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FARACO, Alexandre Ditzel. Responsabilidade solidária no grupo econômico por infrões da
ordem econômica. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 2, p. 126-139, 2022.
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.984
RESPONSABILIDADE SOLIDÁ-
RIA NO GRUPO ECONÔMICO
POR INFRAÇÕES DA ORDEM
ECONÔMICA1
Joint and several liability in the economic group for vio-
lations of the economic order
Alexandre Ditzel Faraco2
Universidade Federal do Paraná (UFPR/PR) - Curitiba/PR, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Contextualização: O presente artigo discute parâmetros para aplicação do artigo 33 da Lei 12.529/11,
o qual estabelece responsabilidade solidária por infrações da ordem econômica entre empresas que
integram um grupo econômico.
Objetivo: Demonstrar que a aplicação literal da regra a partir da identicação do grupo econômico
com base em vínculos societários formais levaria a resultados inconsistentes.
Método: Identicação e análise de normas e decisões pertinentes.
Resultados: O grupo econômico, para ns do direito da concorrência, não pode ser denido de forma
abstrata, mas deve ter como referência a conduta investigada e as relações entre sociedades que
permitem identicar, em dado caso concreto, uma direção unitária da estratégia competitiva.
Conclusão: A correta denição de grupo econômico terá reexos sobre como o tema deve ser tratado
em processos administrativos voltados a sancionar infrações da ordem econômica e sobre o cálculo
de multas.
Palavras-chave: grupo econômico; responsabilidade solidária; direito da concorrência.
STRUCTURED ABSTRACT
Context: This article discusses standards to apply Article 33 of Law 12,529/11, which establishes joint
and several liability for violations of the economic order among undertakings that are part of an
economic group.
Editor responsável: Prof. Dr. Luis Henrique Bertolino Braido, Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
OCIRD: https://orcid.org/0000-0001-6085-1446.
1 Recebido em: 28/03/2022 Aceito em: 30/08/2022 Publicado em: 09/06/2022
2 Doutor e Livre-docente em Direito pela Universidade de São Paulo. Professor Associado do Departamento de
Direito Público da Universidade Federal do Paraná (Curitiba/PR). E-mail: adfaraco@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.
br/1695900581926821. OCIRD: https://orcid.org/0000-0002-8350-8429.
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Objective: Demonstrate that applying the rule literally, based on the identication of the economic
group from formal corporate links, would produce inconsistent results.
Method: Identify and analyze relevant rules and decisions.
Results: The economic group for competition law purposes cannot be dened in an abstract manner.
It should have as reference the investigated conduct and the links among corporations that allow, in
a certain case, a unitary direction of the competitive strategy.
Conclusion: The correct denition of economic group will impact how the matter is addressed in ad-
ministrative proceedings to sanction violations of the economic order and how nes are calculated.
Keywords: economic group; joint and several liability; competition law.
Código de classicação JEL: K21
Sumário: 1. Introdução. 2. A hipótese legal de solidariedade passiva no gru-
po econômico. 3. Conceito de grupo econômico não pode ser visto de forma
estática e construído a partir da mera identicação de vínculos societários.
4. Contornos do grupo econômico depende do caso concreto. 4.1. Solidarie-
dade passiva nos processos do Cade. 4.2. Cálculo da multa. 5. Referências
bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
O sistema jurídico brasileiro pune ilícitos à concorrência as denominadas infrações da
ordem econômica previstas na Lei 12.529/11 (BRASIL, 2011) – afastando-se dos modelos clássicos de
responsabilidade baseados na demonstração de culpa. A responsabilidade é legalmente denida
como objetiva artigo 36 da Lei 12.529/11 , prescindindo da caracterização de culpa ou dolo dos
indivíduos que atuam como representantes ou em prol da empresa.
A responsabilidade objetiva garante maior ecácia à atividade repressiva, pois dispensa a
identicação precisa da cadeia de responsabilidade e das ações individuais no interior da estrutura
jurídica empresarial, o que pode ser complexo e mesmo inviável. A responsabilização pelo ilícito
exige, porém, a demonstração de nexo de causalidade. Prescinde-se de culpa ou dolo, mas não da
relação causal entre o ilícito e condutas ou omissões de pessoas físicas relacionadas às atividades
desenvolvidas no âmbito da empresa. Se houve adoção de conduta uniforme entre concorrentes, é
preciso demonstrar que decorre de atos determinados praticados por administrador ou empregado
no contexto e em benefício de dada organização empresarial.
A Lei 12.529/11 complementa a previsão de responsabilização objetiva com a extensão do seu
alcance a pessoas jurídicas não necessariamente envolvidas de forma direta na conduta. Há no artigo
33 regra expressa de responsabilidade solidária no âmbito do grupo econômico, o que garante maior
ecácia à repressão aos ilícitos no contexto de grupos complexos, nos quais se sobrepõem múltiplas
pessoas jurídicas, distintas sob o aspecto formal, mas sujeitas a um mesmo direcionamento em sua
atuação. Responsabilidade sem culpa e solidariedade se complementam, assim, para garantir maior
ecácia na atuação das autoridades administrativas competentes para sancionar tais condutas.
