212
SOUZA, Luiza Camilo de. Remediando remédios comportamentais: compromissos prévios
estipulados pelas requerentes de atos de concentração e atuação do Cade. Revista de Defesa
da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 212-226, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1123
REMEDIANDO REMÉDIOS
COMPORTAMENTAIS:
COMPROMISSOS PRÉVIOS
ESTIPULADOS PELAS
REQUERENTES DE ATOS DE
CONCENTRAÇÃO E ATUAÇÃO
DO CADE
1
Remedying behavioral remedies: pre-established
commitments by merger applicants and Cade’s
role
Luiza Camilo de Souza
2
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) – Brasília/DF, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Contexto: no exercício de seu controle preventivo (art. 9º, I c/c art. 88 e ss., da Lei nº 12.529/2011), o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem a competência de decidir sobre a aprovação,
com ou sem imposição de medidas corretivas, ou a reprovação de atos de concentração (art. 90,
da Lei nº 12.529/2011). Dada a relativa previsibilidade da análise antitruste, as partes notificantes
podem, ao submeter o ato de concentração, oferecer “compromissos prévios”, antecipando eventuais
exigências da autoridade antitruste.
Objetivo: o artigo tem como objetivo caracterizar os compromissos prévios assumidos pelas partes
em atos de concentração, com base em julgados recentes do Cade, destacando sua semelhança
com os remédios comportamentais. Além disso, examina os riscos empresariais associados a
esses compromissos e discute os desafios do Cade no monitoramento e controle dessas medidas,
ressaltando a importância de transparência e especificidade na divulgação e avaliação dos
compromissos firmados.
Método: revisão bibliográfica e jurisprudencial.
1 Editor responsável: Prof. Dr. Victor Oliveira Fernandes, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Brasília/
DF, Brasil. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5250274768971874. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5431-4142.
Recebido em: 10/05/2024 Aceito em: 28/11/2024 Publicado em: 11/12/2024
2 Assistente Técnica no Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Bacharel em Direito pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com destaque entre os melhores alunos do curso. Graduanda em Economia na
Universidade de Brasília (UnB). Participou da 43ª edição do Programa de Intercâmbio do Cade (PinCade).
E-mail: luizacamilo.adv@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1866145148294005
ORCID: https://orcid.org/0009-0005-5622-4446
10
213
Conclusões: os compromissos prévios se enquadram enquanto mecanismos para mitigar os impactos
concorrenciais negativos de atos de concentração, facilitando a análise e aprovação pelo Cade.
Quando elaborados de forma clara e específica, esses compromissos reduzem custos e promovem
uma avaliação mais eficiente, além de garantir maior segurança jurídica às partes. O descumprimento
desses compromissos pode gerar consequências graves, como a reavaliação da operação ou a
caracterização de condutas abusivas. A transparência na formulação e divulgação dos compromissos
é essencial para o monitoramento e verificação eficazes pelo Cade.
Palavras-chave: controle preventivo; atos de concentração; Cade; remédios comportamentais;
compromissos prévios.
STRUCTURED ABSTRACT
Context: in exercising its preventive control (art. 9, I c/c art. 88 et seq., of Law No. 12.529/2011), the
Administrative Council for Economic Defense (Cade) is responsible for deciding on the approval, with
or without corrective measures, or the rejection of merger transactions (art. 90, of Law No. 12.529/2011).
Given the relative predictability of antitrust analysis, the notifying parties may, when submitting the
merger, propose “prior commitments,” anticipating potential antitrust authority requirements.
Objective: this article aims to characterize the prior commitments undertaken by parties in merger
transactions, based on recent Cade rulings, highlighting their similarity to behavioral remedies. It also
examines the business risks associated with these commitments and discusses the challenges faced
by Cade in monitoring and controlling these measures, emphasizing the importance of transparency
and specificity in the disclosure and evaluation of such commitments.
Method: jurisprudential and bibliographical review.
Conclusions: prior commitments serve as mechanisms to mitigate the negative competitive impacts
of merger transactions, facilitating Cade’s analysis and approval process. When drated clearly and
specifically, these commitments reduce costs and promote a more ecient review, while also providing
greater legal certainty to the parties involved. Failure to comply with these commitments may result in
serious consequences, such as the reassessment of the transaction or the characterization of abusive
practices. Transparency in the formulation and disclosure of commitments is essential for Cade’s
eective monitoring and verification.
Keywords: preventive control; merger transactions; Cade; behavioral remedies; prior commitments.
Classificação JEL: K21; K40; L40; L10.
Sumário: 1. Introdução; 2. Compromissos prévios a partir dos atos de
concentração n.º 08700.003437/2023-14 (Oiltanking Logística Brasil Ltda. e
outras) e 08700.009905/2022-83 (Sustainit Pte Ltd. e outras); 3. Qualificação
dos compromissos prévios pelo Cade; 4. Revisão do ato de concentração e
riscos às partes requerentes; 5. Controle posterior dos compromissos pelo
Cade; 6. Conclusão; Referências.
214
SOUZA, Luiza Camilo de. Remediando remédios comportamentais: compromissos prévios
estipulados pelas requerentes de atos de concentração e atuação do Cade. Revista de Defesa
da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 212-226, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1123
1 INTRODUÇÃO
A concentração econômica, regulada pelo Direito da Concorrência, está diretamente
relacionada ao aumento do poder econômico de um ou mais agentes em determinado mercado
(Forgioni, 2015, p. 399). Denominada ato de concentração, essa prática pode assumir diversas formas,
não se limitando apenas a operações de fusão e incorporação. Ela também pode decorrer de contratos
associativos, consórcios e joint ventures, conforme previsto no art. 90 da Lei nº 12.529/2011 (Lei de
Defesa da Concorrência), eis que, a partir do momento em que dois agentes (concorrentes ou não)
se unem, mesmo que preservem sua autonomia, passam a deter uma vantagem competitiva sobre os
demais, resultando em maior poder econômico (Forgioni, 2015, p. 400).
Os atos de concentração estão, assim, ligados a situações em que há a aglutinação de poder
e o aumento da capacidade de determinados agentes de alterarem as condições do mercado. O
controle desses atos, conforme a Professora Paula Forgioni (2015, p. 398), é um instrumento de política
econômica, uma vez que impacta a estrutura de um setor. A supervisão desses atos busca evitar a
formação de monopólios, oligopólios ou outras formas de concentração prejudiciais à concorrência
e, consequentemente, ao bem-estar da sociedade.
