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EBEN, Magali. O mercado antitruste não existe: a busca da objetividade em um processo
teleológico. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 32-64, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1901
O MERCADO ANTITRUSTE
O EXISTE: A BUSCA DA
OBJETIVIDADE EM UM
PROCESSO TELEOLÓGICO
1
The antitrust market does not exist: the pursuit of
objectivity in a teleological process
Magali Eben
2
University of Glasgow – Glasgow, Escócia, Reino Unido
RESUMO ESTRUTURADO
Contexto: não existe um “mercado antitruste”. Os mercados são apenas ferramentas analíticas
que servem para estruturar as evidências disponíveis e permitir uma resposta abrangente a uma
determinada questão. Eles não existem como tais no mundo real, mas são fruto de nossa imaginação
intelectual. Enquanto ente imaginário, elas podem ser imensamente úteis. A busca pela objetividade
no processo de definição do mercado relevante será em vão enquanto não reconhecermos que a
utilidade dos mercados antitruste reside precisamente em sua natureza reducionista e teleológica.
Objetivo: este artigo apresenta dois argumentos principais. O primeiro argumento é simples, mas
de grande alcance: a definição de mercado antitruste é útil porque é um método que permite a
resposta a uma pergunta. A implicação disso é que o mercado é definido por referência a essa questão
específica, e não como um objeto independente e neutro. A definição de mercado é “teleológica. No
contexto das investigações de concorrência, essa questão pode se referir, mas não precisa se limitar,
a determinações de poder de mercado. O segundo argumento é que a definição de mercado, mesmo
sendo teleológica, não precisa ser subjetiva.
Método: o estudo adota uma abordagem teórica, explorando a natureza da definição de mercado
antitruste e discutindo os conceitos de objetividade e teleologia em contextos de investigação de
concorrência.
Conclusões: os mercados antitruste são ferramentas analíticas “imaginárias” e “fictícias”, definidas
de acordo com o propósito específico da investigação. Não há um único mercado antitruste, e a
objetividade está no processo de definição, não no resultado.
1 Editor responsável: Prof. Dr. Victor Oliveira Fernandes, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Brasília/
DF, Brasil. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5250274768971874. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5431-4142.
Recebido em: 25/11/2024 Aceito em: 02/12/2024* Publicado em: 11/12/2024
*Artigo internacional convidado pelo editor-chefe para publicação na Revista de Defesa da Concorrência (RDC). Este artigo foi
aceito para publicação no Journal of Competition Law and Economics. A ser publicado sob o DOI: http://dx.doi.org/10.1093/
joclec/nhab001. Consulte a versão publicada.
2 Doutora em Direito da Concorrência pela University of Leeds. É professora de Direito da Concorrência na University
of Glasgow.
E-mail: magali.eben@glasgow.ac.uk
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1069-7609
2
33
Palavras-chave: mercado antitruste; definição de mercado; objetividade; teleologia; concorrência.
STRUCTURED ABSTRACT
Context: there is no such thing as an ‘antitrust market. Markets are merely analytical tools, which
serve to structure available evidence and enable a comprehensive answer to a particular question.
They do not exist as such in the real world, but are figments of our intellectual imagination. In that
capacity, they can be immensely useful. A pursuit of objectivity in the process of product market
definition remains in vain as long as we fail to acknowledge that the utility of antitrust markets lies
precisely in their reductive and purposive nature.
Objective: this article makes two main arguments. The first argument is simple, yet far-reaching:
antitrust market definition is useful because it is a method to enable the answer to a question. The
implication is that the market is defined by reference to that particular question, rather than as
an independent and neutral object. Market definition is ‘purposive’. In the context of competition
investigations, this question can concern, but does not have to be limited to, determinations of
market power. The second argument is that market definition, even though purposive, does not need
to be subjective.
Method: the study adopts an analytical and theoretical approach, exploring the nature of antitrust
market definition and discussing the concepts of objectivity and teleology in competition investigations.
Conclusions: antitrust markets are “imaginary” and “fictitious” analytical tools, defined according to
the specific purpose of the investigation. There is no single antitrust market, and objectivity lies in the
process of definition, not in the result.
Keywords: antitrust market; market definition; objectivity; teleology; competition.
Classificação JEL: K21; L40; A00.
Súmario: 1. Introdução; 2. A natureza dos mercados; 3. A natureza dos
mercados antitruste; 4. Objetividade em um processo teleológico; 5.
Conclusão; Referências.
1 INTRODUÇÃO
A definição de mercado de produto é o conceito mais controverso e mais onipresente no
direito da concorrência. Embora estudiosos proeminentes tenham se insurgido contra ela,
3
ela
continua sendo uma etapa importante nas investigações antitruste. A definição de mercado antitruste
persiste, apesar das muitas falhas percebidas, porque fornece aos aplicadores um método fácil de
compreender para estruturar as evidências diante deles, de modo que possam responder às questões
factuais e jurídicas que foram solicitadas a resolver. Quando a definição de mercado é criticada,
ela geralmente revela uma falha subjacente no raciocínio dos céticos: eles levam a definição de
3 Veja o amplo debate sobre o sentido e o absurdo da definição de mercado: Kaplow (2010, p. 437), Markovits (2012, p.
165); Werden (2012); Cameron, Glick, e Mangum (2012, p. 719).
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teleológico. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 32-64, 2024.
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mercado muito a sério. Afinal de contas, não existe um “mercado antitruste” (ou qualquer outro
mercado). Os mercados são apenas ferramentas analíticas que servem para estruturar as evidências
disponíveis e permitir uma resposta abrangente a uma determinada questão. Eles não “existem
como tais no “mundo real”, mas são fruto de nossa imaginação intelectual. Nesse sentido, eles
podem ser imensamente úteis. Eles se prestam às nuances e aos objetivos do estudo específico para
o qual foram construídos. De mercados “econômicos” a mercados “antitruste”, a noção de “mercado”
permite o estudo de eventos que, de outra forma, seriam muito difíceis de serem capturadas. A
busca pela “objetividade” no processo de definição do mercado de produtos será em vão enquanto
não reconhecermos que a utilidade dos mercados antitruste reside precisamente em sua natureza
reducionista e teleológica.
Este artigo pretende apresentar dois argumentos principais. O primeiro argumento é simples,
mas de grande alcance: o mercado antitruste não existe, e isso é bom. A utilidade dos mercados
antitruste reside exatamente no fato de que os mercados antitruste não são fenômenos “naturais,
mas ficções intelectuais. A definição de mercado antitruste é útil porque é um método que possibilita
a resposta a uma pergunta. A importante implicação desse argumento é que o mercado é, portanto,
definido por referência a essa questão específica, e não “encontrado” como um objeto independente
e neutro. No contexto das investigações de concorrência, essa questão pode se referir, mas não
precisa se limitar, a avaliações de poder de mercado.
O segundo argumento deste artigo é que, embora o mercado seja fictício e teleológico, a
definição de mercado ainda pode ser objetiva. Tanto os aplicadores quanto os acadêmicos parecem
cada vez mais preocupados com a coerência e a certeza no processo e na lógica da definição de mercado
(Podszun, 2016, p. 123; Ferro, 2020, p. 21; Markovits, 2012, p. 166).
4
Este artigo, portanto, explica, na Parte
IV, porque chamar os mercados antitruste de “subjetivos, simplesmente por serem teleológicos, é
errôneo. Os mercados podem ser definidos para responder a uma pergunta específica, o que os torna
flexíveis; no entanto, eles só devem ser condenados como “subjetivos” quando são definidos com
base nas opiniões pessoais daqueles que estão envolvidos em sua definição, tornando-os, em última
análise, arbitrários. Quando são definidos por referência a uma questão específica, mesmo quando
várias questões são possíveis, os mercados não são inerentemente subjetivos, e a objetividade pode
ser alcançada. O artigo argumenta que a objetividade na definição de mercado, sob uma abordagem
teleológica, pode ser alcançada aspirando à objetividade do processo, em vez dos resultados. Na
maioria das vezes, as discussões sobre definição de mercado permanecem muito restritas, buscando
a objetividade por meio da busca de resultados “realistas” em vez de um processo coerente, o que
é alimentado pela falta de reconhecimento de que a utilidade da definição de mercado está em
sua natureza analítica e imaginária. Este artigo, portanto, também busca garantir que um mercado
antitruste “teleológica” não significa automaticamente um mercado antitruste “subjetivo” e oferece
sugestões preliminares sobre as etapas para garantir a objetividade do processo na definição do
mercado antitruste. Alcançar a objetividade na definição de mercado é crucial porque, uma vez que o
conceito de mercado é fundamental na lei de concorrência da UE e os mercados são rotineiramente
definidos como o passo inicial de decisões administrativas, de modo que a subjetividade nas
definições de mercado acabaria por minar a legitimidade da aplicação da lei (Ferro, 2019, p. 30).
O artigo está dividido em três partes. A Parte II (“A natureza dos mercados”) apresenta um
4 Também levantado pela Comissão Europeia (EC, 2020) no Market Definition Notice Evaluation Roadmap (2020)
[doravante denominado “Roteiro de Avaliação”] 1.
35
retrato geral dos mercados como construções intelectuais que descrevem diferentes fenômenos
econômicos, correspondendo não a objetos naturais no mundo real, mas a ferramentas analíticas
que ajudam a estruturar o estudo de uma questão específica. Essa descrição prepara o cenário para a
Parte III (“A natureza dos mercados antitruste”), que estabelece a natureza e a utilidade da definição
de mercado no contexto da lei de concorrência. Essa parte apresenta a abordagem teleológica da
definição de mercado antitruste, segundo a qual os limites do mercado serão traçados em função
de uma questão específica. Ela enfatiza que o poder de mercado é apenas uma pergunta que pode
ser feita como parte dessa função mais ampla de enquadramento do mercado antitruste. A Parte IV
(“Objetividade em um processo teleológico”) argumenta que a definição intencional de mercado não
precisa ser sinônimo de definição subjetiva de mercado. A objetividade na definição do mercado
antitruste não pode decorrer da consistência dos resultados, ou seja, do estabelecimento de um único
mercado antitruste que seja consistente em diferentes investigações. Em vez disso, a objetividade
deverá ser alcançada reconhecendo-se explicitamente a natureza estática e funcional do mercado
antitruste, bem como tomando-se medidas para alcançar a objetividade do processo.
Este artigo combina o poético com o prático, descrevendo a lógica por trás da definição de
mercado, a artificialidade de qualquer mercado (e a utilidade desse artifício) e a finalidade para a qual
os mercados relevantes na dimensão produto podem ser definidos. Ao fazer isso, este artigo espera
levar os acadêmicos envolvidos nas discussões sobre mercado relevante a darem um passo atrás e ver
o panorama geral. A objetividade na definição de mercado antitruste não será alcançada ignorando
a natureza funcional ou teleológica do conceito, mas sim abraçando e reconhecendo explicitamente
sua natureza e escopo. Esse é um apelo muito necessário, atualmente pouco enfatizado na discussão
acadêmica, que pode ajudar as autoridades de concorrência (incluindo, mas não se limitando à
Comissão Europeia) a explicar a lógica por trás da manutenção da definição de mercado antitruste.
Também é bastante oportuno, já que a Comissão Europeia iniciou recentemente uma reavaliação
de seu Aviso de Definição de Mercado, citando eficiência e relevância (incluindo “transparência” e
“orientação”) como critérios de avaliação.
5
2 A NATUREZA DOS MERCADOS
No processo de refletir o mundo, nós o organizamos em entidades. Concebemos o
mundo agrupando-o e segmentando-o da melhor forma possível, em um processo
contínuo que é mais ou menos uniforme e estável, para melhor interagir com
ele. Agrupamos em uma única entidade as rochas que chamamos de Mont Blanc
e pensamos nele como uma coisa unificada. Traçamos linhas sobre o mundo,
dividindo-o em seções. Estabelecemos limites. Aproximamos o mundo dividindo-o
em partes (Rovelli, 2017, p. 85).
A descrição de Rovelli sobre a compreensão humana do mundo é um ponto de partida
adequado para explicar o que são “mercados. Embora os mercados não existam como tais no
mundo natural - ao contrário das rochas que compõem o Monte Branco - eles desempenham funções
intelectuais semelhantes às do conceito de montanha. Eles estruturam o mundo de uma maneira que
permite a compreensão humana. Eles traçam um limite que, se não for totalmente arbitrário, pelo
5 Roteiro de avaliação 1.
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teleológico. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 32-64, 2024.
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menos corresponde a uma escolha específica (onde outras escolhas poderiam ter sido possíveis)
e, em seguida, atribuem um rótulo específico a essa delimitação escolhida. As montanhas são para
as rochas o que os mercados são para a vida econômica: apenas uma palavra que atribuímos a um
grupo de objetos ou ocorrências inter-relacionados. Os seres humanos selecionam quais formações
rochosas pertencem ao mesmo grupo e chamam o conjunto de “Mont Blanc”. Da mesma forma, eles
selecionam interações econômicas específicas que consideram estar relacionadas e as chamam de
mercado. Conforme discutido abaixo, o que é incluído nesse grupo depende totalmente dos seres
humanos que o descrevem e da relação que desejam estudar.
