109108
KOURY, Suzy; OLIVEIRA, Lia Arrais. Novos Rumos do Direito da Concorrência: O Controle
do Monopólio e a Proteção ao Consumidor na Economia de Dados Pessoais com base
na Lei 12.529/2011. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 87-108, 2022.
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.970
A POSSIBILIDADE DE CONCES-
O DE IMUNIDADE CRIMINAL
AO SIGNATÁRIO DOS TERMOS
DE COMPROMISSO DE CESSA-
ÇÃO DE CONDUTA NO CADE1
The Possibility of Granting Criminal Immunity to the
Cease and Desist Agreement Applicant
Alexandre Barreto de Souza2
Universidade de Brasília (UNB/DF) - Brasília/DF, Brasil
Raquel Mazzuco Sant’Ana Possamai3
Universidade Federeal de Santa Catarina (UFSC/SC) - Santa Catarina/SC, Brasil
Waldir Alves4
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS/RS) - Porto Alegre/RS, Brasil
RESUMO ESTRUTURADO
Contextualização:O artigo analisa a possibilidade de concessão de imunidade criminal ao signatário
do Termo de Compromisso de Cessação de Conduta (TCC) junto ao Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade), mediante a também assinatura de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) junto
ao Ministério Público, em casos de cartel.
Objetivo: Analisar a possibilidade de concessão de imunidade criminalao signatário do TCC no Cade
Editor responsável: Prof. Dr. Luis Henrique Bertolino Braido, Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
OCIRD: https://orcid.org/0000-0001-6085-1446.
1 Recebido em: 28/03/2022 Aceito em: 24/05/2022 Publicado em: 09/06/2022
2 Doutorando em Ciência Política pela Universidade de Lisboa, mestre em Administração Pública pela Universidade
de Brasília, especialista e bacharel em Administração Pública pela Universidade de Brasília. Funcionário público de carreira
desde 1993, foi presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica de 2017 a 2021 e atuou em órgãos como Tesouro
Nacional, Receita Federal, Senado Federal e Tribunal de Contas da União (TCU). E-mail: alexandre.barreto@cade.gov.br. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4965391777998697. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3395-6581.
3 Doutoranda em Direito Econômico pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC.) Mestrado em Direito Econô-
mico (interrompido) pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialização em Ciências Criminais Complexo de
Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC). Especialização em Defesa da Concorrência e Direito Econômico (em andamento)
Fundação Getúlio Vargas (FGV). Graduação em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Coordenadora-Geral
de Análise Antitruste na SG/Cade. Email: raquel.mazzuco@cade.gov.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/3300004683185243. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-1052-0416.
4 Doutor em Direito do Estado e Teoria do Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Represen-
tante Titular do Ministério Público Federal (MPF) junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Procurador
Regional da República. Membro Suplente da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (Ordem Eco-
nômica e Consumidor). Especialista em Direito Tributário pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB). Professor
da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). Professor convidado da Pós-Graduação LL.M. em Direito da Fun-
dação Getúlio Vargas (FGV). E-mail: alveswaldir@hotmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9173197745708860. ORCID: https://
orcid.org/0000-0002-2405-2580.
6
111110
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
por meio de cooperação com o Ministério Público.
Método: O objetivo pode ser alcançado através da análise de acordos especícos rmados com o
Cade em junho de 2021, conjuntamente com o Ministério Público do Rio Grande do Sul, por meio de
celebração de ANPPs.
Resultados: Através daatuação conjunta da Autoridade Concorrencial com o Ministério Público, em
especial na celebração dos TCCs negociados pela Superintendência-Geral no caso de cartel especíco,
foi concedida a extinção da punibilidade criminal para as pessoas físicas signatárias.
Conclusões:A celebração conjunta do TCC com o Cade e do ANPP com o Ministério Público traz
efetividade para o sistema de acordos de colaboração premiada do Cade, bem como aprimoramento
à política de repressão a cartéis no Brasil.
Palavras-Chave: Imunidade Criminal. Termo de Compromisso de Cessação (TCC). Acordo de Não
Persecução Penal (ANPP). Cooperação interinstitucional. Direito Antitruste. Direito Penal.
STRUCTURED ABSTRACT
Contextualization:The paper addresses the possibility of the Brazilian antitrust authority, CADE,
granting criminal immunity to the applicant of a Cease and Desist Agreement (TCC) when they also
sign a Non-Prosecution Agreement (ANPP) with the Prosecution Services in cartel cases.
Objective:To analyze the possibility of CADE granting criminal immunity to the applicant of a Cease
and Desist Agreement in cooperation with the Brazilian Prosecution Services.
Method:The analysis of specic agreements applicants signed with CADE in June 2021 and Non-
Prosecution Agreements executed with the Prosecution Services of the state of Rio Grande do Sul.
Results: Through the joint work of the two authorities, particularly in negotiating Cease and Desist
Agreements with CADE’s Ofce of the Superintendent General in a particular cartel case, the applicants
were granted criminal immunity.
Conclusions: By simultaneously signing Cease and Desist Agreements with CADE and Non-Prosecution
Agreements with the Prosecution Services, CADE leverages its agreement system and the anti-cartel
policy improves in Brazil.
Keywords: Criminal Immunity. Cease and Desist Agreement. Non-Prosecution Agreement (ANPP).
Inter-institutional cooperation. Antitrust Law. Criminal Law.
Código de classicação JEL: K21
Sumário: 1. Introdução; 2. A negociação dos Termos de Compromisso de
Cessação de Conduta no Cade; 3. A possibilidade de negociação conjunta de
Termos de Compromisso de Cessação de Conduta e Acordos de Não Persecução
Penal entre Cade e Ministério Público; 4. Os Termos de Compromisso de
Cessação de Conduta celebrados em cartel: garantia da imunidade criminal
ao investigado; 5. Considerações nais; 6. Referências Bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
111110
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
A garantia da imunidade criminal ao signatário (investigado ou representado em Procedimento
Administrativo Sancionador junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade) não é um
benefício previsto para o celebrante do Termo de Compromisso de Cessação de Conduta (TCC). No
entanto, como evolução natural da cooperação entre Cade e Ministério Público, uma forma inédita
encontrada pela Autoridade Antitruste em garantir ao administrado a extensão dos benefícios do
acordo, foi a negociação concomitante, em um caso concreto, de acordos de TCC e Acordo de Não-
Persecução Penal (ANPP) que garantirão às pessoas físicas signatárias, se cumpridos os requisitos
dos acordos, tanto o arquivamento dos Processos Administrativos junto ao Cade, quando a extinção
da punibilidade no âmbito criminal.
O presente artigo, portanto, apresenta como ferramenta jurídico processual a cooperação
entre a Autoridade Concorrencial, Cade, que possui jurisdição em todo território nacional5 e o
Ministério Público, Instituição Permanente conforme previsão constitucional6, por meio da negociação
simultânea de acordos de TCCs e ANPPs, no âmbito do combate a condutas colusivas, especialmente
o cartel, que congura tanto infração administrativa quanto tipo penal especíco, previsto pela Lei
nº 8.137/1990 (BRASIL, 1990).