A Lei nº 12.529/2011, em seu art. 88, §5º, determina que o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) não deve autorizar atos de concentração que eliminem a concorrência em parte
substancial do mercado relevante, criem ou reforcem posição dominante, ou possam resultar na
dominação de um mercado relevante de bens ou serviços, salvo as exceções previstas no §6º do
mesmo artigo (Brasil, 2011). O §6º permite a aprovação desses atos desde que sejam identificadas
eficiências que beneficiem o consumidor, como: (a) aumento de produtividade ou competitividade,
(b) melhora na qualidade de bens ou serviços, e (c) eficiência ou desenvolvimento tecnológico e
econômico (Brasil, 2011).
Para formar seu juízo, conforme aponta o “Guia de Análise de Atos de Concentração
Horizontal” do Cade, a Autoridade Antitruste, na sua análise clássica, examina a concentração
econômica, em especial a horizontal, em algumas etapas, quais sejam: (i) definição do mercado
relevante, (ii) apuração de existência de poder de mercado considerando a operação intentada, (iii)
probabilidade de uso do poder de mercado, (iv) ponderação de eficiências econômicas e, em alguns
casos (v) a probabilidade de exercício de poder coordenado (Cade, 2016, p. 9). Quando se identifica
poder de mercado e a probabilidade de seu uso em detrimento de outros agentes e consumidores,
procede-se à análise das eficiências na forma do mencionado art. 88, §6º. Até o presente momento,
no entanto, não se identificou registro de um ato de concentração aprovado sem restrições pelo Cade
exclusivamente com base em eficiências.
O que ocorre, na prática, é a aprovação condicionada a remédios – medidas destinadas a
mitigar preocupações concorrenciais levantadas pela operação – negociados por meio de Acordos
em Controle de Concentração (ACCs). Esses acordos visam a uma solução intermediária, evitando
tanto a aprovação incondicional e quanto a reprovação total da operação que apresenta efeitos
anticompetitivos (Cabral; Mattos, 2016, p. 58). Contudo, se os remédios não forem suficientes para
sanar os problemas concorrenciais, a reprovação da operação torna-se o desfecho mais provável.
215
Os remédios se dividem em duas categorias - comportamentais e estruturais. Os remédios
comportamentais envolvem mudanças nas práticas comerciais das empresas, sem a transferência de
direitos ou ativos, como restrições à discriminação de concorrentes ou medidas de transparência.
Por outro lado, os remédios estruturais envolvem alterações na estrutura de mercado, como a venda
de ativos ou a divisão de empresas, com o objetivo de evitar a formação de monopólios (Cade, 2018).
Enquanto os remédios comportamentais são mais flexíveis, mas exigem monitoramento contínuo,
os estruturais tendem a ser mais eficazes a longo prazo e de mais fácil controle pela Autoridade
Antitruste, pois não demandam supervisão constante ou especialização técnica (Bacha, 2017).
Entretanto, observa-se uma clara predominância da adoção de remédios comportamentais em
detrimento de remédios estruturais nos julgados do Cade (Abreu, 2017)
3
.
Em vista do exposto e da relativa previsibilidade das etapas de análise antitruste, juntamente
com o desenvolvimento mais robusto das teorias do dano pelo Cade, as partes que solicitam a
aprovação de atos de concentração estão antecipando a necessidade de mitigar seus efeitos adversos,
especialmente aqueles tratados por meios remédios comportamentais. Ao notificar suas operações,
elas estão apresentando uma série de compromissos expressos em documentos submetidos para
consideração. Esses compromissos incluem práticas como transparência nos processos, compromissos
de não discriminação e medidas de governança destinadas a evitar o acesso a informações sensíveis
do ponto de vista da concorrência, delineados em acordos de sócios/acionistas, contratos de gestão,
contratos de fornecimento e outros instrumentos relevantes, de forma abrangente.
Cumpre esclarecer, conforme destacado pela Professora Ana Frazão (2017, p. 256-259), que a
Lei de Defesa da Concorrência, diante da ampla variedade de práticas que podem ser utilizadas por
agentes econômicos para limitar artificialmente a concorrência, adota um conceito abrangente e uma
terminologia indeterminada ao definir o ilícito concorrencial. Isso atribui aos aplicadores da lei a
responsabilidade de detalhar as condições necessárias para sua configuração.
Nesse contexto, o que é relevante para o presente trabalho é que, em regra, estruturas
formadas a partir de atos de concentração costumam ser avaliadas por meio de análises de efeitos e
justificativas que não são pré-definidas pela lei. Isso cria espaço no controle de concentração para,
no caso concreto, antecipar possíveis atitudes que possam gerar danos à concorrência, aplicando-
se remédios conforme necessário ou, como na temática em questão, para estipulação de encargos
prévios pelas próprias requerentes de operações.
Logo, este artigo se propõe a caracterizar os compromissos previamente assumidos pelas
partes requerentes de atos de concentração, considerando a perspectiva do Cade e fundamentando-
se em casos recentes julgados pela Autarquia, abordando os riscos empresariais associados a essas
estipulações. Além disso, busca-se discutir os desafios relativos ao monitoramento e controle desses
compromissos pela Autoridade Antitruste, destacando a importância da transparência e especificidade
na divulgação e avaliação desses compromissos.
3 No período analisado pela pesquisadora, de 2012 a 2017, os remédios comportamentais foram aplicados quatro
vezes mais do que os remédios estruturais.
216
SOUZA, Luiza Camilo de. Remediando remédios comportamentais: compromissos prévios
estipulados pelas requerentes de atos de concentração e atuação do Cade. Revista de Defesa
da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 212-226, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1123
2 COMPROMISSOS PRÉVIOS A PARTIR DOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO N.º
08700.003437/2023-14 (OILTANKING LOGÍSTICA BRASIL LTDA. E OUTRAS) E
08700.009905/2022-83 (SUSTAINIT PTE LTD. E OUTRAS)
Com o objetivo de esclarecer o conceito de “compromissos prévios” à luz da jurisprudência
da Autoridade de Defesa da Concorrência brasileira, foi realizada uma análise, com o apoio da Seção
de Apoio à Gestão Processual (SAGPRO) do Cade, dos atos de concentração aprovados sem restrições
pelo seu Tribunal Administrativo entre 2021 e setembro de 2024
4_5_6
. O intuito foi identificar casos em
que a aprovação estivesse expressamente vinculada a tais compromissos, a partir do voto condutor
da decisão. Dentre os 17 casos analisados, constatou-se que 5 se encaixavam na situação descrita
7
.