Este artigo não é, de forma alguma, novo na descrição dos mercados dessa maneira. Há muito
tempo foi estabelecido que o “mercado” é uma construção social, valiosa apenas na medida em que
nos permite descrever fenômenos econômicos e, portanto, humanos.
6
A diferença deste artigo é que
ele enfatiza essa natureza construtiva do mercado para esclarecer tanto o escopo quanto a utilidade
do conceito. Isso é importante, pois o conceito de “mercado” é usado em uma infinidade de estudos
econômicos e de direito da concorrência, mas o significado e a finalidade do conceito parecem
pouco esclarecidos.
7
Dessa forma, esta parte do artigo apresenta três características principais dos
mercados em geral (eles demarcam as interações econômicas; são ficções úteis; são específicos para
a investigação), antes de expandi-las no contexto das discussões do direito da concorrência na
próxima parte deste artigo. Essas são três características que, embora pareçam evidentes, são pouco
enfatizadas nas discussões antitruste, apesar de serem cruciais para a natureza e a utilidade do
conceito para os fins da lei de concorrência.
a Os mercados demarcam as interações econômicas
O uso da palavra “mercado” para descrever um núcleo de interação econômica, em vez de
um mero local físico onde vendedores e compradores se encontram, vem de longa data. Ela tem
suas raízes na teoria econômica
8
que estuda a escassez de recursos e a resposta humana a essa
escassez. Há “duas condições fundamentais da existência humana”: os seres humanos tendem a ter
desejos ilimitados e há apenas recursos limitados para satisfazer esses desejos (Shapiro, 1985, p.
9). A teoria econômica estuda as maneiras pelas quais os recursos são, ou poderiam ser, alocados
entre todos os indivíduos que precisam deles para satisfazer seus desejos. Ela descreve como os
indivíduos selecionam entre desejos concorrentes, para determinar qual satisfação eles priorizarão,
e o que influencia essas escolhas. A economia é, como proposto por Robbins (1932, p. 9), a “ciência
da escassez e da escolha”.
6 Por exemplo, Von Mises (1998, p. 312, 359) (originalmente publicado em 1949) e Storr (2010, p. 200-206).
7 Cf. surpresa semelhante observada pelo historiador econômico North: “É um fato peculiar que a literatura de
economia e história econômica contenha tão pouca discussão sobre a instituição central que sustenta a economia neoclássica
- o mercado” (North, 1977, p. 710).
8 Pelo menos, no que diz respeito à tradição econômica ocidental “moderna”. A filosofia econômica ocidental
remonta à Grécia Antiga (oikos+nomos = “lei da casa”, cf. Xenofonte, Pitágoras e Aristóteles), e até mesmo a Bíblia e seus
teólogos discutiam preços e trocas (e estabeleceram teorias sobre o “preço justo” e a usura) (por exemplo, Henrique de Ghent,
provavelmente o primeiro a estabelecer o princípio do equilíbrio). A era do mercantilismo incluiu filósofos-políticos como
Jean-Baptiste Colbert, que aconselhou Luís XIV sobre o funcionamento de suas economias... Além disso, fora do Ocidente, o
intercâmbio organizado ocorreu na Turquia, Mesopotâmia, Pérsia, Índia e China a partir de 6th a.C., muito antes de alguém
sequer ter ouvido falar em comércio. a.C., muito antes de alguém sequer ter ouvido falar de Adam Smith. (Para ler mais: de Jong
e Shepherd (2007); Buchholz, (1999); Backhouse (2002); Heilbroner, (2000)).
37
As forças de oferta e demanda - a rivalidade para adquirir e fornecer os meios escassos para
satisfazer os desejos - não são objetos físicos. Não é possível medi-las como se mede a largura de uma
árvore ou o peso de um saco de farinha. Para permitir uma discussão significativa sobre a interação
dessas forças entre si, é necessária uma estrutura, delimitada no tempo e no espaço. Essa estrutura
é o “mercado. Trata-se de uma construção artificial que estabelece limites em torno de diferentes
decisões econômicas de produção, aquisição e consumo. Essa construção é usada para adicionar
estrutura ao pensamento sobre interações econômicas, indicar quais interações econômicas são
relevantes para a análise em questão e permitir uma análise significativa dessas interações.
b Os mercados são cções muito úteis
Os mercados não existem. Você não pode sair de sua casa e “entrar” em um mercado. Você
pode entrar em um mercado, onde diferentes vendedores exibem seus produtos em um conjunto
de barracas. No entanto, você não estaria entrando no “mercado” em um sentido econômico. Os
mercados são ficções, muito mais do que as montanhas. Embora as montanhas sejam o resultado de
um processo humano de ordenação e cognição, elas se referem a um conjunto de objetos naturais (um
relevo composto de rochas e terra). Os mercados, entretanto, não refletem nenhum objeto “natural
como tal. As interações econômicas - troca, oferta e demanda - existem apenas como representações
da atividade humana (agregada). De fato, a “demanda” em si não corresponde a um objeto natural.
Você pode entender instintivamente a demanda - já que você, como indivíduo, deseja e compra
produtos para satisfazer seus desejos - mas sua “demanda” não é um objeto físico que possa ser
apreendido e, além disso, não se refere apenas à sua atividade individual, mas à agregação dos
desejos e compras de um grupo muito grande de pessoas (Morgan, 2014, p. 246). Esses fenômenos
existem apenas como produtos imaginados da atividade humana.
9
Como os mercados são apenas
o nosso nome para um agrupamento desses fenômenos, sua existência é totalmente fictícia: são
abstrações cognitivas de diferentes decisões e interações humanas.
O mercado é uma ficção muito útil. É exatamente sua falta de realidade “natural” que o torna
uma ferramenta tão útil para análises de vários tipos. Os mercados são a “maquinaria intelectual”
que permite que pesquisadores e autoridades “resolvam as coisas analiticamente” (Pigou, 1922 apud
Morgan, 2014, p. 246). Dessa forma, sua natureza fictícia os torna particularmente adequados para essa
tarefa. Como os mercados representam uma maneira escolhida de analisar as relações entre (grupos
de) pessoas e suas decisões, eles são muito flexíveis: os mercados podem ser definidos de acordo
com o que se deseja descobrir sobre essas relações. Um mercado é um “mecanismo abstrato” (Callon,
1998, p. 1), desenhado de acordo com a natureza da pesquisa, usado para descrever o encontro de
uma seção específica de oferta e demanda para a satisfação de um desejo específico.
10
São estruturas
nas quais os atores competem entre si para obter e fornecer os meios que desejam para satisfazer
esse desejo (Aspers, 2011; Shapiro, 1985; Parkin, 2015). O conceito pode ser preenchido de forma
diferente, dependendo das atividades que estão sendo estudadas. Os mercados são desenhados de
acordo com a natureza da pesquisa e, portanto, estarão alinhados com o fenômeno econômico que
se deseja observar (Geroski, 1998, p. 678; Robertson, 2019, p. 161; Melischek, 2012, p. 169).
9 Berger e Luckmann (1966) descreveram a ordem social como existente “apenas como um produto da atividade
humana” em seu famoso livro de 1966 “The Social Construction of Reality”. Storr (2010) ampliou esse conceito ao aplicar o
mercado em 2010. Dividimos sua descrição precisa do mercado como uma construção social em seus elementos constituintes,
para esclarecer tanto o escopo de qualquer mercado quanto sua utilidade.
10 Behrens, ‘Markets’ (Clark, 2007, p. 985).
38
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teleológico. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 32-64, 2024.
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c Os mercados são especícos para uma questão a ser investigada
Como não existe um mercado verdadeiro, o significado e o escopo do conceito variam de
acordo com o contexto em que ele é usado (Fernández-Huerga, 2013, p. 362). Embora o conceito de
“mercado” geralmente se refira à arena onde a demanda e a oferta se encontram, o foco do mercado
depende do que está sendo analisado. O “mercado” inclui todas as decisões e relações de produção,
aquisição e consumo que são relevantes para a pergunta que se deseja responder. O conceito de
mercado é, portanto, funcional.
Embora o entendimento do que significa um “mercado” seja amplamente semelhante em
diferentes campos de estudo - como a identificação de “arenas” de produção, venda, compra e/ou
consumo de bens ou serviços facilitados por meio de uma forma de troca
11
- a delimitação exata
dessas atividades dependerá do campo específico e até mesmo da pergunta específica feita. Se
quisermos estudar o processo de precificação, o mercado pode ser definido apenas em torno dos
produtos que atingem níveis de preços semelhantes. Se definirmos um mercado como os recursos
que são alocados de forma otimizada, a alocação “otimizada” precisa ser predefinida. Se quisermos
entender as dimensões sociais da troca, o mercado pode ser definido em torno das pessoas cujo
comportamento econômico e tomada de decisão estão diretamente relacionados uns aos outros
12
. Os objetos econômicos (produtos, pessoas físicas e jurídicas), os relacionamentos e as decisões
incluídos nesses diferentes entendimentos do conceito de mercado podem se sobrepor parcialmente,
mas não serão totalmente os mesmos. Quanto mais prático for o contexto em que o conceito for
usado, mais refinado e restrito será o conceito.
Ao estudar a interação dos preços com a demanda e a oferta na teoria, não é necessário ter
uma definição muito específica que possa ser usada em aplicações práticas. Assim, Cournot definiu
“mercado” como “o conjunto de qualquer região em que compradores e vendedores estão em tão livre
relação uns com os outros que os preços dos mesmos bens tendem a se igualar fácil e rapidamente”,
uma noção sobre a qual Marshall se baseou em seus Principles of Economics, (Marshall, 1920, p. 189)
e que tem sido usada em uma variedade de estudos desde então.
13
No entanto, em 1952, Machlup
reconheceu a necessidade de ter uma ferramenta analítica para estruturar questões de pesquisa
de forma gerenciável e focada. Assim, ele argumentou que o conceito de um “setor” (chamado
de “mercado” por Mason, Bain e Stigler) servia apenas para “limitar o escopo dos problemas de
interdependência” dos vendedores. Era uma ferramenta - e nada mais que uma ferramenta - para
enfocar a análise e excluir a interdependência “insignificante” (Machlup, 1952, p. 213).
Uma consequência importante da natureza funcional do conceito de mercado é que não pode
haver um mercado “verdadeiro”. Primeiro, qualquer mercado varia de acordo com o campo de estudo
e o objetivo específico de uma pesquisa específica. Em segundo lugar, como qualquer mercado é
desenhado, em um determinado momento temporal, para responder a uma determinada pergunta,
incluindo relações econômicas e decisões relevantes para essa pergunta, a resposta provavelmente
será diferente a cada vez que a pergunta for feita. Um mercado pode incluir alguns vendedores que
satisfazem um desejo específico, mas não incluirá todos os vendedores e produtos aos quais um
11 Por exemplo, Fligstein (2001, p. 30).
12 Para uma visão geral altamente perspicaz das diferentes noções de mercado nos estudos, consulte Swedberg (1994).
13 Por exemplo, Polanyi (1977, p. 6): “O mecanismo de oferta-demanda-preço, [...] (que chamamos popularmente de
mercado), é uma [...] instituição moderna de estrutura específica, que não é fácil nem de estabelecer nem de manter”.
39
indivíduo poderia recorrer para satisfazer seu desejo específico. A realidade não é apenas que não
existe um local físico que corresponda a um “mercado” em qualquer sentido econômico, mas também
que nunca haverá um conjunto de vendedores e produtos que possa ser identificado como sendo o
“único e verdadeiro” mercado econômico. As vontades, os gostos, os desejos e as necessidades são
tão inconstantes quanto o clima.
Isso tem implicações específicas para os pedidos de “objetividade”. Como o resultado do
delineamento do mercado será diferente a cada vez que for realizado, a objetividade não decorre de
resultados semelhantes, mas de um processo estruturado e transparente. O que deve ser explicitado,
na busca da objetividade, é o propósito da delimitação do mercado, bem como a perspectiva e os
critérios de seleção adotados.
3 A NATUREZA DOS MERCADOS ANTITRUSTE
a Mercados econômicos e mercados antitruste
Os limites exatos dos mercados, que são, afinal, apenas o resultado de um exercício
intelectual, mudarão dependendo do contexto em que forem “desenhados”. A principal distinção para
nossos propósitos é a diferença entre “mercados econômicos” (o conceito de mercado usado nos
estudos econômicos) e “mercados antitruste” (o conceito de mercado usado na política de defesa da
concorrência). Os mercados econômicos (também chamados de “mercados comerciais”) são geralmente
interpretados como grupos de demanda relativamente homogênea, em que os produtos estão sujeitos
a arbitragem suficiente para manter preços semelhantes (Cournot, 1838, p. 51-52; Geroski, 1998, p. 680;
Lipczynski; Wilson; Goddard, 2005, p. 207; Stigler, 1942, p. 92; Massey, 200, p. 318). Os mercados antitruste
são definidos em torno das restrições competitivas sobre entidades econômicas específicas, que são
relevantes para determinar a possibilidade factual de uma conduta específica e a conveniência legal
dessa conduta, no contexto de uma investigação jurídica específica (Eben, 2019, p. 27).
