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SILVEIRA, Paulo Burnier da. O papel da OCDE no aprimoramento da política de defesa da
concorrência no Brasil: um breve balanço por ocasião dos 10 anos da Lei nº 12.529/2011.
Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 30-39, 2022.
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
O PAPEL DA OCDE NO APRI-
MORAMENTO DA POLÍTICA DE
DEFESA DA CONCORRÊNCIA
NO BRASIL: UM BREVE BALAN-
ÇO POR OCASIÃO DOS 10 ANOS
DA LEI Nº 12.529/20111
The role of the OECD in improving competition policy in
Brazil: a brief review on the occasion of the 10th anni-
versary of Law Number 12.529/2011
Paulo Burnier da Silveira2
Universidade de Brasília (UNB/DF) - Brasília/DF, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Contextualização: 14% dos votos do Tribunal do Cade relativo ao período de 2015 a 2021 mencionam
a OCDE, o que denota a importância de suas orientações no tema da defesa da concorrência no Bra-
sil. A experiência brasileira na defesa da concorrência também tem sido incorporada aos debates da
organização, o que se consolida com a entrada do Brasil como Membro-Associado em seu Comitê de
Concorrência em 2019.
Objetivo: Este artigo informativo analisa o papel da OCDE no aprimoramento da política de defesa
da concorrência no Brasil, por ocasião dos eventos comemorativos dos 10 anos de vigência da Lei nº
12.529/2011.
Método:O artigo buscou analisar o processo de estreitamento dos laços institucionais entre as duas
instituições.
Resultados: Os resultados demonstram que é notável processo de estreitamento dos laços insti-
tucionais entre as duas instituições, o que contribuiu para o desenho normativo denido na Lei
12.529/2011.
Conclusões: O artigo conclui com algumas reexões sobre perspectivas futuras, tendo em vista o
processo de acessão do Brasil à OCDE.
Palavras-chave: Cade; OCDE; cooperação internacional; aprimoramento de políticas públicas; Lei nº
12.529/2011.
Editor responsável: Prof. Dr. Luis Henrique Bertolino Braido, Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
OCIRD: https://orcid.org/0000-0001-6085-1446.
1 Recebido em: 12/04/2022 Aceito em: 27/04/2022 Publicado em: 09/06/2022
2 Especialista Sênior de Concorrência na OCDE e Professor-Adjunto da Universidade de Brasília. É Doutor em Direito
pela Universidade de Paris e foi Conselheiro do Cade no período de 2015 a 2019. As opiniões são pessoais não representam
necessariamente a posição da OCDE ou de seus Estados-Membros. E-mail: paulo.burnier@oecd.org. Lattes: http://lattes.cnpq.
br/2423393005681659. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4488-3242.
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STRUCTURED ABSTRACT
Contextualization:14% of the decisions of the CADE’s Tribunal from 2015 to 2021 mention the OECD,
which indicates the importance of the organization’ work to CADE’s nal rulings. The experience of
Brazil in competition policy has also been incorporated into the OECD debates, consolidated by the
acceptance of Brazil as an Associate Member of the OECD Competition Committee in 2019.
Objective: This paper addresses the OECD’s role in improving competition policy in Brazil during
the last ten years. The strengthening of institutional ties between CADE and the OECD is signicant,
with contributions from the OECD to the current legal competition framework provided by Law nº
12.529/2011.
Method:The article analyzed institutional ties between CADE and the OECD.
Results:The results demonstrate that there is a remarkable process of strengthening institutional
ties between the two institution, which contributed to the normative design dened in Law Number
12.529/2011.
Conclusions: The article concludes with future perspectives in view of Brazil’s accession to the OECD.
Keywords: CADE; OECD; international cooperation; improvement of public policies; Law nº 12.529/2011.
Código de classicação JEL: K21
Sumário: 1. Introdução; 2. Indicadores de sinergia; 3. Avaliação pelo Pares
da OCDE; 3.1. Participação em Peer Reviews como país examinado; 3.2.