Essas regras são, por vezes, aplicadas de forma literal e automática a partir da mera consta-
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tação da existência de um grupo com base em vínculos societários. Mas se a própria responsabilida-
de objetiva não prescinde da identicação da relação entre ilícito e ações ou omissões atribuíveis à
pessoa jurídica, a solidariedade dentro do grupo tampouco pode surgir sem que esteja presente essa
relação. Admitir o contrário faria com que as sanções alcançassem aqueles que não se beneciam ou
não têm meios de impedir o ilícito, o que é incompatível com o princípio de que a pena não deve ir
além da pessoa do infrator (artigo 5º, XLV, CF) (BRASIL, 1988).
Este artigo identica parâmetros a serem observados para que a aplicação da regra de so-
lidariedade não se torne arbitrária e se adeque aos objetivos da lei que a prevê. Em síntese, argu-
menta que não basta apenas caracterizar a existência de grupo econômico a partir de determinados
vínculos societários para aplicar a regra de solidariedade. São necessários outros elementos para
ns de aplicação do direito da concorrência que darão ao grupo contornos especícos a partir das
circunstâncias do caso concreto.
Essa forma de compreender os grupos afeta não apenas a interpretação da regra de so-
lidariedade, mas terá consequências práticas sobre como e em que momento a questão deve ser
abordada nos processos administrativos sancionadores. Impacta, ainda, a discussão sobre a base de
cálculo da multa. O texto legal permite que a multa seja calculada sobre o faturamento do grupo, sem
vincular expressamente essa possibilidade à caracterização de solidariedade. Mas o que se defende,
aqui, é que a noção de grupo deve ser a mesma na aplicação de ambos os artigos, o que limitará as
situações em que pode ser considerado o faturamento do grupo para cálculo da multa àquelas em
que esteja caracterizada a solidariedade.
2. A HIPÓTESE LEGAL DE SOLIDARIEDADE PASSIVA NO GRUPO
ECONÔMICO
A Lei 12.529/11 estrutura o denominado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Dene
ilícitos ao funcionamento do mercado os quais denomina de “infrações da ordem econômica” – e
organiza a atuação de autoridades voltadas à repressão e prevenção de tais ilícitos.
O sistema de controle e repressão instituído pela Lei 12.529/11, assim como ocorria com
a legislação precedente, é essencialmente administrativo e centrado na atuação do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – Cade, autarquia federal com caráter judicante e jurisdição em
todo território nacional (artigo 2º). O Cade detém competência para investigar e punir os ilícitos.3
Os ilícitos são denidos no artigo 36 a partir da descrição abrangente de determinados
efeitos sobre o mercado. A ilicitude resta caracterizada quando os atos tiverem por objeto produzir
esses efeitos ou puderem simplesmente produzir tais efeitos, ainda que o objeto seja outro e até
mesmo lícito. Nessa segunda espécie estão atos que podem ser lícitos em determinados contextos
e ilícitos em outros. Como a denição do ilícito não se baseia na descrição de determinada conduta,
mas de seus efeitos, é possível que o mesmo comportamento caracterize infração num caso e não em
outro, o que responde por parte da complexidade envolvida na caracterização de muitos dos ilícitos
3 As condutas denidas como ilícitas na Lei 12.529/11 podem gerar efeitos em outros âmbitos. O principal ilícito à
concorrência o cartel é também tipicado como crime na Lei 8.137/90. A mesma conduta pode, portanto, ser objeto de
sanções administrativas e penais. É comum, ainda, a cooperação e atuação conjunta do Cade com autoridades responsáveis
pela persecução penal polícia e Ministério Público – na repressão aos cartéis. O ilícito administrativo pode, também, gerar
consequências na esfera cível. Aqueles prejudicados pela conduta podem pleitear judicialmente indenizações pelos danos
sofridos e imposições de obrigação de fazer e não-fazer para cessar os efeitos contrários à concorrência.
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no direito da concorrência.
O ilícito se caracteriza, ainda, de forma objetiva, independentemente de culpa. Desnecessário,
portanto, para caracterizar a conduta ilícita, perquirir sobre a intenção do infrator. Como a ilicitude
se dene a partir dos efeitos, não tem relevância a efetiva intenção dos envolvidos. Do ponto de
vista subjetivo podem até visar resultados lícitos, mas a produção dos efeitos referidos no artigo
36 afasta a licitude da conduta. Apenas em relação à pessoa física do administrador da empresa a
responsabilização depende da comprovação de sua culpa ou dolo.
Além da responsabilidade ser aferida de forma objetiva, previsão de solidariedade
no grupo econômico nos seguintes termos: “[s]erão solidariamente responsáveis as empresas ou
entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, quando pelo menos uma delas
praticar infração à ordem econômica” (artigo 33).
A regra de solidariedade no grupo econômico já existia na Lei 8.884/94 que antecedeu a
Lei 12.529/11. Em seu artigo 17 estabelecia que [s]erão solidariamente responsáveis as empresas ou
entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, que praticarem infração da ordem
econômica. O texto revogado difere do atual por adotar hipótese mais restrita de solidariedade, a
qual só se vericaria entre as integrantes do grupo econômico às quais fosse imputável a prática da
infração. A regra era semelhante àquela que existe no âmbito da responsabilidade civil quando o
dano é causado por ofensa que tem mais de um autor (artigo 942 do Código Civil4).
O texto atual admite a solidariedade entre integrantes do grupo econômico quando ao
menos uma das empresas pratica infração. Tem, portanto, ao menos sob um enfoque literal,
abrangência potencialmente maior. Caracterizada a existência de grupo econômico, no âmbito do
qual determinada entidade praticou infração, seria aplicável a regra de solidariedade aos demais
integrantes.