No entanto, dada sua relevância e atualidade, os atos de concentração nº 08700.003437/2023-14
(Oiltanking Logística Brasil Ltda. e outras) e nº 08700.009905/2022-83 (Sustainit Pte Ltd. e outras)
foram utilizados como principais referências.
No que toca ao ato de concentração nº 08700.003437/2023-14 (Oiltanking Logística Brasil
Ltda., Queiroz Participações S/A e Copa Energia Distribuidora de Gás S.A.), estava sob discussão a
formação de uma joint venture entre as empresas requerentes, visando a construção e operação
de um empreendimento greenfield de armazenamento de GLP em um terminal no Porto de Suape,
localizado em Ipojuca, Pernambuco. O processo foi encaminhado ao Tribunal após um recurso da
Terceira Interessada, que, dentre os argumentos apresentados, expressou preocupação com o risco
de fechamento do mercado para terceiros, devido ao fato de que duas das empresas requerentes já
atuavam no mercado de distribuição de GLP.
Entretanto, conforme destacado no voto do Conselheiro-Relator Diogo Thomson, à época da
apresentação do ato de concentração ao Cade, as Requerentes já haviam estipulado em seus instrumentos
mecanismos balizadores das problemáticas concorrenciais inerentes ao caso, quais sejam
8
:
4 Todos os processos do Cade mencionados neste artigo podem ser consultados em: https://tinyurl.com/y7obr4z5.
5 A SAGPRO, com base nos metadados preenchidos em processos administrativos de análise de atos de concentração
econômica, identificou os seguintes processos aprovados sem restrições pelo Tribunal do Cade entre 2021 e setembro
de 2024 (incluídos casos de avocação pelo Tribunal): 08700.003437/2023-14, 08700.001197/2022-32, 08700.007988/2022-
76, 08700.008322/2022-35, 08700.009905/2022-83, 08700.002922/2021-17, 08700.003130/2021-51, 08700.003528/2020-
15, 08700.003959/2022-35, 08700.004540/2021-10, 08700.006299/2021-63, 08700.000059/2021-55, 08700.002747/2021-50,
08700.003258/2020-34, 08700.003969/2020-17, 08700.004940/2020-44, 08700.006656/2020-11.
6 No ato de concentração nº 08700.004540/2021-10 ocorreu discussão sobre proposta de desinvestimento voluntário
(§§ 540 e ss., do voto do Conselheiro Relator) mas que não foram citadas no presente trabalho tendo em vista seu foco em
remédios comportamentais.
7 Dos cinco processos identificados (08700.003437/2023-14, 08700.009905/2022-83, 08700.003130/2021-51,
08700.004540/2021-10 e 08700.000059/2021-55), apenas o ato de concentração nº 08700.004540/2021-10 não foi diretamente
mencionado, uma vez que não houve, no âmbito deste processo, discussões aprofundadas sobre o tema em questão.
8 “102. (...) Primeiramente, observa-se a imposição no Acordo de Acionistas (SEI 1233441) de cláusula que atribui à
OTLB toda a gerência sobre os aspectos operacionais e comerciais do terminal, reservando às sócias COPA e NGB apenas
o aporte financeiro. Essa clara delimitação de responsabilidades visa assegurar uma gestão independente da joint venture
perante as acionistas, conforme preconizado no primeiro critério (i) estabelecido no precedente mencionado.
103. Além disso, o Acordo prevê a designação de um compliance ocer para fazer cumprir toda a legislação concorrencial e
societária, evidenciando um compromisso com a conformidade legal e o respeito aos princípios éticos e regulatórios, conforme
exigido pelo critério (ii). O estabelecimento de critérios de eleição no Conselho de Administração também é ponto apresentado
nos documentos apresentados pelas Requerentes, visando evitar a criação de vínculos inadequados entre novos conselheiros
e o setor de GLP. Isso demonstra uma preocupação com a garantia da autonomia e independência das decisões da joint
venture, conforme preconizado pelo critério (iv).
104. Ademais, o contrato da joint venture estabelece o livre acesso e princípios de não discriminação, reforçando a transparência
e igualdade de tratamento entre os clientes do terminal. Essa premissa, juntamente com a submissão de todos os contratos
217
a) Acordo de acionistas estipulando que:
i) a gerência sobre aspectos operacionais e comerciais do empreendimento seriam
destinados a sócia que não concorre no mercado de distribuição de GLP, para assegurar a
independência da joint venture;
ii) designação de compliance ocer para cumprimento da legislação concorrencial e
empresarial;
iii) critérios de eleição do Conselho de Administração visando evitar a criação de vínculos
inadequados entre novos conselheiros e o setor de GLP.
b) Contrato da joint venture estabelecendo o livre acesso ao terminal e a vinculação a
princípios de não discriminação; e
c) Contratos take or pay submetidos à política comercial pública, em prol de uma operação
justa e equitativa para todos os envolvidos.
Nesse sentido, no caso em questão, foi possível observar que, em diversos instrumentos
relacionados à operação — como o acordo de acionistas, o contrato de constituição da joint venture
e os contratos take or pay apresentados pelas requerentes desde sua notificação, foram assumidos
compromissos por meio da estipulação de princípios orientadores, como a não discriminação e
o livre acesso, além de formas de governança e políticas comerciais não discriminatórias. Esses
compromissos, conforme o voto do Conselheiro Diogo Thomson, representaram uma iniciativa das
requerentes para atender a “critérios sinalizados e consolidados previamente pela jurisprudência do
Cade, demonstrando o caráter pervasivo das decisões deste colegiado em direção à previsibilidade,
transparência e segurança jurídica.” Assim, tais compromissos foram um dos fatores que influenciaram
a compreensão do Tribunal, que, por unanimidade, decidiu que a operação apresentava estruturas
claras e concretas para mitigar eventuais condutas discriminatórias por parte das requerentes,
considerando a integração vertical resultante da operação
9
.
