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KOURY, Suzy; OLIVEIRA, Lia Arrais. Novos Rumos do Direito da Concorrência: O Controle
do Monopólio e a Proteção ao Consumidor na Economia de Dados Pessoais com base
na Lei 12.529/2011. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 87-108, 2022.
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.970
do-o da ordem econômica constitucional. Com isso, o direito antitruste tornou-se um instrumento
exível de implantação das políticas econômicas do Estado, ainda que incompatíveis com a dinâmica
concorrencial (FRAZÃO, 2017).
De fato, a Lei nº 12.529/2011 (BRASIL, 2011), foi progressivamente interpretada e aplicada a
partir dos pressupostos epistemológicos da Escola de Chicago4, distanciando-se cada vez mais das
premissas e discussões constitucionais que motivaram a própria criação do Direito da Concorrência
no Brasil. Por assim ser, observa-se uma grande distância entre o arcabouço normativo decorrente da
Constituição e da legislação antitruste, e a prática que se consolidou, o que culminou em um nítido
afastamento entre o Direito da Concorrência e a Constituição da República Federativa do Brasil.
A metodologia amplamente difundida pela Escola de Chicago é baseada na maximização da
eciência para a resolução de controvérsias. Assim, a busca da eciência como objetivo único do
Direito Antitruste se tornou uma orientação predominante.
Ocorre que, estes modelos econômicos consequencialistas5 não podem ser utilizados, isolada
e unicamente, como critérios de avaliação do bem-estar do consumidor ou diretrizes de aplicação do
Direito da Concorrência. A eciência dicilmente será um critério único, claro e coerente para orien-
tar a política antitruste, especialmente diante da necessidade de orientá-la em uma direção que
garanta a proteção do consumidor. Assim, mesmo os critérios mais aceitos e utilizados de eciência
estão sujeitos a inúmeros questionamentos quanto à possibilidade de serem identicados, de forma
satisfatória, com o bem-estar do consumidor (FRAZÃO, 2021).
Essas reexões aplicam-se ao contexto vivenciado na atualidade, visto que, com o cresci-
mento exponencial do uxo de dados pessoais, a expansão da tecnologia da informação, a tendência
à quanticação de todos os aspectos referentes à vida humana e de uma constante necessidade de
produzir informações preditivas muito precisas sobre indivíduos em busca de benefícios lucrativos,
a necessidade de regulamentar de maneira mais direta o mercado movido a dados se faz iminente.
Uma condição de alta relevância oportunizada por esta imensa base de dados, a qual cou
conhecida como Big Data, para os mercados virtuais, é a possibilidade de criar e explorar bases
de dados fornecidas pelos consumidores. As experiências individuais dos consumidores podem ser
especialmente customizadas: as plataformas virtuais são capazes de modicar a disposição dos pro-
dutos ofertados, a recomendação de itens, a apresentação de marketing, os resultados de busca e
outros critérios, com base nos comportamentos e preferências anteriormente manifestados e nelas
armazenados (BAQUEIRO, 2020).
A necessidade do sistema capitalista de conhecer as preferências de indivíduos e grupos im-
pulsionou o crescimento do mercado movido a dados, o qual, de acordo com Zuboff (2021), tornou-se
um “mercado de comportamentos futuros”, em razão da necessidade em aprimorar cada vez mais os
mecanismos de atração e vigilância e promover uma previsão comportamental mais eciente sobre
4 A Escola de Chicago desponta no contexto da crise do capitalismo, no nal da década de 1970, sustentando o me-
nor grau possível de regulamentação da economia pelo Estado. Seus principais precursores são Bork, Bowman, Mac Gee e
Posner. De acordo com tal concepção, a concentração e o poder econômico dela derivados não seriam um mal em si, pois
gerariam eciências, e não a manutenção de um mercado competitivo. Para essa vertente, ate mesmo monopólios não seriam
problemáticos, desde que produzissem eciências, bem-estar ao consumidor e não houvesse barreiras à entrada.
5 Para o consequencialismo, o valor de uma ação não é abstraído de seus fundamentos, mas das vantagens que possa
acarretar. Assim, o consequencialismo pode ser denido como qualquer programa teórico que se proponha a condicionar,
ou qualquer atitude que condicione, explícita ou implicitamente, a adequação de uma determinada decisão à valoração das
consequências associadas à mesma e às suas alternativas.