Para tanto, primeiramente, será traçado breve histórico da inserção dos TCCs no ordenamento
jurídico pátrio, bem como será abordada a evolução dos métodos de negociação dos TCCs, incluindo
a melhoria dos incentivos tanto ao administrado que venha a celebrar acordos com o Cade, quanto à
Autoridade Antitruste, por meio do robustecimento das investigações em Processos Administrativos
Sancionadores de repressão a condutas colusivas.
No segundo momento, trataremos do cerne da pesquisa, qual seja, a interessante e inovadora
possibilidade de concessão de imunidade criminal ao signatário de TCC, através da celebração
concomitante do ANPP com o Ministério Público, titular da Ação Penal para o crime de cartel. Para
tanto, vericar-se-á a base legislativa do instrumental processual, exemplicando a sua natureza
jurídica, o cabimento da medida e os principais efeitos da referida concessão da imunidade criminal
pela via do ANPP.
Por m, com base nas pesquisas analisadas e na prática concorrencial, será procurado
demonstrar a efetiva possibilidade de garantir ao investigado a extinção da punibilidade criminal
para o crime de cartel, conforme análise a ser procedida em caso concreto de cartel especíco7,
analisado pela Coordenação Geral de Análise Antitruste 6, da SG/Cade, no qual foram celebrados
quatro TCCs em junho de 2021. Os referidos termos foram celebrados conjuntamente e de forma
inédita com o Ministério Público, que de forma concomitante rmou ANPPs com quinze investigados
na seara criminal, referente ao mesmo caso.
Ao nal, com base nos acordos rmados, será vericada a efetividade da colaboração
conjunta entre o Cade e o Ministério Público em casos de cartel, bem como se essa cooperação pela
via de negociação conjunta de TCCs e ANPPs pode gerar benefícios ao administrado.
5 A Lei Federal 12.529/2011 estabelece a jurisdição Federal da Autarquia nos seguintes termos: Art. 4º O Cade é
entidade judicante com jurisdição em todo o território nacional, que se constitui em autarquia federal, vinculada ao Ministério
da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, e competências previstas nesta Lei (BRASIL, 2011).
6 A Constituição da República Federativa do Brasil consagra o Ministério Público como Instituição Permanente no
artigo 127, que assim dispõe: O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
7 BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo Administrativo nº 08700.004404/2016-62.
113112
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
2. A NEGOCIAÇÃO DOS TERMOS DE COMPROMISSO DE CESSAÇÃO DE
CONDUTA NO CADE
Dentre os diversos tipos de acordo que podem ser rmados pelo Cade, merece destaque
o TCC, o qual tem se revelado um importante instrumento na política de combate a condutas
anticoncorrenciais no Brasil, especialmente os cartéis. Trata-se de um termo rmado entre a
Autoridade Antitruste e acusados ou investigados (empresas e/ou pessoas físicas) por conduta que
possa afrontar a Ordem Econômica, com o to de cessar a prática investigada, bem como seus efeitos
prejudiciais à concorrência8.
A celebração de acordos como o TCC tem sido uma prática cada vez mais frequente, como
forma de fazer cessar condutas investigadas pelo Cade. Para o Cade “as resoluções consensuais
com as partes, além de produzirem efeitos imediatos, diminuem a possibilidade de a decisão do
Conselho ser levada posteriormente à Justiça” (BRASIL, 2013, p. 129), o que representa fortalecimento
institucional e eciência no controle de condutas, pela economia de recursos investigados e por
minimizar o tempo de persecução processual.
Além do mais, a negociação de TCCs encontra-se em alinhamento com as melhores práticas
internacionais, podendo ser destacado como instrumento capaz de produzir resultados benécos
tanto para os agentes de mercado quanto para o próprio Estado (MARRARA, 2015, p. 379).
Tanto é assim que, em 2019, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OECD, 2019) reconheceu os aspectos positivos elencados no Guia do Cade referente ao Termo de
Compromisso de Cessação de Conduta para casos de cartel, indicando que o referido trabalho
proporciona maior transparência e previsibilidade, estabelecendo a prática e os parâmetros já
utilizados pelo Cade na negociação de acordos de cessação e desistência nos últimos anos.
De acordo com a própria OCDE, as diretrizes também detalham o método de avaliação do
nível de cooperação dos proponentes a m de estabelecer a percentagem de desconto, bem como
os critérios utilizados para calcular a “estimativa da multa. Vale ressaltar que o referido Guia de TCC,
elaborado pelo corpo técnico do Cade, o qual é reexo direto da atuação da Autarquia, recebeu o
prêmio “Melhor Instrumento de Soft Law” (Cade, 2016) pela Antitrust Writing Awards na categoria de
Práticas Concertadas.
No entanto, referido instrumento precisa se adaptar à realidade dos investigados para que,
dentro da conveniência e oportunidade da Administração, continue gerando incentivos que resultem
na celebração de acordos a cada vez com mais segurança e previsibilidade às partes. Nesse sentido,
é importante entender o conceito do referido termo, e também como se dá o procedimento de
negociação junto à Autoridade Antitruste para, então, analisarmos as possíveis evoluções em se
tratando de cooperação interinstitucional e concessão de benefícios ao signatário.
A celebração do TCC consiste em suspender o prosseguimento da investigação em relação ao
signatário durante o cumprimento dos termos do acordo em troca do cumprimento das obrigões
previstas no termo. O TCC tem previsão no Ordenamento Jurídico Antitruste desde a Lei nº 8.884/1994,
permitida a qualquer tipo de conduta. Com a Lei nº 10.149/2000, os TCCs caram vedados para casos
de cartéis, o que voltou a ser autorizado posteriormente com a alteração introduzida pela Lei nº
8 Na perspectiva do Direito da Concorrência apresentada como centro de preocupação do Direito Econômico (FONSECA,
2015, p. 318).
113112
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
11.482/2007.
Até 2012, o Cade já havia celebrado mais de quarenta TCCs em investigações em andamento
para cessar práticas potencialmente prejudiciais ao mercado, à concorrência e ao consumidor
(BRASIL, 2016a). Na Lei nº 12.529/2011, a celebração do acordo está prevista no art. 85, o qual expressa
que “o Cade poderá tomar do representado compromisso de cessação da prática sob investigação
ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade, devidamente
fundamentado, entender que atende aos interesses protegidos por lei” (BRASIL, 2011).
É de se destacar que em 2016, o Cade e o Grupo De Combate a Cartéis da Procuradoria da
República em São Paulo (PRSP/MPF) rmaram o Memorando de Entendimento 01/2016 (BRASIL,
2016c), o qual tratou da coordenação institucional envolvendo Termos de Compromisso de Cessação
e Acordos de Colaboração em Investigações de Infrões contra a Ordem Econômica.
O referido Memorando expôs de forma clara as duas formas premiais no processo
administrativo sancionador, quais sejam: (i) Acordo de Leniência; e (ii) Termo de Cessação de Conduta
(TCC); elencado pontualmente: 1. Objetivo; 2 Cooperação e Coordenação; 3. Proposta de Negociação;
4. Independência entre as Instâncias; 5. Celebração; e 6. Garantias.
Além do Memorando nº 01/2016, o Cade e o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP/
SP) rmaram o Memorando de Entendimento nº 29/2019 (BRASIL, 2019a), que tratou da coordenação
institucional envolvendo Termos de Compromisso de Cessação e Acordos de Colaboração em
Investigações contra a Ordem Econômica.
