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NÓVOA, Natasha. O Compliance concorrencial como enforcement na aplicação de TCCs. Revista
de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 11, n. 1, p. 88-102, 2023.
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ENFORCEMENT ANTITRUSTE
POR MEIO DA APLICAÇÃO
DO COMPLIANCE
CONCORRENCIAL EM TERMOS
DE COMPROMISSO DE
CESSAÇÃO (TCCs)
1
Antitruste Enforcement through Compliance application
in Cease and Desist Agreements
Natasha Siqueira Mendes de Nóvoa
2
Universidade Federal do Pará (UFPA) – Belém/PA, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Contexto: No contexto da Lei 12.529/11, o artigo visa analisar as possibilidades institucionais
presentes na legislação quanto à aplicabilidade do compliance concorrencial como um instrumento
potencializador do enforcement antitruste em Termos de Compromisso de Cessação (TCCs).
Objetivo: Demonstrar de que forma pode-se melhorar o enforcement antitruste a partir da aplicação
do compliance como instrumento complementar em TCCs, sob à luz da Lei 12.529/11.
Método: O artigo foi desenvolvido essencialmente sob o método dedutivo e através de pesquisa
bibliográfica nacional e estrangeira, desenvolvida sob confluência multidisciplinar entre textos de
Direito e Economia, juntamente com a análise jurisprudencial de casos do Conselho Administrativo
de Defesa Econômica (Cade).
Conclusões: Entende-se que é plenamente possível utilizar os programas de compliance como
instrumento complementar de cooperação regulatória na defesa da concorrência, sendo possível
vislumbrar avanços positivos nas possibilidades instrumentais do SBDC após a vigência da Lei
12.529/11, no entanto, observa-se que ainda existem caminhos a serem percorridos no Brasil.
Palavras-chave: compliance concorrencial - Termo de Compromisso de Cessação de Prática –
instrumento de enforcement - Lei 12.529/11 - governança corporativa.
STRUCTURED ABSTRACT
Editor responsável: Prof. Dr. Luis Henrique Bertolino Braido, Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4648392251476133. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6085-1446.
1 Recebido em: 01/04/2022 Aceito em: 24/05/2023 Publicado em: 31/07/2023
2 Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Pará. Bolsista de Iniciação Cientifica pelo CNPq na área de
Direito do Consumidor Digital. Membro do grupo de pesquisa “Consumo e Cidadania” (CNPq/UFPA). Intercambista no 4
PinCade. Mentorada no Women in Antitrust e membro do Women in Antitrust Júniors. E-mail: natasha.novoa@mudrovitsch.
adv.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9626327474346706. ORCID: http://orcid.org/0009-0006-5024-3117.
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Context: The article aims to analyze how to improve antitrust enforcement through compliance in
fulfillment of Cease and Desist Agreements (TCC for its acronym in Portuguese), in the context of
Brazilian law.
Objective: Demonstrate how antitrust compliance can be used as an effective tool in Brazilian
regulatory cooperation, especially to increase the enforcement antitrust.
Method: Deductive and bibliographic method and jurisprudential analysis.
Conclusions: Compliance programs are positives as an instrument of regulatory cooperation in
antitrust law, especially as an enforcement for antitrust law.
Keywords: antitrust compliance - Cease and Desist Agreements – enforcement – Brazilian Antitrust
Law - corporate governance.
Classificação JEL: K21; K42
Sumário: 1. Introdução; 2. O Termo de Cessação de Prática
como instrumento da Lei 12.529/11; 3. O Compliance
Concorrencial como Possibilidade de Cooperação
Regulatória na Defesa da Concorrência; 4. Avanços
Institucionais e Novas Formas de Pensar os Instrumentos
Preventivos; 5 Considerações Finais.
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, o Direito da Concorrência somente se consolida como uma matéria relevante a
partir do final do século XX, especialmente após a Constituição Federal de 1988. Antes disso, não
havia um fortalecimento constitucional estabelecido, muito embora o Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade) tenha sido criado em 1962, foi somente, após a Lei 8.884/94, que o órgão
passou a ser uma autarquia com autonomia administrativa e orçamento próprio (BRASIL, 1994).
Dentre os principais fatores que limitavam a atuação do direito antitruste no Brasil, ressalta-
se a política de Estado protecionista e autoritária durante o Regime Militar (1964-1985), a qual
dispunha de órgãos responsáveis pelo controle de preços na economia , bem como de incentivos à
formação de grandes grupos econômicos. A atividade econômica, então, era rigidamente controlada
pelo governo e foi somente após o inicio da década de 90, que o debate acerca da abertura da
economia e do mercado como instrumentos de enfrentamento a processos inflacionários começou
a se destacar de fato, pulverizando a importância de um direito da concorrência sólido no Estado
brasileiro.
