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As plataformas, sobretudo aquelas que fornecem serviços infraestruturais e essenciais,
operam coletivamente um conjunto exclusivo de plataformas concorrentes e
coordenadas que dominam o núcleo dos sistemas de informações digitais do
mundo, a partir do qual alavancam um controle econômico, social e (geo)político
sem precedentes (Van Dijck, 2021, p. 2801, tradução nossa).
A plataformização, assim, revela uma nova etapa de concentração da produção social,
viabilizada pela digitalização e seus desdobramentos, como a expansão da economia associada aos
dados. Com isso, há a configuração de uma estrutura de mediação social adequada ao novo sistema
global de cultura (Bolaño; Barreto; Valente, 2022), conceito de Celso Furtado que remete às dimensões
material, político-institucional e da cultura propriamente dita (Bolaño, 2015).
Na União Europeia (UE), a configuração da atual economia digital resulta de um histórico
de desinvestimento público, privatizações e desregulação, situação que prejudicou o bloco na
concorrência (Nieminen; Padovani; Sousa, 2023). No lugar da regulação estatal intervencionista, foi
consagrada, como será detalhado neste texto, a ideia de governança, desenvolvida concretamente a
partir do envolvimento de diferentes agentes, como do setor público, representantes das empresas e
de organizações civis, nas definições da organização da internet (Gorwa, 2019). Embora essa forma de
regulação tenha sido difundida nas últimas décadas, problemas como desinformação e concentração
motivaram processos contra práticas anticompetitivas das plataformas e, recentemente, o
estabelecimento de novas regras (Fernandes, 2022; Flew, 2022; Van Dijck, 2024), como ocorre na UE.
O bloco tem desenvolvido uma série de políticas em torno do que tem chamado de transição
digital, entre as quais o estabelecimento de metas de digitalização; o incentivo ao desenvolvimento de
empresas locais e a criação de novas legislações voltadas ao ambiente digital. Ainda que tais políticas
devam ser consideradas em conjunto para uma análise geral das medidas da UE na matéria, conforme
desenvolvido em outro trabalho, neste interessa particularmente uma das questões abordadas
pela UE: a política de concorrência. Como em outras jurisdições, tal questão vinha sendo objeto
de autoridades antitruste (Lancieri; Sakowski, 2020), que nos últimos anos passaram a reconhecer
que os mercados digitais reproduzem, atualmente, a dinâmica “o vencedor leva tudo”. Além de
afetar a dinâmica econômica, reduzindo drasticamente a concorrência, tal postura traz implicações
sociopolíticas. Afinal, plataformas como Google e Facebook são também esferas públicas de debate
fundamentais para a comunicação individual e coletiva (Habermas, 2023; Picard, 2023). Impactam,
pois, a liberdade de expressão, a privacidade e a própria democracia (Mansell; Steinmueller, 2022;
Becerra, Mastrini, 2019), o que torna este um tema de interesse em vários campos disciplinares, como
a comunicação e o direito.
Diante de tal contexto, o presente artigo analisa o momento atual da regulação das
plataformas, identificando a crescente demanda pela regulação estatal e como ela se materializa no
conteúdo do Regulamento dos Mercados Digitais (Digital Markets Act, DMA, em inglês), da UE. Cumpre
ter em vista que o DMA foi proposto como regulação ex-ante de mercados mediados por plataformas
digitais, parte da “estratégia digital” do bloco, que anuncia buscar promover uma “economia digital
justa e competitiva” (Cini; Czulno, 2022, p. 45, tradução nossa). Detalhar o conteúdo da norma é
importante tanto por seu ineditismo, tendo em vista que, nas últimas décadas, a maior parte dos
países optou por uma abordagem baseada na governança multissetorial e não na regulação estatal
do setor (Gorwa, 2024), quanto pela influência que a Europa exerce na elaboração legislativa de outros