O Memorando nº 29/2019 pontua de forma categórica as diferentes modalidades de
colaboração pelos agentes econômicos envolvidos em apurões de condutas nocivas à Ordem
Econômica com reexos imediatos na seara penal, a saber: (i) Acordo de Leniência9; (ii) Acordo de
Colaboração Premiada10; e (iii) Conssão qualicada pela delação11.
Na presente pesquisa, buscar-se-á relacionar a possibilidade de negociação simultânea
da proposta de TCC conjuntamente com o ANPP, razão pela qual prosseguiremos a a análise dos
procedimentos da primeira forma premial, relativa ao processo administrativo sancionador.
As propostas de TCC direcionadas à Autoridade Concorrencial, são recebidas pelo Cade em
la única, por meio de sistema de senhas chamado markers, para a mesma conduta anticompetitiva
investigada. Além disso, o requerimento de TCC poderá ser solicitado somente uma única vez (one
shot only) e não suspende o andamento do processo administrativo referente à investigação da
conduta investigada (objeto do TCC). No entanto, enquanto estiver sendo cumprido o compromisso
do acordo, o processo cará suspenso em relação ao signatário, sendo arquivado quando atendidas
as condições estabelecidas e decorrido o prazo xado. O processo administrativo tramitará
normalmente em relação aos demais representados não signatários.
O requerimento do acordo deve ser proposto mediante os requisitos mínimos legais12, sendo
9 Art. 86 da Lei nº 12.529/2011 (BRASIL, 2011).
10 Art. 4º da Lei nº 12.850/2013, que pode vir a auxiliar na persecução das infrações contra a Ordem Econômica, em
momento posterior à celebração do Acordo de Leniência, tendo como elemento de distinção sua qualicada bilateralidade e
a necessidade da atuação do colaborar apresentar resultados especícos.
11 Art. 16 da Lei nº 8.137/1990, que também pode vir a auxiliar na persecução das infrações contra a Ordem Econômica
mesmo em momento posterior à celebração do Acordo de Leniência e do Acordo de Colaboração Premiada, sendo suciente
a conssão da trama delituosa e a inclusão dos demais membros do delito que se deu em concurso de pessoas.
12 Lei nº 12.529/2011. Art. 85. Nos procedimentos administrativos mencionados nos incisos I, II e III do art. 48 desta Lei, o
115114
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
eles: (i) especicação das obrigações do representado a m de cessar a prática da conduta investigada
ou seus efeitos lesivos; (ii) xação do valor da contribuição pecuniária ao Fundo de Defesa de Direitos
Difusos (FDD), quando cabível; (iii) xação do valor da multa para o caso de descumprimento, total ou
parcial, das obrigões compromissadas; (iv) reconhecimento de participação na conduta investigada;
e, (v) colaboração do compromissário com a instrução processual (nos casos que o requerimento de
TCC for protocolado na Superintendência-Geral – SG/Cade).
Assim, acaso o acordo seja celebrado perante a SG/Cade, a autoridade levará em conta a
colaboração do compromissário com a instrução processual, a saber, apresentação de informações e
documentos que auxiliem a SG/Cade na identicação dos demais participantes da conduta e na sua
comprovação. Tais informações e documentos sobre a descrição da conduta serão compilados em
um documento elaborado pela SG/Cade chamado Histórico da Conduta (HC).
As informações e documentos disponibilizados pelo Compromissário terão tratamento
condencial, sendo deferido a critério do Cade, tratamento de acesso restrito ao requerimento
de TCC, seus termos e andamento processual. No entanto, o termo passará a ter caráter público
dentro de cinco dias após a sua celebração. Caso o acordo não seja rmado, todos os documentos
disponibilizados serão devolvidos ao requerente, sem cópia remanescente junto ao Cade, que
não poderá utilizar desses documentos e informações para quaisquer ns, a não ser que tais
informações sejam levadas a conhecimento da autarquia por outros meios. Na hipótese de o termo
ser descumprido, serão aplicadas as sanções previstas, bem como voltará a tramitar o processo
administrativo contra o representado.
Outro requisito importante é o pagamento da contribuição pecuniária pelo signatário.
Especicamente para os casos de cartel (acordo, combinação, manipulação ou ajuste entre
concorrentes13 em relação a preços, quantidades, divisão de mercado ou fraude ao caráter competitivo
de licitações), o signatário terá a obrigação de recolher contribuição pecuniária ao FDD14, o qual
deverá ser estabelecido durante a negociação do acordo, não sendo inferior à pena mínima prevista
no art. 37 da Lei nº 12.529/2011 (BRASIL, 2011).
O valor da contribuição pecuniária, nesses casos, levará em consideração a participação do
signatário na conduta, a utilidade da sua colaboração para a instrução processual, bem como o
momento de apresentação da proposta. Nesse caso, serão observados parâmetros de desconto da
Cade poderá tomar do representado compromisso de cessação da prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre
que, em juízo de conveniência e oportunidade, devidamente fundamentado, entender que atende aos interesses protegidos
por lei.
§ 1º Do termo de compromisso deverão constar os seguintes elementos:
I - a especicação das obrigações do representado no sentido de não praticar a conduta investigada ou seus efeitos lesivos,
bem como obrigações que julgar cabíveis;
II - a xação do valor da multa para o caso de descumprimento, total ou parcial, das obrigações compromissadas;
III - a xação do valor da contribuição pecuniária ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos quando cabível.
§ 2º Tratando-se da investigação da prática de infração relacionada ou decorrente das condutas previstas nos incisos I e II do §
do art. 36 desta Lei, entre as obrigações a que se refere o inciso I do § 1º deste artigo gurará, necessariamente, a obrigação
de recolher ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos um valor pecuniário que não poderá ser inferior ao mínimo previsto no
art. 37 desta Lei (BRASIL, 2011).
13 Art. 185. Tratando-se de investigação de acordo, combinação, manipulação ou ajuste entre concorrentes, o com-
promisso de cessação deverá, necessariamente, conter reconhecimento de participação na conduta investigada por parte do
compromissário (BRASIL, 2019b).
14 O Fundo de Defesa de Direitos Difusos - FDD, criado pela Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, tem por nalidade
a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos.
115114
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
multa esperada: (i) de 30% a 50% para o primeiro representado que requerer o TCC no âmbito da
investigação da conduta de cartel; (ii) de 25% a 40% para o segundo representado que requerer o
TCC no âmbito da investigação da conduta de cartel; e, (iii) de até 25% para os demais representados
que requererem o TCC no âmbito da investigação da conduta de cartel. Se o processo administrativo
estiver tramitando no Tribunal, a redução do percentual da multa esperada será limitada a 15%.
Além do mais, o compromissário necessariamente deverá reconhecer a participação na conduta
investigada, nos termos do art. 185 do Regimento Interno do Cade15.
O procedimento de negociação do TCC pode ocorrer tanto na Superintendência-Geral,
quando houver procedimento preparatório, inquérito administrativo ou processo administrativo
em curso16, ou no Tribunal do Cade, quando os autos do processo administrativo já tiverem sido
remetidos ao Conselheiro-relator, sob a competência do Superintendente-Geral ou do Conselheiro-
Relator, auxiliados por uma Comissão técnica de negociação, formada por, no mínimo, três servidores
da Autoridade Antitruste.