Assim, como um marco importante no antitruste brasileiro, pode-se ressaltar a lei
8.884/94 (BRASIL, 1994), bem como a Lei n° 10.149/2000 (BRASIL, 2000), que foram imprescindíveis
na institucionalização do direito da concorrência, no entanto, com o passar dos anos, foram se
observando algumas lacunas e contradições, especialmente nas restrições da discussão antitruste a
uma parte isolada da sociedade, de modo que a população estava distante de qualquer decisão ou
entendimento sobre o tema. Aliado a isso, alguns dispositivos legislativos não dialogavam mais com
a tendência das autoridades internacionais, a exemplo do modelo de notificação posteriori ao Cade
acerca da análise de um ato de concentração, ou até mesmo a estrutura organizacional da autarquia
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e do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC, que careciam de uma divisão de função
mais clara e operacional.
Desse modo, em 2011, foi promulgada a Nova Lei Antitruste responsável pela restruturação
do SBDC, que passou a ser composto somente pelo Cade e pela SEAE, bem como estabeleceu novos
padrões institucionais e objetivos jurídicos ao Cade, a exemplo do seu alcance e das suas funções,
a partir da adoção de ferramentas, até então, inovadoras. Assim, dentre as principais mudanças no
SBDC, destacaram-se as alterações organizacionais, como a restrição do papel da SEAE, que passou
a atuar com um enfoque maior na área educativa e de conscientização do direito concorrencial, e o
papel mais ativo do Cade, o qual assumiu, de forma significativa, a função preventiva, repressiva e
pedagógica.
No que se refere às três funções citadas, é imprescindível considerar que, conforme houve
o fortalecimento normativo do direito antitruste no Brasil, surgem também novos desafios que
exigem uma dialética constante com os novos instrumentos anticompetitivos, seja como método
complementar à regulação ora vigente, seja como meio de ampliar o cumprimento da norma, o fato é:
a Lei n° 12.529/11 (BRASIL, 2011) trouxe um arcabouço prático e teórico capaz de expandir as políticas
antitrustes, contextualizando-a no cenário internacional.
Para Carvalho e Ragazzo (2017, p. 31) “a maior efetividade da defesa da concorrência também
se deve, em grande medida, ao aperfeiçoamento da política de acordos de leniência e compromissos
de cessação de conduta, uma vez que os instrumentos se tornaram mais efetivos e foi possível ter-
se mais clareza nos procedimentos aplicados pela autarquia. Isso, no entanto, não impede o Cade de
continuar buscando meios de fortalecer ainda mais esse enforcement, isto é, a estrita observância
aos preceitos que regem a defesa da concorrência.
Nesse sentido, uma das tendências da agenda antitruste se acentuou nos programas
de compliance concorrencial como um meio alternativo de minimizar os riscos de cometimento
de ilícitos antitrustes, seja por meio da educação concorrencial, seja pelo fomento da adoção de
procedimentos empresariais de prevenção e detecção de condutas anticompetitivas. Logo, quando os
agentes econômicos passam a atuar em conformidade com a lei, tem-se o aumento do enforcement
regulatório, o que estimula a adoção de mais condutas em sintonia com a legislação antitruste.
O presente artigo, portanto, irá explorar o compliance como uma possibilidade institucional
da Lei 12.529/11 com potencial de ampliar a “taxa de cumprimento” de TCCs. Apesar de o programa
não estar expressamente previsto na Lei de Defesa da Concorrência, vem se observando esforços
significativos do CADE e das demais autoridades internacionais para difundir o referido instrumento,
a exemplo da exigência de Programas de Prevenção à Ordem Econômica como requisito para a
celebração de TCCs.
Como objeto principal do artigo, busca-se demonstrar como o enforcement antitruste pode
ser ampliado através do compliance concorrencial, especialmente quando presentes em TCCs. No
primeiro tópico, será explicado o conceito e aplicação dos Termos de Compromisso de Cessação de
Prática, para poder analisar a importância da cooperação regulatória entre o referido acordo com os
programas de compliance. Em seguida, será possível compreender como o Cade pode orientar sua
intervenção no equilíbrio entre o enforcement punitivo e promoção de iniciativas de conformidade
com as regras, respeitando os limites da Nova Lei de Defesa da Concorrência. Por fim, será feita uma
análise comparativa entre alguns TCCs ativos no Cade, com o objetivo de se manter a dialética entre
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a teoria e a prática.
Em homenagem aos dez anos de vigência da Lei 12.529/11, tem-se a imprescindibilidade de
ressaltar suas inovações, mas também em compreender suas lacunas. E o compliance concorrencial
em TCCs, dentro de seus limites institucionais, pode representar uma cooperação regulatória efetiva
na defesa da concorrência, especialmente como enforcement da legislação antitruste.
2. O TERMO DE COMPROMISSO DE CESSAÇÃO DE PRÁTICA COMO
INSTRUMENTO DA LEI 12.529/11
2.1. Uma Breve Análise do TCC na Legislação Antitruste Brasileira
O Termo de Compromisso de Cessação (TCC) consiste em um acordo firmado entre o
Cade e qualquer pessoa física ou jurídica que esteja sendo investigada por um ilícito antitruste,
institucionalizado no art. 85 da Lei n° 12.529/11 (BRASIL, 2011). A partir desse acordo, a autoridade
competente concorda em suspender as investigações em relação ao(s) Compromissário(s) de TCC,
desde que os termos de compromisso estejam sendo cumpridos.
