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SALGADO, Lucia Helena. Avaliando a ecácia da política brasileira de combate aos cartéis:
dissuasão ou promoção? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1., p. 7-29, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
leitura, segundo a qual tudo se passa como se incentivos a orientar estratégias fossem homogêneos32,
não encontra respaldo na teoria econômica. Shapiro (2007) nos ensina que:
Assimetrias em participações de mercado tendem a tornar mais difícil a sustentação
da colusão. Para propósitos ilustrativos, suponha que a rma i tenha a participação
de mercado de si. A condição para que a rma deserte é siπ(P)/(1−δ) >π(P), que pode
ser escrito como si >1−δ. Essa condição será atingida com diculdade extrema pela
rma com a menor participação de mercado, na medida em que essa rma está
sujeita à maior tentação de ganhar participação antes que as outras rmas possam
responder e, ao mesmo tempo, tem menos a perder em lucros com a punição
que leva o lucro de todas as rmas para igualarem-se a zero (…). A rma menor
desempenha o papel de maverick, quer dizer, a rma mais inclinada à deserção com
relação ao resultado colusivo (SHAPIRO, 2007, p. 36).
Embora seja instrutivo, o modelo simples (que supõe simetria entre posições de
mercado e custos) é incapaz de capturar os outros fatores mencionados acima,
os quais tendem a ser ainda mais importantes na prática. De particular relevo é a
tentação a que está sujeita uma rma pequena para declinar da participação do
arranjo colusivo ou secretamente oferecer preços mais baixos a seus clientes para
atender, digamos, 4% em vez de 2% do mercado. Uma vez que cortes de preços
adotados por uma rma pequena são menos provavelmente observados ou inferidos
pelas outras rmas do que seriam cortes de parte de rmas maiores, a presença
de rmas pequenas no mercado que são capazes de se expandir é especialmente
disruptiva para a colusão efetiva” (SHAPIRO, 2007, p. 36, tradução nossa)33.
Coagir as empresas menores a participarem de um acordo, com ameaça crível de retaliação,
é a estratégia dominante para as empresas de maior porte, enquanto operar de forma independente
– em deserção ao cartel – ao tempo em que “se guarda as aparências” de modo a evitar a retaliação,
é a estratégia dominante para as empresas da franja.
A estratégia dominante torna-se organizar um cartel, coagir a franja do mercado a respeitar
suas normas - seja compartilhar informações sobre preços e propostas a clientes potenciais, seja
participar de reuniões convocadas pelas líderes - sob pena de retaliação capaz de inviabilizar a
sobrevivência no mercado das concorrentes menores e, no momento seguinte, consolidar os ganhos
obtidos durante a organização do cartel obtendo a imunidade conferida pelo acordo de leniência34.
Harrington (2009, p. 42) reforça o ponto feito acima, em análise da colusão entre rmas com
diferentes fatores de desconto – diferentes valorações de ganhos por curso de ação no curto e longo
32 Implicitamente supõe a aplicação de um modelo simples com empresas idênticas em tamanho e custo.
33 Asymmetries in market shares tend to make it more dicult to sustain collusion. For illustrative purposes, suppose
that firm i has a market share of si.
The condition for this firm to cooperate rather than defect is siπ(P)/(1−δ) >π(P), which can
be written as si >1−δ . This condition will be most dicult to meet for the firm with the smallest market share, since this firm has
the greatest temptation to gain share before the other firms can respond and also the least profits to lose from punishment that
renders all firms’ profits equal to zero. Defining smin as the market share of the smallest firm, we get δ*=1−smin >1−1/N, so the
firms must be more patient to sustain the collusive outcome. The smallest firm plays the role of the maverick, that is, the firm
most prone to defection from the collusive outcome. While instructive, this simple model is unable to capture the other factors
noted above, which tend to be even more important in practice. Of particular note is the temptation of one relatively small firm
to decline to participate in the collusive arrangement or secretly to cut prices to serve, say 4% rather than 2% of the market. As
long as price cuts by a small firm are less likely to be accurately observed or inferred by the other firms than are price cuts by
larger firms, the presence of small firms that are capable of expanding is especially disruptive to eective collusion (SHAPIRO,
2007, p. 36).
34 consolidação dos ganhos integrais, no caso de proposição de acordo à autoridade antes da abertura de investiga-
ção, e parcial, no caso da investigação já encontrar-se em curso.