A Lei 12.529/11 não dene o que seria “grupo econômico”, conceito multifacetado e sem
unicidade na legislação brasileira. Na legislação societária tratamento expresso dos “grupos
de sociedade”, que corresponderiam ao “grupo de direito” referido no artigo 33. Trata-se de grupo
formalmente constituído reunindo sociedade controladora e suas controladas (artigo 265 da Lei
6.404/76). Apesar do tratamento legal detalhado, não tem relevância alguma e na prática não é usado
na organização da atividade econômica (CARVALHOSA, 1998, p. 262).
A legislação societária trata, também, do que se chama na doutrina de “grupos de fato”
decorrentes da existência de relações de controle e coligação entre as sociedades, conforme denidas
no artigo 243 da Lei 6.404/76. Esses conceitos são xados legalmente para estabelecer obrigações
de prestação de informações, limitar participações recíprocas e disciplinar responsabilidade de
administradores e controladores.
Nos termos do artigo 243,“são coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha
inuência signicativae “[c]onsidera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente
ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente,
preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores. Presume-
se a existência de inuência signicativa e, portanto, de coligação quando a investidora for titular de
20% (vinte por cento) ou mais dos votos conferidos pelo capital da investida, sem controlá-la”.
4 Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem cam sujeitos à reparação do dano
causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
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Os conceitos encontrados na legislação societária ou em outros diplomas normativos não
abrangem a delimitação de “grupo econômicopara ns do direito da concorrência. As nalidades
previstas em cada âmbito são distintas, o que torna os conceitos encontrados na legislação societária
insucientes para disciplinar as questões propriamente concorrenciais. Enquanto o direito societário
regula relações patrimoniais e utiliza esses conceitos para proteger interesses privados de acionistas
e credores – o direito da concorrência preocupa-se com o uso das estruturas societárias para ns de
organização do exercício do poder econômico (SALOMÃO FILHO, 2021, p. 437). O próprio uso do termo
“grupo econômicona Lei 12.529/11 indica que se pretendeu trabalhar com conceito não adstrito ao
de “grupos societários” de fato ou direito.5
No plano infralegal, o Cade delimitou conceito de grupo na Resolução 2/2012 com referências
a critérios objetivos de relações entre sociedades. Não se limita a transpor a conceituação da
legislação societária, mas faz uso de parâmetros decorrentes das relações formais entre sociedades:
[c]onsidera-se grupo econômico, para ns de cálculo dos faturamentos constantes do art. 88 da Lei
12.529/11, cumulativamente: I as empresas que estejam sob controle comum, interno ou externo; e
II – as empresas nas quais qualquer das empresas do inciso I seja titular, direta ou indiretamente, de
pelo menos 20% (vinte por cento) do capital social ou votante.
A conceituação de grupo econômico na Resolução 2/2012, além de ser infralegal, tem
nalidade bastante especíca. Procura dar certeza e objetividade ao cálculo do faturamento a ser
considerado para ns de aferir se as partes de determinado ato de concentração conforme denido
no artigo 90 da Lei 12.529/11 preenchem o critério que exigiria noticação prévia da operação ao
Cade. Não é conceito que deveria vincular o Cade em casos de investigação de infrações, tampouco
serve de parâmetro para denir a responsabilidade solidária dentro do grupo econômico.6
Ao se destacar a impropriedade do uso da Resolução 2/2012 para ns de interpretação do
artigo 33 e para o controle de condutas em geral não se pretende sugerir a necessidade de
sua revogação. Mas que o respectivo conceito geral e formal de grupo econômico que contém seja
aplicado apenas para o m especíco para o qual foi criado no contexto do controle de estruturas.
Não obstante, o Cade tem feito referência a esse conceito para diferentes nalidades no
âmbito do controle de condutas. É prática ordinária, por exemplo, requisitar em investigações
informações sobre o grupo e seu faturamento tendo como referência o conceito da Resolução 2/2012;
ou citá-lo na solução de questões sobre validade da noticação dos representados ou alegações de
ilegitimidade passiva. A Resolução 2/2012 é o único conceito infralegal de grupo no âmbito do CADE e,
embora formulado para m especíco no controle de estruturas, acaba por ser usado impropriamente
5 Viviane Muller Prado (2006) observa que “o conceito de grupos empresariais não tem nenhum valor em si mesmo
e seu conteúdo não pode ser encontrado a partir de uma análise isolada, pois deve estar em consonância com os objetivos e
nalidades da regulamentação que atribui determinadas consequências jurídicas a certas estruturas societárias”; acrescenta
que “não há uma unidade do conceito de grupo de empresas de forma a ser aplicado a todo o sistema jurídico”.
6 O critério legal para determinar quando determinado ato deve ser submetido ao Cade – i.e., o faturamento do gru-
po não é propriamente indicativo de poder econômico, tanto que a maioria dos casos submetidos ao controle de atos de
concentração é analisada e aprovada de forma sumária e são poucos os que implicam algum tipo de impacto sobre a concor-
rência. Como a análise do poder econômico e o impacto de uma operação sobre sua concentração é complexa e inerente ao
mérito do controle que o Cade faz, usar parâmetros como participação de mercado como critério de noticação das operações
geraria incertezas, como constatado na experiência brasileira sob a Lei 8.884/94. O critério de faturamento garante maior
objetividade, embora possa com frequência estar dissociado da existência de efetivos problemas concorrenciais objeto do
controle de estruturas pelo Cade. Nesse sentido, o conceito de grupo econômico delineado na Resolução 2/2012 está também
dissociado de qualquer relevância para a identicação de abusos de poder econômico ou dominação de mercado no contexto
do controle de condutas.