A noção de mercados econômicos era inicialmente muito teórica. Ao estudar a interação dos
preços com a demanda e a oferta na teoria, não havia necessidade de uma definição que pudesse ser
usada em aplicações práticas. Cournot definiu “mercado” como “o conjunto de qualquer região em que
compradores e vendedores estão em tão livre relação uns com os outros que os preços dos mesmos
bens tendem a se igualar fácil e rapidamente”, uma noção sobre a qual Marshall se baseou em seus
Princípios de Economia (Marshall, 1920, p. 189). Não foram feitas tentativas reais de transformar esse
mecanismo retórico em uma ferramenta prática, seja para a política de concorrência ou não (Werden,
1992, p. 127).
14
Alguns economistas aceitaram que os bens deveriam ser incluídos no mesmo mercado
se fossem substitutos, mas isso foi feito principalmente para fins estatísticos(Werden, 1992, p. 127).
Uma compreensão mais prática dos mercados foi fornecida no final da década de 30 pelos
economistas da Organização Industrial (IO).
15
Os mercados de OI são definidos partindo da posição de
um único vendedor e identificando todas as considerações que influenciam sua tomada de decisão,
inclusive os desejos e as ações dos compradores e de outros vendedores. Mason, muitas vezes
14 Isso é de certo interesse, pois a Lei Sherman nos EUA foi publicada no mesmo ano que os Princípios de Marshall.
15 Nessa época, o campo iniciou sua fase “moderna, implementando ideias mais técnicas (de Jong; Shepherd, 2007).
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considerado o fundador do campo moderno da OI (Werden, 1992, p. 128), afirmou que o mercado
desse vendedor “inclui todos os compradores e vendedores, de qualquer produto, cuja ação ele
considera influenciar seu volume de vendas” (Mason, 1939, p. 69). Assim, o mercado é definido com
referência a todos os clientes do produto do único vendedor identificado e a todos os vendedores que
ele considera ao tomar suas decisões sobre preço e produção. Uma maneira de escolher os outros
vendedores a serem incluídos é identificar produtos com alta elasticidade cruzada com o produto do
único vendedor (Machlup, 1952, p. 214). Alta elasticidade cruzada significa que a alteração do preço do
primeiro produto terá um impacto significativo sobre a quantidade demandada do segundo produto
(Rutherford, 2007, p. 71). A razão para isso é que as decisões sobre produção e preço tomadas pelos
vendedores desses produtos terão um impacto significativo entre si (Bain, 1948, p. 16-18; Stigler, 1946,
p. 282-283; Nevo, 2014, p. 58).
O conceito de mercados da IO concentra-se não apenas na maneira como a oferta responde
à demanda em geral, mas também em como as decisões de outros fornecedores em resposta a
essa demanda limitam as opções comerciais disponíveis para o vendedor que é o foco da análise. O
mercado é um dispositivo que permite concentrar-se em restrições específicas ao comportamento
dos vendedores. Como nem todo o comportamento dos vendedores e nem todas as considerações
dos vendedores podem ser estudados de uma só vez, todo estudo tem um escopo restrito. Todo
estudo terá, portanto, um mercado definido em torno de um conjunto restrito de restrições. Machlup
reconheceu a necessidade de ter uma ferramenta analítica para estruturar as questões de pesquisa
de forma gerenciável e focada. Assim, ele argumentou que o conceito de um “setor” (chamado
de “mercado” por Mason, Bain e Stigler) servia apenas para “limitar o escopo dos problemas de
interdependência” dos vendedores. Era uma ferramenta - e nada mais que uma ferramenta - para
enfocar a análise e excluir a interdependência “insignificante” (Machlup, 1952, p. 213). Dessa forma,
os mercados de IO formavam a base ideal para os mercados antitruste orientarem a aplicação da
concorrência. De fato, alguns economistas de IO viam suas pesquisas como a base sobre a qual a
política e a aplicação da lei poderiam se apoiar, e consideravam explicitamente seu objetivo elaborar
critérios para orientar advogados e juízes (Wilcox, 1950, p. 101).
O conceito de mercado precisará ser refinado para se adequar a um determinado objetivo.
Um mercado “antitruste, ou seja, um mercado definido para fins de política de concorrência, terá um
ponto focal diferente de, por exemplo, um mercado para estratégia corporativa (Geroski, 1998, p. 680).
O mercado “antitruste” fundamentará o conceito geral em uma investigação sobre concorrência. Dessa
forma, é necessário não apenas determinar quais são as principais características de um conceito geral
de mercado “econômico”, mas também quais princípios econômicos são relevantes para os mercados
antitruste em um contexto jurídico em particular. Turner reconheceu que pode haver uma lacuna entre
o mercado econômico, conforme entendido principalmente pelos economistas da IO, e o mercado
antitruste. Mesmo quando os economistas e as autoridades da lei de concorrência partem de uma
pergunta semelhante - quais são os substitutos para esse produto? - a escolha subsequente de quais
produtos incluir pode ser diferente, uma vez que as lacunas nas cadeias de substituição ou os espaços
temporais adotados podem ser mais ou menos relevantes, dependendo das questões jurídicas que
estão sendo investigadas (Turner, 1980, p. 1145-1147). Um motivo importante pelo qual o mercado
antitruste pode ser diferente de um mercado de IO é que o objetivo da definição do mercado antitruste
é muito específico: trata-se, antes de tudo, de um conceito jurídico, usado em uma investigação sobre
a possibilidade de uma conduta que gere danos dentro do escopo das disposições jurídicas.
41
Como os mercados antitruste são conceitos jurídicos enraizados na economia, seu
delineamento exige uma compreensão da teoria econômica que os sustenta. Como diz Robertson
(2019, p. 161), “direito e economia são [...] as matérias-primas para construir o filtro da definição
de mercado. Esses fundamentos econômicos servem para acrescentar racionalidade e coerência ao
processo (Bork, 1993, p. 117). Entretanto, eles são usados para informar a definição de mercados para
fins de lei de concorrência, e não para substituí-los. Como o mercado é um conceito funcional e as
investigações da lei de concorrência são de natureza jurídica, pode haver uma discrepância entre os
mercados econômicos e os mercados antitruste à luz dos diferentes objetivos das investigações.
b Os objetivos da denição do mercado de produtos
A definição de mercado é uma ferramenta universal, adotada em muitas jurisdições como
primeira etapa nas avaliações dos efeitos sobre a concorrência de práticas concertadas, condutas
unilaterais e fusões (OECD, 2012, p. 21). Essa definição é importante para a tomada de decisões no
âmbito do direito da concorrência, pois, além da mera referência a “mercados” para sustentar a
legitimidade da lei de concorrência,
16
ela é usada pelas autoridades como uma estrutura para
resolver as questões-problema necessárias para chegar a uma decisão. Os mercados não são
apenas desenhados para permitir medições indiretas do poder de mercado, mas, de forma mais
ampla, fornecem os limites das provas necessárias para resolver questões sobre fatos, condutas e
efeitos anticoncorrenciais. A primeira é a justificativa mais frequentemente citada para a definição
de mercado: as conclusões sobre o poder de mercado são exigidas por lei e, como essas conclusões
geralmente exigem a identificação de mercados, a definição de mercado também o é. No entanto, este
artigo argumenta que, apesar da frequência com que o poder de mercado é citado como justificativa
para a definição de mercado, ele não precisa ser a principal justificativa para a definição de mercado.
Em vez disso, a justificativa mais convincente para a definição de mercado é que ela fornece uma
ferramenta para traçar os limites dentro dos quais se avalia uma questão específica, principalmente
com relação à conduta, à teoria do dano e aos efeitos anticoncorrenciais alegados. Assim, os limites
do mercado serão sempre traçados em função da pergunta que é feita. Isso pode ser chamado de
uma abordagem “teleológica” para a definição de mercado.
De forma ainda mais forte, pode-se argumentar que o poder de mercado não é nem mesmo um
objetivo separado da definição de mercado, mas apenas uma iteração da função de enquadramento
mais ampla da definição de mercado. Embora a lógica do poder de mercado e a abordagem teleológica
possam parecer, a partir de seu tratamento nos estudos, como duas visões distintas sobre a utilidade
da definição de mercado, a lógica do poder de mercado poderia, na verdade, ser conceituada como
apenas “uma” iteração da abordagem teleológica. A definição de mercado é útil porque permite a
identificação das forças em jogo que são relevantes para uma questão, estruturando-as de forma
a elucidar essa questão específica. Essa abordagem pode incluir avaliações de poder de mercado,
uma vez que um mercado pode ser definido com o objetivo de identificar as forças que, no momento
da conduta, limitavam a capacidade da empresa de aumentar o preço de forma lucrativa ou adotar
16 O mercado é um conceito fundamental no direito da concorrência, uma vez que o direito da concorrência se esforça
para proteger a economia de mercado livre de distorções prejudiciais. Assim, estabelecer o escopo de um “mercado” é, em sua
forma mais elementar, uma questão de legitimidade do sistema de direito da concorrência (Podszun, 2016, p. 219; Ferro, 2019,
p. 30).
42
EBEN, Magali. O mercado antitruste não existe: a busca da objetividade em um processo
teleológico. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 32-64, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1901
outras estratégias indicativas de poder de mercado. No entanto, a abordagem teleológica vai além
do foco no poder de mercado, pois permite o direcionamento da definição de mercado para qualquer
questão que a análise pretenda responder, de modo que possa incluir fatores que possam afetar
a conduta de uma empresa em um mercado, mesmo que isso não afete obviamente seu poder
de mercado naquele momento. Nas seções seguintes, a fundamentação do poder de mercado e a
abordagem teleológica são descritas separadamente, antes de passarmos a uma análise da linha de
base comum em todas as iterações de uma abordagem teleológica.
1 A lógica do poder de mercado
A justificativa mais comumente citada para a definição de mercados relevantes é a constatação
de poder de mercado.
17
A definição de mercado é útil para avaliar a estrutura competitiva na qual as
empresas operam e, assim, estabelecer os limites para o cálculo das participações de mercado. As
participações de mercado servem como medidas indiretas do poder de mercado (Furse, 2006, p.
253; Jones; Sufrin; Dunne, 2019, p. 306). Elas são amplamente utilizadas na prática decisória e na
jurisprudência como filtros para separar os casos que envolvem poder de mercado significativo dos
casos em que não há poder de mercado notável (Monti, 2007, p. 122).
A constatação de que a(s) empresa(s) tem(têm) poder de mercado é fundamental, pois
tais constatações são requisitos jurídicos da lei de concorrência da UE. A lei de concorrência da UE
exige poder de mercado, em diferentes graus, de acordo com o Artigo 101 do TFEU (Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia), o Artigo 102 do TFEU e o EUMR (Regulamento de Fusões da UE). De
acordo com o EUMR, uma fusão será bloqueada se impedir significativamente a concorrência efetiva,
especialmente pela criação ou fortalecimento de uma posição dominante.
18
As conclusões do Artigo
102 são baseadas na existência de uma posição dominante, que é uma posição de poder de mercado
significativo. Mesmo nos termos do Artigo 101, que não exige explicitamente uma posição dominante,
as constatações de poder de mercado podem ser significativas, uma vez que o efeito considerável de
um acordo sobre a concorrência pode ser determinado quantitativamente, observando-se o volume
de negócios e as participações de mercado dos participantes.
19
O General Court (GC) decidiu que,
embora a definição de mercado possa ser importante nos termos dos artigos 101 e 102, ela só é
necessária para decisões nos termos do artigo 102, uma vez que, nos termos do artigo 102, o poder
em um determinado mercado é a essência da proibição.
20
O artigo 101 é teoricamente possível sem
definição de mercado, exceto quando sua aplicação depende do estabelecimento de participações
de mercado. O uso de limites de participação de mercado transforma a definição de mercado em um
requisito, uma vez que as participações de mercado não podem ser calculadas sem referência a um
mercado, conforme confirmado pela Corte em Ziegler.
21
Em resumo, o poder de mercado desempenha
17 Massimo Motta (2004, p. 102) chegou a afirmar que “a definição de mercado é instrumental apenas para a avaliação
do poder de mercado” - uma afirmação que contestamos na segunda parte desta seção.
18 Artigo 2(2) do Regulamento (CE) nº 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controle das
concentrações de empresas (Regulamento das concentrações comunitárias), 2004 O.J. (L 24) 1 [doravante denominado “EUMR”].
19 Por exemplo, a Comunicação da Comissão Europeia relativa aos acordos de pequena importância que não restringem
sensivelmente a concorrência nos termos do nº 1 do artigo 81º do Tratado que institui a Comunidade Europeia (2001), JO C 368,
§7 [doravante denominada “Comunicação da Comissão (2001)”].