Na SG/Cade, o período de negociação será denido pelo Superintendente-Geral, que poderá
suspender as negociações a seu critério para a realização de diligências. Concluído o período de
negociação, em dez dias o proponente deverá apresentar proposta nal do TCC, que será homologada
ou rejeitada pela autoridade competente.
No Tribunal, o período de negociação deverá ter duração de no máximo trinta dias,
prorrogáveis por igual período, e o Conselheiro-relator também poderá suspender as negociações a
seu critério para realização de diligências. Finalizadas as negociações, o proponente também terá dez
dias para apresentar a proposta nal do TCC, o qual será levado pelo Conselheiro Relator, em caráter
de urgência, com sugestão de homologação ou rejeição, para julgamento no Plenário do Tribunal.
Diferentemente dos benefícios concedidos no Acordo de Leniência17, no TCC não há previsão
de imunidade criminal concedida às pessoas físicas signatárias, mas apenas a redução da multa
aplicável. Isto porque o Acordo de Leniência é um instrumento que cabe somente ao primeiro
participante da conduta que se reportar à autoridade para colaborar, podendo angariar benefícios
da imunidade total ou parcial tanto na esfera administrativa quanto criminal.
Nem se poderia cogitar uma linha de raciocínio diversa, uma vez que a estrutura de incentivos
da colaboração premiada no âmbito do Cade foi desenhada de forma que a atratividade do Programa
de Leniência18 se dá justamente pelo fato de a empresa ou pessoa física que se candidata ao
benefício, querer ser a primeira19 dentre os outros membros do cartel, obrigando-se a correr contra
15 Art. 185. Tratando-se de investigação de acordo, combinação, manipulação ou ajuste entre concorrentes, o
compromisso de cessação deverá, necessariamente, conter reconhecimento de participação na conduta investigada por parte
do compromissário (BRASIL, 2019b).
16 Nos termos do art. 13, inciso IX, da Lei nº 12.529/2011, e art. 190 do RiCade, o Superintendente-Geral poderá propor,
de ofício, TCC ao administrado (BRASIL, 2019b).
17 Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipicados na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais
crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipicados na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipi-
cados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos
termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação
ao agente beneciário da leniência. Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automatica-
mente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo (BRASIL, 1990).
18 O Guia “Programa de Leniência Antitruste do Cade” estabelece rico entendimento sobre a atuação do Órgão (BRASIL,
2016b).
19 O Acordo de Leniência é instrumento disponível apenas ao primeiro agente infrator a reportar a conduta anticon-
correncial coletiva (artigo 86, §1º, inciso I da Lei nº 12.529/2011), cujos benefícios, que podem chegar até a imunidade total, são
117116
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
o tempo para oferecer à Autoridade Concorrencial informações e documentos que comprovem a
conduta investigada, em troca de melhores benefícios, o que lhe concede relevância na atuação do
Cade, constituindo importante instrumento de negociação na defesa da concorrência e no combate
a cartéis e às práticas anticoncorrenciais (BAGNOLI, 2017, p. 382).
Portanto, aos agentes econômicos que celebram os TCCs, o benefício se restringe à suspensão
do processo no âmbito administrativo no Cade, cando as pessoas físicas que colaboraram com a
Autoridade Concorrencial sujeitas a responderem criminalmente às jurisdições penais.
Fica, portanto, a critério do signatário, negociar concomitantemente com o Ministério Público,
titular a Ação Penal que venha a investigar ou esteja investigando a mesma infração investigada pelo
Cade, eventual acordo para garantir sua imunidade criminal, o que poderá ser feito paralelamente à
negociação do TCC, com auxílio da SG/Cade na interlocução entre autoridade e proponentes.
3. A POSSIBILIDADE DE NEGOCIAÇÃO CONJUNTA DE TERMOS DE
COMPROMISSO DE CESSAÇÃO DE CONDUTA E ACORDOS DE NÃO
PERSECUÇÃO PENAL ENTRE CADE E MINISTÉRIO PÚBLICO
Antes mesmo da publicação da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, o Conselho Nacional
de Justiça – CNJ já referia a necessidade de buscar “soluções alternativas no Processo Penal que
proporcionem celeridade na resolução dos casos menos graves, publicando a Resolução nº 181, de
7 de agosto de 201720, prevendo a possibilidade de formulação de acordo de não persecução penal
pelo Ministério Público quando não fosse o caso de arquivamento do procedimento investigatório
criminal (art. 18)21.
A Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) inseriu o art. 28-A ao Código de Processo Penal22,
tanto administrativos quanto criminais (artigo 86, §4º c/c artigo 87 da Lei nº 12.529/2011)
20 A Associação dos Magistrados do Brasil – AMB ajuizou a ADI nº 5.790/DF questionando a constitucionalidade da
Resolução nº 181/2017. Porém, com a entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, o requerimento de perda superveniente de seu
objeto se encontra concluso com o Relator Min. Ricardo Lewandowski.
21 Art. 18. Não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não per-
secução penal quando, cominada pena mínima inferior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave
ameaça a pessoa, o investigado tiver confessado formal e circunstanciadamente a sua prática, mediante as seguintes condi-
ções, ajustadas cumulativa ou alternativamente: (Redação dada pela Resolução 183, de 24 de janeiro de 2018) I – reparar
o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo impossibilidade de fazê-lo; (Redação dada pela Resolução n° 183, de 24 de janeiro
de 2018) II – renunciar voluntariamente a bens e direitos, indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou
proveito do crime; (Redação dada pela Resolução 183, de 24 de janeiro de 2018) III – prestar serviço à comunidade ou a
entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local
a ser indicado pelo Ministério Público; (Redação dada pela Resolução 183, de 24 de janeiro de 2018) IV – pagar prestação
pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada
pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função
proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; (Redação dada pela Resolução n° 183,
de 24 de janeiro de 2018) V – cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível
com a infração penal aparentemente praticada. (Redação dada pela Resolução n° 183, de 24 de janeiro de 2018).
22 Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a práti-
ca de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá
propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suciente para reprovação e prevenção do crime, mediante
as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: (Incluído pela Lei 13.964, de 2019) I - reparar o dano ou res-
tituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; (Incluído pela Lei 13.964, de 2019) II - renunciar voluntariamente
a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; (Incluído pela Lei
13.964, de 2019) III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima comina-
da ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei
117116
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
que passou a prever a possibilidade de o Ministério Público propor ANPP, verdadeiro negócio
jurídico extrajudicial, que não requer o prévio oferecimento de denúncia, nem exige uma prestação
jurisdicional propriamente dita (CABRAL, 2018, p. 33).
A natureza jurídica do ANPP como negócio jurídico extrajudicial é conrmada pelos Tribunais
Pátrios, já havendo o STJ23 se manifestado no sentido de tratar-se de negócio jurídico pré-processual
realizado entre o Ministério Público e o investigado, juntamente com o seu defensor, com isso
evitando a propositura de ação penal em determinados tipos de crimes, de modo a otimizar os
recursos públicos.
Diante da existência de indícios de autoria e materialidade delitiva, deve ser analisado o
preenchimento dos requisitos autorizadores da celebração do ANPP, cujas exigências do art. 28-A,
caput, do CPP, são a conssão formal e circunstancial, que a infração penal tenha sido cometida
sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos, além de a medida ser
necessária e suciente para reprovação e prevenção do crime.