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em outros contextos também.
3. CONCEITO DE GRUPO ECONÔMICO NÃO PODE SER VISTO DE
FORMA ESTÁTICA E CONSTRUÍDO A PARTIR DA MERA IDENTIFICAÇÃO DE
VÍNCULOS SOCIETÁRIOS
Como visto acima, a Lei 12.529/11 não oferece conceito próprio de grupo econômico. Seria
errôneo, em função disso, pretender trabalhar com conceito estático de grupo construído a partir
de vínculos societários formais de controle e coligação. É a solução da qual o Cade se aproximou na
Resolução 2/2012, mas para nalidade especíca e com objetivo claro de garantir previsibilidade às
situações que exigiriam noticação prévia de atos de concentração.
No âmbito da sanção de condutas e para ns de aplicação do artigo 33 a mesma abordagem
não faria sentido e conduziria a resultados incoerentes. Implicaria, por exemplo, a responsabilização
de sociedade por atos ilícitos praticados exclusivamente no âmbito de sua controladora ou de outra
que detém mais de 20% de seu capital sem controle. Ou responsabilizar sociedades distintas apenas
porque estão sob controle comum. Essas situações não fazem o menor sentido no contexto da
aplicação de sanções por infrações da ordem econômica, sob qualquer aspecto em que se analise a
questão.7
A controlada e a coligada, nos exemplos acima, não têm qualquer capacidade de intervir nas
atividades da outra sociedade. A situação pode se tornar ainda mais absurda quando não houver
plena identidade de sócios entre essas distintas sociedades, hipótese em que as repercussões
patrimoniais das sanções acabariam por atingir quem sequer poderia ter algum benefício com o
ilícito ou ter agido para evitá-lo. Além de sócios distintos, tais sociedades podem atuar em mercados
que nenhuma relação têm com aquele no qual se vericou a infração.
Considere-se, por hipótese, que sociedade com atividade industrial na área de autopeças
tenha participado de um cartel. Tal sociedade é controlada por outra que detém controle e
participações em distintas sociedades com diferentes atividades, inclusive participação minoritária
de 20% em uma instituição nanceira. É claramente irrazoável pretender estender a responsabilidade
pelo cartel a essa instituição nanceira. Mas é o que decorreria da aplicação literal do artigo 33 se o
conceito de grupo for construído de forma estática a partir dos conceitos do direito societário.
No âmbito civil, a solidariedade passiva decorre de manifestação de vontade ou de expressa
disposição legal (artigo 265 do Código Civil). No segundo caso, a lei não estabelece a solidariedade
passiva sem critério, o que implicaria criar obrigações de forma arbitrária. Há sempre um vínculo
jurídico a justicar tais situações, como o mandato, o contrato de transporte, o contrato de comissão,
a gestão de negócios, o contrato de sociedade, a relação entre pais e lhos ou empregadores e
empregados. Além disso, em tais casos o vínculo envolve alguma atividade ou interesse comum
ou algum dever de supervisão. A solidariedade passiva está associada, portanto, à existência de
interesse comum entre os devedores ou dever de um supervisionar a ação de outro.
O artigo 990 do Código Civil prevê, por exemplo, que os sócios de sociedade em comum
respondem solidariamente pelas obrigações sociais contraídas por qualquer deles.8 Há entre eles
7 Frazão (2017) destaca a incoerência de resultados como esses decorrentes da aplicação literal da solidariedade
prevista no artigo 33.
8 As regras da sociedade em comum aplicam-se às sociedades cujos atos constitutivos não foram inscritos no registro
competente e que não adquiriram personalidade jurídica (artigo 986 do Código Civil).
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um vínculo jurídico o contrato de sociedade e interesse comum na repartição dos lucros advindos
da exploração de atividade econômica. A regra tem razoabilidade por diversos motivos. Todos os
sócios podem se beneciar da obrigação contraída para exploração em comum do objeto social,
cada sócio pode supervisionar o que o outro faz no âmbito da sociedade e a regra protege o terceiro
de boa-fé em relação a sociedade constituída com menor grau de formalidade.
A análise das demais hipóteses legais de solidariedade passiva do Código Civil conduzirá
à identicação de razões análogas ou equivalentes. Nunca imposição meramente arbitrária para
facilitar o pagamento de determinado credor ou sancionar determinada conduta.
Não é razoável considerar apenas a existência de vínculo de participação societária como
suciente para criar solidariedade por atos ilícitos. A existência desses vínculos não implica
necessariamente atuação ou interesse comum. Em regra, o interesse social é especíco a cada pessoa
jurídica. O direito societário inclusive trata como ilícito usar o poder de controle para direcionar a
atividade de uma sociedade para atender o interesse de outra.9 As hipóteses descritas no início
deste tópico demostram como a solidariedade passiva derivada exclusivamente de vínculos dessa
natureza conduzem a resultados arbitrários.