20 Caso T-62/98 Volkswagen/Comissão (2000) ECLI:EU:T:2000:180 §230; Caso T-61/99 Adriatica di Navigazione/Comissão
(2003) ECLI:EU:T:2003:335 §27; Caso T-57/01 Solvay/Comissão (2009) ECLI:EU:T:2009:519 §248.
21 Processo C-439/11 P Ziegler v Comissão (2013) ECLI:EU:C:2013:513 §63.
43
um papel nos três tipos de casos e, consequentemente, a definição de mercado também o faz, embora
em diferentes graus e para diferentes fins.
Apesar da adoção generalizada na prática decisória e na jurisprudência da definição de
mercado para possibilitar indiretamente a constatação de poder de mercado, fazer isso não é um
imperativo estabelecido pelo texto da lei. Na maioria dos casos, com exceção de certas presunções
legais baseadas em participações de mercado,
22
as próprias leis não exigem explicitamente a
“definição de mercado”, referindo-se mais amplamente ao “poder de mercado”. Quando a lei não usa
participações de mercado, pode-se argumentar que não é a definição de mercado, mas o poder de
mercado que é legalmente inevitável. É concebível, então, que quando o poder de mercado pudesse
ser estabelecido sem a definição de um mercado, esse processo poderia ser evitado (Kaplow, 2014, p.
346; Gerardin; Layne-Farrar; Petit, 2012, p. 78; Niels; Jenkins; Kavanagh, 2016, p. 107). Como ainda não
parece haver um método satisfatório para estabelecer o poder de mercado diretamente,
23
em vez de
por meio de participações de mercado, as autoridades não podem evitar o processo de definição de
mercado. O cálculo das participações de mercado só é possível se forem conhecidos os limites do
produto e do mercado geográfico em que a empresa opera. Portanto, a definição do mercado continua
sendo, por enquanto, uma etapa importante no processo de avaliação do poder de mercado. As
autoridades e os tribunais da UE e dos EUA têm reconhecido consistentemente a definição de mercado
como uma ferramenta essencial nas avaliações antitruste.
24
A definição de mercado é reconhecida no
Aviso sobre Definição de Mercado da Comissão Europeia e nas Diretrizes sobre Fusões Horizontais
do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e da Comissão Federal de Comércio (FTC) como uma
etapa importante na avaliação do poder de mercado (DOJ, 2010; EC, 1997).
25
O Tribunal Geral da União
Europeia também enfatiza a natureza crucial da definição de mercado: “a possível posição dominante
de uma empresa em um determinado mercado só pode ser examinada quando for estabelecido que
o mercado dos produtos relevantes é distinto de outros setores do mercado geral.
26
2 O objetivo da pesquisa
Apesar da ênfase no poder de mercado nos estudos acadêmicos, a avaliação do poder de
mercado não é o único, ou mesmo o principal, objetivo da definição de mercado. De fato, pode
ser apenas uma iteração da função de enquadramento mais ampla da definição de mercado, sob
22 Por exemplo: limiares de participação de mercado para determinar o efeito significativo (na Comunicação da
Comissão (2001)) ou para aplicar isenções em bloco (por exemplo, artigo 3 do Regulamento (UE) nº 330/2010 da Comissão sobre
a aplicação do artigo 101(3) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia a categorias de acordos verticais e práticas
concertadas (VBER), artigo 4 do Regulamento (UE) nº 1217/2010 da Comissão sobre a aplicação do artigo 101(3) do Tratado sobre
o Funcionamento da União Europeia a determinadas categorias de acordos de pesquisa e desenvolvimento).
23 Veja as limitações identificadas em: Hovenkamp (2017, p. 63); Monti (2007, p. 131); Geradin, Layne-Farrar e Petit (2012,
p. 82-86).
24 Veja: EUA: United States v. E.I. du Pont de Nemours, 351 U.S. 377 (1956) §593; United States v. Aluminum Co. of America,
377 U.S. 271 (1964) §271. UE: Caso 27/76 United Brands v Comissão (1978) ECLI:EU:C:1978:22 §10; Caso 31/80 L’Oreal v De Nieuwe
AMCK (1980) ECLI:EU:C:1980:289 §25; Caso C-62/86 AKZO Chemie v Comissão (1991) ECLI:EU:C:1991:286 §51; Processo T-62/98
Volkswagen v Comissão (2000) ECLI:EU:T:2000:180 §230; Processo T-68/96 Kish Glass v Comissão (2001) ECLI:EU:T:1998:20 §62.
25 US Department of Justice and Federal Trade Commission Horizontal Merger Guidelines (2010) [doravante “US
Merger Guidelines (2010)”]; European Commission Notice on the definition of the relevant market (1997) OJ C 372 [doravante
“Commission Notice (1997)”].
26 Processo T-83/91 Tetra Pak International/Comissão (1994) ECLI:EU:T:1994:246 §2. Outros julgamentos repetem o
mesmo ponto: por exemplo, Processo T-342/99 Airtours/Comissão (2002) ECLI:EU:T:2002:146 §3; Processo 6/72 Europemballage
& Continental Can/Comissão (1973) ECLI:EU:C:1973:22 §247.
44
EBEN, Magali. O mercado antitruste não existe: a busca da objetividade em um processo
teleológico. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 32-64, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1901
uma abordagem teleológica. Como explicado detalhadamente acima, os mercados são ferramentas
analíticas para encontrar a resposta para a pergunta em torno da qual uma investigação antitruste
é estruturada (Glasner; Sullivan, 2020, p. 20).
27
No contexto dos mercados antitruste, essa questão
não se limita apenas ao poder de mercado.
28
A definição de mercado é, de forma mais ampla,
realizada para obter um quadro de referência no qual avaliar os fatos e teorias apresentados em
um caso específico. Um mercado antitruste fornece limites úteis para a investigação, dentro dos
quais é possível identificar os principais agentes econômicos e fatores relevantes para a análise.
29
A
definição de mercado colocará no centro da análise os fatores que influenciam as decisões de oferta
e demanda, principalmente as forças competitivas relevantes em jogo, estruturando-as de forma a
elucidar a pergunta que a investigação tenta responder (Fisher, 1978). Por meio da definição de um
mercado antitruste, organizam-se as evidências disponíveis e traça-se um quadro dos diferentes
atores e características de um setor, facilitando a análise do impacto que determinadas decisões
e eventos podem ter sobre a concorrência.
30
Esse quadro pode, então, ser usado para tomar uma
decisão informada sobre a suposta violação da lei de concorrência e suas consequências para essa
seção específica da economia, tendo em vista as forças reais em jogo (Cameron; Glick; Mangum, 2012,
p. 721; Fisher, 2008, p. 130; Nevo, 2014, p. 260-262; Glasner; Sullivan, 2020, p, 20; Podszun, 2018, p. 81).
Nesse sentido, o mercado antitruste vai além do objetivo restrito de estabelecer o poder de mercado,
para fornecer aos tomadores de decisão o ambiente imaginário no qual as práticas supostamente
ocorreram e os limites dentro dos quais eles podem limitar sua análise.
Essa visão da definição de mercado é flexível: uma vez que o mercado antitruste é uma
ferramenta analítica, ele será necessariamente utilizado da maneira mais adequada à análise que se
destina a auxiliar. Em termos críticos, isso significa que o mercado antitruste relevante dependerá
das particularidades do caso em questão, variando de acordo com a finalidade analítica para a qual
o mercado está sendo definido. Essa visão do mercado antitruste pode ser chamada de abordagem
“teleológica,
31
uma vez que ela vê o mercado não como uma realidade estática, mas como um processo
que se altera dependendo da finalidade para a qual é usado. Esse “propósito” é o da investigação
específica, e não um “objetivo” amplo das próprias leis.
32
O mercado antitruste é uma ferramenta
analítica e, portanto, seu uso será determinado pela pergunta que a investigação busca responder.
Embora a articulação de uma abordagem teleológica para a definição de mercado seja mais
evidente nos estudos e na jurisprudência australianos (Beaton-Wells, 2003, p. 42), tal abordagem não
é estranha aos estudos e à prática de aplicação da lei na Europa e nos Estados Unidos (Salop, 200, p.
27 Documento de pesquisa de estudos jurídicos da Universidade de Iowa.
28 É com prazer que tomamos emprestado o texto da definição de mercado usado pela CMA em sua prática decisória.
29 Por exemplo, em Brasserie de Haecht (1967) p. 415, a Corte Europeia de Justiça evocou a ideia de que os efeitos das
práticas anticoncorrenciais só poderiam ser avaliados com referência a um mercado definido (Caso 23/67 Brasserie de Haecht
v. Wilkin-Janssen (1967) ECLI:EU:C:1967:54 408).
30 De fato, em seu recente julgamento sobre a American Express, a Suprema Corte reiterou a necessidade de definir o
mercado para avaliar os efeitos de uma conduta supostamente anticoncorrencial (AmEx (2018) §2885), como havia feito cinco
décadas antes (Walker Process Equipment v. Food Machinery and Chemical Corporation (1965) §177).
31 Para o uso do termo “proposital” nesse contexto, consulte Beaton-Wells (2003, p. 39). Também gostamos da
expressão “abordagem instrumental, cf. Podszun, (2018, p. 74).
32 Tradicionalmente, “proposital” se refere a um tipo de abordagem interpretativa da legislação, segundo a qual o
objetivo do legislador é usado para dar significado aos estatutos. Veja, por exemplo, Barak (2005, p. xii); Giord, Reynolds e
Murad (2012, p. 231). O uso de “proposital” aqui tem um significado mais restrito, referindo-se ao objetivo da investigação, em
vez do objetivo por trás da adoção do estatuto. É claro que é possível que o objetivo da investigação possa ser determinado
em virtude dos objetivos da lei, mas isso não é um dado adquirido.
45
188; Podszun, 2018, p. 81; Glasner; Sullivan, 2020, p, 23; Katz, 2007, p. 880). Em 1977, Breyer, ao refletir
sobre a noção da palavra “mercado” na lei de concorrência para um público australiano, retratou
o “mercado” como uma ferramenta para dar efeito ao objetivo específico da disposição da lei de
concorrência. Assim, ele argumentou que os “mercados” não são realidades objetivas, mas meios
flexíveis para avaliar a conduta em questão com referência a um objetivo específico (Breyer, 1977,
p. 34). Em 1980, Turner (1980, p. 114-1147) explicou que o mercado antitruste cumpre uma “função
dupla”: primeiro, ele fornece uma “base econômica racional para avaliar as consequências de um tipo
específico de conduta” e, somente em segundo lugar, ele pode ser usado como um meio indireto de
avaliar o poder de mercado - uma função para a qual Turner achava que a definição de mercado nem
sempre era adequada.
33
Até hoje, os acadêmicos americanos afirmam que a definição de mercado
tem um papel além das avaliações de poder de mercado. Werden responde às representações da
definição de mercado como “inútil” e “arbitrária, refletindo sobre a utilidade do mercado antitruste
para a identificação e o delineamento do processo competitivo supostamente prejudicado (Werden,
2013, p. 732). Salop (2000, p. 191) argumenta que os mercados antitruste só podem ser definidos
adequadamente “no contexto da suposta conduta e efeito anticompetitivos. Glasner e Sullivan (2020,
p. 4-5) se referem a vários objetivos da definição de mercado além do cálculo das participações de
mercado, incluindo a imposição de disciplina analítica, a organização das evidências disponíveis, a
triagem de teorias implausíveis e o fornecimento de uma estrutura focada para orientar a análise.
Também na Europa, os acadêmicos observaram uma lógica mais ampla para o mercado antitruste.
Podszun (2018, p. 74) escreve que “a definição de mercado tem tudo a ver com [...] identificar as
circunstâncias econômicas relevantes para o comportamento em questão”. Robertson apresenta a
“caracterização do mercado” como uma função da definição de mercado, que pode ser complementar
à lógica do poder de mercado. Essa função, escreve ela, “fornece o contexto de mercado necessário
para entender e aplicar a teoria do dano à concorrência e uma análise dos efeitos anticoncorrenciais”
(Robertson, 2019, p. 15).
Os acadêmicos podem encontrar apoio para essas opiniões nas orientações das autoridades,
na prática de aplicação e na jurisprudência. Em seu Aviso sobre Definição de Mercado, a Comissão
Europeia descreve a definição de mercado como uma ferramenta que “serve para estabelecer a
estrutura dentro da qual a política de concorrência é aplicada”.
34
Mesmo quando se refere ao poder
de mercado, ela o faz apenas como um objetivo secundário: “[é] sob essa perspectiva que a definição
de mercado possibilita, entre outras coisas, o cálculo das participações de mercado que transmitiriam
informações significativas sobre o poder de mercado”.
