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PENEREIRO, Stephanie Vendemiatto; ARMANI, Wagner José Penereiro. A atuação do Ministério
Público na Defesa da Concorrência. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 2, p.
24-44, 2022
https://doi.org/10.5286/rdc.v10i2.968
constantemente a melhoria de seus produtos e a redução dos custos produtivos, de modo a captar
clientes e se manter no mercado (FORGIONI, 2018, p. 277-279).
Na Constituição Federal de 1988, a livre concorrência e a livre iniciativa
4
são previstas em
conjunto com diversos outros princípios a serem perseguidos dentro do contexto de uma ordem
econômica e de um projeto de desenvolvimento nacional, traçados de modo especial pelos artigos
3º, 170 e 219 do texto constitucional (BRASIL, 1988)
5
. A liberdade de iniciativa, a livre concorrência e
a atividade empresarial, consideradas dentro do contexto constitucional, devem ser exercidas não
apenas visando ao lucro, mas balizadas em conjunto com a promoção da justiça social, assegurando
a todos existência digna (ARMANI; FERREIRA; JOVETTA, 2018, p. 187).
Nesse sentido, a livre iniciativa e a livre concorrência devem ser compreendidas, não
apenas como liberdade de comércio e desenvolvimento empresarial, mas sim como princípios que
coexistem harmonicamente com demais princípios constitucionais, voltados a conter o abuso de
poder econômico e suas consequências para a sociedade (GRAU, 2000, p. 225-241)
6
. A defesa da
concorrência se coloca não apenas como princípio a ser seguido e sopesado frente aos demais, mas
enquanto ferramenta para a concretização de um projeto de política econômica maior e mais amplo
7
.
Nesse cenário, o direito da concorrência consiste em um conjunto de regras estruturadoras
de uma política pública que procura regular as relações entre os agentes de mercado, visando a um
ambiente de livre concorrência cujos destinatários nais são os consumidores e, assim, a coletividade
(GABAN; DOMINGUES, 2016, p. 67). O direito concorrencial
8
não busca arbitrar lide privada entre
dois agentes, mas a existência da concorrência em si mesma, ou seja, de um ambiente competitivo
(ANDERS; PAGOTTO; BAGNOLI, 2012, p. 6)
9
. No direito da concorrência o bem tutelado é, portanto,
coletivo, conforme estabelece o art. 170 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e o parágrafo único do
art. 1º da Lei nº 12.529/2011 (BRASIL, 2011a), e é nesse contexto que se torna evidente a relevância da
atuação do Ministério Público.
A atuação do Ministério Público na defesa da concorrência se intensicou principalmente
a partir da edição da Lei nº 8.884/1994 (FORGIONI, 2015, p. 122-123), que, entre outras providências,
transformou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em autarquia federal,
4 Caio Mário da Silva Pereira Neto e Paulo Leonardo Casagrande (2016, p. 26-27) destacam as diferenças e a
complementariedade entre os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência: “Embora possa haver certa semelhança
entre ambos, eles não se confundem. O princípio da livre-iniciativa determina que indivíduos e pessoas jurídicas podem
desenvolver qualquer atividade econômica, desde que atendidos, quando existentes, requisitos legais especícos (art. 170,
parágrafo único). […] Por sua vez, o princípio da livre concorrência visa a resguardar a disputa entre agentes econômicos no
mercado, a qual só pode acontecer se não for indevidamente impedida pelo Estado (por meio de regras injusticadamente
restritivas) ou pelos próprios agentes econômicos, seja por meio de acordos anticompetitivos entre si (principalmente cartéis),
por práticas abusivas dos detentores de poder econômico, ou por operações de concentração econômica. […] Como apontado
acima, o poder econômico, que é fenômeno intrínseco das sociedades capitalistas com algum grau de industrialização, deve
estar sujeito a controles estatais, sob pena de inviabilizar o próprio funcionamento regular dos mercados.”.
5 Acerca do conceito de Constituição dirigente e do estabelecimento, pela Constituição Federal de 1988, de uma nova
ordem econômica, ver: GRAU, 2000, p. 60-62; 199-200.
6 Acerca da relação entre concentração de poder econômico e poder político, ver: STIGLITZ, 2019. Sobre a importância
do direito da concorrência para conter a estruturação e o abuso do poder econômico, ver: WU, 2018.
7 Sobre a harmonização do princípio da livre concorrência com os demais princípios constitucionais e sua importân-
cia para o controle do poder econômico, ver: FRAZÃO, 2017.
8 Para ns do presente artigo, ainda que não se negue a existência de diferenças entre os ordenamentos jurídicos e a
compreensão dos termos jurídicos por eles utilizados, notadamente entre o direito brasileiro e o norte-americano, “direito da
concorrência”, “direito antitruste” e “direito concorrencial” serão utilizados como termos sinônimos.
9 Acerca da evolução histórica e do afastamento da concepção privatística do direito da concorrência, ver: SALOMÃO
FILHO, 2013, p. 63-66.