De forma simplificada, então, tem-se que o TCC é um instrumento que busca cessar
imediatamente uma conduta suspeita de prática anticompetitiva, de modo a restabelecer um
mercado que respeite a competitividade por meio de um método menos burocrático e mais célere.
Assim, além da presença de requisitos para a suspensão imediata da prática anticompetitiva, o termo
também permite a disposição de outras medidas preventivas e educacionais, capazes de estimular a
concorrência no mercado, como é o caso do compliance.
Nas palavras de Petter (2014, p. 403):
O TCC constituiu-se em um instrumento de composição de conflitos
concorrenciais, sem necessidade de se passar por todo o trâmite do
inquérito e do processo administrativo, assumindo o instituto mais um
caráter preventivo do que repressivo da lei. A finalidade é a de evitar que os
danos ao mercado continuem a ocorrer, com a recomposição do ambiente
concorrencial (PETTER, 2014, p. 403)..
No entanto, apesar de ser um instituto menos burocrático, é necessário que ele seja proposto
perante a Superintendência-Geral do Cade e, caso os autos já estejam no Tribunal aguardando
julgamento, a proposta passará a ser negociada diretamente como o Conselheiro Relator. O
requerente, então, deverá expressar seu interesse depois de protocolar a sua proposta e aguardar o
posicionamento do Cade que conta, inclusive, com uma “Comissão de Negociação” responsável por
orientar na condução das negociações e sugestões ao Tribunal, seja indicando a homologação, seja
indicando a rejeição da proposta.
No que concerne a sua disposição legal, tem-se que este está no previsto no art. 85 da Lei
n° 12.529/11 (BRASIL, 2011), a qual confere maior clareza e destaque perante as suas aplicações em
comparação à Lei n° 8.884/1994 (BRASIL, 1994), uma vez que na legislação antiga do SBDC havia uma
falta de diálogo entre o Cade e a SDE, posto que ambos podiam celebrar acordos de leniência e
termos de compromisso conforme seus critérios de preferência, sem preocupação com a harmonia
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do SBDC. Ademais, enquanto hoje é possível propor um TCC ao tribunal do Cade e à Superintendência,
antes somente a primeira opção era válida, de modo que a SG ficava isolada das negociações e
focada, principalmente, nas condenações. Ou seja, não havia um alinhamento entre os dois setores
na estratégia antitruste, o que dificultava um fortalecimento institucional desse instituto.
Essa análise fica ainda mais clara a partir da jurisprudência do Cade, uma vez que durante
os anos de vigência da Lei n° 8.884/1994 somente trinta e seis TCCs foram homologados (1994 – até
março de 2012) enquanto, a partir da vigência da Lei n° 12.529/11, um total de trezentos e setenta e
cinco TCCs foram firmados, em um espaço bem menor de tempo (março de 2012 – 2021), conforme
observa-se dos dados extraídos de anuários do CADE entre os anos de 2017, 2018, 2019, 2021 e 2021
(ANUÁRIOS DO CADE, 2023).
Isso se deu, principalmente, pelo fato de que o TCC, enquanto instrumento de negociação,
se adequou aos novos moldes e motivações da nova lei, o que garantiu uma maior coerência e
consistência, alinhando-o não somente às funções estruturais no momento da negociação, mas
equilibrando também a sua função preventiva e punitiva das práticas anticompetitivas. A Lei
12.529/11, portanto, trouxe um fortalecimento institucional ao Termo de Compromisso, expandido o
seu alcance, conforme estabelece o § 14 do art. 85 (BRASIL, 2011), que concedeu autonomia ao CADE
para propor normas complementares a essa matéria, como é o exemplo do Regimento Interno do
Cade, o que possibilitou a introdução dos programas de compliance como requisito desses termos
de compromisso, conforme será mais bem exposto no próximo capítulo.
Não obstante, a Lei 12.529/11 retirou, ainda, a previsão existente no art. 53 da antiga lei de
defesa da concorrência, que previa a não confissão presumida do suposto infrator mesmo com
a sua assinatura, enquanto que, na legislação vigente, é totalmente possível que o Cade exija o
reconhecimento do investigado na participação da conduta para que o TCC possa ser celebrado
e, mesmo assim, tem-se que os números de termos homologados cresceram exponencialmente,
evidenciando que o risco de assumir uma participação em determinada conduta por um agente
econômico, tem compensado os benefícios do termo de cessação. Em verdade, para Rodrigues e
Araújo (2017, p. 43), “Grande parte da contribuição às investigações deu-se em razão da exigência de
reconhecimento de participação e colaboração com as investigações”. Isso demonstra, novamente, o
fortalecimento instrucional do TCC, também impulsionado pela Nova Lei de Defesa da Concorrência.
Observa-se, assim, que a Lei 12.529/11 demonstra uma preocupação maior com a difusão
da defesa da concorrência na sua perspectiva inovadora, se comparada com a Lei 8.884/94 (BRASIL,
1994), na medida em que possui dispositivos que incentivam o diálogo com normas complementares
e o alinhamento entre setores, enfatizando a possibilidade institucional de instrumentos alternativos
para um melhor enforcement, desde regimentos a decretos, e programas de prevenção de infração à
ordem econômica (BRASIL, 2011).