Assim, identificado o poder de mercado e a probabilidade de seu uso em detrimento de
outros players e consumidores, apurado a existência de eficiências (notadamente um investimento
greenfield em armazenamento de GLP, que se destaca como um insumo essencial, especialmente para
a região Nordeste do Brasil), os compromissos prévios assumidos pelas partes foram uma das razões
que ensejaram uma aprovação integral da operação em seus próprios termos, sem a necessidade
de celebração de ACC, mas que, cuja métrica de análise de sua suficiência e adequação partiram
justamente de seu tratamento como um remédio, tendo sido citado e analisado os compromissos/
estipulações do ato de concentração a partir do Guia de Remédios do Cade (Cade, 2018, p. 14), in verbis:
take or pay à Política Comercial pública (SEI 1233441), assegura uma operação justa e equitativa para todos os envolvidos, em
conformidade com o critério (iii).” (SEI 1352439)
9 “Neste sentido, entende-se que o conjunto de dispositivos apresentados pelas Requerentes reflete a adequação
das normativas de governança da joint venture, estabelecendo estruturas claras e robustas para garantia da integridade
das operações, da conformidade legal e da transparência nas relações comerciais, atendendo assim aos critérios relevantes
identificados por este Tribunal.” | “Neste sentido, diante de todas as garantias firmadas na constituição da joint venture objeto
da operação, da regulação incidente e da análise concorrencial acima detalhada, parece-nos desproporcional a adoção de
qualquer medida comportamental adicional” (SEI 1352439).
218
SOUZA, Luiza Camilo de. Remediando remédios comportamentais: compromissos prévios
estipulados pelas requerentes de atos de concentração e atuação do Cade. Revista de Defesa
da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 212-226, 2024.
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Um remédio antitruste deve ser proporcional no sentido de impor ações mitigadoras
necessárias, adequadas e suficientes à efetiva reversão do potencial prejuízo à
concorrência decorrente especificamente do AC. Essa proporcionalidade requer,
em primeiro lugar, que as medidas aplicadas sejam capazes, por si só, de sanar
os problemas concorrenciais identificados. Por outro lado, implica que se evite a
adoção de remédios que ultrapassem o necessário para restaurar a concorrência
no mercado. Além disso, a proporcionalidade busca preservar eventuais sinergias
entre as Requerentes, desde que garantida a supressão dos danos potenciais à
concorrência gerados pela operação.
Similar ao primeiro caso tratado, também é possível citar o ato de concentração nº
08700.009905/2022-83 (Sustainit Pte Ltd., Cargill, Incorporated, Louis Dreyfus Company Participations
B.V. e Adm International Sarl), que foi avocado pelo Tribunal do Cade. A operação objetivou a
formação de uma joint venture entre as requerentes com atuação em diferentes estágios da cadeia
de produção de commodities agrícolas, com o propósito de desenvolver e operar uma plataforma
voltada ao rastreamento de métricas de sustentabilidade nas cadeias de suprimentos alimentícios
e agrícolas, utilizando metodologias e classificações padronizadas para mensurar o impacto gerado
pelas atividades dos agentes econômicos em temas relativos à sustentabilidade.
Conforme destacado no voto do Conselheiro Relator Sérgio Ravagnani, duas teorias do dano
permeiam a análise do caso:
(i) possíveis efeitos unilaterais da criação ou imposição de padrões de
sustentabilidade que resultem em efeitos exclusionários ou discriminatórios e, (ii)
acesso a informações concorrencialmente sensíveis de concorrentes, fornecedores
ou clientes por parte das Requerentes, na condição de administradoras da
plataforma.
No âmbito do presente artigo, volta-se a segunda problemática, de acesso a informações
concorrencialmente sensíveis entre competidores que, com a avocação do caso, durante o julgamento,
levaram as partes a juntarem nos autos do processo protocolo antitruste e acordo de acionistas
10
,
mitigando tal questão, conforme sistematizado no quadro a seguir pelo Conselheiro-Relator, dentre
outras medidas:
10 “Importante destacar que, na ocasião da homologação da proposta de avocação pelo Tribunal, havia apenas um
compromisso no Acordo de Acionistas, em que as Requerentes se comprometiam a adotar políticas específicas para gerenciar
riscos concorrenciais (SEI 1164583, cláusula 13.4), que ainda estavam em elaboração e não haviam sido formalizadas nos autos,
além de obrigações que limitavam o compartilhamento de informações sensíveis e impunham o dever de notificar qualquer
violação ou suspeita de violação à legislação aplicável” (SEI 1251141).
219
Quadro 1 – Compromissos assumidos no âmbito do Ato de Concentração n º 08700.009905/2022-83
Instrumento SEI Cláusulas Escopo
Acordo de
Acionistas
SEI
1164581
e SEI
1164583
13.4 Compromisso de adotar políticas específicas para gerenciamento de
riscos concorrenciais.
13.6/13.7 Compromisso de não praticar qualquer ato que possa constituir violação
a políticas comerciais em qualquer legislação aplicável e notificar
acionistas e a JV se houver violação ou suspeita de violação.
15.1 Vedação do compartilhamento de informações concorrencialmente
sensíveis entre Acionistas.
Protocolo
Antitruste
SEI
1246456
Seção I Equipe de compliance corporativo designada para garantir a efetividade
e adesão do Protocolo pelas Acionistas, Membros do Conselho e
funcionários da empresa, além de assegurar a independência do Chief
Compliance Ocer para cumprimento de suas funções.
Seção II Ausência de tratamento discriminatório e obrigações de preferência,
exclusividade ou privilégio na utilização da plataforma e atribuição do
Chief Compliance Ocer em fiscalizar o cumprimento desses princípios.
Seção III Medidas de governança corporativa e regras específicas para garantir a
independência da JV em relação às Acionistas e mitigar o risco de acesso
e uso indevido de informações concorrencialmente sensíveis em razão
de interações envolvendo membros do Conselho de Administração,
Empregados, Acionistas e a JV.
Seção IV Regras, políticas e procedimentos para proteção da privacidade de
dados dos clientes e dos usuários da plataforma.
Seção V Treinamentos periódicos de conformidade concorrencial e realização de
auditorias para avaliar a implementação e cumprimento do Protocolo
Antitruste.
Fonte: Processo Administrativo nº 08700.009905/2022-83, voto do Conselheiro-Relator Sérgio Ravagnani (SEI
1251141).
