Avaliando a eficácia da política brasileira de combate aos cartéis dissuasão ou promoção?
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Resumo
Contextualização: A legislação antitruste, como toda instituição, requer aperfeiçoamentos de tempos em tempos conforme acumula-se a experiência de sua aplicação, pontos fortes e fracos tornam-se evidentes. No Brasil a legislação passou por diversas reformas sendo a última a que levou à promulgação da Lei nº 12.529/2011. Desde o inicio da aplicacao da lei anterior (Lei nº 8.884/1994), percebia-se a necessidade de melhores instrumentos para o combate aos cartéis. Em 2000 dois instrumentos foram acrescentados à lei: busca e apreensão e acordos de leniência. A lei em vigor altera condições para a adoção desse segundo instrumento.
Objetivo: O ponto que se procura explorar são as consequências não antecipadas da prioridade concedida ao programa de combate aos cartéis em detrimento de uma política mais atenta e severa, tanto preventiva como repressiva, ao abuso de posição dominante. Procura-se examinar à luz da teoria econômica em organização industrial mais recente, os efeitos de mudanças legais que ampliaram a possibilidade de recurso ao instrumento dos acordos de leniência para a organização manutenção ou desmantelamento dos cartéis.
Metodologia: Elabora-se uma análise econômica do direito, a partir da compreensão das características da política de combate aos cartéis e do levantamento empírico dos casos em que houve condenação e uso dos instrumentos de acordos de leniência e colaboração. A análise da lógica econômica da colusão tal como esmiuçada pela moderna teoria da organização industrial é o pano de fundo para a verificação dos efeitos da aplicação da lei antitruste como incentivo para a dissuasão de decisões de formação e manutenção de cartéis.
Resultados: O exame de acordos de leniência e TCC celebrados revela a recorrência do padrão em que há um núcleo duro de empresas dominantes no mercado e uma franja de empresas menores potencialmente à mercê de práticas de coerção e retaliação por parte das firmas dominantes. A oportunidade de leniência total ou parcial fortalece o monitoramento com ameaça de retaliação e gera incentivos adicionais para manutenção das práticas colusivas.
Conclusão: A condução da política antitruste de combate aos cartéis no Brasil merece revisão para que o resultado de sucessivos acordos de leniência celebrados com firmas líderes – na coordenação de cartéis e no mercado – não venha a redundar em menor concorrência, estimulando a organização e perpetuação de cartéis. A análise econômica revela que o cálculo custo-benefício atual induz firmas lideres a denunciar carteis maduros em troca de imunidade total ou parcial. As empresas menores, colhidas na investigação disparada por sua denúncia, fragilizam-se financeiramente ou mesmo têm sua sobrevivência inviabilizada. A(s) firma(s) dominante(s), ao obterem imunidade antitruste aumentam de seu poder de mercado e enfraquecem a franja de firmas que tornava mais custosa e instável a manutenção da colusão.
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