Participação em Peer Reviews como país examinador; 4. Estudos especícos
no Brasil; 4.1 Contratações públicas; 4.2 Avaliação concorrencial nos setores
de portos e aviação civil; 5. Perspectivas futuras com processo de acessão;
Referências.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo informativo analisa o papel da OCDE no aprimoramento da política de defesa
da concorrência no Brasil, por ocasião dos eventos comemorativos dos 10 anos de vigência da Lei
nº 12.529/2011 (BRASIL, 2011). O estreitamento dos laços institucionais entre as duas instituições é
notável, tendo contribuído para o desenho normativo denido na Lei nº 12.529/2011 e sua implemen-
tação, aprimorando a política de defesa da concorrência no Brasil.
O crescente engajamento do Cade nos debates internacionais sobre defesa da concor-
rência é um reexo natural do aumento do volume de casos processados pelo Cade no Brasil.
Segundo a própria OCDE, os julgados do Tribunal do Cade representaram, no ano de 2020: 6.4%
das decisões de cartel no mundo, 10.5% das decisões de abuso de posição dominante no mun-
do, bem como 5.5% das decisões em matéria de controle de atos de concentração no mundo.
Trata-se de uma contribuição substantiva para o enforcement concorrencial no mundo, tanto em
termos quantitativos quanto qualitativos.
Diante deste contexto, o artigo apresentará inicialmente indicadores de intensidade da si-
nergia entre o Cade e a OCDE nos últimos anos. Em seguida, abordará as duas Avaliações pelos Pares
(Peer Reviews) publicadas em 2010 e 2019, bem como os recentes estudos especícos desenvolvidos
pela OCDE em parceria com o Cade no Brasil. Por m, o artigo apontará algumas perspectivas futuras
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em vista do processo de acessão do Brasil à OCDE, iniciado em janeiro de 2022.
2. INDICADORES DE SINERGIA
Uma das formas de mensurar o papel da OCDE no trabalho desenvolvido pelo Cade é ob-
servar as menções a relatórios e outros documentos da organização internacional nas decisões do
Tribunal. Em um total de 1.120 votos disponíveis na busca processual do Sistema Eletrônica de Infor-
mações (SEI) do Cade, relativo ao período de 2015 a 2021, há 154 votos com referência à OCDE. Isso
representa 14% dos votos do Tribunal do Cade com menção explícita à OCDE em sua fundamentação,
uma cifra que denota a credibilidade da organização internacional nas decisões da autarquia.
De forma complementar, os insumos da experiência do Cade também tiveram papel sig-
nicativo e crescente nos trabalhos da OCDE ao longo dos últimos 10 anos, como se verica pela
evolução das contribuições escritas do Brasil para as roundtables dos grupos de trabalho do Comitê
de Concorrência e para as discussões travadas no âmbito de seus Fóruns. Abaixo, segue uma tabela
com número dessas contribuições, incluindo tanto as reuniões do Comitê de Concorrência, do Fórum
Global de Concorrência e do Fórum Latino-Americano da Concorrência:
Fonte: OCDE
A tabela indica também que a participação do Brasil é consistente ao longo dos anos, o que
denota a existência de uma verdadeira política de Estado na defesa da concorrência no Brasil, chan-
celada pelos diversos governos neste período. A queda no ano de 2020 é parcialmente explicada pela
diminuição do número de roundtables promovidas pela OCDE diante das restrições impostas pela
crise sanitária do Covid-19.
3. AVALIAÇÃO PELO PARES DA OCDE
Os exercícios de Peer Reviews (Avaliação pelos Pares) da OCDE funcionam como uma radio-
graa da legislação e da política de concorrência de um país, visando identicar pontos de melhorias
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com base nas melhores práticas dos países-membros da OCDE. O Brasil, através do Cade, participa
com frequência desses exercícios, seja na qualidade de país examinado, seja como país examinador
– o que ilustra os benefícios em mão-dupla das relações entre a OCDE e o Cade.
3.1. Participação em
Peer Reviews
como país examinado
Em realidade, um dos importantes marcos da parceria entre o Cade e a OCDE foi a realização
de dois Peer Reviews (Avaliação pelos Pares), em 2010 e 2019, em que o Brasil foi objeto de exame,
mais precisamente no que se refere à política concorrencial brasileira incluindo a legislação e a prá-
tica no tema.
