Processo de responsabilização de pessoas jurídicas: a acumulação das penalidades previstas na Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e na Lei Anticorrupção na hipótese de fraude em licitação e contratos públicos praticada por empresas associadas na forma de cartel

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Vítor Xavier

Resumo

Contexto: o microssistema jurídico de combate a corrupção é o conjunto de normas jurídicas que prevê penalidades para aqueles que se apropriam do Estado, corrompendo agentes públicos, para lograr benefícios próprios. Fazem parte desse microssistema diversas leis, dentre as quais a Lei n. 12.529/2011 (Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência) e a Lei n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção). O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e a Controladoria-Geral da União (CGU) têm competências fixadas nessas leis, as quais se pressupõem válidas, e, consequentemente, essas instituições têm o poder-dever de punir os agentes infratores em situações previamente determinadas.


Considerando esse contexto, existe relevante controvérsia sobre a possibilidade de que as empresas que fraudam licitações e contratos associadas em cartel possam ser apenadas concomitantemente pelo CADE e pela CGU. Há autores que alegam que a aplicação conjunta e concomitante dessas sanções configuraria abuso da pretensão punitiva estatal, contrariando em especial os princípios do non bis in idem, da proporcionalidade e da razoabilidade. Por outro lado, este artigo defende o dever de se aplicar a dupla punição, na situação em questão, justamente em razão dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.


Objetivo: avaliar a possibilidade de aplicação conjunta das sanções previstas na Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e na Lei Anticorrupção em situações de fraude em licitações e contratos públicos praticados por pessoas jurídicas associadas na forma de cartel, considerando as diretrizes estabelecidas pelos princípios do non bis in idem, da proporcionalidade e da razoabilidade.


Método: o artigo foi produzido a partir de pesquisa documental, em especial incidente sobre a Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e a Lei Anticorrupção. Além disso, o artigo também se baseou em pesquisa jurisprudencial e bibliográfica, inclusive com a utilização de diversos institutos jurídicos reconhecidos pela doutrina.


Conclusões: o Direito Administrativo Sancionador não possui uma resposta específica e expressa para dosar a multiplicidade de penalidades aplicáveis a uma mesma pessoa jurídica por uma conduta ou um conjunto de condutas infratoras do microssistema jurídico anticorrupção. Dentro da hipótese de fraude em licitação e contratos públicos praticada por pessoas jurídicas associadas na forma de cartel, verificou-se que a aplicação acumulada das sanções previstas na Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e na Lei Anticorrupção é medida razoável e proporcional, não havendo bis in idem haja vista serem condutas autônomas que atingem valores sociais diferentes.

Detalhes do artigo

Seção
Revista de Defesa da Concorrência
Biografia do Autor

Vítor Xavier, Controladoria-Geral da União (CGU) - Belo Horizonte/MG, Brasil

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2003) e em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2002). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2005) e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2022). Atualmente é auditor federal na Controladoria-Geral da União (CGU), desempenhando a função de Presidente de Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. Foi professor do IBMEC, da Escola de Administração Fazendária (ESAF), da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e da Faculdade de Direito da UFMG, dentre outras instituições. Autor do livro "Lei de Acesso à Informação: teoria e prática".

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