Ausentes os requisitos legais objetivos ou subjetivos necessários à celebração do acordo,
como seria o não atendimento aos critérios de necessidade e suciência da medida no caso
concreto (v.g., personalidade voltada ao crime e má conduta social, possuindo conduta criminal
habitual, estaria presente o óbice previsto no art. 28-A, § 2º, inciso II, do CPP24), pode haver a recusa
fundamentada do oferecimento da proposta de acordo de não persecução penal pelo Ministério
Público.
Por se tratar de negócio jurídico pré-processual, cujo recebimento da denúncia encerra a
etapa pré-processual, o STF entendeu ser possível a retroatividade penal benéca, permitindo que
o ANPP seja viabilizado a fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019, mas desde que ainda não recebida a
denúncia, considerando válidos os atos praticados em conformidade com a lei então vigente (v.g.,
denúncia recebida ou existência de sentença penal condenatória ao tempo da entrada em vigor da
Lei nº 13.964/2019)25.
O ANPP como negócio jurídico extrajudicial, deverá ser homologado pelo juízo, que fará o
exame de adequação, suciência e não abusividade das condições dispostas no acordo, podendo
devolver ao Ministério Público a reformulação da proposta de acordo, recusando sua homologação
caso não atenda aos requisitos legais ou quando não realizada a adequação da proposta (art. 28-A,
§§ 4º, 5º, 6º e 7º, do CPP26).
nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) IV - pagar prestação pecuniária, a ser
estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de
interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos
iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) V - cumprir, por prazo
determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal
imputada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (BRASIL, 1941).
23 STJ, AgRg no HC nº 712.029/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF/1ª Região),
v.u., j. 29.3.2022, DJe-STJ de 1º.4.2022.
24 Art. 28-A. (...) § 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses: (...) II - se o investigado
for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou prossional, exceto
se insignicantes as infrações penais pretéritas; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (BRASIL, 1941).
25 STF, HC nº 191.464-AgR, 1ª Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, v.u., j. 11.11.2020, DJe-STF de 25.11.2020.
26 Art. 28-A. (...) § 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz
deverá vericar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade. (In-
cluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 5º Se o juiz considerar inadequadas, insucientes ou abusivas as condições dispostas no
acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo,
119118
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
Segundo o STF, o acusado não tem direito subjetivo ao ANPP, pois o art. 28-A do CPP ao referir
que “poderá” ser proposto o ANPP, na realidade “não obriga o Ministério Público, nem tampouco
garante ao acusado verdadeiro direito subjetivo em realizá-lo”, com o que “permite ao Parquet a
opção, devidamente fundamentada, entre denunciar ou realizar o acordo, a partir da estratégia de
política criminal adotada pela Instituição”27.
O Ministério Público poderá ofertar o ANPP quando não for o caso de arquivamento das peças
investigativas, desde que o acusado confesse formal e circunstancialmente o cometimento de crime
sem violência ou grave ameaça à pessoa, cuja pena mínima seja inferior a quatro anos, considerando
para sua aferição as causas de aumento e diminuição (art. 28-A, § 1º, do CPP), obrigando-se a cumprir
de forma cumulativa e alternativamente, a obrigação de reparar o dano, ou restituir a coisa à vítima,
do que ca dispensado se houver impossibilidade de fazê-lo (art. 28-A, inc. I, do CPP), bem assim
renunciar voluntariamente aos bens e direitos considerados pelo Parquet como instrumento, produto
ou proveito do crime, além de prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período
correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser
indicado pelo juízo da execução (art. 28-A, incs. II e III, do CPP).
O acordante também pode se comprometer a pagar prestação pecuniária à entidade pública
ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução e que tenha, preferencialmente, como
função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito, ou
optar por cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde
que proporcional e compatível com a infração penal imputada (art. 28-A, incs. IV e V, do CPP).
De outro lado, o ANPP é subsidiário em relação ao instituto da transação penal prevista
no art. 76 da Lei nº 9.099/1995 (BRASIL, 1995), sendo vedada a proposição do acordo quando for
cabível a transação penal no âmbito dos Juizados Especiais Criminais (art. 28-A, § 2º, inc. I, do CPP).
Não é possível celebrá-lo quando o investigado seja reincidente ou, então, houver elementos que
indiquem conduta criminosa habitual, reiterada ou mesmo prossional, salvo nas hipóteses de
infrações penais pretéritas insignicantes (art. 28-A, § 2º, inc. II, do CPP), cuja análise denida pelo
STF28 deve observar quatro vetores para reputar insignicante uma conduta penalmente tipicada:
(a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) ausência de periculosidade social da ação; (c)
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da lesão jurídica
com concordância do investigado e seu defensor. (Incluído pela Lei 13.964, de 2019) § 6º Homologado judicialmente o
acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo
de execução penal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender
aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.964,
de 2019) (BRASIL, 1941).
27 “AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL EM RELAÇÃO AO DELITO DE ASSOCIA-
ÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS (ART. 35 DA LEI 11.343/2006). INVIABILIDADE. 1. As condições descritas em lei são requisitos
necessários para o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), importante instrumento de política criminal
dentro da nova realidade do sistema acusatório brasileiro. Entretanto, não obriga o Ministério Público, nem tampouco garante
ao acusado verdadeiro direito subjetivo em realizá-lo. Simplesmente, permite ao Parquet a opção, devidamente fundamenta-
da, entre denunciar ou realizar o acordo, a partir da estratégia de política criminal adotada pela Instituição. 2. O art. 28-A do
Código de Processo Penal, alterado pela Lei 13.964/19, foi muito claro nesse aspecto, estabelecendo que o Ministério Público
‘poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suciente para reprovação e prevenção do crime,
mediante as seguintes condições’. 3. A nalidade do ANPP é evitar que se inicie o processo, não havendo lógica em se discutir
a composição depois da condenação, como pretende a defesa (cf. HC 191.464-AgR/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barro-
so, DJe de 26/11/2020). 4. Agravo Regimental a que nega provimento.” (STF, HC nº 191.124-AgR, 1ª Turma, Rel. Min. Alexandre de
Moraes, v.u., j. 8.4.2021, Dje-STF de 12.4.2021).
28 STF, RHC nº 172.825-AgR, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, v.u., j. 8.4.2021, DJe-STF de 4.5.2021.
119118
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
provocada. Também não pode ser rmado o ANPP acaso o agente tenha sido beneciado nos cinco
anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal
ou suspensão condicional do processo (art. 28-A, § 2º, inc. III, do CPP). Tampouco pode ser celebrado
nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher
por razões da condição de sexo feminino (art. 28-A, § 2º, inc. IV, do CPP) (BRASIL, 1941).
As medidas acordadas pelas partes no ANPP não possuem natureza de sanção penal, por essa
razão também não produzem os efeitos decorrentes da sanção penal, como seria gerar a condição
de reincidência ou a caracterização de antecedentes criminais negativos, pois o acordo busca uma
solução consensual, cujo êxito da negociação é idêntico ou até melhor do que o cumprimento da
pretensão punitiva do Estado que seria alcançado por intermédio de um processo criminal29.