35
Em 1967, no caso Brasserie de Haecht
36
,
o Tribunal de Justiça Europeu evocou a ideia de que os efeitos das práticas anticoncorrenciais só
poderiam ser avaliados com referência a um mercado definido. Mais recentemente, tanto o Advogado-
Geral Bot quanto o Advogado-Geral Kokott expressaram, respectivamente no Erste Bank e no Ziegler,
que a definição do mercado deveria ser feita com base no problema a ser resolvido, na natureza da
questão examinada e na probabilidade de ocorrência de efeitos prejudiciais.
37
Quando a Comissão
33 A crítica à definição de mercado, em que o poder de mercado pode ser avaliado diretamente, de fato persiste até
hoje.
34 Aviso da Comissão (1997) §2.
35 Aviso da Comissão (1997) §2.
36 Processo 23/67 Brasserie de Haecht v. Wilkin-Janssen (1967) ECLI:EU:C:1967:54 415.
37 Parecer no processo C-125/07 P Erste Bank et al/Comissão (2009) ECLI:EU:C:2009:192 §172, §177; Parecer no processo
C-439/11 P Ziegler/Comissão (2013) ECLI:EU:C:2012:800 §53, §58.
46
EBEN, Magali. O mercado antitruste não existe: a busca da objetividade em um processo
teleológico. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 32-64, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1901
Federal de Comércio dos EUA argumentou, no caso Whole Foods Market, que não precisava definir
um mercado, já que os mercados antitruste são definidos apenas para avaliar o poder de mercado,
o Tribunal de Apelações fez referência à Brown Shoe para esclarecer que a avaliação do poder de
mercado não é o único objetivo da definição de mercado, já que o mercado antitruste fornece “o
cenário apropriado para julgar o provável efeito anticompetitivo” em um caso.
38
Por fim, em seu
recente julgamento sobre a American Express, a Suprema Corte dos EUA reiterou a necessidade de
definir o mercado para avaliar os efeitos de uma conduta supostamente anticompetitiva,
39
como
havia feito cinco décadas antes em Walker Process Equipment.
40
O que todas essas declarações têm em comum é o fato de considerarem que a definição
de mercado tem utilidade além da mera avaliação do poder de mercado. Elas veem a definição
de mercado como dependente do objetivo buscado na investigação, em vez de ser um conceito
independente e autossuficiente. Um mercado antitruste, em cada caso específico, deve ser definido
com base na pergunta que o caso busca responder. Isso significa que a questão legal ou de fato
precisa ser articulada antes que o mercado possa ser definido (Salop, 2000, p. 188).
c Articulando a abordagem teleológica
3 Variações potenciais
Como uma abordagem teleológica significa apenas que o mercado antitruste é definido com
base no objetivo da investigação, pode haver uma variedade de abordagens teleológicas. Este artigo
apresenta uma breve visão geral das possíveis variações. Essas variações podem incluir, mas não se
limitam a, definição de mercado com o objetivo de avaliar a viabilidade da suposta conduta, avaliar
a teoria do dano ou estabelecer o poder de mercado. As primeiras variações se baseiam na noção de
um mercado antitruste como o “fórum para decisões econômicas” (Podszun, 2018, p. 81). O mercado
é o recipiente analítico que contém os fatos, os atores e as forças que moldaram a situação (anti)
competitiva que deu origem ao caso em questão. A seleção dos fatos, atores e forças contidos nesse
recipiente dependerá da perspectiva adotada. Essa perspectiva pode ser a conduta alegada, a teoria
do dano ou até mesmo os interesses que se pretende proteger (Salop, 2000, p. 191; Glasner; Sullivan,
2020, p. 5; Katz, 2007, p. 880; Baker, 2007; p. 129) A lógica do poder de mercado, mais tradicional, pode
ser considerada uma abordagem teleológica. A avaliação do poder de mercado não é realmente
distinta da abordagem teleológica, mas é apenas uma variação dela: uma pergunta específica que a
definição de mercado pode ajudar a responder.
A primeira variação se concentra na conduta alegada. Se os mercados antitruste forem
definidos com o objetivo de avaliar a viabilidade da conduta alegada, a conduta que se acredita ser
problemática precisa ser articulada antes que o mercado possa ser definido.
41
O mercado seria definido,
segundo essa abordagem, para revelar as restrições (existência ou ausência de) que impediriam a
38 FTC v. Whole Foods Mkt., Inc., 548 F.3d 1028, 1036 (D.C. Cir. 2008), referindo-se a Brown Shoe (Brown Shoe, 370 U.S. 322)
39 Ohio v. American Express Co. (2018) 585 U.S. 2885.
40 Walker Process Equipment v. Food Machinery and Chemical Co. (1965) 382 U.S. 177.
41 Veja, a esse respeito, Salop (2000, p. 188).
47
adoção de tal conduta pela(s) empresa(s) sob investigação.
42
Uma segunda abordagem é a definição
do mercado para avaliar a plausibilidade do dano alegado. Por exemplo, em um caso referente a uma
conduta unilateral exclusionária, em que o réu adotou uma estratégia que interferiu no acesso dos
rivais a um insumo essencial, a alegação pode ser de que os consumidores sofreram preços mais
altos como resultado da incapacidade dos rivais de restringir o réu com sua própria oferta. Nesse
caso, o mercado poderia ser definido com referência às preferências dos consumidores na ausência
da conduta específica, para permitir uma análise das flutuações de preço sob esse contrafactual. Se
todas as coisas fossem iguais, na ausência da estratégia para impedir o acesso, alguns consumidores
teriam considerado o produto rival um substituto para a oferta da empresa ré?
A definição de mercados em torno da viabilidade da suposta conduta provavelmente parecerá
mais aceitável do que uma abordagem teleológica centrada na teoria do dano. Se os mercados
antitruste forem definidos com o objetivo de avaliar a suposta teoria do dano, o ponto de partida
da delimitação do mercado pode variar. Um exemplo disso é quando uma autoridade toma o grupo
que deseja proteger como ponto de partida do exercício. Isso poderia ser chamado de abordagem de
“interesse protegido”. Isso pode ocorrer quando o objetivo da aplicação e da política de concorrência
é interpretado como estando relacionado exclusiva e diretamente ao dano aos interesses de um
determinado grupo. Nesse caso, o ponto de partida do exercício pode ser o grupo cujos interesses
são supostamente prejudicados (Harris; Jorde, 1984, p. 6). Posner (2001, p. 149) afirmou, por exemplo,
que “primeiro, um grupo de compradores com direito à proteção da lei deve ser identificado (por
exemplo, clientes de corned beef na cidade de Nova York)”. Argumentamos que essa abordagem de
“interesse protegido” só faria sentido no contexto de uma política de concorrência que se concentra
clara e inequivocamente no dano causado a um grupo específico. Na realidade, é mais provável que
um sistema busque proteger os interesses de vários grupos (Ezrachi, 2017, p. 51; Moisejavas; Novosad,
2013, p. 628).
43
Na prática, não é tão fácil separar os “interesses protegidos” da “empresa e seu produto”
como ponto de partida, pois um influenciará o outro. Afinal, é com base nos clientes (geralmente um
dos grupos protegidos) de um produto que ele será definido. De fato, o grupo protegido de Posner -
clientes de corned beef da NYC - é definido por referência a um produto - corned beef. É necessário,
portanto, identificar o grupo interessado - os clientes - com precisão, a fim de identificar o produto
com precisão, mesmo que se preocupe com os interesses de outros grupos também.
Definir o mercado com o objetivo de testar a suposta conduta ou teoria do dano pode
parecer controverso, mas pode-se argumentar que isso apenas reconhece que a preocupação da lei
de concorrência é com o desvio do padrão de concorrência perfeita, principalmente por meio do uso
do poder de mercado. A conduta colusiva, a conduta exclusionária, bem como a conduta exploratória
na UE, são proibidas devido ao prejuízo ao funcionamento ou aos resultados do mercado competitivo.
A lógica da definição de mercado já está impregnada dos conceitos de conluio, exclusão e danos
retrospectivos e prospectivos.
44
De fato, os testes atualmente utilizados para a definição de mercado
42 Da mesma forma, Baker e Bresnahan (2008, p. 7) argumentam que “a exigência de definição de mercado também
permite que o réu refute a ideia de que a concorrência é frágil o suficiente para ser prejudicada, tentando estabelecer um
mercado mais amplo.
43 Podszun (2018, p. 81) observa que a Comissão Europeia “geralmente tenta ficar do lado do consumidor - e, portanto,
interpreta uma percepção de fatos econômicos que analisa o fórum para decisões econômicas chamado mercado a partir da
perspectiva do consumidor”. No entanto, se isso não for feito conscientemente, com o objetivo de salvaguardar os interesses
do consumidor em particular, isso fica aquém de uma abordagem adequada de “interesse protegido” para a definição de
mercado.
44 Veja, por exemplo, a visão geral de Baker sobre a definição de mercado em casos de danos retrospectivos e
48
EBEN, Magali. O mercado antitruste não existe: a busca da objetividade em um processo
teleológico. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 32-64, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1901
estão intrinsecamente ligados às teorias de danos que adotamos na prática e nos estudos da lei
de concorrência. O uso do teste do monopolista hipotético ou, alternativamente, o teste do cartel
hipotético
45
, está enraizado na preocupação com o aumento de preços como resultado do exercício
do poder de mercado existente (Werden, 2013, p. 198), a mesma preocupação que forma o ponto
central nas representações tradicionais do dano antitruste decorrente de colusão ou exploração.
Não é certo que esses são os testes que devem ser aplicados em cada caso,
46
mas sua aceitação
entusiástica quando introduzidos pela primeira vez deve-se, em grande parte, à ligação desses testes
com “a questão econômica real” no centro dos casos de fusão (Schmalensee, 1987, p. 47).
Por fim, a lógica do poder de mercado em si pode ser considerada uma abordagem teleológica:
afinal, os fatores incluídos no mercado são apenas aqueles relevantes para responder a uma pergunta
específica - a empresa pode agir de forma independente, até certo ponto, sem ser restringida pela
concorrência? Em uma abordagem tradicional centrada no preço, o mercado é definido para avaliar a
capacidade da empresa de aumentar os preços significativamente, na ausência da força disciplinadora
da substituição. Essa avaliação não é realmente distinta da abordagem teleológica, mas é apenas
uma variação dela: uma pergunta específica que a definição de mercado pode ajudar a responder.
Uma parte significativa dos estudos modernos se concentra na justificativa de poder de
mercado da definição de mercado, desconsiderando ou ignorando a utilidade mais ampla da definição
de mercado. Quando os estudiosos evocam fundamentos para a definição de mercado semelhantes à
abordagem teleológica descrita neste artigo, eles geralmente parecem sugerir que esse fundamento
é uma alternativa ou um complemento às justificativas de poder de mercado. Esse é o caso da maioria
dos estudiosos citados na seção acima. Robertson (2019, p. 55) cita a “caracterização do mercado”
como “outra função do mercado relevante. Turner fala de uma “função dupla” para a definição
de mercado, com o fornecimento de uma “base econômica racional” para a decisão como função
principal e a avaliação do poder de mercado como função secundária. Turner observa que essas duas
funções estão, de fato, intimamente relacionadas e que, além disso, a definição de mercado pode não
ser adequada para o estabelecimento do poder de mercado (Turner, 1980, p. 1145-1147). Da mesma
forma, Podszun (2018, p. 75) descreve a abordagem da Comissão Europeia em relação à definição de
mercado na Comunicação da seguinte forma: “a Comissão rapidamente transforma a definição de
mercado de ‘estabelecer a estrutura’ para ‘calcular as participações de mercado, sem observar que
a primeira poderia ser possibilitada pela segunda. É correto, é claro, que a Comissão e os Tribunais
não fizeram uma declaração explícita de que a definição de mercado é uma ferramenta teleológica,
sendo as avaliações de poder de mercado apenas um exemplo dessa finalidade. No entanto, mesmo
na Comunicação, a Comissão deixa espaço para essa interpretação, ao estabelecer que uma das
possibilidades da definição de mercado é “inter alia” calcular as participações de mercado.
47
prospectivos (Baker, 2007, p. 159-173).
45 Consulte as Diretrizes de Fusão dos EUA (DOJ, 2010).
46 Sean Sullivan argumentará, de fato, que uma abordagem mais modular poderia ser adotada para a definição de
mercado: artigo em andamento.
47 Aviso da Comissão (1997) 2.
49
4 Restrições competitivas
Uma abordagem teleológica significa que o mercado antitruste relevante será definido para
responder a uma pergunta específica - por exemplo, a existência de poder de mercado, a viabilidade
da suposta conduta ou teoria do dano - e, portanto, será definido em função dessa pergunta. Uma
avaliação de poder de mercado pode, à primeira vista, parecer muito distante da visão da definição de
mercado como uma estrutura para avaliar a conduta alegada ou a teoria do dano. Entretanto, esse não
é necessariamente o caso. Pelo contrário, todas essas finalidades compartilham uma base comum, o
que é essencial para garantir a coerência na definição de mercado.