O que é “grupo econômicopara ns de aplicação das sanções do direito da concorrência
não pode ser compreendido a partir das noções de vínculos societários construídas com referência
ao direito societário. O direito societário enfatiza a separação formal entre distintas pessoas
jurídicas, que são centros de imputação de direitos e obrigações. A separação é importante para os
ns desse ramo do direito, cujas regras estão centradas em proteger a posição de sócios e credores
de ações oportunistas de quem tem o controle sobre o patrimônio social o sócio controlador e
os administradores. As relações societárias de controle e coligação, denidas na legislação e que
baseiam a noção de grupos de fato, tem como referência esses ns.
Os objetivos das normas de direito da concorrência são distintos. O recurso cego a categorias
de direito societário, para compreender o que seria “grupo econômico” em determinado caso,
implicaria ignorar essa circunstância e aplicar ao direito econômico conceitos desenvolvidos com
outras nalidades.
Há, de um lado, regras de personicação de sociedades empresárias que limitam a
responsabilidade dos sócios e a possibilidade de o patrimônio social responder por dívidas e atos
de outras pessoas. De outro, a necessidade de dar efetividade a normas de direito econômico que
incidem sobre a atividade de grupos que se organizam em distintas pessoas legais, mas que operam
com algum grau de unicidade no mercado.
Aspectos formais existência de distintas pessoas jurídicas e vínculos de participação
societária – estão no centro das preocupações do direito societário. Para o direito da concorrência o
que importa é a realidade material de como as atividades dessas distintas pessoas estão organizadas
e se relacionam no mercado. A separação societária e a existência de distintas pessoas jurídicas
podem ser absolutamente irrelevantes para a conduta de dada empresa no mercado.
Sociedades empresárias distintas, mas sob controle comum, em geral não concorrem umas
com as outras. A separação formal entre pessoas jurídicas, nessa hipótese, não tem relevância para
9 O artigo 117 da Lei 6.404/76 inclui dentre as modalidades de abuso do poder de controle “orientar a companhia para
m estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira,
em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional”.
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avaliar o comportamento no mercado a partir da ótica do direito da concorrência. Em regra, não faz
sentido imputar a empresas sob controle comum a adoção de conduta uniforme ilícita – como cartel
por estarem seguindo a mesma estratégia competitiva, assim como não há razão para tratá-las
como entidades autônomas para outros propósitos do direito da concorrência – como o controle de
atos de concentração econômica.
Assim, a interpretação do que é grupo econômico para ns do artigo 33 não deve ser feita
a partir da mera identicação de vínculos societários formais pouco importa se são aqueles
descritos na legislação societária ou na Resolução 2/2012 que, embora não reproduza exatamente
os mesmos conceitos de controle e coligação da legislação societária, adota abordagem a partir da
mera conguração de vínculos formais.
O que importa é avaliar se as diferentes sociedades, em função das relações societárias,
contratuais e circunstâncias fáticas existentes, atuam de maneira unitária ou não em dado mercado
i.e., se seguem a mesma estratégia competitiva imputável a um mesmo centro decisório. A noção
de “grupo” implica, para ns concorrenciais, a identicação de uma unidade econômica atuando no
mercado, ainda que organizada a partir de diversas pessoas jurídicas.10
O conceito societário de controle pode ser relevante nesse contexto. Em princípio a sociedade
controladora tem meios para dirigir o comportamento da controlada no mercado. Mas pode ser
insuciente. É possível que, no caso concreto, o mesmo resultado possa ser alcançado com base em
participação minoritária de acionista com direitos especiais de indicação de administradores ou voto
qualicado em assembleias sobre certas matérias concorrencialmente relevantes.
Disso decorre que mesmo a detenção da maioria do capital social com direito a voto, que em
princípio cria condições para exercício do controle, pode não ser suciente para ns de caracterização
de grupo, se circunstâncias outras, disciplinadas em acordos de acionista ou no estatuto social, na
prática impedirem que esse acionista controle as decisões concorrenciais da sociedade.
É avaliação que precisa ser feita a partir do caso concreto e os contornos do grupo não
serão automaticamente delimitados com base na identicação de relações societárias de controle
e coligação. A identicação de uma unidade econômica operando em dado mercado não decorre
automática e necessariamente da existência desses vínculos. Tais vínculos podem ser instrumentos
para organizar uma unidade econômica no mercado. Mas não relação de necessidade entre
uma coisa e outra que pudesse autorizar a caracterização do grupo econômico apenas a partir da
identicação desses vínculos formais.
Em caso no qual o Cade se aprofundou na discussão sobre grupo econômico no contexto
da aplicação de sanções chegou-se a conclusões que se aproximam desse entendimento. Apesar de
julgado poucos meses antes do início da vigência da lei atual i.e., tendo como referência o texto
da Lei 8.884/94 , continua a ter relevância e as conclusões não parecem que seriam diversas em
razão da redação atual da regra de solidariedade. A decisão centra-se na delimitação do conceito de
“grupo econômico, o qual continua sem denição na Lei 12.529/11 e é pressuposto para aplicação da
regra de solidariedade.
10 Não se deve confundir a unidade econômica formada a partir de centro decisório comum com a uniformização de
comportamento no mercado a partir de um cartel. No segundo caso, os envolvidos de fato procuram atuar no mercado de
forma alinhada, mas é decisão tomada a partir de distintos e independentes centros decisórios que combinam a adoção do
comportamento uniforme.
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A decisão foi tomada no Requerimento 08700.005448/2010-14, tendo como relator o então
Conselheiro Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo, e é citada como referência para o tema pela doutrina
e em decisões posteriores.11 Discutia-se no processo proposta de compromisso de cessação para
encerrar investigação de condutas praticadas por determinadas sociedades cooperativas médicas
integrantes do Sistema Unimed.