Nesse sentido, é possível perceber que, consoante à tendência da Lei 12.529/11, o TCC tem
se tornado um instrumento efetivo no âmbito de condutas unilaterais e concentradas, mas também
como uma forma de incentivar o cumprimento das regras e a educação concorrencial, reforçando a
importância do papel preventivo da autarquia antitruste. Apesar disso, ainda existem lacunas no que
concerne à postura do Cade quanto ao monitoramento desses TCCs, de modo que é imprescindível
identificar quais são as principais barreiras nesse processo e como os programas de compliance
podem se mostrar um instrumento de cooperação regulatória efetiva.
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2.2. Possíveis lacunas do Cade para garantir o cumprimento de TCCS: uma Análise do TCC
do Gás Natural (2019)
Conforme visto, os meios consensuais estão sendo cada vez mais adotados pela autoridade
antitruste brasileira para incentivar um mercado competitivo, seja no que se refere ao acordo de
leniência, seja quanto à aplicação de TCCs, especialmente após a vigência da nova lei de defesa da
concorrência.
No que se refere ao uso do compliance em acordos celebrados com a autarquia, é possível
mencionar o TCC celebrado com a Cascol Combustíveis para Veículos Ltda nos autos do Inquérito
Administrativo n° 08012.008859/2009-86 (BRASIL, 2009), que investigava suposta prática de cartel no
mercado de revenda de combustíveis no Distrito Federal. Na ocasião, a empresa celebrou TCC com
o CADE para cessar a conduta e reconhecer a sua participação, de modo que, dentre as obrigações
firmadas, foi exigido a implementação de um programa de compliance, o qual deveria prever a
elaboração de um Código de Ética, bem como mecanismos para melhorar a conduta da empresa.
Outro exemplo de TCC que exigiu a aderência das requerentes a programas de compliance,
foi o acordo celebrado pela Construtora Norberto Odebrecht no Inquérito Administrativo n°
08700.007277/2013-00 que investigava suposta formação de cartel em licitações para obras ambientais
no Rio de Janeiro (BRASIL, 2013b). Dentre as cláusulas do referido acordo, restou estabelecido que
a empresa deveria manter e aperfeiçoar o programa de compliance já existente na companhia, de
forma contínua, sob pena de multa. Observa-se que nesse caso o programa de compliance já existia
e foi ainda mais incentivado pela autarquia.
Logo, é possível afirmar que há uma tendência antitruste no Cade que visa a concretização
de medidas mais voltadas à promoção da concorrência e reparação dos danos causados à sociedade,
seja conscientizando as empresas sobre a noção de responsabilidade, seja exigindo destas uma forma
mais célere de identificar infrações e suas respectivas soluções. Apesar disso, há de se reconhecer
que esses instrumentos, especialmente em TCCs, ainda estão passando por adaptações, de modo
que ainda existem lacunas compreensíveis quanto ao enforcement desses acordos, que podem servir
como estudo de aprimoramento para a celebração de termos futuros.
Para demonstrar na prática algum desses gargalos, foi analisado o TCC do Gás Natural,
celebrado entre o Cade e a Petrobrás (BRASIL, 2019), cujas principais objetivos consistiram na
retirada completa dos elos de distribuição e transporte da empresa até o final de 2021, objetivando a
abertura do mercado de gás natural a novos agentes. A alienação de ativos ficou sob a aplicação de
midstream–downstream da cadeia, realizada somente após o processo produtivo, enquanto as etapas
upstream passaram a serem restritas por regras comportamentais, que exigem, indubitavelmente,
maior transparência e monitoramento em razão da maior dificuldade em se prever a efetivação dos
resultados buscados.
Dentre as principais metas estabelecidas, destaca-se o compromisso da Petrobrás em:
(i) desverticalizar sua atuação nos elos monopolistas (transporte e
distribuição);
(ii) arrendar o terminal de regaseificação/importação da Bahia (TR-BA);
(iii) negociar de boa-fé e de forma não discriminatória o acesso às suas
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essential facilities;
(iv) renunciar à exclusividade da capacidade de transporte;
(v) não contratar novos volumes de gás de outros produtores, exceto em
situações específicas e sem cláusulas restritivas.
A regra comportamental-regulatória de precificação de contratos de fornecedores, por
exemplo, não foi um item inovador, mas sim uma norma que vem apresentando dificuldade em surtir
efeitos, conforme se pode extrair dos precedentes da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP).
Para Carvalho, Machado e Micheli (2019), as cláusulas do referido termo carecem de
esclarecimento e planejamento capaz de delimitar como o que foi acordado será de fato cumprido:
No caso do TCC do gás, as obrigações têm o objetivo de permitir que o
mercado lide com o gargalo concorrencial representado pelo monopsônio
da Petrobras na obtenção da molécula. Mas as cláusulas são curtas, vagas
e avulsas, carentes de definições ulteriores. Quanta capacidade deve
ser liberada pela Petrobras? Quais termos do contrato de arrendamento
permitirão que a importação seja independente, encontre vazão e exerça
pressão competitiva real? Que condições de acesso a dutos e unidades
de processamento podem ser consideradas competitivamente viáveis?