O Peer Review da política concorrencial brasileira da OCDE de 2010 contou com recomenda-
ções que apontavam na direção do então projeto de lei que deu origem à Lei nº 12.529/2011 (OECD,
2010). Neste Peer Review, a OCDE recomendou, dentre outros pontos, a consolidação dos poderes de
investigação e adjudicação no âmbito de uma autoridade concorrencial única, o aumento da duração
dos mandatos dos membros do Tribunal do Cade, de dois para quatro anos, adoção de um regime de
exame prévio dos atos de concentração. Esses elementos estavam todos presentes do então projeto
de lei e que puderam ser chancelados pelo selo da OCDE, contribuindo para aumentar a relevância e
a direção da reforma legislativa em curso.
A tabela abaixo consolida as principais recomendações da OCDE em relação ao Peer Review
do Brasil, realizado em 2010:
Principais recomendações da OCDE para o Brasil (Peer Review de 2010):
1. Promulgar o projeto de lei em trâmite no Congresso Nacional para alterar a Lei de Defesa da
Concorrência.
2. Promulgar o projeto de lei que trata da aplicação da legislação de concorrência no setor -
nanceiro.
3. Reduzir o acúmulo de investigações em casos de conduta no SBDC e o tempo necessário para
se alcançar uma determinação nal em uma investigação ou caso.
4. Buscar impor remédios estruturais ao invés de remédios comportamentais em casos de atos
de concentração, sempre que possível.
5. Prosseguir com os esforços para melhorar a comunicação e a coordenação entre o SBDC e os
Ministérios Públicos Estadual e Federal, especialmente nos casos e investigações iniciadas pelo
Ministério Público.
6. Desenvolver capacidade de advocacia de concorrência no Cade, mas de forma a evitar a dupli-
cidade com a SEAE nesta matéria.
7. Continuar buscando uma atuação mais ecaz junto aos tribunais. Em longo prazo, considerar
propostas de modicação do sistema judicial que possam ajudar a acelerar a análise dos casos
de defesa da concorrência.
8. Tirar proveito dos procedimentos para a obtenção de acordos tanto em casos de conduta
como de atos de concentração, promovendo assim a eciência e evitando recursos judiciais
onerosos e demorados.
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O Brasil passou por um segundo Peer Review em 2019, trazendo recomendações igualmente
importantes para o aperfeiçoamento do marco normativo instaurado pela Lei nº 12.529/2011 (OECD,
2019). Um exemplo é a criação de unidades especícas na Superintendência-Geral do Cade para tra-
tar de casos de abuso de posição dominante, e, com isso, fortalecer a agenda de combate a esse tipo
de infração concorrencial, muitas vezes preterida em função dos prazos peremptórios impostos pelo
regime de controle de concentrações tratados pelas mesmas equipes. De fato, verica-se um incre-
mento no número de casos relativos à infração de abuso de posição dominante nos últimos anos no
Cade, o que aponta para essa recomendação especica da OCDE:
Processos relativos a abuso de posição dominante
Ano Investigações abertas Decisões administrativas
2018 30 4
2019 36 10
2020 30 3
2021 15 2
Fonte: Anuários do Cade de 2018-2021
Além disso, o aumento da autonomia administrativa do Cade em relação ao Ministério da
Justiça também constou como uma recomendação expressa da OCDE, gerando iniciativas por meio de
mecanismos infralegais durante a gestão do Presidente Alexandre Barreto no Cade, por exemplo em
relação à maior autonomia para denir a participação do Cade na agenda internacional de defesa da
concorrência.
Este Peer Review chancelou a entrada do Brasil como Membro-Associado no Co-
mitê de Concorrência da OCDE, fazendo com que o Brasil tenha os mesmo direitos e prer-
rogativas dos países-membros no que se refere à atuação do país neste comitê temático.
A tabela abaixo consolida as principais recomendações da OCDE em relação a este Peer Re-
view do Brasil, realizado em 2019:
Principais recomendações da OCDE para o Brasil (Peer Review de 2019):
1. Garantir uma melhor separação entre a investigação e a tomada de decisão. As funções do
Tribunal e da Superintendência-Geral devem estar delineadas de forma mais clara.
2. Estabelecer um sistema de nomeação mais transparente para os Conselheiros e o
Superintendente-Geral do Cade.
3. Dedicar recursos adequados à persecução concorrencial, por meio da contratação de mais
economistas, especialmente com formação a nível de doutorado, e da criação de um plano de
carreira especíco para o quadro de servidores do Cade.
4. Aumentar o número de investigações de potenciais práticas de abuso de posição dominante
priorizando casos dessa natureza, criando uma equipe exclusiva para lidar com esses casos e
recorrendo menos ao uso de acordos.