E, assim, levando em conta os compromissos e garantias assumidos pelas requerentes em
instrumentos contratuais e no protocolo antitruste, o Plenário, por unanimidade, conheceu da operação
e aprovou-a sem restrições. Isso se deu nos termos do voto do Conselheiro-Relator, que considerou
esses compromissos “suficientes para mitigar as preocupações concorrenciais relacionadas à troca
de informações sensíveis e ao seu uso indevido para obter vantagens competitivas, excluindo ou
prejudicando concorrentes, sem a necessidade de um trustee para monitorar tais compromissos.
Portanto, os compromissos prévios mencionados referem-se essencialmente àqueles
estipulados e formalizados pelas partes requerentes de atos de concentração durante sua notificação
e, eventualmente, instrução, em instrumentos de natureza diversa (acordos de acionistas, protocolos
antitruste, contratos e outros) de caráter eminentemente comportamental. Estes compromissos
podem incluir tanto estipulações principiológicas a serem seguidas, quanto processos de gestão e
atuação delineados pelas partes, considerando sua compreensão das etapas de análise concorrencial
e posições do Cade e a necessidade de mitigar potenciais efeitos nocivos à concorrência, vinculando
as partes aos termos acordados.
220
SOUZA, Luiza Camilo de. Remediando remédios comportamentais: compromissos prévios
estipulados pelas requerentes de atos de concentração e atuação do Cade. Revista de Defesa
da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 212-226, 2024.
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3 QUALIFICAÇÃO DOS COMPROMISSOS PRÉVIOS PELO CADE
No referido ato de concentração nº 08700.009905/2022-83 (Sustainit Pte Ltd., Cargill,
Incorporated, Louis Dreyfus Company Participations B.V. e Adm International Sarl) que visou a
criação da joint venture voltada às questões de sustentabilidade, o Conselheiro Gustavo Augusto
apresentou importante digressão sobre se, diante de compromissos prévios assumidos pelas partes,
a Autoridade Antitruste, ainda assim, deveria firmar ACC, na busca de garantia da efetividade de tais
compromissos. Ou seja, se seria possível uma aprovação sem restrições da operação com base nos
compromissos prévios assumidos pelas próprias partes:
Diante desse tipo de situação, qual seja, de presença de preocupações concorrenciais
de um lado, e de compromissos comportamentais assumidos pela própria empresa
do outro, qual deve ser o papel do CADE? Deve a autoridade antitruste impor,
necessariamente, a assinatura de um ACC (acordo em controle de concentração),
contendo os compromissos comportamentais já assumidos pelos requerentes, para
dar enforcement a essas obrigações? Ou deve a autoridade antitruste examinar
as restrições autoimpostas pelas requerentes como premissas da operação,
pressupondo que as mesmas serão cumpridas pelas requerentes sem a necessidade
de um monitoramento externo? (LIMA, 2023, grifo nosso).
Do impasse, restou entendido que mesmo que os compromissos assumidos pelas requerentes
não se transmutaram em um pacote rígido de remédios, com prazos e obrigações bem definidas, mas
sim, em um protocolo antitruste mais aberto, não seria necessário, diante da existência deste, de se
firmar um ACC, eis que
passa a ser a premissa da aprovação da operação. Se o protocolo se mostrar
insuficiente, ou seja, se a premissa da aprovação da operação não se confirmar, a
própria aprovação da operação pode ser revista por este Tribunal, como previsto
expressamente no art. 91 da Lei de Defesa da Concorrência.
O referido artigo 91 da Lei de Defesa da Concorrência
11
estabelece que a aprovação de
uma operação pelo Tribunal poderá ser revisada se a decisão se basear em informações falsas ou
enganosas fornecidas pelo interessado, se houver descumprimento das obrigações assumidas ou se
os benefícios esperados não forem alcançados. Em caso de ocorrência dessas situações, a pessoa
ou entidade responsável pela falsidade ou engano estará sujeita a uma multa pecuniária, cujo valor
pode variar de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) a R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), conforme
determinado pelas normas do Cade. Além da multa, poderá ser aberto um processo administrativo e
adotadas outras medidas cabíveis conforme previsto na lei.
Nesse sentido, identificando o Órgão Antitruste que as premissas em que se basearam
para aprovação sem restrição das operações se mostraram falsas, eis que as partes quando da
11 “Art. 91. A aprovação de que trata o art. 88 desta Lei poderá ser revista pelo Tribunal, de ofício ou mediante
provocação da Superintendência-Geral, se a decisão for baseada em informações falsas ou enganosas prestadas pelo
interessado, se ocorrer o descumprimento de quaisquer das obrigações assumidas ou não forem alcançados os benefícios
visados.
Parágrafo único. Na hipótese referida no caput deste artigo, a falsidade ou enganosidade será punida com multa pecuniária,
de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), a ser aplicada
na forma das normas do Cade, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 67 desta Lei, e da
adoção das demais medidas cabíveis” (Brasil, 2011).
221
notificação da concentração econômica assumiram obrigações comportamentais para mitigar seus
efeitos concorrenciais potencialmente nocivos, a aprovação pode ser revista e, mais além, voltando-
se ao voto do Conselheiro Gustavo Augusto, no ato de concentração nº 08700.009905/2022-83, o
descumprimento dessas condições poderia resultar na imposição de sanções por meio do controle
de condutas em caso de abuso ou até mesmo na configuração de gun jumping se a operação for
realizada de maneira diferente daquela notificada ao Tribunal
12
.
De forma similar aos casos base aqui citados, o Cade assumiu a mesma qualificação dos
compromissos enquanto premissas para aprovação sem remédios de operação nos casos abaixo
(grifos nossos):
Quadro 2 – Qualificação dos compromissos prévios pelo Cade em outros Atos de Concentração
Processo
Administrativo
Decisão do
Tribunal
Voto Conselheiro-Relator
Ato de
concentração nº
08700.003130/2021-
51
Louis Dreyfus
Company Brasil
S.A., Amaggi
Exportação e
Importação
Ltda., Dalablog
Participações Ltda.,
Cargill Agrícola
S.A., SARTCO Ltda.,
Carguero Inovação
Logística e Serviços
S.A. e Green Net
Administradora de
Cartão Ltda.