(CARVALHO; MACHADO; MICHELI, 2019).
Ademais, dentre as lacunas do referido acordo, destacam-se a falta de clareza e transparência
nas diretrizes de regulação setorial, tanto na interpretação quanto no monitoramento das regras
estabelecidas pelo Cade o que, consequentemente, diminui o cumprimento do instrumento.
A falta de transparência foi objeto, inclusive da auditoria do TCU realizada em agosto de
2021, que concluiu pela insuficiência de publicidade e transparência no cumprimento das cláusulas
do referido TCC pelo Cade, bem como constatou a existência de lacunas nas recomendações
propostas pelo CNPE, juntamente com discriminação de acesso às infraestruturas essenciais do
referido mercado, o que fere o compromisso de “negociar de boa-fé e de forma não discriminatória
o acesso às suas essential facilities;”, posto que não foi concebido nenhum modelo de acesso a essas
infraestruturas (TCU APONTA..., 2021). Assim, observa-se que três anos após a celebração do TCC,
ainda há criticas tanto dos agentes de mercado, quanto dos órgãos estatais, especialmente no que
tange ao monitoramento de cumprimento das regras comportamentais.
Não obstante, nota-se a ausência de um programa capaz de analisar as eficiências da
operação verticalizada ou até mesmo de simular um cenário pós-operacional na cadeia de gás
natural, uma vez que o TCC da Petrobrás propôs uma verticalização completa da cadeia, sem
estruturar os possíveis riscos e maiores custos de transação oriundos desse arranjo, o que não foi
capaz de diminuir as barreiras aos novos agentes de mercado. Essas restrições, portanto, foram
estabelecidas de modo amplo, sem um diálogo com os possíveis players futuros, apresentando certa
despreocupação em longo prazo, posto que a falta de diretrizes dessas relações verticais dificulta,
inclusive, um monitoramento adequado. A consequência de não estabelecer metas bem definidas
consiste na impossibilidade de medir, de forma precisa, os efeitos alcançados com determinado
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termo, ocasionando incertezas diante das expectativas de mercado.
Para sanar esse tipo de omissão – ou reduzi-las - surgem, então, os programas de compliance
com a possibilidade não somente de estabelecer regras de conduta e punições, mas de orientar de
forma concisa como os agentes investigados devem adotar esses procedimentos empresariais de
prevenção e detecção das próprias condutas ilícitas, antes da celebração do termo de compromisso.
Ou seja, o próprio Cade, ao estabelecer os comportamentos admitidos e não admitidos, já deveria
dispor de medidas razoáveis em caso do não cumprimento ou ofensa a qualquer item do acordo,
respeitando os limites institucionais da Lei 12.529/11 (BRASIL, 2011).
Verifica-se, então, que apesar da legislação antitruste não prever expressamente em seus
dispositivos os programas de compliance, observa-se um movimento significativo do Cade na adoção
das ferramentas como solução complementar as abordagens consensuais, refletindo de forma
coerente a mudança do paradigma punitivo do SBDC para um viés mais educativo e inclusivo, seja
pelo contexto dos mercados digitais, seja pela tendência internacional na superação de métodos
tradicionais de abordagem e resolução de conflitos.
Nesse contexto, entende-se que o compliance concorrencial vem se mostrando um
instrumento complementar efetivo na defesa da concorrência, podendo, inclusive, ser uma solução
alternativa em casos como o TCC do Gás Natural, posto que acordos relacionados à essential facilities
são complexos e demandam um esforço bilateral ainda maior, tanto por parte da autarquia quanto
das requerentes, para um monitoramento e cumprimento efetivo de suas cláusulas e diretrizes.
3. O COMPLIANCE CONCORRENCIAL COMO POSSIBILIDADE DE COOPERAÇÃO
REGULATÓRIA NA DEFESA DA CONCORRÊNCIA
3.1. O Compliance Concorrencial no SBDC
Torna-se possível, então, adentrar mais afundo nos programas de compliance que, a respeito
de uma perspectiva ampla, compreende uma série de medidas que podem ser adotadas por agentes
públicos ou privados, com a finalidade de efetivar o cumprimento de determinada norma, objetivando
a adequação dos referidos agentes às diretrizes de um sistema ou ordenamento.
A expressão é originária do verbo inglês “to comply, que significa cumprir, executar ou
atender a algo, de modo que a ideia central desse instrumento parte do conceito de conformidade.
Nesse sentido, destaca-se a definição de Bertoncini e Araújo (2017) sobre o tema:
Em uma visão geral, o compliance, também denominado “Programa de
Integridade” pela Lei Anticorrupção (Lei n°12.846/2013), é compreendido
como o agir de acordo com o estabelecido por leis, regulamentos, protocolos,
padrões ou recomendações de determinado setor, códigos de conduta e
órgãos regulatórios. É um estado de conformidade desejado perante a lei,
regulação ou em virtude de demanda. A expressão, originária do verbo inglês
to comply, significa cumprir, executar, satisfazer ou realizar algo imposto.
