra. Superintendência-Geral do
Cade publica manual para adoção de trustees: Documento revisa, atualiza e complementa previsões
já delineadas no Guia de Remédios Antitruste de 2018. Jota, São Paulo, 2 abr. 2024. Disponível em:
https://tinyurl.com/24pyxbkn. Acesso em: 26 jul. 2024.
UNITED KINGDOM. Competition & Markets Authority. Merger remedies. London: Competition & Markets
Authority, 2018. Disponível em: https://tinyurl.com/22zapf2g. Acesso em: 26 jul. 2024.
UNITED STATES. U. S. Department of Justice. Antitrust Division. Merger Remedies Manual. Washington,
D. C.: Department of Justice, 2020. Disponível em: https://tinyurl.com/2df82thw. Acesso em: 26 jul. 2024.
VASSILEFF, Antoni; BONNIÈRES, Patrick de. Toward Best Practices For Antitrust Trustees. Concurrences,
Paris, 2014. Disponível em: https://tinyurl.com/2yd5x57l. Acesso em: 23 jul. 2024.