A definição do mercado à luz da suposta conduta ou teoria do dano deve ser fundamentada em
uma base de “restrições competitivas. A adoção dessa linha de base reúne a ideia de poder de mercado,
como a preocupação mais ampla da lei de concorrência, e abordagens mais granulares centradas na
conduta ou na teoria do dano. Essa é a linha de base que mais se alinha com a jurisprudência europeia
(e americana). De fato, as autoridades e os tribunais da UE e dos EUA sempre reconheceram que
a definição de mercado diz respeito à identificação das principais restrições competitivas.
48
Afinal,
sabemos em linhas gerais com o que a política de concorrência se preocupa: ou seja, a existência
e o comprometimento da concorrência. Portanto, os mercados devem ser definidos em torno das
restrições competitivas existentes, mas as forças competitivas que devem ser consideradas relevantes
podem variar dependendo da conduta alegada ou da teoria do dano.
Para ilustrar esse ponto, pense na diferença entre a análise de fusões e uma avaliação
da conduta unilateral de empresas com poder de mercado. No caso de fusões, as autoridades se
preocuparão com os impedimentos à concorrência no futuro, especialmente se a fusão levar à criação
de uma posição dominante,
49
e, portanto, definirão os mercados em virtude das restrições a essa
criação agora e da possível remoção ou adição dessas restrições após a fusão. Em casos de conduta
unilateral, o mercado será definido por referência às (ausência de) forças que teriam impedido o
dano alegado. Mais especificamente, a preocupação com as fusões pode ser o fato de que os preços
aumentarão significativamente como resultado dessa nova posição dominante. A questão é se existem
e se continuarão existindo restrições competitivas suficientes, após a realização da fusão, para impedir
que a empresa aumente significativamente os preços. Outra preocupação pode ser se a inovação será
significativamente reduzida. Nesse caso, as autoridades terão que definir o mercado de acordo com
as restrições competitivas que afetam as decisões da empresa com relação à inovação. As restrições
de preço podem ser - mas não são necessariamente - as mesmas que as restrições de inovação. Da
mesma forma, uma preocupação específica nos termos do Artigo 102 do TFUE pode ser o fato de a
empresa ter conseguido excluir concorrentes em um mercado adjacente, não por oferecer um produto
superior, mas por vincular esse produto ao seu “carro-chefe”. Nesse caso, dois mercados devem ser
definidos, e a questão não será apenas se há alguma restrição à capacidade da empresa de vender
seu principal produto a qualquer preço que desejar, mas, mais especificamente, se ela está impedida
de vendê-lo com outro produto. O mercado para o produto principal incluiria todos esses fatores
restritivos. Da mesma forma, para definir o mercado para o produto vinculado, a questão não seria
apenas quais forças restringiam a venda desse produto com relação a preço e produção, mas também
com relação a condicionar essa venda à compra de outro produto (Salop, 2000, p. 191; Definition [...],
1954, p. 391).
48 Ver julgamentos, nota supra 53; Decisão da Comissão Europeia AT.39740, Google Search (Shopping) (2017) §146.
49 EUMR, Art.2.
50
EBEN, Magali. O mercado antitruste não existe: a busca da objetividade em um processo
teleológico. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 32-64, 2024.
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A abordagem de restrições competitivas para a definição de mercado não só está de acordo
com o objetivo das pesquisas, mas também tem a melhor semelhança com o conceito de mercados
usado nos estudos de organização industrial (IO). Fisher afirmou, já em 1987, que “o “mercado” deve
incluir as empresas e os serviços que agem para restringir as atividades da empresa ou das empresas
que são objeto de atenção” (Fisher, 1978, p. 28). O objetivo do exercício influencia qual deve ser o ponto
de partida e o foco do exercício. Conforme explicado acima, os mercados de IO foram desenhados
com referência a um único vendedor e seu(s) produto(s), a fim de identificar quais forças restringiriam
o vendedor de adotar determinada conduta (por exemplo, aumentar os preços). Uma abordagem
semelhante é adotada para os mercados antitruste, em que os mercados são desenhados com
referência a uma entidade específica e seu(s) produto(s), que são relevantes para o comportamento
em questão. De acordo com o Artigo 102 do TFEU, a investigação pode estar relacionada a uma conduta
supostamente anticoncorrencial que tenha afetado o preço e, portanto, o mercado será definido por
referência a uma empresa específica e ao produto que ela vende, identificando as restrições sobre a
capacidade de ajustar substancialmente o preço desse produto. De acordo com o Artigo 101, o foco
seria a capacidade de várias entidades juntas adotarem determinada conduta em relação a um produto
específico. Em uma análise de fusão, se a investigação se concentrar nas forças que impediriam
uma entidade resultante da fusão de, por exemplo, aumentar os preços do fornecimento conjunto,
o ponto de partida provavelmente será duas empresas, em consórcio, vendendo um determinado
produto (linha). A questão poderia ser se a fusão provavelmente levará a preços mais altos no futuro,
de modo que o mercado será definido por referência a restrições futuras em uma oferta de produto
resultante da fusão. A preocupação pode ser diferente, entretanto, se os preços já parecerem altos.
Nesse caso, a preocupação poderia ser se as empresas atualmente separadas enfrentam restrições
competitivas antes da fusão e como a fusão afetaria essas restrições: a fusão tornaria permanente
uma situação (de preço alto) que, de outra forma, poderia ser transitória? (Fisher, 1978, p. 29).
A abordagem das restrições competitivas não é incompatível com a abordagem do poder de
mercado. Afinal de contas, diz-se que existe poder de mercado quando uma empresa pode aumentar o
preço de forma lucrativa - algo que ela não poderá fazer se estiver limitada pela concorrência naquele
momento. O valor da abordagem de restrições competitivas está em sua capacidade de apresentar
um quadro mais completo do ambiente em que a conduta ocorre, através das lentes dos efeitos com
os quais a autoridade se preocupa. Ela é teleológica, em vez de se concentrar singularmente em
uma medida “objetiva” imaginada (ou seja, poder de mercado). Ele esclarece não apenas o poder de
mercado (capacidade de fixação de preços) da empresa naquele momento, mas também se ela está
impedida de adotar determinadas práticas (prejudiciais) por forças atuais e potenciais. Quando o foco
da definição de mercado não está apenas no poder de mercado, a definição de mercado se torna uma
ferramenta mais útil para identificar os principais fatores relevantes para a compreensão da conduta
em questão, de uma maneira que possa ser usada pelas autoridades e pelos tribunais. Conforme
declarado pela Comissão, “a determinação do mercado relevante é útil para avaliar se a empresa
em questão está em posição de impedir a manutenção de uma concorrência efetiva. Isso permite
o estabelecimento do poder de mercado, quando necessário, mas procura ir além, fornecendo uma
lente para avaliar os fatos.
51
4 OBJETIVIDADE EM UM PROCESSO TELEOLÓGICO
Uma abordagem teleológica para a definição de mercado antitruste implica a adoção de
uma perspectiva particular ao delinear o mercado, destilando relações complexas e dinâmicas em
um quadro estático útil para a investigação. Como será visto nesta parte do artigo, esse mercado
pode ser particular (definido por referência a uma perspectiva previamente estabelecida), mas não
precisa ser subjetivo (ou seja, definido em função das opiniões pessoais dos tomadores de decisão).
Para reduzir o risco de subjetividade e arbitrariedade, as autoridades e os órgãos reguladores devem
buscar a objetividade do processo na definição de mercados antitruste.
A obtenção de objetividade na definição de mercados antitruste é muito importante, pois
a falta de confiança nas conclusões tiradas em casos específicos, que começam com o mercado
relevante e muitas vezes se baseiam nele, levaria a uma falta de confiança na lei como um todo. A
replicabilidade e a coerência do processo, bem como a garantia de igualdade na aplicação, são pré-
condições necessárias para o Estado de Direito (Homan, 2017, p. 208; Popelier, 200, p. 321; Bingham,
2007, p. 69). Há muitos pedidos de definição objetiva do mercado, tanto por parte de acadêmicos
quanto da Comissão Europeia (Ferro, 2019, p. 30; Podszun, 2018, p. 123).
50
O que muitas vezes falta
nas discussões sobre como alcançar essa objetividade é o reconhecimento da verdadeira natureza e
utilidade do mercado como um quadro de referência específico e intencional.
a O mercado especíco
O mundo está sempre mudando, e nossa descrição dele em termos de quantidades
(comprimento, altura, peso, etc.) é meramente a descrição da mudança relativa. Descrevemos
o mundo descrevendo como uma variável muda em relação a outra. Qualquer medição destila
a relação entre as variáveis em um ponto específico (Rovelli, 2017, p. 103). A dinâmica é tornada
(artificialmente) estática, para fornecer aos seres humanos um quadro de referência. Esse quadro
de referência não é apenas estático, quando o mundo está de fato em constante movimento, ele
também é particular. Os seres humanos não percebem tudo sobre o mundo. Nossa visão da realidade
é embaçada: permanecemos cegos para muitas variáveis e registramos apenas as partes com as quais
interagimos e que nosso cérebro considera úteis para nossa compreensão naquele momento e lugar
específicos (Rovelli, 2017, p. 126; Nagel, 1986, p. 86). Essa é uma verdade geral, que se torna ainda
mais pertinente no contexto de uma análise investigativa com um objetivo final específico. Se um
pesquisador pretende descobrir o impacto de uma determinada mudança em um sistema específico,
ele mantém “todas as outras coisas iguais”, apenas investigando a relação entre a mudança em uma
variável e a variável de referência. O pesquisador não constrói um “estudo de tudo”. A resposta à
pergunta depende da própria pergunta. Avaliamos as coisas adotando uma perspectiva específica.
51
Nesse sentido, nenhuma resposta é totalmente completa e objetiva: selecionamos o que é incluído
na avaliação com base em uma escolha prévia. Assim, ao dar sentido ao mundo para uma finalidade
50 Veja também o Roteiro de Avaliação 2; submissão ao Roteiro de Avaliação.
51 Rovelli (2017, p. 132) descreve isso de forma bastante eloquente: “A ciência aspira à objetividade, a um ponto de vista
compartilhado sobre o qual é possível estar de acordo. Isso é admirável, mas precisamos ter cuidado com o que perdemos ao
ignorar o ponto de vista do qual fazemos a observação. Em sua busca ansiosa pela objetividade, a ciência não deve esquecer
que nossa experiência do mundo vem de dentro. Cada olhar que lançamos para o mundo é feito a partir de uma perspectiva
particular”.
52
EBEN, Magali. O mercado antitruste não existe: a busca da objetividade em um processo
teleológico. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 32-64, 2024.
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específica, duas coisas são evidentes: tornamos a dinâmica estática e não podemos alcançar a
objetividade perfeita.
Essas duas conclusões são verdadeiras, especialmente para a definição de mercados antitruste.
Um mercado antitruste é, por sua natureza, uma imagem pouco nítida. Ele consiste em uma seleção de
variáveis, que foram escolhidas por serem consideradas mais relevantes para responder à pergunta
específica em questão. Não podemos “ter uma visão de lugar nenhum” (Reiss; Sprenger, 2014),
52
pois o “mercado” existe não apenas em virtude da interação humana, mas, mais pertinentemente,
em virtude da perspectiva do investigador. Os mercados são definidos com base em um ponto de
partida: um empreendimento focal ou um desejo focal (produto focal). Um ponto de partida diferente
provavelmente levará a um mercado relevante diferente. Além disso, devido às finalidades da
definição de mercado de produto estabelecidas acima, a escolha de quais entidades econômicas (e
até mesmo quais partes dessas entidades) incluir, quais desejos considerar e quais clientes levar em
conta dependerá da conduta ou da teoria do dano considerada. Os mercados antitruste não podem
ser delineados de forma totalmente isolada da suposta conduta e teoria do dano.
A natureza estática dos mercados antitruste pode parecer confusa para muitos: o conceito
é, afinal, usado para avaliar decisões e condutas de pessoas (físicas ou jurídicas), fenômenos que
são dinâmicos por natureza. Isso é ainda mais desafiador no contexto de setores em que desejos,
produtos, modelos de negócios e participantes do mercado parecem estar em fluxo contínuo - uma
questão a ser explorada em pesquisas futuras. No entanto, esse estático é inerente e até mesmo
necessário para uma análise significativa com parâmetros “objetivos”. Os mercados de produtos
antitruste não delimitam objetos ou entidades, mas colocam os relacionamentos sob uma lente de
aumento. Os mercados antitruste trazem ordem onde não existe nenhuma na realidade. Os mercados
de produtos são vistos apenas como “estáticos, porque não conseguimos compreender que tudo é
dinâmico, que qualquer descrição do mundo, por sua natureza, é uma tentativa de preservar o que
não pode ser preservado, de tornar estático o que é dinâmico. Não é possível segurar uma onda na
palma da mão, mas é possível capturá-la em um filme, de maneira estática e imperfeita. Destilar a
ordem do caos sempre será redutor e imperfeito. No entanto, é uma tarefa importante, que não deve
ser descartada pelo simples fato de ser imperfeita.
b Objetividade no processo de denição de mercado
5 Particular, mas não subjetivo
Mesmo sem considerar os mercados antitruste sob uma abordagem teleológica, alguns
estudiosos expressaram preocupações sobre a suposta “subjetividade” ou “arbitrariedade” de
(certas formas, testes ou provas de) definição de mercado,
53
e sugeriram meios para garantir sua
conformidade com o princípio da segurança jurídica (Bosho, 2014, p. 861). Tanto os aplicadores
quanto os acadêmicos parecem cada vez mais preocupados com a coerência e a certeza no processo
52 Em referência a Nagel (1986).
53 Por exemplo: Ferro (2019, p. 21), Markovits (2012, p. 166), Ortiz Blanco (2011, p. 4).
53
e na lógica da definição de mercado (Podsuzun, 2016, p. 123),
54
preocupados, com razão, com a adesão
do processo decisório da lei de concorrência ao estado de direito. Seria compreensível, então, se ao
considerar a abordagem teleológica da definição de mercado, alguém se preocupasse com o risco
de a definição de mercado se tornar subjetiva ou mera “adivinhação
55
, já que o mercado antitruste
varia de acordo com o objetivo da investigação.