Dessa forma, estar em conformidade, colocando em prática regulamentos
internos e externos, tendo como objetivo a mitigação de riscos e prejuízos,
principalmente no âmbito empresarial, mas sendo também aplicado, cada
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vez com maior intensidade, na esfera pública (BERTONCINI; ARAÚJO, 2017, p.
309).
De forma resumida, pode-se concluir que o compliance concorrencial parte do mesmo
pressuposto do compliance tradicional, mas com um foco específico à observância normativa da
lei antitruste, bem como aos demais instrumentos presentes no SBDC, a exemplo de regulamentos,
cartilhas e diretrizes.
Foi, ainda em 2007, que o primeiro caso de programa de compliance esteve presente em um
termo de cessação de conduta, celebrado entre a empresa Lafarge e o Cade, sob a investigação da
indústria de cimento por prática de cartel:
Clausula Terceira – Das Obrigações da Compromissária 3.1. Adoção
do Programa de Compliance – A COMPROMISSÁRIA compromete-se a
incrementar as regras internas de prevenção às infrações concorrenciais e
em adotar o programa de Compliance concorrencial anexo (BRASIL, 2014).
O programa continha as seguintes diretrizes: (i) – Normas Essenciais; (ii) Diretrizes de
Implantação; (iii) - Inserção de Política e Programa de Compliance; (iv)- Conscientização, Treinamento
e Informação; (v) - Cumprimento, Relatório e Verificação e (vi) - Violações à Política e já acenava
para um novo paradigma no direito antitruste brasileiro. Ressalta-se, ademais, que a Lei 11.482 de
2007 alterou o art. 53 da Lei 8.884/94, passando a dispor em seu § 9° a possibilidade de normas
complementares sobre cabimento, tempo e modo da celebração de TCC pelo Cade, dando indícios de
que a autarquia iria se abrir, no futuro, a novas ferramentas concorrenciais.
Porém, foi somente após a vigência da Lei n° 12.529/11 que se observou um movimento
crescente da defesa dos instrumentos de conformidade. Como um marco, tem-se a apresentação da
proposta institucional pelo Cade, em 2015, para incentivar à adoção de programas de compliance. Isso
foi feito a partir de um guia educativo cuja finalidade é estimular métodos eficazes de monitoramento
de controle de condutas. Como resultado, o guia sugere um modelo de cooperação regulatória entre
os entes privados e a autoridade antitruste, determinando, de forma clara, o objetivo do programa:
torna-se um instrumento de enforcement na aplicação das regras concorrenciais previstas no SBDC.
Ou seja, na defesa da concorrência os programas de compliance devem estar sempre atrelados a uma
legislação ou norma já vigente, portanto, servem como instrumentos complementares e não como
um fim em si mesmos.
Dentre os principais objetivos do programa, o guia do Cade (BRASIL, 2016) destaca: (i)
identificação antecipada de problemas; (ii) reconhecimento de ilicitudes em outras organizações; (iii)
benefício reputacional para a empresa e (iv) a redução de custos e contingências. No entanto, para
que isso surta efeito, é imprescindível que haja um monitoramento adequado, que deve obedecer a
algumas sugestões propostas também pelo documento do Cade, tais como: (i) proteção e organização
de informações; (ii) clareza e transparência nos programas de tratamento e (iii) procedimento
adequado para processar informações internas.
De acordo com a autarquia, os agentes econômicos, ao adotarem esses programas, passam a
se prevenir e se adequar às regras do SBDC, o que, de certa forma, pode ser visto como um controle
de conduta preventivo, bem como instrumento o enforcement regulatório. Assim, esse ciclo pode
favorecer as três funções do Cade: a atuação preventiva, na medida em que evita a ocorrência
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de infrações à ordem econômica e a ilícitos antitruste; a atuação educativa, tendo em vista o seu
direcionamento ao esclarecimento de condutas, riscos e adequação à norma; e a atuação repressiva,
posto que auxilia no enfocerment de medidas já impostas pelo CADE, como nos monitoramentos de
remédios concorrenciais e nos termos de compromisso de cessação de conduta.
Não menos importante, os programas de compliance, ao potencializar a função preventiva
do Cade, também podem contribuir para a diminuição do sucateamento de demandas na autarquia
e consequentemente para a redução de gastos.
Resta saber, entretanto, como os programas de compliance dialogam de fato com a Lei
12.529/11, a ponto de ser uma possibilidade institucional alternativa no combate ao ilícito antitruste
3.2. A Lei 12.529/11 permite os programas de compliance?
Conforme já demonstrado, apesar da nova lei de defesa da concorrência não prever
expressamente os programas de compliance, ela abriu espaço para instrumentos normativos capazes
de acompanhar a inovação antitruste, conforme se pode observar em seu art. 38, que defende o papel
educativo da legislação concorrencial, prevendo a instrução e a publicação das decisões ao público,
com o intuito de tornar transparente a reputação dos agentes de mercado, incentivando, ainda que
indiretamente, uma atenção maior das empresas quanto ao alinhamento legislativo (BRASIL, 2011).