“O Plenário, por
unanimidade,
negou provimento
ao recurso
interposto
pela terceira
interessada e
manteve a decisão
de aprovação
sem restrições
da operação, nos
termos do voto
do Conselheiro
Relator” (SEI
1029559).
Conselheiro-Relator Sérgio Costa Ravagnani
Ementa: “3. Garantias quanto à gestão independente de empresa sujeita
a controle comum entre concorrentes, existência de mecanismos
de controle, monitoramento e tratamento do fluxo de informações
sensíveis no âmbito de órgãos decisório e acionistas, podem mitigar
preocupações concorrenciais relacionadas ao exercício de coordenado
e compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis
entre concorrentes.
“98. Assim, as alegações das Requerentes encontram respaldo na
racionalidade econômica da Operação, demonstrada por meio de
documentos internos preparados no contexto da Operação, que mitigam
as preocupações concorrenciais derivadas de eventual utilização da
Carguero em benefício dos negócios principais das Acionistas.
99. Com relação aos riscos da utilização da Carguero como forma de
facilitar a coordenação e a troca de informações concorrencialmente
sensíveis entre concorrentes, as Requerentes apontam compromissos
contratuais assumidos para garantir a conformidade da Operação à
legislação concorrencial [...]”.
“106. Observo que as garantias e compromissos contratuais assumidos
pelas Requerentes compreendem estruturas de organização interna,
procedimentos e obrigações comportamentais já adotados em
precedentes do Cade, a exemplo de estruturas de governança para
assegurar a gestão independente do negócio-alvo perante as Acionistas,
mecanismos de controle, monitoramento e tratamento do fluxo de
informações sensíveis no âmbito dos órgãos decisórios e funcionários
da Carguero, buscando assegurar que as interações entre as Acionistas,
concorrentes em outros mercados, estejam em conformidade com a
legislação concorrencial.
107. Nesse sentido, verifico que as salvaguardas concorrenciais
apresentadas são suficientes para mitigar os riscos de coordenação
e troca de informações concorrencialmente sensíveis entre as
Requerentes, e concluo pela aprovação da Operação sem restrições,
por desnecessária a intervenção desta autoridade nesse momento.
108. Não obstante, acompanho as considerações da SG no sentido de
alertar as Requerentes que eventual modificação, descumprimento ou
negligência em relação às diligências assumidas por estas e adotadas
como razões para decidir neste Ato de Concentração, pode ensejar
a revisitação da matéria em análise de conduta e a eventual revisão
deste Ato de Concentração, caso verificada a hipótese do art. 91 da Lei
nº 12.529/2011, bem como a prestação de qualquer outra informação
que se comprove falsa ou enganosa.
12 “Contudo, reforço: a adoção do protocolo antitruste, e das restrições apresentadas na notificação da presente
operação, são, sim, obrigatórias e vinculantes. O seu descumprimento pode levar à revisão da presente operação; à imposição
de sanção por meio do controle de condutas, no caso de eventual abuso; ou mesmo à configuração de gun-jumping, se a
operação for consumada de forma diversa da que foi notificada a este Tribunal”.
222
SOUZA, Luiza Camilo de. Remediando remédios comportamentais: compromissos prévios
estipulados pelas requerentes de atos de concentração e atuação do Cade. Revista de Defesa
da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 212-226, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1123
Ato de
Concentração nº
08700.000059/2021-
55
Magalu Pagamentos
Ltda. e Hub Prepaid
Participações S.A.
“O Plenário, por
unanimidade,
negou provimento
ao recurso
interposto
pela terceira
interessada e
manteve a decisão
de aprovação
da operação
sem restrições
proferida pela
Superintendência-
Geral, no
Despacho nº
383/2021, nos
termos do voto
do Conselheira
Relatora” (SEI
0894207).
Conselheira-Relatora Paula Farani de Azevedo Silveira
Ementa: “3. Ademais disso, a existência de salvaguardas de ordem
contratual, legal e regulatória suficientemente robustas afasta os
incentivos e a possibilidade de que as Requerentes venham a acessar
tais informações e explorá-las de modo indevido ou ilícito”.
“80. Corroborando esse compromisso, os instrumentos contratuais
que se inserem nesse setor normalmente contam com cláusulas de
confidencialidade voltadas justamente para reforçar a impossibilidade
de que as instituições possam explorar os dados armazenados para
outros fins. Esse, inclusive, é o caso concreto entre Hub e Mercado Pago.
81. Conforme demonstrado pelas Requerentes, o contrato firmado
entre Mercado Pago e Hub contempla Cláusula de Confidencialidade
[ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES E AO TERCEIRO INTERESSADO]: [...].
“88. Todas essas salvaguardas se mostram suficientemente robustas
para impedir que a Hub transfira os dados de clientes para a Magalu
Pagamentos e extraia vantagens ilícitas com essas informações. O
arcabouço formado pelas disposições contratuais, legais e regulatórias
se mostra altamente desfavorável para a tomada de riscos pelas
Requerentes e mitiga eventuais incentivos que elas teriam para
explorar ilicitamente os dados.
“103. Ademais, como já exposto, o descumprimento das salvaguardas
contratuais, legais e regulatórias submeterá as Requerentes à
responsabilização em variadas esferas, havendo, inclusive, a
possibilidade de que se acione o controle de condutas para averiguar a
ocorrência de prática anticompetitiva”.
Fonte: elaboração própria.
Finalmente, cumpre destacar os termos do voto do Conselheiro-Relator Sérgio Ravagnani no
ato de concentração nº 08700.009905/2022-83, que abordou a importância de que os compromissos
prévios sejam formalizados através de instrumentos adequados e não somente por meio de
esclarecimentos em petições nos autos para lhes conferir segurança e confiabilidade
13
.
4 REVISÃO DO ATO DE CONCENTRAÇÃO E RISCOS ÀS PARTES
REQUERENTES
Os compromissos prévios em atos de concentração, formalizados pelas partes envolvidas
e apresentados ao Cade, conforme tratado, desempenham um papel crucial na mitigação de
potenciais efeitos concorrenciais nocivos, substituindo, assim, quando suficientes, a imposição de
remédios através de ACCs. Ademais, ao endereçarem prontamente as preocupações inerentes à
operação intentada, esses compromissos facilitam o processo de análise e deferimento dos atos de
concentração pelo Órgão de Defesa da Concorrência, reduzindo os custos associados à negociação de
remédios, traduzindo-se em aspecto claramente benéfico às partes requerentes.