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5. Melhorar o escopo e a aplicação da política de acordos do Cade negociando penas durante a
investigação na SG e antes de o caso ser remetido ao Tribunal, reduzindo os níveis de descontos
fornecidos em casos de cartel, em linha com os níveis observados em outras jurisdições, e não
admitindo acordos em casos envolvendo questões inéditas ou jurídicas complexas.
6. Garantir que somente critérios quanticáveis de forma objetiva e que estejam prontamente
acessíveis sejam utilizados como critérios para a noticação obrigatória.
7. Esclarecer a metodologia para o cálculo de multas, por exemplo, por meio da adoção de
uma abordagem simplicada para o lculo de multas que se baseie em dados prontamente
identicáveis e que evite a necessidade de cálculos complexos.
8. Aumentar a segurança jurídica e a previsibilidade por meio da publicação de guias substantivos.
9. Esclarecer as respectivas competências e funções em advocacia da concorrência do Cade e do
Ministério da Fazenda (SEPRAC e SEFEL).
Os instrumentos de Avaliação pelos Pares da OCDE possuem o potencial de indicar e apoiar reformas
estruturantes nos países, e o exemplo brasileiro com a edição da Lei nº 12.529/2011 é um exemplo
bem-sucedido desse instrumento – tanto para a OCDE no sentido de organização catalizadora de
melhores políticas públicas, quanto, sobretudo, para o Brasil, que pôde se beneciar desta chancela
institucional nesse processo de contínuo aprimoramento de suas instituições e políticas públicas.
Por m, note-se que a OCDE desenvolve, por vezes, os chamados follow-up Peer Reviews, em
que busca elaborar uma breve atualização de uma Avaliação pelo Pares, sem precisar percorrer o tra-
mite completo do processo, que envolve reuniões diversas com atores públicos e privados, além de
discussão de um relatório detalhado da OCDE perante os países pares. Isso foi feito em 2012, quando
a OCDE promoveu uma atualização conjunta de nove Peer Reviews na América Latina, incluindo o
Brasil neste grupo.3
3.2. Participação em
Peer Reviews
como país examinador
Outra forma de participação do Cade em Peer Reviews ocorre como país examinador. Isso foi
feito no Peer Review do Peru em 2018 e no Peer Review da União Econômica Eurasiática (UEE) em 2021.
Em relação à Avaliação pelos Pares do Peru, o Cade integrou o quadro de examinadores
juntamente com a Superintendência de Concorrência de El Salvador e a Comissão Federal de Con-
corrência Econômica (COFECE) do Mexico. As principais recomendações deste Peer Review se referem
à adoção de um sistema prévio de controle de concentrações (o que ocorreu em 2021) e ao reforço
da independência e autonomia institucional do Instituto Nacional de Defesa da Concorrência e da
Proteção da Propriedade Intelectual (INDECOPI).4
O Peer Review da União Econômica Eurasiática (UEE) ocorreu em 2021 e teve como exami-
nadores o Cade e as autoridades da concorrência do Mercado Comum da África Oriental e Austral
(Common Market for Eastern and Southern Africa – COMESA), da Hungria e da Coréia do Sul. A UEE é
uma organização regional constituída pela Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e a Rús-
sia, tendo iniciado como uma união aduaneira em 1995 e se desenvolvido para uma área econômica
de maior integração a partir de 2015, inclusive com competência em matéria concorrencial para casos
3 Follow-up to the Nine Peer Reviews of Competition Law and Policy of Latin American Countries (OECD, 2012).
4 Peer Review do Peru (OECD, 2018).
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de escopo supranacional desses países. As principais recomendações se referem aos aspetos de de-
senho institucional e divisão de competências entre a UEE e as autoridades nacionais de concorrên-
cia de seus países-membros.5
4. ESTUDOS ESPECÍFICOS NO BRASIL
Há dois estudos especícos e recentes da OCDE no campo da defesa da concorrência no Bra-
sil que merecem destaque: o estudo sobre contratações públicas com foco no combate a cartéis em
licitação, publicado em 2021; e o estudo de avaliação concorrencial nos setores de portos e aviação
civil com uso de uma metodologia própria desenvolvida pela OCDE, que será publicado em 2022.