Como instrumento de expansão de uma “justiça consensual, o ANPP possui caráter
multifacetado, pois ao tempo em que alcança uma justiça célere, eciente e processualmente
econômica, também garante – na mesma medida – uma reparação célere à vítima (FERNANDES;
GODOY, 2020, p. 125).
O ANPP conforma os interesses do Estado e do autor do delito: de um lado o acusado, que
assume o crime cometido e se submete ao cumprimento das condições ajustadas cumulativa e
alternativamente com o Estado, e de outro lado o titular da ação penal, que se abstém da persecução
criminal do acusado, desde que levado a bom termo o acordo, resultando na extinção da punibilidade
(LIMA, 2020, p. 218).
Em que pese a transação penal e a suspensão condicional do processo (previstas na Lei nº
9.099/1995) distingam-se do ANPP relativamente à necessidade de conssão, tanto no ANPP quanto
nos institutos da Lei nº 9.099/1995, o cumprimento integral do avençado não afeta o estado de
primariedade do agente, cando apenas registrada como condição para que não seja ofertado novo
acordo em cinco anos (art. 28-A, § 12, do CPP).
O ANPP gura como exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, cujo
acordo de não persecução penal muito se aproxima do princípio da oportunidade, compreendido
como um critério de seleção orientado pelo princípio da intervenção mínima, permitindo ao
Ministério Público estabeleça critérios de seleção em conformidade com a política criminal adotada
pela Instituição30. Tal critério de seleção acaba por aprimorar a atuação dos órgãos de persecução
penal, que se voltam a ações de relevo, evitando a movimentação do Estado em casos de menor
relevância penal.
O critério de seleção de prioridades de política criminal acaba propiciando a conformação
de cooperações técnicas do órgão de acusação (Ministérios Públicos Federal e dos Estados) com os
demais órgãos de scalização e controle da Administração Pública, como a Controladoria Geral da
União – CGU, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, Tribunal de Contas da União –
TCU, Receita Federal do Brasil – RFB, Tribunais de Contas dos Estados - TCEs etc., o que resulta num
melhor ltro de atuação no âmbito da persecução penal, seja em razão da quantidade, seja em razão
29 “Diante da necessidade de se superar o modelo de que nenhum crime deve car impune (nec delicta maneant
impunita), característico da obrigatoriedade da ação penal, sendo esse modelo muitas vezes economicamente inviável e invia-
bilizador de ideias de justiça e eciência na persecução penal, deparou-se com a necessidade da adoção dos acordos penais
fora dos marcos da transação penal e da colaboração premiada, em harmonia com a orientação de intervenção mínima do
sistema penal e do princípio da oportunidade.” (FERNANDES; GODOY, 2020, p. 123).
30 Cf., a propósito, Lima (2020, p. 219).
121120
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
da qualidade das provas obtidas mediante tais colaborões institucionais.
Como destacado no STF ao ser julgado o ARE nº 1.175.65031, para garantir que haja coerência
no âmbito da atuação estatal, há necessidade de atuação coordenada dos entes de controle e do
titular da ação penal pública, com o m maior de evitar que ocorra comportamento contraditório por
parte do Poder Público. É inegável um ambiente de instabilidade e insegurança institucional quando
o investigado, apesar de negociar no âmbito civil-administrativo um benefício concedido por um
órgão de controle (v.g., CGU, TCU etc.32), acaba sendo processado no âmbito cível por outro órgão
estatal que não participou da avença, ou mesmo vê-se submetido à persecução penal em razão da
falta de diálogo interinstitucional por parte do Poder Público.
Além da possibilidade de negociações conjuntas nas áreas cível e administrativa, agora se
agrega o âmbito penal, trazendo para a mesa de negociação o Ministério Público, titular da atribuição
constitucional da ação penal pública33.
Como no ANPP não deagração da ação penal, nem tampouco imposição de sanção penal,
no que se distingue do modelo estadunidense da plea bargain34, justamente pelo fato de que a
natureza jurídica do ANPP é de acordo extrajudicial, somente poderá haver a imposição de pena após
a deagração da persecução penal nas hipóteses de descumprimento do ANPP.
A função institucional do Ministério Público de promover privativamente a ação penal não
impede a participação de órgãos públicos de alta especialização técnica tanto na fase de elaboração
dos termos do ANPP, quanto na fase de cumprimento, quando possivelmente somente a atuação do
órgão técnico seja capaz de identicar o inadimplemento de alguma das obrigões avençadas.
4. OS TERMOS DE COMPROMISSO DE CESSAÇÃO DE CONDUTA
CELEBRADOS EM CARTEL: GARANTIA DA IMUNIDADE CRIMINAL AO
INVESTIGADO
O Acordo de Cooperação Técnica (ACT) rmado entre o Cade e o Ministério Público do
Rio Grande do Sul (MP/RS), assinado em 18.05.2021 (BRASIL, 2021), assim como tantos outros ACTs
rmados entre Cade e outros MPs, dispõe que as instituições se comprometem a compartilhar
documentos, informações e provas de procedimentos e processos apuratórios, nas esferas cível e
criminal, buscando fortalecer o combate a condutas anticoncorrenciais e lesivas à Ordem Econômica,
31 No ARE nº 1.175.650 é discutido o Tema nº 1.043: “A utilização da colaboração premiada no âmbito civil, em ação civil
pública por ato de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público em face do princípio da legalidade (CF, art. 5º,
II), da imprescritibilidade do ressarcimento ao erário (CF, art. 37, §§ 4º e 5º) e da legitimidade concorrente para a propositura
da ação (CF, art. 129, § 1º).” (STF, ARE nº 1.175.650/RG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 25.4.2019, Dje-STF de
7.5.2019).
32 Tal situação foi apontada no julgamento do AI nº 5023972-66.2017.4.04.0000/PR, no qual a 3ª Turma do TRF/ 4ª
Região determinou que a Controladoria-Geral da União – CGU rerraticasse o acordo de leniência celebrado pelo MPF (TRF/4ª
Região, AI nº 5023972-66.2017.4.04.0000/PR, 3ª Turma, Rel. Des. Fed. Vânia Hack de Almeida, v.u., j. 22.8.2017, DEJF/TRF4 de
24.8.2017).
33 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na
forma da lei;
34 Ao realizar o cotejo entre o ANPP e o modelo do plea bargain, Cabral asseverou: “Ora, há uma clara diferença entre o
plea bargain e o acordo de não persecução. No acordo não há aplicação e pena. No plea bargain há efetivamente a aplicação e
uma sanção penal. No acordo, uma vez ocorrendo o seu descumprimento, faz-se necessário o oferecimento de denúncia, com
plena instrução processual para a aplicação de pena. No plea bargain não é necessária instrução; simplesmente, executa-se a
pena” (CABRAL, 2018, p. 34).
121120
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
além de rmarem compromisso de atuar de modo conjunto para aprimorar técnicas e procedimentos
de investigação mediante capacitações técnicas recíprocas.
Embora a colaboração entre Cade e Ministério Público não seja prática recente da autarquia,
tal conjugação de esforços resultou numa forma inédita encontrada pelo Cade de garantir aos
compromissários imunidade criminal em TCCs. O resultado decorreu de colaboração conjunta
com o MP/RS, ocorrida através de acordos35 em investigação de cartéis no mercado de compras de
resíduos animais36, cujo montante em colaboração pecuniária resultou no valor aproximado de R$
18,7 milhões. Nos TCCs, a garantia da imunidade criminal foi dada aos signatários pessoas físicas por
meio de ANPPs, cujas tratativas avançaram conjuntamente.