Contudo, é importante reconhecer que há riscos inerentes aos compromissos prévios
13 “Embora as Requerentes tenham buscado esclarecer de forma mais detalhada quais seriam as salvaguardas
concorrenciais a serem implementadas, em diligência realizada pela SG a esse respeito (SEI 1199710), considero relevante que
esses compromissos sejam formalizados em instrumentos adequados, de forma que este Conselho possa se debruçar sobre a
suficiência desses compromissos com maior segurança.
Assim, para casos futuros que envolvam preocupações similares quanto ao risco de troca de informações sensíveis entre
concorrentes, entendo que as partes interessadas devem empreender seus melhores esforços para apresentar ao Cade as versões
mais definitivas e completas possíveis dos compromissos que pretendam assumir para mitigar tais preocupações. A formalização
desses compromissos específicos em instrumentos adequados e não somente por meio de esclarecimentos em petições nos
autos é relevante para conferir segurança e confiabilidade aos compromissos assumidos pelas partes” (grifos nossos).
223
mais principiológicos e estipulados de forma mais aberta, ou seja, menos descritivos e completos.
Enquanto esses compromissos podem oferecer flexibilidade e permitir que as partes adaptem
os remédios às suas próprias estruturas de negócios, a falta de clareza e concretude pode gerar
incertezas significativas.
Retornando à teoria geral do Direito, Robert Alexy (2015) já destacava em sua obra “Teoria dos
direitos fundamentais” que os princípios são deveres prima facie, pois consistem em mandamentos
de otimização, nos quais o conteúdo do dever (aquilo que deve ser feito) deve ser cumprido na maior
medida possível, considerando as limitações fáticas e normativas. No contexto da presente discussão,
compromissos prévios de natureza mais principiológica podem gerar divergências quanto ao seu
alcance e conteúdo, resultando em ambiguidades que poderiam levar às consequências tratadas no
tópico anterior: revisão do ato de concentração na forma do art. 91, da Lei de defesa da concorrência,
configuração de conduta abusiva e até mesmo gun jumping.
Tal problemática é evidenciada no trecho de voto do Conselheiro Sérgio Ravagnani, no Ato de
Concentração nº 08700.009905/2022-83, a saber:
Ressalto, portanto, a preocupação e o cuidado para que os compromissos de
conformidade concorrencial não sejam genéricos e vagos, mas suficientemente
delimitados e claros, quanto ao tipo de comportamentos a serem evitados e aqueles
que devem ser mantidos e estimulados. Alguns cuidados adicionais para garantir a
efetividade desses compromissos são recomendados e foram implementados no
caso em julgamento, a exemplo da (i) designação de profissionais com poderes
e responsabilidades claras para assegurar a implementação e o cumprimento
das medidas de conformidade concorrencial; e a (ii) previsão de mecanismos de
proteção capazes de mitigar os riscos concorrenciais e contribuir para a formação de
incentivos internos adequados ao cumprimento das regras legais. Ademais, medidas
que revelam o compromisso da alta administração em dar efetividade ao Protocolo
Antitruste são uma sinalização importante de confiança nas medidas propostas
pelas partes ao Cade (grifo nosso).
Para ilustrar exemplos concretos de obrigações comportamentais mais claras e específicas,
recorre-se aos próprios ACCs firmados pelo Cade. Em vez de assumir obrigações amplas relacionadas
aos princípios de não ingerência, não discriminação, confidencialidade, livre contratação, entre
outros, as Requerentes comprometeram-se a:
2 24
SOUZA, Luiza Camilo de. Remediando remédios comportamentais: compromissos prévios
estipulados pelas requerentes de atos de concentração e atuação do Cade. Revista de Defesa
da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 212-226, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1123
Quadro 3 – Compromissos comportamentais em Acordos em Controle de Concentração firmados
pelo Cade
Ato de Concentração Requerentes Compromisso (ACC)
08700.002488/2022-48 Viação Águia
Branca S.A. e
JCA Holding
Transportes,
Logística e
Mobilidade
Ltda.
“3.2.3. As Compromissárias se comprometem, desde já, por meio de
aditivo contratual, a adicionar cláusula no Acordo de Investimento,
de forma que passe a contar com cláusula expressa de manutenção
da JCA e da VAB como pessoas jurídicas separadas da Busco, com
estruturas de administração, operação e governança independentes.
“3.3.4. As Compromissárias se comprometem ainda a incluir cláusula
nos contratos a serem celebrados pela Busco com viações parceiras
que estabeleça expressamente a proibição de divulgação e/ou
troca de Informações Concorrencialmente Sensíveis entre a Busco e
viações parceiras.
08700.004940/2022-14 Companhia
Ultragaz
S.A., Bahiana
Distribuidora
de Gás Ltda. e
Supergasbras
Energia Ltda
“3.5.1. A fim de facilitar a entrada de Novos Entrantes nos mercados
de GLP envasado afetados pela Operação, as Compromissárias
se comprometem a conceder acesso às Unidades, mediante
disponibilização de capacidade ociosa, na modalidade de prestação
de serviços de envase a congêneres e seguindo os termos
usualmente aplicáveis a essa modalidade, pelo prazo de duração
dos Contratos de Consórcio, conforme alterado pela cláusula 3.2, e
enquanto a respectiva Unidade estiver em atividade.
3.5.2. A obrigação prevista nesta cláusula 3.5 será válida desde que
a contraparte preencha todos os critérios objetivos relacionados
à capacidade e regularidade, sendo tal rol taxativo e não
exemplificativo, não podendo outros itens serem exigidos: [...].
3.5.3. Para fins da obrigação prevista nesta cláusula 3.5, será
considerado haver disponibilidade de capacidade em uma
determinada Unidade quando ela possuir capacidade para absorver
o volume adicional do terceiro solicitante, levando em consideração,
como referência, o volume mensal realizado no ano anterior pelas
Compromissárias, sem a necessidade de programação de turno
adicional aos turnos que estejam em operação no momento da
solicitação do terceiro. [...]
3.5.5. A obrigação prevista nesta cláusula 3.5 é valida apenas
para enchimento de botijões de marca própria da contratante.