Ademais, o guia do Cade esclarece a importância da adoção dos programas de compliance
como fator atenuante da pena, dialogando também com o art. 45 da lei, que estabelece, como
dever da autoridade antitruste, considerar a boa fé do infrator, bem como os seus possíveis efeitos
negativos de mercado, durante a dosimetria da pena. Nessa perspectiva, o próprio guia de TCC
elaborado em 2016 pelo Cade prevê expressamente os programas de compliance como elementos
atenuantes durante a majoração da alíquota, na medida em que este se enquadra como exemplo de
boa-fé do infrator:
Tribunal do Cade deve levar em consideração, segundo o art. 45, fatores
como a boa-fé do infrator; o grau de lesão à livre concorrência, à economia
nacional, aos consumidores ou a terceiros; os efeitos econômicos negativos
produzidos no mercado; e a reincidência. A adoção de um programa de
compliance robusto, com medidas de controle de danos, que atenda aos
requisitos expostos na seção 3.2 acima, pode ser considerada evidência da
boa-fé da empresa infratora e da redução dos efeitos econômicos negativos
da prática ilícita no mercado. Por conta disso, é perfeitamente possível que
o Tribunal enquadre o programa de compliance como uma evidência de
boa-fé e o configure como uma atenuante no cálculo da multa, reduzindo-a.
Ademais, programas com essas características tendem a reduzir o risco de
reincidência – que faz com que a multa aplicável seja dobrada pelo Cade
(BRASIL, 2016, p. 42).
Logo, uma empresa que demonstre a aplicação efetiva de programas de programas de
compliance já garante um ponto ao seu favor durante um momento decisivo.
Ressalta-se, ainda, que quando a legislação destaca a importância de se analisar os efeitos
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negativos de determinada empresa no mercado, há uma clara alusão ao Princípio da Eficiência
Econômico Social, que demonstra um compromisso social da interação econômico-jurídica hábil a
respeitar os direitos individuais e coletivos de forma rápida e eficiente. Nas palavras de Stelzer e
Chaves (2016, p. 90), o referido princípio consiste em um “vetor orientador para a criação e aplicação
das normas, de maneira a vislumbrar espécie de convergência entre os ideais sociais e os princípios
da ordem econômica”. Tal conceito dialoga com a própria evolução do papel do Estado em relação à
sociedade e na consolidação do Estado Democrático de Direito, que carrega em seu bojo as noções
de fraternidade, cooperação e responsabilidade social.
Portanto, não é incorreto dizer que há uma responsabilidade implícita das pessoas jurídicas
com a qualidade competitiva do mercado, o que demanda ações compromissadas com o bem-estar
social e com as diretrizes do SBDC, de modo que o compliance concorrencial deve ser visto como uma
alternativa de efetivação do Princípio da Eficiência Econômico Social na atividade corporativa.
Não obstante o diálogo direto com a própria legislação da concorrência, é imprescindível
destacar os esforços do Cade em demonstrar a importância dos programas de compliance para
um melhor enforcement antitruste, posto que, além do guia publicado em 2016, o órgão antitruste
também incluiu o referido tema no Plano Estratégico de 2013/2016 (BRASIL, 2013a) e no Plano
Plurianual (2012/2015) do órgão, bem como passou a exigi-los em certos julgados, como nas cláusulas
de TCCs já mencionadas.
É mister ressaltar que o TCC celebrado entre o Cade e a Cascol Combustíveis teve um impacto
relevante no mundo do antitruste, visto que o referido caso foi elencado pela OCDE (2019) como uma
das mais significativas investigações de cartéis do mundo. A exigência do programa de compliance
no TCC homologado com a ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em 2019 também merece
destaque, uma vez que o acordo especificou, detalhadamente, a forma de aplicação do programa,
com destaque para a cláusula 3.1 que discorre, inclusive, sobre a exigência de monitoramento:
3.1 Supervisor de Monitoramento
A implementação do Programa de Compliance Concorrencial e a adoção
pela ECT de medidas aptas a garantir o cumprimento deste Acordo ficarão
sujeitas à fiscalização de um Supervisor de Monitoramento, nos termos pre-
vistos na Cláusula Quarta abaixo.
Logo, os programas de compliance não somente são uma alternativa institucional possível
à aplicação da Lei 12.529/11, mas passaram a ser incluídos na própria agenda do SBDC, ou seja,
são incentivados. Os programas estão sendo utilizados tanto em remédios concorrenciais, como
instrumentos em TCCs para alavancar o enforcement antitruste, de modo que a fiscalização, regras
de conduta e transparência passaram a ser fatores fundamentais no combate ao ilícito antitruste.
A postura do Cade também demonstra a relevância positiva do referido tema como forma de
conscientização e estímulo à cultura organizacional pautada nos pilares da ética empresarial e da
legalidade, especialmente nos últimos dez anos, posto que o guia de compliance publicado em 2016,
ainda que não se trate de lei, é considerado um marco fundamental para os novos rumos da defesa
da concorrência no Brasil.