56
De fato, as decisões foram, às vezes (com ou sem
razão), criticadas por definir mercados diferentes mesmo quando a mesma empresa estava sendo
investigada (especialmente quando essas decisões se sucederam em um curto espaço de tempo).
57
No entanto, a subjetividade do mercado antitruste não pode ser alegada apenas com base no fato
de que um mercado diferente foi definido em outro caso. A natureza funcional do mercado antitruste
significa que, quando uma investigação diz respeito a uma conduta diferente ou a uma teoria de
dano diferente, o mercado pode ser diferente. Isso pode ser chamado de “subjetivo” somente se
for definido “subjetivo” como “influenciado pelo objetivo da investigação” ou como se referindo a
um fenômeno “imaginado”.
58
Qualquer referência à “subjetividade” é, na verdade, uma referência à
“particularidade” de um mercado antitruste, explicada anteriormente. Se, por outro lado, “subjetivo”
for usado no sentido predominante, para se referir a um resultado que depende e varia de acordo
com os sentimentos ou opiniões das pessoas envolvidas na análise,
59
então um mercado antitruste
não é subjetivo. Ele não depende de opiniões pessoais, mas da conduta ou da teoria em jogo. Os
mercados antitruste são particulares, não subjetivos.
Nenhum processo que resulte na definição de limites onde não existem naturalmente
é desprovido de particularidade. Evidentemente, essa particularidade aumenta a flexibilidade
da definição de mercado antitruste, potencialmente aumentando o poder discricionário que as
autoridades podem achar que possuem. Essa discricionariedade e o risco de decisões arbitrárias
que ela acarreta seriam antitéticos tanto para uma aplicação racional da lei quanto para o ideal
de segurança jurídica e previsibilidade que são essenciais para o estado de direito. É imperativo,
portanto, garantir que a perspectiva adotada na definição do mercado dependa do objetivo
previamente estabelecido da investigação, e não das aspirações pessoais do tomador de decisões.
É importante buscar a objetividade na definição do mercado antitruste, não por meio de resultados
semelhantes para empresas semelhantes, mas por meio de um processo estruturado e transparente.
A objetividade pode ser alcançada de duas maneiras distintas: por meio da objetividade do
produto ou da confiança na objetividade do processo. A objetividade do produto é alcançada quando
os resultados de uma análise ou teoria correspondem a representações precisas do mundo natural,
um reflexo de fenômenos que, mesmo sem a percepção humana, se encaixariam na descrição dada
54 Tal como levantado pela Comissão Europeia em seu roteiro de avaliação.
55 Ordover e Wall (1989, p. 3) perguntaram, por exemplo, se a definição de mercado pode ser “mais do que uma
suposição educada.
56 Veja Robertson (2019, p. 57): “Do ponto de vista jurídico, essa abordagem é problemática na medida em que as
disposições legais não fornecem, por si só, uma razão confiável para definições de mercado diferentes - quando elas diferem,
pode-se suspeitar de um motivo político. O objetivo da definição de mercado é desafiado se ela for realizada com uma teoria
específica de dano ou com um resultado específico em mente. No entanto, o tipo de comportamento anticompetitivo em
questão em um caso pode muito bem-estar relacionado às características do mercado relevante.
57 Por exemplo, Ebraheim (2017, p. 48), Morse (2003, p. 634), Akman (2018, p. 3) e Ferro (2019, p. 296).
58 O último corresponde à definição 4b dada pelo Oxford English Dictionary: ‘existente apenas na mente, sem nada
real que corresponda a’ (“subjective, adj. and n.” OED Online, Oxford University Press, junho de 2020, www.oed.com/view/
Entry/192702).
59 Definições do Oxford English Dictionary 1, 3. 4a.
54
EBEN, Magali. O mercado antitruste não existe: a busca da objetividade em um processo
teleológico. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 32-64, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1901
(Reiss; Sprenger, 2014; Niemi, 2013, p. 70). A cor, embora possivelmente percebida de forma diferente
por indivíduos diferentes, corresponde a um comprimento de onda específico que não se altera sob
o olhar individual. O comprimento de onda é, portanto, um produto objetivo.
60
A objetividade do
processo, por outro lado, pode não levar a produtos que correspondam inalteravelmente à realidade
externa. De fato, os resultados de uma análise podem ser inerentemente variáveis de acordo com a
perspectiva adotada. Em vez de ser por meio do realismo dos resultados, a objetividade é alcançada
durante a própria análise, removendo os vieses individuais do pesquisador da análise. A objetividade
do processo não significa retirar a análise de uma perspectiva específica, mas libertá-la dos interesses
de um indivíduo (Reiss; Sprenger, 2014; Douglas, 2004, p. 454).
61
Embora a perspectiva seja intrínseca
ao processo, essa “perspectiva” não é entendida como a perspectiva individual da pessoa que realiza
a análise ou formula a teoria, mas como a perspectiva humana agregada que molda o fenômeno que
está sendo estudado, ou os valores ou pressupostos comumente conhecidos e aceitos em um campo.
Remover os sentimentos e as opiniões individuais da análise é a maneira pela qual a objetividade pode
ser alcançada em uma análise que é particular à perspectiva (Reiss; Sprenger, 2014; Douglas, 2004, p.
454). A objetividade do processo mantém uma função para os valores - aqueles de uma sociedade ou
de uma escola de pensamento - mas remove o desejo do indivíduo por um resultado específico. Assim,
a objetividade do processo seria alcançada quando os resultados mudassem com uma mudança na
perspectiva geral, e não com uma mudança do investigador individual (Douglas, 2004, p. 459).
No contexto da definição de mercado antitruste, a objetividade do produto não pode ser
alcançada. Primeiro, porque, como não há “mercado” sem o comportamento e a perspectiva humana,
não há “mercado” no mundo natural. Segundo, e mais pertinente para nossos objetivos, porque, como
os “mercados antitruste” são definidos para responder a uma pergunta específica sobre a viabilidade
da suposta conduta e/ou teoria do dano, eles dependem de uma perspectiva “teleológica” da lei da
concorrência. Assim, remover as perspectivas “humana” e “teleológica” significa apagar completamente
o mercado antitruste. Isso não significa, entretanto, que não possamos nos esforçar para obter a
objetividade do processo. Embora uma perspectiva intencional seja fundamental para o delineamento
do mercado antitruste em um caso, a perspectiva individual do investigador não o é. O mercado
antitruste para o mesmo caso é um mercado de mercado. O mercado antitruste para as mesmas
empresas e até mesmo para os mesmos produtos pode diferir de um caso para outro, pois a conduta
alegada e/ou a teoria do dano varia,
62
mas não deve depender dos indivíduos que trabalham no caso.
Outro argumento convincente a favor da objetividade do processo, como uma garantia contra
a subjetividade, é a natureza de um mercado antitruste como uma ferramenta analítica legal. Os
60 Como explica Reiss (2014, p. 135), a noção de objetividade do produto pode ser rastreada até a concepção de Galileu
de duas formas diferentes de qualidades de objetos: qualidades de objetos que dependem da perspectiva humana (como a
cor) e qualidades que perdurariam mesmo que “todos os seres conscientes fossem eliminados da existência”.
61 Consulte também Niemi (2013) que, apesar de não usar a terminologia objetividade de “processo” e “produto”,
descreve uma dimensão “cognitiva” semelhante à dicotomia objetivo-subjetivo.
62 Por exemplo, compare duas decisões da Comissão Europeia envolvendo a General Electric: Decisão da Comissão
Europeia IV/36.213/F2 Engine Alliance e Decisão da Comissão Europeia COMP/M.2220 General Electric / Honeywell. Ambas as
decisões se concentraram na concorrência na oferta de motores a jato destinados a equipar determinadas plataformas de
fuselagem, oferecidos pela mesma empresa, mas houve divergência na definição de mercado em cada decisão. A primeira
foi uma decisão nos termos do artigo 101 do TFEU, na qual apenas a concorrência de primeira linha entre os fabricantes de
motores (para obter a certificação de motores em uma plataforma) foi considerada relevante para avaliar os efeitos de uma
joint venture entre a General Electric e a Pratt & Whitney. A primeira foi uma decisão de fusão na qual tanto a concorrência
de primeira linha quanto a de segunda linha (concorrência entre motores certificados) foram consideradas relevantes na
avaliação da aquisição da Honeywell pela General Electric.
55
mercados antitruste são mais do que meras descrições factuais relevantes para a análise: eles são
referências normativas. Como um conceito jurídico,
63
o mercado antitruste traduz ideias econômicas
multifacetadas em escolhas predominantemente binárias, para permitir a tomada de decisões jurídicas
(Van den Bergh, 2016, p. 35; Eiszner, 1998, p. 338). Essas escolhas são escolhas normativas (Robertson,
2019, p. 253; Ferro, 2019, 316). De acordo com o estado de direito, espera-se que a tomada de decisões
jurídicas adira aos princípios de certeza e imparcialidade (Wardhaugh, 2020, p. 18), noções que se
alinham intimamente com o entendimento da objetividade do “processo”. A objetividade na tomada
de decisões jurídicas não pode ser alcançada exigindo-se que os resultados dos casos correspondam
a uma verdade “natural” - sendo essa verdade, no mínimo, inatingível, se não inexistente - livre de
valores sociais. Assim, a doutrina e os estudos jurídicos desenvolveram princípios de tomada de
decisão objetiva, com base na transparência e na previsibilidade das regras e dos critérios normativos
aplicáveis, além de garantias relativas à neutralidade dos tomadores de decisão (Wardhaugh, 2020, p.
18-24, Husa; Van Hoecke, 2013, p. 4). Uma decisão é objetiva quando está livre de interesses pessoais,
baseia-se em princípios gerais e publicamente disponíveis, os valores que a fundamentam são de
conhecimento geral e é apoiada por um raciocínio bem justificado e divulgado (Niemi, 2013, p. 79;
Hackney, 2006, p. xiv). Em suma, o estado de direito considera o processo de tomada de decisão, não
seus resultados em si: se o processo de tomada de decisão corresponder aos princípios de certeza
e imparcialidade, ele será considerado objetivo (Wardhaugh, 2020, p. 216; Van Hoecke, 2013, p. 4-6).
6 Obtenção da objetividade do processo
A objetividade do processo implica ausência de predisposição individual, em vez de ausência
de uma perspectiva geral específica. Assim, uma abordagem intencional de qualquer tipo não está
inerentemente em desacordo com a objetividade do processo. No entanto, existe o risco, comum a
qualquer processo de tomada de decisão que envolva um grau de discrição, de que uma infinidade
de variações seja adotada sem qualquer coerência, de modo a atender aos desejos de investigadores
individuais em casos específicos, transformando uma “abordagem intencional” em uma “abordagem
subjetiva”. É possível minimizar o risco de que uma abordagem intencional seja cooptada para atender
a preferências individuais, adotando algumas medidas.
Primeiro, a adoção de uma linha de base comum, como a abordagem de restrições competitivas
descrita acima, é um primeiro passo para garantir a “objetividade do processo”. Qualquer abordagem
intencional adotada deve estar vinculada à preocupação mais ampla da lei de concorrência com
os prejuízos à concorrência. Isso não apenas aumentaria a legitimidade do processo, mas também
forneceria uma pedra de toque para a previsibilidade do processo. Isso significa, na prática, que
devemos nos esforçar para identificar completamente as diferentes forças que podem atuar como
fontes de restrição à concorrência, com base na teoria e na experiência econômica. Qualquer definição
de mercado, realizada caso a caso, faria referência a essas restrições competitivas e selecionaria as
mais adequadas à conduta alegada e à teoria do dano. Essa lista poderia, talvez, em nível europeu,
ser incorporada em uma Notificação de Definição de Mercado mais abrangente, a ser expandida para
além da descrição atualmente bastante limitada de substituição de demanda, substituição de oferta
e concorrência potencial. Seja na notificação ou de outra forma, é fundamental que, à medida que
nossa compreensão das restrições competitivas progrida, à luz, por exemplo, de novos modelos de
63 Para uma excelente análise do mercado relevante como um conceito jurídico, ver Robertson (2019, p. 158).
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negócios e estratégias comerciais, qualquer lista desse tipo seja atualizada.