Havendo decisão judicial, legislação estadual ou municipal ou
alteração regulatória que determine ou permita o enchimento de
botijões de outra marca (i.e., botijões que não sejam de marca
própria da distribuidora contratante), a obrigação prevista nesta
cláusula 3.5 se torna inválida, restando apenas a obrigação de
que as Compromissárias comuniquem a situação ao Trustee de
Monitoramento”.
Fonte: elaboração própria, a partir de dados do Cade (Acordo [...] , 2024).
Logo, é fundamental reconhecer que, embora a adoção de compromissos prévios possa
oferecer benefícios, é essencial garantir que tais compromissos sejam claros, específicos e descritos
de maneira precisa. A falta de clareza e concretude pode expor as partes a um risco desnecessário,
aumentando a probabilidade de litígios e desafios concorrenciais e regulatórios, o que poderia, em
última análise, comprometer o sucesso da transação. Portanto, a atenção meticulosa à redação e
detalhamento dos compromissos prévios é fundamental para mitigar os riscos dos requerentes
associados e garantir uma análise transparente e eficaz por parte da Autoridade Antitruste.
225
5 CONTROLE POSTERIOR DOS COMPROMISSOS PELO CADE
No campo doutrinário, remanesce debate sobre a eficácia do monitoramento de remédios
comportamentais em comparação aos estruturais, sendo estes últimos mais favoráveis para
a Autoridade Antitruste. Isso se deve ao fato de que, diferentemente de remédios estruturais,
remédios comportamentais usualmente demandam expertises excessivamente dispendiosas e geram
custos contínuos de monitoramento (Bacha, 2017). Assim, a escolha entre remédios estruturais e
comportamentais deve levar em conta não apenas a viabilidade técnica e econômica, mas também a
capacidade de monitoramento e garantia de conformidade com as medidas propostas.
No entanto, os compromissos prévios assumidos pelas partes parecem enfrentar desafios
semelhantes aos remédios comportamentais em termos de controle. A capacidade de garantir o
cumprimento efetivo desses compromissos e a verificação de sua conformidade ao longo do tempo são
questões cruciais que podem levantar preocupações sobre sua eficácia e efetividade, especialmente
quando se considera o risco de comportamentos anticompetitivos das partes envolvidas.
Porém, em parte, a problemática poderia ser suprida por concorrentes que têm a possibilidade
de realizarem denúncias ao Cade pelo descumprimento desses compromissos. Entretanto, é importante
ressaltar que muitos dos documentos que preveem tais compromissos, os quais passaram a ser
premissa da operação aprovada, são sigilosos. Isso significa que o monitoramento dos concorrentes
seria, em certa medida, comprometido.
Diante desse cenário, é crucial que a Autarquia deixe claro e seja mais específica e detalhada
possível sobre quais foram os compromissos assumidos. Isso não só aumentaria a transparência
do processo, mas também facilitaria o acompanhamento e a verificação do cumprimento desses
compromissos por todos os interessados. A divulgação precisa dessas informações pode ajudar a
mitigar os riscos associados à falta de monitoramento efetivo e garantir a aplicação adequada das
medidas para preservar a concorrência no mercado.
6 CONCLUSÃO
Em síntese, os compromissos prévios emergem como instrumentos complementares para
a mitigação dos efeitos nocivos à concorrência decorrentes de atos de concentração, somando
celeridade ao processo de análise e aprovação de tais pelo Cade. Ao estipularem compromissos,
as partes requerentes conseguem reduzir os custos associados à negociação de remédios,
promovendo uma análise mais eficiente por parte da Autoridade Antitruste. Contudo, é imperativo
que esses compromissos sejam elaborados de forma clara, específica e precisa, evitando quaisquer
ambiguidades que possam comprometer a segurança jurídica.
Nos casos analisados, os compromissos prévios foram avaliados e reconhecidos como
suficientemente delimitados e claros, abordando comportamentos a serem evitados e aqueles que
devem ser mantidos e estimulados. É crucial evidenciar que o descumprimento desses compromissos
pode acarretar consequências sérias, tais como a revisão da operação, caracterização de conduta
abusiva e até mesmo gun jumping. Portanto, as partes devem estar plenamente conscientes da
importância da conformidade e das implicações jurídicas de seu não cumprimento.
226
SOUZA, Luiza Camilo de. Remediando remédios comportamentais: compromissos prévios
estipulados pelas requerentes de atos de concentração e atuação do Cade. Revista de Defesa
da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 212-226, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1123
Embora o controle posterior dos compromissos pelo Cade apresente desafios similares aos
remédios comportamentais, a divulgação precisa das informações relacionadas a esses compromissos
pode mitigar os riscos associados à falta de monitoramento efetivo. Assim, a transparência e especificidade
por parte da Autoridade Antitruste na identificação e descrição dos compromissos assumidos pelas
partes são fundamentais para facilitar o acompanhamento e a verificação de seu cumprimento.
REFERÊNCIAS
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da vigência da Lei 12.529/11. Revista do IBRAC, São Paulo, v. 23, n. 2, 2017, pp. 64-81. Disponível em:
https://tinyurl.com/2a22gr2h. Acesso em: 04 mar. 2024.
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2024. Disponível em: https://tinyurl.com/2yggwmj2. Acesso em: 10 out. 2024.
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BACHA, Maria Gabriela Castanheira. Função do CADE no controle de estruturas: uma análise dos
acordos em controle de concentração. Revista do IBRAC, São Paulo, v. 23, n. 2, 2017. Disponível em:
https://tinyurl.com/29ek8qt2. Acesso em: 4 mar. 2024.
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Concorrência; [...] e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2011. Disponível
em: https://tinyurl.com/2o94bhj2. Acesso em: 29 mar. 2024.
CABRAL, Patricia Semensato; MATTOS, César. Remédios em atos de concentração: teoria e prática do
CADE. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 4, n. 1, 2016, p. 57-94. Disponível em: https://
tinyurl.com/2xkhggx. Acesso em: 4 mar. 2024.
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (Cade). Guia de Análise de Atos de Concentração
Horizontal. Brasília, DF: Cade, 2016. Disponível em: https://tinyurl.com/29xkgkep. Acesso em: 4 mar. 2024.
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA (Cade). Guia de Remédios Antitruste. Brasília, DF:
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FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015.
FRAZÃO, Ana. Direito da concorrência: pressupostos e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2017.