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SALGADO, Lucia Helena. Avaliando a ecácia da política brasileira de combate aos cartéis:
dissuasão ou promoção? Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1., p. 7-29, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
Ellis e Wilson (2001, apud SPAGNOLO, 2006), por exemplo, mostram7 que um programa de
leniência pode induzir membros de um cartel a delatar o arranjo colusivo à autoridade antitruste
tendo por objetivo prejudicar os competidores, é dizer, aumentar os custos marginais (futuros) dos
rivais através de multas e prisões dos administradores, ganhando assim uma vantagem estratégica
rentável na fase competitiva seguinte. Adicionalmente, os autores mostram que a existência do
instituto da leniência prevista em lei tem o efeito de estabilizar ainda mais os cartéis, pois pode ser
utilizado como mecanismo de punição aos que desviam do acordo colusivo, tornando-se perfeito
instrumento para punir desvios, sobretudo se o programa de leniência for restrito a primeira rma
que denunciar o cartel (LIMA, 2016, p. 32).
Cabe lembrar que a discussão em Direito e Economia (Law & Economics) sobre dissuasão
ótima surge na jurisdição norte-americana, onde a maior parte dos casos de cartéis se dá na esfera
privada8. O critério de treble damage é de dissuasão e reparação de danos. Na jurisdição brasileira, a
função de dissuasão é de competência do Cade, já a reparação de dano, direto ou indireto, causado
a clientes e consumidores, é assunto da esfera judicial cível. Um dos critérios estabelecidos pelo
legislador brasileiro na denição de multa – o primeiro entre os elencados – é a vantagem auferida
(quando for possível a sua estimação, aposto incluído por cautela para garantir que a punição
dissuasória a ser aplicada pelo julgador não dependesse dessa condição). Entretanto, não é de certo
o único critério para a denição de penalidade a ser aplicada ao infrator estabelecido pelo legislador
para o julgador (art. 37 da Lei nº 12.529/2011)9.
Por outro lado, no Brasil como em outras jurisdições, a punição não se extingue com a
aplicação de multa pecuniária. Há outros elementos punitivos somados à estipulação de multa,
cujo potencial gravoso é signicativo. Imagem, reputação, são ativos intangíveis de valor crucial no
mercado, hoje de forma mais explícita, no milênio da imagem e da informação em que vivemos, mas
na verdade desde que contratos são fundamentais para a realização de negócios, pois conança é
ingrediente sem o qual contratos não são rmados. Ao ser acusada de uma prática de cartel, admiti-
la em um termo de cessação ou ser publicamente condenada, a rma rompe a relação de conança
do mercado para com ela, sobretudo diante de seus clientes atuais a potenciais. O comprometimento
do valor dos ativos intangíveis de imagem, nome e reputação compõe parte essencial da punição
dissuasória representada por um processo antitruste em prática de cartel. Não à toa, muitas precisam
reestruturar-se completamente e enfrentam processos de recuperação judicial. Emblemático é o caso
da Siemens AG, que após rumoroso processo envolvendo corrupção governamental, reorganizou-se
integralmente, trocando seu comando mundial e adotando rigoroso programa de compliance em
escala mundial.
O Cade, seguindo o determinado pela legislação, há muito que exerce a função de punir
por meios que transcendem os imediatamente pecuniários, e de forma exemplar. Diz-se exemplar
porque o Cade é das autoridades antitruste mais transparente do planeta. A publicidade de seu
processo decisório sempre foi uma marca de sua atenção diante do mercado. As sessões decisórias
7 com um modelo dinâmico de oligopólio à la Bertrand com produtos diferenciados.
8 A discussão está presente desde os debates originários, em torno da promulgacao da lei Sherman, em 1890. A res-
peito ver Connor e Lande (2005).
9 São 8 os fatores arrolados para a dosimetria no Art. 45 da lei. “Na aplicação das penas estabelecidas nesta Lei,
levar-se-á em consideração: I - a gravidade da infração; II - a boa-fé do infrator; III - a vantagem auferida ou pretendida pelo
infrator; IV - a consumação ou não da infração; V - o grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacio-
nal, aos consumidores, ou a terceiros; VI - os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado; VII - a situação econômica
do infrator; e VIII - a reincidência” (BRASIL, 2011).