O Cade adotou, então, o entendimento de que dada a especicidade do conceito de grupo
econômico para ns do direito da concorrência, não adiantaria simplesmente transpor conceitos
de outros ramos do direito. Para que houvesse a conguração de grupo econômico a conexão que
precisaria existir entre as sociedades seria aquela decorrente da presença de uma unidade decisória
central” cuja atuação impactaria a formulação da “estratégia competitiva”.12
A existência dessa unidade decisória pode se basear em vínculos societários, mas pode
envolver outros aspectos e não necessariamente aqueles vínculos serão sucientes. O que importa é
vericar se de fato determinado conjunto de sociedades atua como unidade econômica no mercado
em determinado contexto. No caso em questão, sequer havia vínculo societário formal entre as
cooperativas que integravam o Sistema Unimed e, mesmo assim, concluiu-se pela existência de
grupo econômico.
Ainda que a decisão tenha se centrado em conceitos abertos presença de uma unidade
decisória centrale estratégia competitivaela claramente recusa a possibilidade de denição
de grupo a partir de meros vínculos formais.13 Apesar de a mesma abordagem ter sido usada em
situações subsequentes,14 não se trata de algo consolidado na prática do Cade. Há inúmeras situações
nas quais se aborda a questão da solidariedade dentro do grupo como se fosse algo que decorresse
automaticamente da identicação dos vínculos de um grupo societário.15
4. CONTORNOS DO GRUPO ECONÔMICO DEPENDE DO CASO
CONCRETO
11 V. Frazão (2017). Em relação às decisões do Cade, v. aquela tomada com base no voto-vista do então Conselheiro
Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araujo no Processo Administrativo 08012.000778/2011-52. Neste caso a caracterização de
grupo econômico, com referência à decisão antecedente citada acima, foi usada para afastar a aplicação de sanção em razão
de já ter sido sancionada outra empresa do grupo econômico pelos mesmos fatos.
12 V. parágrafos 75 a 78 do voto do relator.
13 A referência a uma unidade decisória central e a noção de que diferentes sociedades podem integra-la guarda
certa proximidade com o conceito de single economic entity formulado no direito europeu para justicar a extensão da
responsabilidade por infrações concorrenciais de uma sociedade a sua controladora. Embora não faça sentido simplesmente
transpor a prática europeia para o contexto brasileiro, dadas as especicidades dos textos normativos e sistemas jurídicos,
o conceito foi desenvolvido para endereçar a tensão que existe entre os conceitos do direito societário e os ns do direito
da concorrência, afastando-se de soluções baseadas meramente em vínculos societários (embora a jurisprudência europeia
tenha criado presunções que conduzem à responsabilização baseada nesse tipo de vínculo). Sobre o tema e discussão das
principais decisões, v. Lang (2014), Koenig (2017) e Botta (2019).
14 V. o já citado Processo Administrativo 08012.000778/2011-52.
15 V. por exemplo como a Superintendência-Geral do Cade justicou mudanças no polo passivo do Processo Adminis-
trativo 08700.004633/2015-04. Alguns dos representados pediram a substituição da sociedade que constava do polo passivo,
para que o processo fosse direcionado àquelas às quais estavam vinculadas as pessoas físicas envolvidas na conduta. O pedi-
do foi deferido, mas com a ressalva de que isso não implicaria prejuízo à aplicação da regra da solidariedade, nos termos dos
art. 32 e 33 da Lei nº 12.529/11, pois como as sociedades integram o mesmo grupo econômico, eles respondem solidariamente
por eventual infração à ordem econômica praticada por qualquer uma das empresas do grupo. Em outras palavras, a exclusão
do polo passivo e a ausência de relação com a conduta investigada não afastaria a solidariedade diante da existência de um
grupo societário.
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A identicação de determinado grupo econômico para aplicação de sanções da Lei 12.529/11
não pode ser feita de forma estática a partir de certos vínculos formais. Não existe em abstrato grupo
integrado pelas sociedades A, B e C com base na identicação de relações societárias de controle e
coligação. É necessário avaliar, a partir do contexto fático pertinente, se tais sociedades atuaram no
mercado como unidade econômica a partir de estratégia concorrencial denida por centro decisório
comum.
Trata-se de questão a ser vericada e avaliada a partir do caso concreto. O grupo precisa
corresponder ao conjunto de sociedades que formam a unidade econômica envolvida na conduta.
Apenas nesse contexto faz sentido cogitar de solidariedade entre diferentes sociedades. Responderão
de forma solidária porque estarão, direta ou indiretamente, abrangidas por essa unidade econômica.
Assim, o grupo econômico se dene a partir da conduta investigada e das relações entre
sociedades que permitem identicar, naquela circunstância concreta, uma direção unitária da
estratégia competitiva. A abrangência do grupo pode variar para cada situação concreta i.e.,
determinada sociedade pode fazer parte de um grupo econômico em certo contexto, mas não
necessariamente em outros.
No âmbito de um cartel, por exemplo, haverá solidariedade entre as diferentes sociedades
que atuam no mercado afetado sob a mesma direção unitária da estratégia competitiva. Essa
solidariedade não exige que todas tenham praticado o ato de organização do cartel. O acordo com
os concorrentes pode ter sido feito pela sociedade controladora, que orientou a atuação das demais
a partir do que foi acordado.