Antes de entrar no cerne do caso concreto, cabe relembrar que o TCC celebrado pelo Cade
por si só não tem efeito de imunidade criminal ao signatário, uma vez que não pode ter o mesmo
conjunto de benefícios previstos para os signatários do acordo de leniência37. A política de acordos
do Cade prevê que serão dados melhores benefícios ao primeiro que procurar a autoridade para
reportar uma conduta até então desconhecida, com o intuito de desestabilizar a conança entre os
agentes criminosos e provocar uma corrida pelos acordos com a autoridade. Para o Cade, tal estrutura
auxilia na descoberta de ilícitos que dicilmente conheceria de ofício, pois não é fácil a comprovação
da existência de um cartel, por decorrer na maioria das vezes de acordo não escrito (FORGIONI,
2020, p. 156). Portanto, a assimetria de benefícios entre TCC e leniência não deu ao signatário no
TCC o benefício da imunidade criminal. No entanto, tendo como pano de fundo a possibilidade de
cooperação técnica prevista entre Cade e, no caso, o MPRS, há a possibilidade de o investigado
celebrante do TCC celebrar instrumento paralelo para buscar a extinção da punibilidade criminal,
sem que isso prejudique a estrutura de incentivos desenhada para os acordos do Cade.
Daí decorre a importância do caso em apreço. Explica-se. Em 30.06.2021, o Tribunal do Cade
homologou quatro TCCs referentes à investigação no referido mercado. Ao todo, oito empresas
e doze pessoas físicas rmaram acordo com o Cade, reconhecendo a participação no cartel, e
se comprometendo a cessar a prática ilícita, bem como colaborar com a investigação. Ainda,
comprometeram-se a pagar contribuição pecuniária no valor total aproximado de R$ 18,7 milhões
destinados ao FDD.
A persecução da conduta anticompetitiva iniciou com o MP/RS, quando identicou indícios
de cartel no mercado de compras de resíduos animais, através de depoimentos e interceptações
telefônicas, e compartilhou com o Cade a investigação, após autorização do Juízo da 1ª Vara Criminal
de Lageado/RS, tendo em vista a possível aplicação da Lei nº 12.529/2011 (BRASIL, 2011).
Desse modo, no âmbito do Cade, em 2017 foi instaurado Inquérito Administrativo para
apuração de infrações à Ordem Econômica, consistente em indícios de cartel de compra de resíduos
animais em abatedouros e frigorícos por empresas de graxarias e transportadoras de carga. No
35 BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Requerimentos nºs 08700.004894/2020-83, 08700.001488/2021-
40, 08700.001976/2021-57 e 08700.002321/2021-04.
36 BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo Administrativo nº 08700.004404/2016-62 (Aparta-
do Restrito nº 08700.003382/2018-85).
37 “A aproximação de institutos ainda fomenta uma espécie de jogo sobre o posto de primeiro delator, já que somente
este poderia confessar a conduta investigada e não ser, com isso, punido com restrição à liberdade. É bem verdade que tal
situação pode ser interessante do ponto de vista político criminal, uma vez que fomenta a desconança entre os membros de
um grupo delitivo, mas acaba por inibir os “não primeiros” a qualquer espécie de colaboração posterior por receio da respon-
sabilidade penal” (BOTTINI; SOUZA; DELLOSSO, 2013).
123122
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
mesmo ano, foram expedidos mandados de busca e apreensão nos Autos Penais nº 17/2.16.0000727-
0, que teve apoio técnico do CADE, nas sedes de algumas empresas investigadas.
As informações identicadas apontaram para um conluio, ocorrido entre os anos de 2009
a 2018, entre representantes das graxarias e transportadoras de carga com o m de dividir entre si
os pontos de coleta dos resíduos em abatedouros e frigorícos, através de troca de informações
sensíveis.
As condutas são passíveis de tipicação pela Lei de Defesa da Concorrência, em seu art.
36, § 3º, inciso I. No Cade, o processo administrativo ainda se encontra em andamento, em fase de
apresentação de defesa e especicação de provas pelos representados.
Foi em 2021 que os quatro TCCs foram celebrados pela SG/Cade com representados no
referido processo administrativo, pessoas físicas e jurídicas. Durante a negociação, tendo em vista
investigação em trâmite na Promotoria de Justiça Criminal sobre os mesmos fatos, o MP/RS também
negociou ANPPs com investigados em ambas as searas. Os quinze investigados, dos quais 12 foram
signatários nos TCCs do Cade, se comprometeram a prestar serviços à comunidade, e a pagar o valor
total de R$ 5,9 milhões à título de prestação pecuniária pela prática do crime de cartel. Os valores
foram destinados, dentre outras instituições, a hospitais para o combate à Covid-19 (MPRS FIRMA
ACORDO, 2021).
Em sintonia com o trabalho realizado pela SG/Cade e pelo MP/RS, o Ministério Público
Federal junto ao Cade (MPF/Cade) encampou a inovação e se empenhou na sustentação da solução
no Tribunal, na perspectiva da efetividade da aplicação da legislação antitruste no inédito modelo de
concomitante celebração de TCC e ANPP, o que foi decisiva e denitivamente aprovado pela maioria
dos Conselheiros do Tribunal do Cade.
A negociação conjunta dos acordos representou mais um passo importante para o
fortalecimento da cooperação interinstitucional e contribuiu de forma efetiva para a atuação
repressiva e preventiva de combate a cartéis.
erica-se, portanto, que a cooperação da Autoridade Concorrencial com o Ministério Público,
mediante a combinação das negociações entre os Termos de Compromisso de Cessação e os Acordos
de Não Persecução Penal, é ferramenta jurídico processual que merece ser institucionalizada de
modo a gerar mais incentivos na celebração de acordos pelo administrado, que poderá cooperar com
a persecução administrativa e penal em troca de maiores benefícios.
Desse modo, o Ministério Público teve ressaltada a importância da sua atuação no Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC, sendo peça chave para a obtenção da imunidade penal
pelos Representados e, com isso, alcançada a efetividade na resolução da questão investigada.
E relativamente ao jurisdicionado, a atuação da Autoridade Concorrencial com o Ministério
Público, mediante a negociação e celebração conjunta dos TCCs e ANPPs, oferece segurança
jurídica ao investigado, pois cessa o processo administrativo no Cade e soluciona a lacuna sobre a
responsabilidade criminal.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme exposto na breve síntese histórica dos Termos de Compromisso de Cessação no
123122
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
Direito Concorrencial, bem como da atuação harmônica do Cade com o Ministério Público e demais
Órgãos que compõe o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, o Brasil incorporou normas que
também legitimam a atuação conjunta das negociações.
A partir do caso concreto analisado, observou-se que a atuação conjunta das instituições
tem aprimorado as soluções no combate aos carteis e a política de colaboração premiada do Cade,
na medida em que viabiliza aos futuros signatários que não puderam celebrar acordos de leniência,
a possibilidade de colaborarem com o Cade, via TCC, sem, no entanto, terem contra si uma ação penal
para sua responsabilização criminal pelas condutas investigadas, mediante a celebração de ANPP
com o Ministério Público.
