44
EBEN, Magali. O mercado antitruste não existe: a busca da objetividade em um processo
teleológico. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 12, n. 2, p. 32-64, 2024.
https://doi.org/10.52896/rdc.v12i2.1901
uma abordagem teleológica. Como explicado detalhadamente acima, os mercados são ferramentas
analíticas para encontrar a resposta para a pergunta em torno da qual uma investigação antitruste
é estruturada (Glasner; Sullivan, 2020, p. 20).
27
No contexto dos mercados antitruste, essa questão
não se limita apenas ao poder de mercado.
28
A definição de mercado é, de forma mais ampla,
realizada para obter um quadro de referência no qual avaliar os fatos e teorias apresentados em
um caso específico. Um mercado antitruste fornece limites úteis para a investigação, dentro dos
quais é possível identificar os principais agentes econômicos e fatores relevantes para a análise.
29
A
definição de mercado colocará no centro da análise os fatores que influenciam as decisões de oferta
e demanda, principalmente as forças competitivas relevantes em jogo, estruturando-as de forma a
elucidar a pergunta que a investigação tenta responder (Fisher, 1978). Por meio da definição de um
mercado antitruste, organizam-se as evidências disponíveis e traça-se um quadro dos diferentes
atores e características de um setor, facilitando a análise do impacto que determinadas decisões
e eventos podem ter sobre a concorrência.
30
Esse quadro pode, então, ser usado para tomar uma
decisão informada sobre a suposta violação da lei de concorrência e suas consequências para essa
seção específica da economia, tendo em vista as forças reais em jogo (Cameron; Glick; Mangum, 2012,
p. 721; Fisher, 2008, p. 130; Nevo, 2014, p. 260-262; Glasner; Sullivan, 2020, p, 20; Podszun, 2018, p. 81).
Nesse sentido, o mercado antitruste vai além do objetivo restrito de estabelecer o poder de mercado,
para fornecer aos tomadores de decisão o ambiente imaginário no qual as práticas supostamente
ocorreram e os limites dentro dos quais eles podem limitar sua análise.
Essa visão da definição de mercado é flexível: uma vez que o mercado antitruste é uma
ferramenta analítica, ele será necessariamente utilizado da maneira mais adequada à análise que se
destina a auxiliar. Em termos críticos, isso significa que o mercado antitruste relevante dependerá
das particularidades do caso em questão, variando de acordo com a finalidade analítica para a qual
o mercado está sendo definido. Essa visão do mercado antitruste pode ser chamada de abordagem
“teleológica”,
31
uma vez que ela vê o mercado não como uma realidade estática, mas como um processo
que se altera dependendo da finalidade para a qual é usado. Esse “propósito” é o da investigação
específica, e não um “objetivo” amplo das próprias leis.
32
O mercado antitruste é uma ferramenta
analítica e, portanto, seu uso será determinado pela pergunta que a investigação busca responder.
Embora a articulação de uma abordagem teleológica para a definição de mercado seja mais
evidente nos estudos e na jurisprudência australianos (Beaton-Wells, 2003, p. 42), tal abordagem não
é estranha aos estudos e à prática de aplicação da lei na Europa e nos Estados Unidos (Salop, 200, p.
27 Documento de pesquisa de estudos jurídicos da Universidade de Iowa.
28 É com prazer que tomamos emprestado o texto da definição de mercado usado pela CMA em sua prática decisória.
29 Por exemplo, em Brasserie de Haecht (1967) p. 415, a Corte Europeia de Justiça evocou a ideia de que os efeitos das
práticas anticoncorrenciais só poderiam ser avaliados com referência a um mercado definido (Caso 23/67 Brasserie de Haecht
v. Wilkin-Janssen (1967) ECLI:EU:C:1967:54 408).
30 De fato, em seu recente julgamento sobre a American Express, a Suprema Corte reiterou a necessidade de definir o
mercado para avaliar os efeitos de uma conduta supostamente anticoncorrencial (AmEx (2018) §2885), como havia feito cinco
décadas antes (Walker Process Equipment v. Food Machinery and Chemical Corporation (1965) §177).
31 Para o uso do termo “proposital” nesse contexto, consulte Beaton-Wells (2003, p. 39). Também gostamos da
expressão “abordagem instrumental”, cf. Podszun, (2018, p. 74).
32 Tradicionalmente, “proposital” se refere a um tipo de abordagem interpretativa da legislação, segundo a qual o
objetivo do legislador é usado para dar significado aos estatutos. Veja, por exemplo, Barak (2005, p. xii); Giord, Reynolds e
Murad (2012, p. 231). O uso de “proposital” aqui tem um significado mais restrito, referindo-se ao objetivo da investigação, em
vez do objetivo por trás da adoção do estatuto. É claro que é possível que o objetivo da investigação possa ser determinado
em virtude dos objetivos da lei, mas isso não é um dado adquirido.