4.1. Contratações públicas
A OCDE possui Recomendações e Diretrizes especícas para combater carteis em licitações
públicas, que orientam países a avaliar periodicamente suas legislações e práticas em matéria de li-
citações públicas em todos os níveis do governo, com o objetivo de promover licitações mais ecazes
e reduzir o risco de cartéis em licitações. Esses instrumentos da OCDE também auxiliam os servidores
públicos a reduzir os riscos de cartéis, por meio da elaboração de editais de licitação, bem como
detectar sinais de alerta de comportamentos colusivos nos certames.
Estes estudos especícos da OCDE fornecem subsídios aos países para que transformem as
recomendações da organização em ação. Desse modo, a OCDE revisa os regimes de compras públi-
cas dos países analisados à luz de suas recomendações, apoiando-os no aperfeiçoamento de suas
legislações e práticas, visando o combate a cartéis em licitação. Esse exercício inclui um relatório
técnico com um diagnóstico do tema e recomendações de aprimoramento, podendo incluir também
a oferta de programas de capacitação técnica para servidores envolvidos em contratações públicas e
a elaboração de manuais de treinamento para os mesmos.
Na América Latina, estes estudos foram feitos no Brasil (2021), no Peru (2021), na Argentina
(2019), no México (2018, 2017, 2016, 2012, 2011) e na Colômbia (2014). Ou seja, os estudos podem bene-
ciar tanto os países membros como não-membros da OCDE.
No Brasil, o estudo destacou a importância das compras públicas no país tanto para a econo-
mia nacional, quanto para a qualidade dos serviços oferecidos pelo governo à população. Em 2020, o
governo federal brasileiro gastou cerca de R$ 35,5 bilhões em bens, serviços e obras. Em 2017, as com-
pras públicas representaram cerca de 13,5% dos gastos totais do governo e aproximadamente 6,5%
do PIB do país. Esses números indicam a relevância do tema e o tamanho dos prejuízos em caso de
colusão entre fornecedores, bem como fraudes e corrupção que, por vezes, acompanham as práticas
de cartel.
Estudos acadêmicos e da OCDE indicam que a existência de cartéis em licitações públicas
pode aumentar os pros em 20%. Em alguns casos, o sobrepreço pode ser ainda maior, como no
cartel de licitação pública para aquisição de portas giratórias de segurança para detecção de metais,
condenado pelo Tribunal do Cade em 2014. Nesta ocasião, o Departamento de Estudos Econômicos
do Cade estimou o sobrepreço em 25%, com signicativo prejuízo ao erário público.
5 Peer Review do UEE (OECD, 2021b).
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No caso brasileiro, o relatório nal da OCDE sobre trouxe recomendações para tornar os
processos de licitação mais competitivos e para reduzir o risco de formação de cartéis. As reco-
mendações podem ser resumidas em alguns pontos-chave: fortalecimento dos agentes de compras
públicas, aumento do uso de pesquisas de mercado para o desenho dos editais de licitação, busca
de maximização da participação de concorrentes nos certames, aumento dos esforços de promoção
da concorrência, e melhoria das formas de detecção e a punição de acordos colusivos no processo
licitatório.6
4.2. Avaliação concorrencial nos setores de portos e aviação civil
As avaliações concorrenciais em setores especícos da economia consistem em outra forma
de estudo in-country desenvolvido pela OCDE. Esses estudos são feitos à luz da “OECD Recommen-
dation on Competition Assessment, aprovada em 2009. Esse instrumento normativo da OCDE foi, em
seguida, complementado pelo denominado “OECD Competition Assessment Toolkit, que apresenta
a metodologia desenvolvida pela própria organização internacional, contando com um manual ope-
racional e exemplos coletados ao longo dos anos a partir de estudos realizados em diversas jurisdi-
ções.
Em breve síntese, esses estudos analisam o marco normativo de setores previamente identi-
cados, de modo a mapear as restrições regulatórias existentes e recomendar a sua redução ou eli-
minação quando não houver justicativas, geralmente com lastro em outras políticas públicas – por
exemplo, barreiras relacionadas à saúde dos consumidores ou proteção do meio-ambiente. Ao nal,
a OCDE produz um estudo técnico com uma radiograa regulatória do setor e uma lista de recomen-
dações que aponta para reformas pró-competitivas. As principais recomendações são quanticadas,
de maneira a demonstrar os reais benefícios das suas implementações.