Neste exemplo, outras sociedades sob o mesmo controle, mas que atuam em mercados
distintos, não farão parte do grupo econômico para ns de aplicação do artigo 33. Não integram a
unidade econômica empresarial que tem relação com a conduta praticada. Tampouco vínculos de
coligação terão relevância, exceto em contexto no qual foram sucientes para integrar a coligada à
mesma estratégia competitiva.
A análise precisa ser feita sempre a partir do caso concreto e o conceito de grupo será
delimitado para aquele caso. Outras investigações, eventualmente envolvendo as mesmas
sociedades, precisarão reavaliar a questão sob as particularidades de cada contexto. A identicação
de grupo econômico, que permite aplicar a regra de solidariedade, é questão que não pode ser
automaticamente replicada em investigações sucessivas.
Não se delimita o grupo econômico de forma dissociada da conduta. Primeiro é preciso
compreender a conduta e quais sociedades estavam diretamente envolvidas, para então avaliar a
existência de circunstâncias que fazem com que outras sociedades devam ser consideradas como
parte das respectivas unidades econômicas com atuação no mercado afetado. É no âmbito dessas
unidades econômicas que poderá ser aplicada a regra de solidariedade.
A intepretação aqui defendida do artigo 33 não pretende ignorar o texto legal, que arma
que a responsabilidade será solidária no âmbito do grupo quando pelo menos uma das integrantes
praticar a infração. A existência da unidade econômica não exige que todas as sociedades tenham
tido participação direta no ato. Nessa hipótese a solidariedade existiria como decorrência dessas
sociedades serem coautoras do ilícito e o texto do artigo 33 não trata de coautoria.16
16 Na hipótese de coautoria a solidariedade – pelos danos, mas não pelas sanções – decorreria da própria regra geral
do artigo 942 do Código Civil. Ana Paula Martinez (2013) destaca que sob esse fundamento da lei civil todos os partícipes do
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A unidade econômica que caracteriza a existência de um grupo – e permite aplicar a regra de
solidariedade – decorre da existência de um mesmo centro decisório ao qual pode ser referido o ato
infracional. As demais sociedades do grupo integraram o seu comportamento ao que foi decidido,
mesmo que seus órgãos administrativos ou empregados não tenham participado dessa decisão.
O acordo de preços, por exemplo, pode ter sido organizado com concorrentes por sociedade
que representa o principal volume de vendas de determinado grupo. Outras sociedades sob controle
comum ajustaram a sua política de preços aos parâmetros desse acordo sem interagir com
concorrentes, mas como decorrência de seguirem usualmente os preços praticados pela sociedade
principal.
A constatação de que a denição de grupo econômico, para ns do artigo 33, pode ser feita
a partir do caso concreto traz outras consequências práticas para a atuação do CADE na repressão
a infrações da ordem econômica. Trata-se de questão fática que precisa ser apurada no âmbito da
investigação conjuntamente com a conduta. Terá reexos, ainda, sobre a forma de cálculo da multa.
4.1. Solidariedade passiva nos processos do Cade
Como a solidariedade passiva não decorre da análise estática de vínculos formais, mas da
caracterização de uma unidade econômica no mercado, sua aplicação dependerá da comprovação
desta no respectivo processo administrativo. Trata-se de questão que precisa ser objeto da
investigação, assim como a conduta infracional.
Da mesma forma, deve ser dada oportunidade às partes representadas no processo de se
defenderem da imputação de integrarem grupo econômico no âmbito do qual uma das sociedades
praticou a infração. Assim, a Superintendência do Cade, quando instaura processo administrativo
para aplicação de sanções, nos termos do artigo 69, já deve incluir no polo passivo as empresas às
quais pretende imputar responsabilidade com base no artigo 33.
A aplicação da regra de solidariedade não pode ser invocada pela autoridade quando da
execução da sanção imposta à sociedade que praticou a conduta, sem que as demais integrantes
do grupo tenham tido oportunidade de se defender da imputação de que fariam parte do grupo
econômico. Não se trata de questão a ser avaliada após o Cade concluir que houve infração e
pretender executar a sanção. Seria evidente desrespeito ao direito de defesa e ao devido processo
legal.
Pode-se pretender contrapor que isso não seria praticável, pois no curso da instrução do
processo administrativo é que poderiam ser identicados os elementos necessários à constatação
da existência de grupo econômico. Mas isso não deveria se sobrepor ao direito de defesa. Feita essa
constatação pela Superintendência do Cade no caso concreto, deve se reticar o polo passivo e
oportunizar o exercício da plena defesa pela sociedade à qual se pretende imputar responsabilidade
solidária.
A reticação do polo passivo tende a estender o tempo de tramitação do processo
administrativo. Mas é inconveniente que poderia, em geral, ser evitado se o processo administrativo
previsto no artigo 69 fosse aberto apenas após a Superintendência ter feito investigação suciente
sobre os fatos no contexto de inquérito administrativo antecedente aberto com base no artigo 66, o
cartel poderiam responder solidariamente pelos danos da conduta em ações privadas de indenização.
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que lhe permitiria identicar os contornos dos eventuais grupos econômicos envolvidos na conduta.
Na prática atual da Superintendência, porém, o processo administrativo é com alguma
frequência aberto com entendimento ainda preliminar dos fatos e indicação de que instrução
adicional será feita pela autoridade. Isso diverge da nalidade dos tipos processuais disciplinados
pela Lei 12.529/11 e pode prejudicar o direito de defesa.