Em segundo lugar, a objetividade do processo exige que as abordagens (que poderiam ser)
adotadas sejam explicitadas, a fim de garantir um grau de previsibilidade para os sujeitos da lei. Isso
significa que as autoridades ou tribunais encarregados da definição do mercado antitruste precisam
ser explícitos sobre a maneira pela qual o processo é conduzido. A transparência na definição dos
mercados antitruste é extremamente importante. O mercado antitruste pode ser determinante
para a decisão final do caso (Wardhaugh, 2020, p. 75). Portanto, deve haver um equilíbrio entre a
utilidade de uma ferramenta analítica “particular” e a segurança jurídica para as pessoas envolvidas.
A transparência é alcançada em dois estágios: tornando a abordagem e o processo explícitos ex ante,
por exemplo, por meio de documentos de orientação, bem como em cada caso específico. O que deve
ser explicitado é: primeiro, a perspectiva específica de propósito que as autoridades podem adotar
e adotam e, segundo, as etapas comuns da definição de mercado antitruste e como a abordagem de
propósito as afeta.
As autoridades devem admitir francamente que a definição de mercado antitruste depende
do objetivo da investigação. Elas precisam estabelecer, em termos claros, que a conduta alegada e/
ou a teoria do dano sejam explicitamente consideradas na definição de um mercado antitruste. Isso
deve ser feito antes da apresentação dos casos, por meio de documentos de orientação e, além disso,
deve ser uma parte padrão da definição de mercado em cada decisão. Ao definir um mercado relevante
em um caso específico, a autoridade deve destacar a finalidade para a qual o mercado é definido,
fazendo referência às restrições competitivas relevantes para a investigação. Isso significa que deve
ser feita uma distinção clara entre os fatos disponíveis para a autoridade
64
e a perspectiva teleológica
adotada na avaliação desses fatos. A autoridade deve determinar o objetivo da definição do mercado
(identificar as restrições competitivas relevantes para a conduta alegada e a teoria do dano) e, em
seguida, considerar devidamente todas as evidências apresentadas que possam ser relevantes (e
confiáveis)
65
para essa perspectiva. A autoridade não pode omitir fatos que indicariam a existência de
restrições competitivas com base no fato de que eles prejudicariam a teoria do dano que a autoridade
deseja apresentar. Ela precisa apresentar um raciocínio sobre por que determinados fatos são (não)
relevantes para a identificação das restrições competitivas sobre a conduta e o dano alegados.
Além disso, as etapas específicas que as autoridades realizam e as variáveis que consideram
na definição do mercado antitruste devem ser claramente divulgadas. Apesar da variação nos
mercados antitruste, dependendo do contexto da investigação, há de fato etapas específicas que
são uniformes na definição de mercado: a identificação do produto focal como ponto de partida,
a identificação de um mercado candidato, a identificação de restrições competitivas e a conclusão
final sobre um mercado relevante. Se essas etapas variarem de acordo com o escopo da abordagem
teleológica, isso também deve ser explicitado. Essas etapas devem ser divulgadas publicamente, não
apenas em orientações disponíveis antes da apresentação de qualquer caso, mas também em cada
decisão específica: o processo de definição do mercado em cada caso deve ser divulgado, não apenas
o mercado resultante.
66
64 Por exemplo, informações técnicas ou de produção de um bem, número de fornecedores de um bem específico,
dados sobre o uso pelo consumidor ou razões de preço, dados de custo e receita e assim por diante.
65 Para uma análise do “teste de relevância” e do teste de “confiabilidade” na lei de concorrência da UE, consulte
Kalintiri (2019, p. 103-106).
66 A Comissão Europeia deveria, especialmente, fornecer mais informações públicas sobre as medidas adotadas para
57
Por fim, há necessidade de uma revisão judicial completa dos mercados antitruste relevantes
adotados pelas autoridades em casos específicos. Embora as autoridades administrativas, dentro
de seus respectivos sistemas jurídicos, possam desfrutar de um certo grau de discricionariedade em
questões econômicas e técnicas complexas,
67
a descrição precisa dos fatos, bem como a legalidade
das decisões, estão, ou deveriam estar, sujeitas à revisão judicial.
68
Em primeiro lugar, as definições
de mercado devem ser revisadas para a seleção e avaliação dos fatos pela autoridade dentro
da perspectiva teleológica adotada. Na UE, o alcance da revisão judicial é atualmente ambíguo
em situações de avaliações econômicas complexas, incluindo definições de mercado.
69
Pode-se
argumentar, portanto, que a definição de um mercado, com base na seleção de fatos dentro de uma
perspectiva intencional, é uma avaliação econômica complexa sujeita a revisão limitada. No entanto,
a jurisprudência da UE enfatizou a necessidade de o GC garantir que a decisão contenha todas as
informações “que devem ser levadas em consideração na avaliação de uma situação complexa”.
70
Se
a Comissão não tiver considerado todas as provas relevantes e confiáveis, haverá um “erro manifesto
de avaliação” (Kalintiri, 2016, p. 1298). Portanto, mesmo que seja possível argumentar a favor de uma
revisão judicial limitada da perspectiva intencional adotada, o Tribunal Geral deve poder exigir que a
Comissão leve em consideração os fatores que indicam a existência de restrições competitivas sobre
a suposta conduta dentro dessa perspectiva. Em segundo lugar, deve ser realizada uma análise da
legalidade. Sousa Ferro argumentou que a definição de mercado, especialmente o método aplicado
e os princípios fundamentais (como a possibilidade de definição de mercados “gratuitos”) adotados,
implica a aplicação de “critérios normativos” e, portanto, deve ser objeto de análise (Ferro, 2019, p.
316). O fato de a definição de mercado implicar princípios normativos é uma proposição com a qual
este artigo concorda, por um motivo muito mais convincente: se a definição de mercado é teleológica,
ela está intrinsecamente ligada a decisões sobre o objetivo de investigações individuais e, portanto,
em última análise, aos objetivos buscados pela lei. Embora as decisões de política possam, até certo
ponto, ser deixadas a critério de uma autoridade administrativa, as questões de direito pertencem,
em última instância, aos tribunais.
71
Todas essas diferentes sugestões precisam ser consideradas, pois estão inegavelmente ligadas
umas às outras. Uma revisão judicial completa, por exemplo, só pode ser realizada de forma eficaz se
definir os mercados em casos específicos.
67 Processo 42/84 Remia/Comissão (1985) ECLI:EU:C:1985:327 §34; Processo C-204/00 P Aalborg Portland ECLI:EU:C:2004:6;
Processo T-201/04 Microsot (2007) ECLI:EU:T:2007:289 §§87-88.
68 União Europeia: As decisões da Comissão Europeia estão sujeitas a revisão judicial de acordo com a legislação da
UE. Além de as decisões da Comissão estarem sujeitas a um exame de legalidade nos termos do artigo 263 do TFEU, o CJEU
também decidiu que elas devem se basear em uma descrição precisa dos fatos, que pode estar sujeita a exame. Embora a
definição de mercado “envolva avaliações econômicas complexas”, o mercado relevante da Comissão precisa se basear em
dados “precisos e confiáveis”, afirmou o GC no Processo T-301/04 Clearstream v Commission (2009) ECLI:EU:T:2009:317 §47.
Consulte também o Processo C-7/95 P John Deere v Comissão (1998) ECLI:EU:C:1998:256 §34. Estados Unidos da América: os
fatos conforme retratados pelas decisões da Federal Trade Commission estão sujeitos à revisão sob o padrão de “provas
substanciais”, e a aplicação de normas jurídicas pela Comissão está sujeita à revisão “de novo”. Veja, por exemplo, Schering-
Plough Corp. v. FTC, 402 F.3d 1056, 1062 (11th Cir. 2005); McWane, Inc. v. FTC, 783 F.3d 814, 824-825 (11th Cir. 2015).
69 Processo T-301/04 Clearstream v Comissão (2009) ECLI:EU:T:2009:317, §47; Processo T-556/08 Slovenská Pošta (2015)
EU:T :2015 :189, §113.
70 Processo T-342/99 Airtours v. Comissão (2002) EU:T:2002:146, §§109-119; Processo T-310/01 Schneider Electric v.
Comissão (2002) EU:T:2002:254, §§153-191; Processo T-5/02 Tetra Laval v. Comissão (2002) EU:T:2002:264, §161; Veja também,
para o argumento de que a Comissão deve considerar as provas apresentadas pela empresa, C-413/14 P (2017) Intel v Comissão
ECLI:EU:C:2017:632, §138.
71 É lamentável que esse ideal nem sempre seja tão simples de ser alcançado na prática. Para uma descrição
impressionante do estado de direito na lei de concorrência da UE, consulte Stones (2018).
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houver um grau de transparência na abordagem teleológica adotada em um caso específico, bem como
nas diferentes abordagens propositais que a autoridade tem à sua disposição. Como observou Breyer, o
desenho de um mercado específico não pode ser criticado, mesmo que outros mercados sejam possíveis,
desde que atenda aos critérios previamente estabelecidos para a definição legítima de mercado, e desde
que a Corte, e de forma mais geral o “público, possa acessar informações que permitam inferências
amplas sobre os outros mercados que poderiam ter sido desenhados (Breyer, 1977, p. 34).
Todas essas são sugestões teóricas amplas para alcançar a subjetividade do processo na
definição do mercado antitruste. Elas exigiriam mais desenvolvimento em pesquisa, bem como
implementação na prática. A principal conclusão nesta fase deve ser que, ao reconhecer a verdadeira
natureza fictícia, analítica e flexível do mercado antitruste e adotar uma abordagem teleológica,
não há necessidade de abandonar um processo relativamente objetivo e previsível. Há medidas que
podem ser tomadas para garantir que “teleológica” não se torne sinônimo de “subjetivo”. Ao fazer
isso, abraçamos a utilidade do mercado antitruste e, ao mesmo tempo, garantimos a legalidade e a
legitimidade do exercício.
5 CONCLUSÃO
Os mercados não “existem”; eles são fruto de nossa imaginação. Eles não capturam uma
realidade “natural, mas a interação humana. Os mercados destilam decisões e relacionamentos
dinâmicos em um instantâneo estático fictício. Para apresentar esse argumento, o artigo começa
destacando três lições sobre o mercado antitruste que, muitas vezes, não são enfatizadas nos
debates sobre seu futuro: os mercados antitruste são ferramentas analíticas, não existe um mercado
“verdadeiro” e os limites de um mercado dependerão da finalidade para a qual ele é desenhado
(uma “abordagem teleológica”). Somente quando essas verdades são reconhecidas é que podemos
ver a definição de mercado como ela realmente é: apenas uma estrutura fictícia para organizar o
caos das interações econômicas em uma estrutura intelectualmente útil. Essa utilidade é derivada
precisamente da natureza fictícia e reducionista do mercado antitruste. É por isso que a definição
de mercado se presta tão bem ao propósito para o qual foi projetada: selecionar e organizar as
relações econômicas que são relevantes para responder a uma pergunta específica sobre a suposta
conduta anticoncorrencial. Para cumprir esse objetivo, a definição de mercado precisa ser estática.
Não é possível estudar relações em constante mudança, a menos que se possa trazer tranquilidade
temporária ao caos.
Crucialmente, os mercados são definidos com um propósito. Como os mercados são
ferramentas analíticas, seus limites mudam de acordo com a pergunta específica feita. Embora o
mercado antitruste seja frequentemente retratado como uma ferramenta com um objetivo restrito
- permitir medições indiretas do poder de mercado - na verdade, ele se presta a mais do que essa
finalidade. O mercado antitruste poderia, por exemplo, ser definido para esclarecer a viabilidade da
suposta conduta ou teoria do dano. Trata-se de uma ferramenta flexível. Os mercados, portanto, são
imaginários e têm um propósito. Eles não são reais e não são fixos. Esses são exatamente os motivos
pelos quais os mercados antitruste são tão úteis.
Este artigo teve como objetivo convencer o leitor da utilidade dos mercados antitruste,
definindo a natureza e o objetivo do mercado antitruste (Parte III), com base em uma exploração
59
do conceito de “mercado” em geral (Parte II). Essa natureza e finalidade do mercado antitruste
implicam que não pode haver um único mercado antitruste: que cada caso pode implicar um mercado
diferente, mesmo que envolva a mesma empresa. Entretanto, conforme argumentado neste artigo,
isso não significa que seja inútil aspirar à objetividade na definição do mercado antitruste (Parte IV).
Essa objetividade não estaria no resultado específico da definição, mas no processo de definição
do mercado do produto. Os mercados antitruste podem ser específicos, mas não precisam ser
“arbitrários” (Markovits, 2012).
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