Tais estudos já foram realizados em Portugal, Grécia, Romênia, Tunísia, Islândia e diferen-
tes países asiáticos. Na América Latina, apenas o México possui estudos de avaliação concorrencial
concluídos, como nos setores de medicamentos e de processamento de alimentos. Brasil e Colômbia
possuem ambos estudos em andamento: no Brasil, trata-se da avaliação concorrencial dos setores
de portos e aviação civil, enquanto na Colômbia optou-se pelo setor de bebidas.
O estudo do Brasil é desenvolvido conjuntamente pela OCDE e pelo Cade, no espírito de per-
mitir a replicação do exercício em outros setores. Ou seja, de modo que o Cade se benecie da exper-
tise acumulada pela OCDE com a metodologia do OECD Competition Assessment Toolkit, garantindo
sua autonomia por meio da capacitação de seus servidores para que possam replicá-la diretamente.
O estudo com o Cade foi iniciado em 2021 e tem previsão de publicação em 2022, durante o Fórum
Latino-Americano de Concorrência que será sediado pelo Cade no Rio de Janeiro.7
5. PERSPECTIVAS FUTURAS COM PROCESSO DE ACESSÃO
No dia 25 de janeiro de 2022, a OCDE aprovou o início do processo de acessão de seis países à
entidade: três países latino-americanos – Argentina, Brasil e Peru; e três países europeus – Bulgária,
6 Para maiores informações sobre o estudo da OCDE sobre o combate a cartéis em licitações no Brasil (OECD, 2021a).
7 Para maiores informações sobre o estudo do Cade-OCDE nos setores de portos e aviação civil (OECD COMPETITION,
2021).
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Croácia e Romênia. Os processos de acessão buscam examinar a aderência dos países-candidatos
aos padrões da OCDE em termos de políticas públicas variadas que incluem a defesa da concorrên-
cia, a proteção do consumidor, o respeito ao meio-ambiente e a políticas sustentáveis, questões
tributárias e a governança corporativa de instituições públicas. Em geral, esses processos tomam
alguns anos, para que os diferentes comitês temáticos da OCDE possam fazer essas avaliações e ela-
borar recomendações de aprimoramento.
Para o Brasil, isso representa uma oportunidade de implementar reformas, aprimorando as
políticas públicas do país. No campo da defesa da concorrência, o Brasil poderá sedimentar de vez o
seu papel precursor na evolução do tema no mundo. Como integrar questões de proteção de dados
na análise concorrencial? Como melhorar os marcos normativos e o ambiente de negócios no país?
Como investir nos servidores públicos e aumentar os índices de performance das autoridades da
concorrência? Como aprimorar a relação com o Poder Judiciário, considerando que as decisões de
condenação de cartel são frequentemente objeto de ações judiciais, usualmente mais morosas que
a esfera administrativa? Esses são exemplos de questões importantes para diversas jurisdições, que
não raro recorrem à expertise da OCDE para obter um direcionamento, fórum em que o Brasil poderá
ter uma voz cada vez mais ativa.
Por m, também uma dimensão regional relevante: o Brasil também agrega à OCDE pelo
peso que tem na América Latina e na inuência positiva que pode gerar na região em termos de boas
práticas. De fato, estudos da OCDE e programas de capacitação técnica são campos frequentes de
interação entre a OCDE e os países que buscam melhorias constantes em suas políticas públicas, nos
quais o trabalho da OCDE com o Brasil encontra benefícios tanto a nível nacional, quanto regional.
Isso explica o crescente interesse dos países da região em conhecer a experiência brasileira, tanto
nos casos concretos quanto na parte de gestão administrativa de uma autoridade da concorrência.
Dentre outras formas, as contribuições do Cade podem ser visualizadas no número de intervenções
e publicações no âmbito do Centro Regional de Concorrência da OCDE na América Latina.8
REFERÊNCIAS
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Caderno Cade OCDE. Brasília: Conselho Admi-
nistrativo de Defesa Econômica, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3MvVzZu. Acesso em: 13 mar. 2022.
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COMO CITAR ESTE ARTIGO:
SILVEIRA, Paulo Burnier da. O papel da OCDE no aprimoramento da política de defesa da concorrência
no Brasil: um breve balanço por ocasião dos 10 anos da Lei nº 12.529/2011. Revista de Defesa da
Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 30-39, 2022. DOI: https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993. Disponível
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