Isto porque, nos TCCs, a exigência do reconhecimento de participação na prática investigada
para os casos de acordo, combinação, manipulação ou ajuste entre concorrentes, pode produzir
efeitos na seara penal, uma vez que deixa funcionários, sócios ou administradores das empresas
signatárias do TCC suscetíveis a uma persecução penal, o que pode gerar um desestímulo à celebração
de futuros acordos com o Cade.
Sendo assim, as pessoas físicas signatárias em TCCs podem buscar a alternativa de celebração
concomitante do ANPP junto ao Ministério Público – que passa a ser peça chave para a obtenção
da imunidade penal a m de conter a exposição às implicações penais que possam decorrer da
celebração de TCC e garantir maior segurança jurídica na colaboração com a Autoridade Antitruste.
Portanto, conrma-se que a celebração conjunta do Termo de Compromisso de Cessação de
Conduta (TCC) com o Cade e do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) com o Ministério Público traz
efetividade para o sistema de acordos de colaboração premiada do Cade, bem como aprimoramento
à política de repressão à cartéis no Brasil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADMINISTRATIVE COUNCIL FOR ECONOMIC DEFENSE (CADE). Guidelines on Cease and Desist Agreement
for Cartel Cases (“TCC”). Brasília: Cade, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3LGme58. Acesso em: 12 abr.
2022.
BAGNOLI. Vicente. Direito econômico e concorrencial. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
BOTTINI, Pierpaolo; SOUZA, Ricardo Inglez de; DELLOSSO, Ana Fernanda Ayres. A nova dinâmica
dos acordos de cessação de práticas anticoncorrenciais no Brasil. Revista do IBRAC: Direito da
Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, São Paulo, v. 23, p. 117-139, jan/jun. 2013.
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Acordo de Cooperação Técnica N. 4/2021.
Processo nº 08012.004714/2011-21. Brasília: Cade, 2021. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/
acesso-a-informacao/convenios-e-transferencias/acordos-nacionais/2021/04-2021%20-%20MPRS.
pdf. Acesso em: 16 abr. 2022.
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Balanço 2015. Brasília: Cade, 2016a. Disponível
em: https://bit.ly/3LH2RbW. Acesso em: 12 abr. 2022.
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Defesa da Concorrência no Brasil 50 anos.
Brasília: Cade, 2013. Disponível em: https://bit.ly/3P0V1ga. Acesso em: 11 fev. 2022.
125124
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Programa de Leniência Antitruste do
Cade. Brasília: Cade, 2016b. Disponível em: https://bit.ly/3wMNHfL. Acesso em: 2 abr. 2022.
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Memorando de Entendimento nº 1/2016.
Relativo à coordenação institucional envolvendo termos de compromisso de Cessação e acordos
de colaboração em investigações de infrações contra a Ordem econômica. Brasília: Cade, 2016c.
Disponível em: https://bit.ly/38JYi36. Acesso em: 23 abr. 2022
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Memorando de Entendimento nº 29/2019.
Memorando de Entendimento que entre si celebram o Conselho Administrativo de Defesa Econômica
e o Ministério Público de São Paulo (MPSP) visando a coordenação institucional envolvendo TCC’s
e acordos de colaboração em investigações de infrões contra a ordem econômica. Brasília: Cade,
2019a. Disponível em: https://bit.ly/3MH1yeo. Acesso em: 23 abr. 2022.
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo Administrativo nº 08700.004404/2016-
62 (Apartado Restrito nº 08700.003382/2018-85).
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Regimento Interno do CADE. Brasília: Cade,
2019b.
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Requerimentos nº 08700.004894/2020-83.
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Requerimentos nº 08700.001488/2021-40.
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Requerimentos nº 08700.001976/2021-57.
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Requerimentos nº 08700.002321/2021-04.
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro:
Presidência da República, 1941.
BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Dene crimes contra a ordem tributária, econômica
e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1990.
BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais
e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1995.
BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrões contra a ordem econômica; altera a
Lei nº 8.137, d e 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de
Processo Penal, e a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de
junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Brasília: Presidência
da República, 2011.
CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Um panorama sobre o acordo de não persecução penal (art. 18 da
resolução 181/17 do CNMP). In: CUNHA, Rogério Sanches et. al. (coord.). Acordo de não persecução
penal: Resolução 181/2017 do CNMP com as alterões feitas pela Res. 183/2018. Salvador: Juspodivm,
2018.
FERNANDES, Cassiane Melo. GODOY, Gustavo Renê Mantovani. Acordos de Não Persecução Penal no
Pacote Anticrime: Expansão da Justiça Consensual. Revista Reexão e Crítica do Direito, Ribeirão
Preto, v. 8, n. 1, jan./jun. 2020.
125124
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. Possibilidade
de Concessão de Imunidade Criminal ao Signatário dos Termos de Compromisso de Cessação
de Conduta no Cade. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n. 1, p. 109-125, 2022
https://doi.org/10.52896/rdc.v10i1.993
FORGIONI. Paula A. Os fundamentos do antitruste. 11. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
LIMA, Renato Brasileiro de. Pacote Anticrime: Comentários à Lei nº13.964/19. Salvador: Juspodivm,
2020.
MARRARA, Thiago. Sistema brasileiro de defesa da concorrência: organização, processos e acordos
administrativos. São Paulo: Atlas, 2015.
MPRS FIRMA ACORDO de Não Persecução Penal de R$ 5,9 milhões em investigação de prática de crime
de cartel. Ministério Público do Rio Grande do Sul, 16 set. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3wHuE83.
Acesso em: 15 abr. 2022.
ORGANIZATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Peer Reviews of Competition
Law and Policy: Brasil. Paris: OECD, 2019. Disponível em: https://bit.ly/3rp7xfc. Acesso em: 3 ab. 2022.
ALEXANDRE BARRETO DE SOUZA
O autor foi responsável pelo projeto e esboço inicial, desenvolvimento da metodologia, levantamento
bibliográco, revisão bibliográca, redação, participação ativa nas discussões dos resultados, revisão
crítica com contribuições substanciais, aprovação da versão nal.
RAQUEL MAZZUCO SANT’ANA POSSAMAI
A autora foi responsável pelo projeto e esboço inicial, desenvolvimento da metodologia, levantamento
bibliográco, revisão bibliográca, redação, participação ativa nas discussões dos resultados, revisão
crítica com contribuições substanciais, aprovação da versão nal.
WALDIR ALVES
O autor foi responsável pelo projeto e esboço inicial, desenvolvimento da metodologia, levantamento
bibliográco, revisão bibliográca, redação, participação ativa nas discussões dos resultados, revisão
crítica com contribuições substanciais, aprovação da versão nal.
COMO CITAR ESTE ARTIGO:
SOUZA, Alexandre Barreto de; POSSAMAI, Raquel Mazzuco Sant’Ana; ALVES, Waldir. A Concessão de
Imunidade Criminal ao Signatário do Termo de Compromisso de Cessação de Conduta no Cade por
intermédio do Acordo de Não Persecução Penal. Revista de Defesa da Concorrência, Brasília, v. 10, n.
1, p. 109-125, 2022.