Portanto, é imprescindível destacar que a Lei 12.529/11 proporciona um cenário dialético com
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os demais instrumentos normativos, permitindo o desenvolvimento de instrumentos que rompem
com o monopólio estatal da aplicação da norma, bem como se mostra capaz de aproximar o âmbito
coorporativo da cultura da conformidade, evocando uma sensibilização e conscientização acerca da
política anticartel.
4. AVANÇOS INSTITUCIONAIS E NOVAS FORMAS DE PENSAR OS
INSTRUMENTOS PREVENTIVOS
Sob esse pano de fundo, é possível concluir que os casos e as iniciativas analisadas
demonstram um olhar positivo à adoção do compliance em TCCs como enforcement antitruste,
especialmente se comparados à Lei 8.884/94 (BRASIL, 1994). Apesar disso, é importante destacar
que o histórico da autoridade antitruste já demonstrava afeição pelo tema, sendo esses avanços
institucionais resultados de engajamentos e edificações que percorrem um longo caminho para o
alcance de um ambiente concorrencial íntegro, forte e sadio.
As iniciativas modernas, como o Guia de Compliance, se comparadas à Resolução n° 45
do Cade, responsável por modificar o Regimento Interno da agência antitruste, o qual estabelecia
critérios para a assinatura de TCCs, ou então à Resolução n° 46, que introduziu a possibilidade dos
programas de prevenção à ordem econômica nos TCCs, se mostram bem mais edificadas e seguras
quanto às suas diretrizes. O artigo 38 da Lei 12.529/11, por exemplo, deixa em aberto inúmeras
condições de possibilidades para novas formas de pensar os instrumentos preventivos, como é o
caso da interpretação do princípio da boa-fé e do princípio da eficiência econômico social (BRASIL,
2011).
De certo modo, é possível concluir que o desenvolvimento na relação entre a disciplina
pública da concorrência e a autorregulação privada consiste no alicerce dos novos instrumentos
preventivos, posto que, quanto mais empresas internalizarem a cultura da concorrência, mais o Cade
terá cumprido as suas três missões institucionais. No âmbito educacional, tem-se que o compliance
cumpre com a difusão e sensibilidade da ética e conformidade empresarial. No cenário preventivo,
o compliance assume justamente o instrumento de prevenção de comportamentos desviantes do
previsto em lei. Já no que se refere à seara repressiva, tem-se que o descumprimento das cláusulas
de compliance previstas em TCCs podem resultar em penalidades.
Nas palavras de Schapiro e Marinho (2016, p. 292):
Como assinalado, a promoção do compliance, se adequada, configura uma
relação de cooperação regulatória, instituindo um círculo virtuoso: os
agentes econômicos passam a desempenhar condutas em conformidade
com a lei e, com isso, aumentam o enforcement regulatório, o qual, por
sua vez, estimula a adoção de mais condutas em sintonia com a legislação
(SCHAPIRO; MARINHO, 2016, p. 292).
Tem-se que é possível analisar um panorama otimista quanto aos avanços institucionais do
Cade no que tange aos programas de compliance, especialmente após a vigência da Lei 12.529/11.
Portanto, tais instrumentos devem continuar sendo explorados a fim de garantir ainda mais
visibilidade e difusão da cultura anticartel, não somente como estratégia empresarial na seara
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punitiva – preenchimento de requisito da boa-fé do infrator - mas principalmente como meio de
assegurar a sensibilização e a efetividade da cultura e da ordem econômica constitucional brasileira.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo entende que o Cade disciplina e incentiva os programas de compliance,
bem como busca enriquecer o ambiente concorrencial a partir da difusão da defesa da concorrência
para além de sua abordagem punitiva, de modo que muito desses avanços se devem à Lei 12.529/11,
que permite a cooperação regulatória saudável entre os agentes do SBDC.
Esse viés moderno pode ser observado quando da análise estatística dos guias do Cade, que
demonstram um aumento no número de Acordos de Leniência e Termos de Compromisso de Cessação
nos últimos dez anos. Ademais, também se observa avanços em matéria de cooperação regulatória
entre o Cade e outras autoridades brasileiras, bem como em sua imagem diante do cenário antitruste
internacional.
No que tange ao uso do compliance em TCCs como enforcement antitruste, tem-se que os
casos ora analisados demonstraram resultados positivos e dialogam com os avanços institucionais
da autarquia, bem como se mostram uma alternativa complementar viável para demandas complexas
que envolvem essential facilities, como na hipótese da sua aplicação no TCC do gás natural. O
compliance em TCCs também dialoga com o Princípio da Eficiência Econômico Social, na medida em
que é capaz de intensificar o compromisso social de agentes privados por meio de uma interação
econômico-jurídica transparente e eficiente.
Apesar disso, é imprescindível considerar que ainda existem caminhos a serem percorridos,
mas que o avanço brasileiro na matéria antitruste é notável e positivo, sendo a Lei 12.529/11 um fator
determinante nos novos caminhos a serem percorridos, especialmente por aprofundar a área de
alcance da proteção instrumental do direito da concorrência.
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