Quando um processo administrativo é aberto nos termos do artigo 69 a Superintendência já
deveria ter um entendimento claro dos fatos e suas consequências. A autoridade precisa acusar os
representados de conjunto especíco de fatos e de como entende que a lei deveria ser aplicada a
esses fatos. O ato administrativo em questão é análogo à denúncia em âmbito criminal. Estabelece
os fatos de que os representados estão sendo acusados e contra o que devem se defender inclusive
eventual existência de grupo econômico.
A fase de instrução do processo administrativo não serve para a Superintendência investigar
com o objetivo de construir o seu entendimento sobre o caso. Há outro procedimento previsto na Lei
12.529/11 para esse propósito – o já citado inquérito administrativo disciplinado nos artigos 66 a 68.
Se a Superintendência não tem certeza da extensão dos fatos, de seus efeitos no mercado e como
qualicá-los sob as regras legais aplicáveis, deveria iniciar um inquérito administrativo e usar todos
os amplos poderes de investigação de que dispõe para chegar a uma conclusão. Apenas após chegar
a uma conclusão sobre os fatos é que deveria acusar as empresas e indivíduos de violarem a lei.
Não é um detalhe que sob a Lei 12.529/11 o processo administrativo é para a imposição de
sançõese não para investigação. A fase de instrução no processo administrativo é precipuamente
em benefício dos representados, que não participaram da coleta de provas no âmbito do inquérito
administrativo, o qual tem natureza inquisitorial. O artigo 69 deixa isso expresso ao prever que o
processo administrativo“visa a garantir ao acusado a ampla defesa a respeito das conclusões do
inquérito administrativo.
Não se trata de tecnicalidade irrelevante. Pode afetar diretamente o direito de defesa dos
representados e a garantia do devido processo legal. O direito de defesa precisa ser exercido contra
acusações claras, que devem incluir as razões pelas quais se pretende aplicar a regra de solidariedade
do artigo 33.
4.2. Cálculo da multa
A discussão sobre como aplicar o artigo 33 impacta também os parâmetros de cálculo da
multa prevista no artigo 37. A base de cálculo da multa é o “faturamento bruto da empresa, grupo ou
conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo
de atividade empresarial em que ocorreu a infração. Trata-se de parâmetro bastante abrangente que
poderia conduzir a resultados díspares e arbitrários.
Considere-se, por hipótese, que empresa integrante de conglomerado multinacional
pratica infração no mercado brasileiro. A aplicação literal do artigo 37 sugeriria que o Cade teria
discricionariedade para escolher entre o faturamento da empresa do Brasil ou de todo o conglomerado
global. A diferença seria obviamente extrema e no segundo caso completamente dissociada da
conduta. Tamanha discricionariedade poderia conduzir a arbitrariedades e não deveria ser critério
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para denir a dosimetria da multa. A dosimetria se em função do percentual que incide sobre a
base de cálculo 0,1% a 20% , sendo que as agravantes e atenuantes referidas no artigo 45 justicarão
o percentual xado, mas não a base de cálculo.
Analisando a hipótese legal de base de cálculo sob o mesmo enfoque da regra de solidariedade
chega-se a resultado consistente que evita multas dissociadas da conduta. Não se deve denir grupo
ou conglomerado de forma estática até porque para a hipótese de conglomerado não outros
conceitos formais do direito societário que poderiam ser usados.17 A denição deve se dar no caso
concreto a partir das circunstâncias em que ocorreu a conduta.
Assim, se há razões para caracterizar grupo econômico e aplicar a regra de solidariedade,
a multa pode tomar como base o faturamento das integrantes do grupo em questão, denido
conforme os parâmetros referidos acima para o artigo 33. Mas isso só pode ser feito se demonstrado,
no contexto do processo administrativo, que há a caracterização de grupo econômico. Se isso não
acontecer, o faturamento deve ser o da pessoa jurídica que foi efetivamente representada no processo
administrativo.
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de Processo Penal, e a Lei 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei 8.884, de
11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e outras providências. Brasília, DF:
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KOENIG, Carsten. An economic analysis of the single economic entity doctrine in EU competition law.
17 A noção de conglomerado é tratada na jurisprudência do Cade no contexto do controle de estruturas, em que se
discutem “efeitos conglomerados” decorrentes de um ato de concentração que abrange empresas com atuação em mercados
relevantes distintos e que não implicam sobreposição horizontal ou vertical (ATTAYDE, 2021, p. 162). Mas o conglomerado for-
mado a partir da operação, que reúne sob controle comum empresas com atuação em distintos mercados, não é algo distinto
do grupo de sociedades. No controle de estruturas o conceito é desenvolvido para avaliar efeitos restritivos à concorrência
que independem de concentrações horizontais e verticais. No contexto do controle de condutas pode ser igualmente relevan-
te quando a infração envolver empresas com atuações em mercados distintos. Quando integrarem um mesmo grupo serão
solidariamente responsáveis e a sanção poderá ter como base de cálculo o faturamento de ambas as empresas, ainda que
originado em mercados distintos.
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FARACO, Alexandre Ditzel. Responsabilidade solidária no grupo econômico por infrações da
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Como citar este artigo
FARACO, Alexandre Ditzel. Responsabilidade solidária no grupo econômico por infrações da ordem
econômica.Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 2, p. 126-139, 2022.